Intercomunalismo: as últimas teorizações de Huey P. Newton, “Teórico Chefe” do Partido dos Panteras Negras

Por Delio Vasquez, via ViewPoint, traduzido por Elisa Brasil e Gabriel Slenes

Líder dos Panteras Negras Huey Newton realiza uma coletiva de imprensa em São Francisco depois de voltar de uma reunião com o primeiro-ministro Chinês Chou En-Lai na China. Newton enfrentava seu terceiro julgamento sob a acusação de ter matado um policial. 8 de Outubro de 1971.  


No dia 5 de setembro de 1970, Huey P. Newton, co-fundador do Black Panther Party (Partido dos Panteras Negras), introduziu sua teoria do intercomunalismo na Revolutionary People´s Constitutional Convention (traduzido do inglês “Convenção Constitucional do Povo Revolucionário”) na Philadelphia [1]. Ele depois expandiria sua teoria numa palestra em Boston College em Novembro do mesmo ano e, novamente, em fevereiro de 1971, em um debate conjunto com o psicólogo Erik Erikson durante vários dias em Yale University, e depois em Oakland [2]. As introduções ao seu debate, em Yale, duraram mais do que uma hora mas depois foram sintetizadas em sua publicação futura In Search of Common Ground (Em busca de uma base comum) de cerca de dez páginas [3]. Como base filosófica para suas observações sobre intercomunalismo, essa palestra introdutória incluía um engajamento com os trabalhos de Hegel, Marx, Freud, Jung, Kant, Pierce, James, e outros autores [4]. Partes do material dessa palestra – as perguntas e respostas subsequentes – e outras escritas de Newton foram reunidas, recompostas, e expandidas em sua publicação “Intercomunalismo” de 1974, no mesmo ano em que ele tirou o diploma universitário e fugiu temporariamente para Cuba. Esse texto, até agora, podia só ser acessado através do Dr. Huey P. Newton Foundation Inc. Collection (1986-1994), presente nas coleções especiais da Universidade de Stanford [5]. Ele agora está disponível aqui, pela primeira vez ao público geral – e acompanhado desta introdução.

“A lógica da tese do intercomunalismo é que: o imperialismo leva ao ‘intercomunalismo reacionário,’ ao ‘intercomunalismo revolucionário’, ao comunismo puro e à anarquia. Cada um desses conceitos precisa de definição e redefinição.” [6]

O Partido dos Panteras Negras (na sigla em inglês BPP) foi o último, e provavelmente o mais significativo, dos movimentos políticos revolucionários de esquerda nos Estados Unidos, a enfrentar o imperialismo americano. Em seu auge, o BPP englobava 68 sedes nos Estados Unidos, estabeleceu uma sede internacional na Argélia, treinou agentes no Congo e formou coalizões com organizações políticas em Zimbabwe, Moçambique, África do Sul, Vietnã do Norte e do Sul, Coreia do Norte, Japão, China, Índia, Uruguai, Peru, Nicarágua, Cuba, Palestina, Iraque, Israel, Austrália e toda a Europa [7]. Por fim, o poder e a influência do Partido dos Panteras Negras exigiu um esforço frenético do governo federal dos EUA e da polícia local para destruir sua estrutura e assassinar ou imobilizar seus membros – um esforço que continua até hoje, com dezenas de ex-Panteras ainda presos. [8]

Huey P. Newton, co-fundador do BPP junto a Bobby Seale, foi criado na pobreza em Oakland e estudou em escolas públicas de lá. Mais tarde, ele descreveu sua escolarização como uma experiência humilhante que eliminava qualquer confiança que ele tinha em sua própria habilidade de aprender, deixando-o com os sentimentos de “desespero e futilidade.” “Nós não só nos aceitamos como inferiores; nós aceitamos essa inferioridade como inevitável e inescapável” [9]. Depois de terminar o colegial, ele finalmente foi considerado alfabetizado aos 17 anos, memorizando poemas e lendo a República de Platão várias vezes consecutivas [10]. Então mergulhou nos estudos da filosofia antiga, medieval, e moderna; nas teorias políticas da era Iluminista, Marxista, do Terceiro Mundo e dos Radicais Negros; na sociologia clássica, na psicologia e no positivismo; e na literatura moderna européia, americana e negra [11]. Ao longo da existência do BPP, Newton foi seu principal estrategista político e tático, responsável pelas primeiras patrulhas armadas da polícia de Oakland, que conduziu com espingarda e um livro de leis nas mãos, e foi o enviado diplomático para um encontro com o Primeiro-ministro Zhou Enlai da República Popular da China em 1971. Apesar da sua aptidão e erudição, Newton raramente conseguia uma nota acima de 74 em testes de QI – que o classificava praticamente como “deficiente mental” – nem quando ele fez o teste no colegial ou, novamente, quando ele estava preso em 1968. Em consequência disso, ele conscientemente recusava a se engajar com os testes de QI, rejeitando-os em seu princípio: pelo seu papel na perpetuação do racismo estrutural [12].

Newton desenvolveu sua teoria do intercomunalismo no outono de 1970, dois meses depois de ser liberto da prisão em regime de isolamento, e a escreveu em resposta a sua profunda decepção com a reação da comunidade negra após a promessa do BPP de oferecer tropas em apoio à Frente Nacional para a Libertação do Vietnã do Sul [13]. Muitos não conseguiam ver o que a libertação da comunidade negra tinha a ver com os Comunistas Vietnamitas contra os quais os EUA estavam em guerra. A teoria do intercomunalismo foi a tentativa de Newton de traçar um relato político e econômico de como ele entendia o mundo a ser estruturado na época – sob um novo tipo de imperialismo – mas foi também a sua tentativa de formar uma estratégia política de como o BPP poderia se organizar e seguir em frente, nas próximas décadas, à medida que a revolução avançasse. De acordo com o próprio Newton, a teoria do intercomunalismo se mostrou confusa e difícil para a maioria, embora agora esteja claro que isso surge da própria natureza contra-intuitiva do argumento, e não da maneira como foi argumentada – já que o estilo de escrita de Newton é agradavelmente claro em relação a outros escritores da esquerda da época. [14]

Ele foi capaz de expandir suas teorizações mais tarde, enquanto completava seu doutorado em História da Consciência na Universidade da Califórnia – UC, Santa Cruz -, um departamento interdisciplinar de filosofia, teoria cultural e teoria política. De fato, de 1972 a 1980, Newton trabalhou em uma ampla gama de problemas teóricos, incluindo uma série de estudos sobre a “descentralização da produção” global e a viabilidade de expropriações revolucionárias em “The Technology Question” (A questão tecnológica) e “Technology vs. Land” (Tecnologia vs. Terra). Ele acumulou escritas e anotações da antropologia, biologia evolucionária, e psicologia humana para um “proposto livro sobre enganação e auto-enganação” que nunca chegou a ser concretizado – porém ele depois publicou um artigo relacionado em colaboração com o biólogo evolucionista, Dr. Robert Trivers, para o Science Digest em 1982 [15]. Entre suas escritas mais filosóficas estão: uma investigação metafísica sobre a possibilidade de uma política utópica baseada no método dialético, na psicanálise e no intercomunalismo, em “Utopia: Universal Life Energy” (Utopia: Energia Vital Universal); um engajamento amplo com o dualismo mente-corpo em “The Mind is Flesh” (A mente é carne); e um ensaio psicanalítico especulativo sobre dominação de gênero em “Eve, the Mother of all Living” (Eva, a Mãe de Toda a Existência) [16]. No final da década de 70, ele também produziu uma crítica sobre as abordagens teológicas da história fundamentada em uma leitura da epopéia de Gilgamesh intitulada “The First Hero of Literature” (O Primeiro Herói da Literatura); uma historicização materialista do Cristianismo primitivo a ser usada pelo BPP, no final da década de 70, no templo da comunidade negra “Son of Man” (Filho do Homem); e outras escritas sobre teologia política, como a acertadamente intitulada “Politics and Myth” (Política e Mito) [17].

Lamentavelmente, a produtividade intelectual de Newton tanto durante quanto depois do auge do BPP foi muitas vezes imediatamente descartada. Até narrativas mais convencionais que parecem celebrar e legitimar os Panteras, ao mesmo tempo, caracterizaram Newton como mais um “bandido”, difamando o chefe-teórico do BPP com termos racializados – até mesmo os negros pobres da periferia que Newton procurou organizar e morreu tentando libertar [18]. Ocorreram grandes avanços historiográficos e teóricos, na última década e meia, para melhor explicar a ampla gama político-estratégica do BPP, como um movimento social, a partir de um foco novo em seus programas sociais até sua origem, em parte, derivada de grupos de estudo universitários [19]. Por outro lado, a relutância aparentemente crescente entre historiadores e teóricos em enquadrar a ilegalidade, a violência e o caráter dos membros do lumpemproletariado, a política e a estratégia dos Panteras em suas percepções intelectuais conscientes, serviu para separar esses acadêmicos e a esquerda de uma percepção realista de como contestações políticas realmente significantes se manifestam e quem elas incluem. Isto é, a mudança para “salvar” a história dos Panteras da demonização simplista à qual foi quase unilateralmente submetida entre as décadas de 1960 e 1990, parece ter sido acompanhada de um enfraquecimento de sua militância e uma negação da cultura pobre de rua que deu início ao partido em primeiro lugar [20].

Outros relatos falham no engajamento com a singularidade da teoria política produzida por Newton e os Panteras, freqüentemente, equiparando ou confundindo o Partido com outros movimentos da época. Ao mesmo tempo, grande parte da “esquerda” política de hoje simplesmente se recusa a ler a teoria produzida pelo BPP, para não falar de outros pensamentos radicais da comunidade negra. Alguns ainda chegam a insistir para que se vá além do Partido dos Panteras Negras, justamente quando eles estão sendo finalmente tratados com nuance pelos estudiosos e pelo público [21]. E, no entanto, o que devemos fazer sobre uma organização que há muito tempo é considerada o símbolo do movimento Black Power (Poder Negro), mas que não só estava em desacordo com a pessoa que cunhou a expressão “black power”, mas ativamente desenvolveu alianças com grupos distintos; de celebridades brancas de Hollywood aos pobres migrantes dos Apalaches, da Organização para a Libertação da Palestina até pelos israelenses Mizrahi? [22] Mais precisamente: o que devemos fazer com a insistência de Newton de que – quando for feito o trabalho que precisa ser feito – “o Partido dos Panteras Negras não será mais o Partido dos Panteras Negras”? [23]


Este texto é uma introdução ao “Intercomunalismo” (1974) e uma contextualização da teoria de Newton sobre o intercomunalismo como um todo. Aqueles em busca da teoria para informar sua prática política encontrarão valor no tratamento de Newton dos problemas de raça, nacionalismo e internacionalismo, suas especulações sobre o futuro das populações excedentes e questões sobre as distinções de classes, além do papel da tecnologia da informação em futuras possibilidades de luta. No restante deste ensaio, (1) delineio o relato político-econômico de Huey Newton sobre o império global, (2) contextualizo o método filosófico de Newton – o materialismo dialético – dentro de sua história intelectual pessoal, e (3) traço a progressão da “ideologia oficial” dos Panteras Negras, do Nacionalismo Negro ao Intercomunalismo Revolucionário, baseado em debates históricos dentro do movimento de Libertação Negra. Na segunda metade, aplicando a teoria de Newton, (4) ofereço uma nova interpretação da mudança de estratégia do BPP da “autodefesa” para a “sobrevivência da revolução pendente”, (5) dou ênfase na importação política da comuna do BPP de Oakland e (6) reflito sobre algumas conexões às lutas políticas de hoje.

1. Intercomunalismo Reacionário

“Nós vemos então que os Estados Unidos controlam outros países a milhares de quilômetros de distância e usam os recursos desses países para beneficiar o círculo governante da América. A mesma situação vale para as várias comunidades de oprimidos nos Estados Unidos. Portanto, as evidências mostram muito claramente que os Estados Unidos não são uma nação, pois suas fronteiras são estendidas para todos os territórios do mundo. Os Estados Unidos são um império ”. [24]

A teoria do intercomunalismo de Newton procura fornecer uma explicação para a força política dominante e determinante do império capitalista americano no cenário mundial, o correspondente declínio da influência política dos Estados-nação e a deterioração do nacionalismo como uma ideologia política potencialmente libertadora. Ele se refere a essa condição e fase do capitalismo como intercomunalismo reacionário. De acordo com Newton, em 1970, estados-nação haviam deixado de existir. Em vez disso, o capital global, através do império norte-americano em particular, reduziu o mundo a uma coleção de comunidades que não têm controle sobre suas condições locais de vida e que podem, no máximo, se tornar “territórios liberados”, autônomos dentro desse império maior. Essas comunidades podem, no entanto, ao apoderarem-se das estruturas materiais que permitem a produção, a tecnologia e os meios de informação, lutar para construir uma “estrutura cooperativa” interligada entre si dentro de uma dinâmica global que ele chama de intercomunalismo revolucionário. [25] Nas palavras de Elaine Brown – presidente do BPP de 1974 a 1977 – a noção de Newton de intercomunidade reacionária é uma conceituação inicial do que hoje é “eufemisticamente tratado de forma casual, pela classe capitalista, como ‘globalização’”. [26] A teoria do intercomunalismo como um todo é uma tentativa de descrever como a mudança revolucionária pode se desdobrar daqui para frente, dadas as condições do império global, mas também de indicar modos de desempenhar um papel ativo em tal projeto. O materialismo dialético foi o método priorizado por Newton para entender como se assume esse papel, já que ele não é estático e pré-estabelecido, mas deve ser avaliado a partir de condições materiais à medida que elas se desenvolvem. “O conceito de intercomunalismo não só descreve com precisão tais condições e as define, como implica nossa obrigação de unificar e compartilhar com as comunidades dispersas a riqueza que lhes foi roubada e centralizada aqui nos Estados Unidos”. [27] Durante um momento decisivo da história do Partido dos Panteras Negras, enquanto Newton desenvolvia sua teoria, ele também estava profundamente preocupado em como os negros, em particular, poderiam alcançar a libertação sem depender de um país que se propõe representá-los como um povo ou nação. De acordo com Newton, qualquer esforço dos negros para obter soberania nacional ou independência, enquanto o capitalismo global ainda existisse, só poderia levar a formas alternativas de subjugação sob o império americano.
O texto de Newton “Intercomunalismo” (1974) começa com um longo (e surpreendente) trecho do livro de David Horowitz, “Império e Revolução: Uma Interpretação Radical da História Contemporânea”. [28] Horowitz era um marxista da Nova Esquerda que nos anos 80 se converteu ao conservadorismo radical. Neste trecho de 1969, no entanto, ele argumenta que, à medida que a competição capitalista tende inevitavelmente ao capitalismo monopolista e à consolidação do poder nas mãos de poucos, ela se expande ao longo do alcance do doméstico para o global sob o imperialismo. Newton se preocupou com a teorização de uma forma de imperialismo que está cada vez menos ligada aos interesses do Estado-nação, que mobiliza seus militares no exterior, do que aos interesses das empresas que se beneficiam dessa mobilização. Na medida em que “a centralização e a concentração do poder econômico divorciam, cada vez mais, propriedade legal de controle [real]”, (Horowitz) um número cada vez menor de iniciativas capitalistas faz uso da força militar de um pequeno conjunto de Estados-nações imperialistas para, de fato, exercer seu controle econômico, político e militar sobre todas as outras iniciativas, territórios e povos. [29] Pode-se dizer que as corporações desenvolveram progressivamente sua soberania através e, então, acima dos Estados nacionais. Como Elaine Brown apontou, na década de 1970, “numerosas corporações argumentaram abertamente … que, como controlavam uma riqueza maior do que a maioria dos estados membros das Nações Unidas, deveriam estar empossadas de acordo”. [30] Newton cita Horowitz ainda: “o capitalismo unificou os estados nacionais apenas para [posteriormente] anunciar a transcendência do Estado-nação e o surgimento de relações internacionais em uma escala verdadeiramente global ”. [31]

A recente publicação de John Narayan, “Intercomunalismo de Huey P. Newton: Uma teoria não reconhecida do Império”, é inestimável devido ao seu exame mais detalhado dos aspectos econômicos da teoria de Newton. Narayan fez o trabalho necessário de comparar e contrastar as teorizações de Newton com análises marxistas, desenvolvidas em sequência, sobre a relação entre o imperialismo, a globalização e o Estado-nação, particularmente as de Michael Hardt e Antonio Negri. [32] Em “Os salários da branquidade na ausência de salários: capitalismo racial, intercomunalismo reacionário e ascensão do Trumpismo”, Narayan também argumenta, de modo convincente, que Newton estava aparentemente correto ao se preocupar que essas dinâmicas econômicas pudessem, em detrimento de uma solidariedade de classe ideal, criar as condições para o fortalecimento da xenofobia, do racismo e dos novos nacionalismos populistas nos Estados Unidos. [33] Por fim, Narayan conclui que “a narração de Newton dos efeitos do intercomunalismo reacionário sobre o potencial revolucionário da multidão possui mais validade empírica do que a narração do império oferecida por seus sucessores”. [34]

Em seu ensaio de 1974, “Quem faz a política externa dos EUA?”, Newton estende-se sobre a relação ideológica entre corporações sediadas nos EUA e a atividade militar no exterior do governo americano. [35] Em “Intercomunalismo” (1974), Newton cita diretamente o presidente Woodrow Wilson, que em 1907 declarou: “Como o comércio ignora as fronteiras nacionais e o fabricante insiste em ter o mundo como mercado, a bandeira de sua nação deve segui-lo e as portas das nações que estão fechadas devem ser derrubadas”. [36] Sob o enfoque de Newton, é difícil imaginar que as corporações nos EUA teriam o poder que elas têm hoje – acumulando lucros em 188 de 193 países – com o “crescimento” do índice S&P 500 cada vez mais desconectado do “crescimento” do PIB dos EUA, se ativos Militares deste país não fossem simultaneamente mobilizados em 170 países – com cerca de 800 bases militares em mais de 70 deles – a fim de proteger os interesses dessas corporações em casos de agitação ou conflito. [37] Newton afirma que “podemos até nos referir a esse exército como a força policial intercomunal. Eles controlam comunidades nas quais não vivem e sequer têm interesse, e são comandados pela camada dirigente para fins lucrativos, poder pessoal e militar ”. [38] Em 1950, como justificativa para entrar na Coréia, o braço executivo dos Estados Unidos, comandado pelo governo do Presidente Truman, começou a usar o termo “ação policial” para se referir a ações militares realizadas sem uma declaração constitucional formal de guerra autorizada pelo congresso.

Por outro lado, Newton insistiu que a dinâmica política e econômica que define o “intercomunalismo reacionário” também cria as condições para possibilidades revolucionárias. Mais especificamente, à medida que mais e mais dos esforços diários dos trabalhadores pobres globais são ditados por um conjunto menor de corporações e estados, mais a população global é reunida por seu relacionamento compartilhado nos locais de trabalho e pelas tecnologias que os mantêm juntos – “a centralização da produção” gera a “socialização da produção: o desenvolvimento de uma base cada vez mais interdependente e cooperativa de trabalho social”. [39] Essa interdependência e conexão cria as condições para uma experiência vivida compartilhada maior e, portanto, um nível possivelmente maior de solidariedade entre os empregados, subempregados e desempregados do mundo. Para Newton, uma consciência dessa possibilidade dinâmica decorre de uma concepção da realidade fundamentada na filosofia do materialismo dialético.

2. Materialismo Dialético

“O poder é a capacidade de definir fenômenos e fazê-los agir da maneira desejada”. [40]

“Os jovens geralmente sentem que o papel do revolucionário é definir um conjunto de ações e um conjunto de princípios absolutos e fáceis de identificar. Mas o que eu estava tentando explicar para eles era o processo: a revolução, basicamente, é uma contradição entre o velho e o novo no processo do desenvolvimento. Qualquer coisa pode ser revolucionária em um determinado momento, mas a maioria dos alunos não entendem isso. E a maioria das outras pessoas também não entendem ”. [41]

Consistente com a antiga abordagem grega segundo a qual a filosofia é perseguida sempre para um propósito prático – para entender melhor como viver “a boa vida” – de acordo com Newton, nenhuma meta ética, social ou política pode ser adequadamente perseguida sem um exame filosófico e uma compreensão do mundo no qual essa busca ocorre. Por essa razão, Newton começa sua explicação sobre o intercomunalismo envolvendo-se com uma série de indagações sobre como o conhecimento da realidade pode ser alcançado. [42]

Em sua apresentação de 1970 no Boston College, Newton inicia uma busca epistemológica primeiro através de uma explicação da estrutura do empirismo, identificando sua base na subjetividade e seus limites resultantes; os pontos fortes e fracos da observação e a dependência do método científico de suposições a priori, que são tratadas como verdades sem serem examinadas. [43] A partir de Kant, ele defende as vantagens do raciocínio analítico – concebido como internamente consistente e independente do mundo externo – para, então, afirmar que a filosofia marxista do materialismo dialético tenta usar as forças tanto do empirismo quanto do racionalismo (razão pura) para melhor explicar como os fenômenos no mundo são constituídos e transformados. “Marx, como cientista social, criticou outros cientistas sociais por tentar explicar fenômenos, ou um fenômeno, retirando-o de seu ambiente, isolando-o, colocando-o em uma categoria e não reconhecendo o fato de que, uma vez retirado de seu ambiente, o fenômeno havia sido transformado ”. [44] Em outra apresentação em 1971 na Universidade de Yale, ele começa essa parte de sua fala contrastando o idealismo e o materialismo. [45] Em um texto de 1974 que está reproduzido aqui, ele sujeitou tanto o idealismo quanto o materialismo a uma série de dúvidas céticas no estilo cartesiano, e a partir desse fundamento cético nos informou que o Partido dos Panteras Negras escolhia ideologicamente o materialismo e especificamente assumia o materialismo dialético, que considera a realidade identificando as “contradições internas fundamentais” em todas as coisas. [46]

Não é possível, nesse texto, defender isso completamente, mas acredito que um rastreamento mais apurado e uma análise dos argumentos epistemológicos de Newton ao longo de seus escritos devam revelar uma mudança ao longo do tempo de um Newton mais jovem consumido com ceticismo e dúvida [47] – quanto à natureza da realidade e o propósito da vida humana – para alguém que, posteriormente, abraça filosofias afirmativas que defendem uma ontologia positiva e, assim, oferecem possibilidades políticas mais claras. Essa mudança estratégica do ceticismo e até mesmo do niilismo parcial [48] é evidente especialmente após sua libertação do confinamento solitário [49] e culminou na sua adoção do materialismo dialético, que seria a sua filosofia orientadora a partir de então.

O materialismo dialético estruturou as concepções de Newton sobre o que é o mundo e que tipos de atividade são possíveis nele. Para ele, o materialismo dialético deixa claro que nada é estático, que nada é isolado, que o mundo é transformado através de fluxos e antagonismos constantes, e que alguma forma de conhecimento desses pontos de mudança pode ser adquirida através de uma combinação de observação e reflexão racional. O materialismo dialético também serve como um método que permite identificar como o principal centro de conflito em qualquer situação pode ser mudado. Nesse sentido, o BPP, como organização, estava constantemente adaptando sua estratégia e suas táticas à medida que vivenciavam a luta e refletiam sobre ela. Sua mudança mais proeminente logo no início da história do Partido – do nacionalismo negro ao nacionalismo revolucionário – foi formalmente codificada em seu Programa dos Dez Pontos, que desistiu da demanda pelo “fim do roubo de nossa Comunidade Negra pelo homem branco” em 1966. Em vez disso, em 1969, exigia “o fim do roubo de nossas comunidades negras e oprimidas pelo capitalista”. [50]

Fred Hampton, presidente da sede do BPP de Illinois, explicou o uso do materialismo dialético pelo Partido através da metáfora:

“Você já viu alguma coisa, puxou-a e a levou o mais longe possível de modo que ela quase se esticasse a ponto de virar outra coisa? Se você a levasse suficientemente longe para que ela se tornasse duas coisas? De fato, algumas coisas se esticadas o bastante, viram outra. Você já cozinhou algo por tanto tempo que se transformou em algo diferente?… É disso que estamos falando quanto à política. A política não é nada, mas se você esticá-la por tanto tempo que não pode ir mais além, então você sabe o que você tem em suas mãos? Você tem uma contradição antagônica”. [51]

De acordo com a concepção materialista dialética de Newton, contradições existem em todo lugar, mas apenas algumas delas são contradições antagônicas que, quando pressionadas, por definição, transformam inevitavelmente toda a dinâmica que as envolvem. A concepção dialética de Newton, profundamente maoísta, foi talvez melhor elaborada em “Utopia: Universal Life Energy” (traduzido do inglês: “Utopia: energia vital universal”). [52] Seguindo essa abordagem, Newton afirma que o intercomunalismo reacionário criou, necessariamente, as condições para a sua própria destruição potencial – na forma do intercomunalismo revolucionário.

3. Intercomunalismo revolucionário

“Quando as pessoas apreendem os meios de produção, quando se apossam dos meios de comunicação e assim por diante, ainda haverá racismo, ainda haverá etnocentrismo, ainda haverá contradições. Mas o fato de as pessoas estarem no controle de todas as unidades produtivas e institucionais da sociedade – não apenas nas fábricas, mas também na mídia – isso permitirá que elas comecem a resolver essas contradições. Isso produzirá novos valores, novas identidades; moldará uma cultura nova e essencialmente humana, à medida que o povo resolve velhos conflitos baseados em condições culturais e econômicas. Em algum momento, haverá uma mudança qualitativa e as pessoas terão transformado o intercomunalismo revolucionário no comunismo. Nós o chamamos de “comunismo” porque, neste ponto da história, as pessoas não apenas controlarão as unidades produtivas e institucionais da sociedade, mas também terão tomado posse de suas próprias atitudes subconscientes em relação a essas coisas; e, pela primeira vez na história, elas terão uma relação mais, e não menos, consciente do mundo material – pessoas, plantas, livros, máquinas, mídia, tudo – em que vivem. Eles terão poder, isto é, controlarão os fenômenos ao seu redor e os farão agir de certa maneira desejada, e conhecerão seus próprios desejos reais. O primeiro passo nesse processo é a captura pelas pessoas de suas próprias comunidades ”. [53]

Newton usou sua concepção do materialismo dialético tanto para responder quanto liderar as transformações ideológicas e estratégicas do BPP. Segundo Newton, o Partido dos Panteras Negras começou como uma organização nacionalista negra. Ele observou que “a maioria das pessoas no passado resolveu parte dos seus problemas formando nações,” [54] eles investiram seus esforços na ideia de uma política preocupada em defender e capacitar os negros como uma comunidade distinta. Dito isso, desde o início, eles também criticaram as abordagens nacionalistas culturais, observando sua ineficácia em mudar significativamente a vida da maioria dos negros e sua popularidade entre afro-americanos mais instruídos e abastados. [55] Algumas abordagens afrocêntricas do nacionalismo cultural, no século XX, às vezes sugeriam que a liberação poderia vir simplesmente de se vestir de maneira diferente ou mudar o nome de alguém – afirmando uma identidade recém-produzida como indivíduo ou como parte de uma comunidade. [56] Contudo, ao mesmo tempo, os Panteras valorizavam profundamente a educação política – conscientes de seu profundo impacto psicológico na juventude, especialmente – e tornaram o aprendizado sobre a história da África e da diáspora africana um requisito para a adesão ao partido. Entre os Panteras da Costa Lestes dos Estados Unidos, especialmente, mudar o nome de uma pessoa era uma prática comum – tirada de uma tradição religiosa central para o islamismo negro (do termo em inglês “Black Islam”) e resumida na figura e na vida de Malcolm X, também conhecido por El-Hajj Malik El-Shabazz – como um símbolo de reinvenção e transformação pessoal para inúmeros radicais nos anos 1960 e depois. [57] No entanto, o BPP sempre considerou o nacionalismo cultural apenas como um trampolim em um processo dialético, insuficiente por si só para provocar a revolução. Eles criticavam profundamente os estados africanos ou liderados por negros que eram autoritários, ou capitalistas, ou dentro dos quais os negros ainda eram pobres. Ser pela libertação negra significava, necessariamente, também ser contra o capitalismo. Newton conta como ele chegou à sua posição, anos antes do Partido ser estabelecido:

“Foi minha vida mais a leitura independente que me tornou um socialista – nada mais. Fiquei convencido dos benefícios do coletivismo e de uma ideologia coletivista. Vi também a ligação entre o racismo e a economia do capitalismo, embora, apesar da ligação, reconheci que seria necessário separar os conceitos ao analisar a situação geral. Em termos psicológicos, o racismo pode continuar existindo mesmo depois de resolvidos os problemas econômicos que criaram o racismo. Nunca fui convencido de que destruir o capitalismo destruiria automaticamente o racismo – senti, no entanto, que não poderíamos destruir o racismo sem aniquilar sua base econômica. Era necessário pensar de maneira muito mais criativa e independente sobre essas interconexões complexas”. [58]

Por essas razões, e muitas outras, o Partido dos Panteras Negras rapidamente mudou seu posicionamento para o nacionalismo revolucionário, baseado na necessidade de transformar a organização econômica da sociedade para transformá-la politicamente. [59]

No entanto, dentro de um ano da fundação do BPP, a liderança do Partido chegaria à conclusão de que a comunidade negra nos Estados Unidos não poderia, praticamente falando, se tornar um Estado-Nação afinal – seguro com seu próprio território e com controle total sobre sua economia, vida política e cultural. “É um círculo sem fim, você vê: para alcançar ao status de Estado-Nação, precisamos nos tornar uma força dominante; mas para se tornar uma força dominante, precisávamos ser uma nação ”. [60] Mais precisamente, se os afro-americanos fossem de fato capazes de estabelecer um Estado-nação separado, mesmo que fosse socialista, argumentou Newton, haveria pouco recurso para impedir os EUA de invadi-lo e transformá-lo em uma colônia à moda tradicional imperialista ou, mais provavelmente, de afirmar o seu controle econômico sobre ele no estilo “neocolonial” contemporâneo. [61] Dado o imenso poder dos Estados Unidos, a solução só poderia ser a de o BPP aliar-se a outros povos oprimidos, internamente e no exterior.

De acordo com a ciência genética contemporânea, as categorias raciais como as pessoas popularmente as enxergam hoje, são comprovadamente inválidas. No entanto, as categorias raciais não são mera fantasia, nem podem ser usadas como um meio fácil para a auto-expressão individual. As categorias raciais modernas não são escolhidas, mas são impostas, sua função mais importante é desumanizar e elas se tornam reais por meio de processos de dominação e exploração política. O pensamento de Huey Newton reflete frequentemente uma consciência da construção social e política da negritude como uma categoria. Em suas palavras: “Eu sabia a diferença entre pessoas brancas e negras, é claro, mas a interpretação era sempre a maneira como as pessoas brancas nos tratavam, não da cor em si”. [62] Naturalmente, dentro do contexto histórico que vivia, Newton considerou a categoria da negritude ainda necessária para reconhecer certas dinâmicas materiais (por exemplo, genocídio, o caráter racializado da colonização, a lumpenização etc.); além de um fundamento para a solidariedade política. Essa foi uma categoria que recebeu grande ênfase nos últimos anos do BPP com sede em Oakland, não como um obstáculo às alianças internacionais, mas como uma maneira de fortalecê-las. Dito isso, Newton considerou politicamente necessário estabelecer uma “identidade universal”, desconectada do “chauvinismo cultural, racial e religioso”. [63]

Com o objetivo de construir alianças com os povos oprimidos contra o capitalismo sempre que possível, o Partido dos Panteras Negras tornou-se oficialmente internacionalista, formando laços políticos em seis continentes com outras organizações revolucionárias e pessoas oprimidas. Historicamente, isso era comum, uma vez que socialistas não-ocidentais e comunistas de todos os tipos, ao longo do século XX, trabalharam para construir alianças uns com os outros e contra o capitalismo e o imperialismo europeus e americanos. De fato, em muitos aspectos o internacionalismo já fazia parte da experiência do Partido dos Panteras Negras desde sua formação em 1966, o mesmo ano em que a Organização de Solidariedade dos Povos da Ásia, África e América Latina (Organización de Solidaridad de los Pueblos de África, Asia y América Latina, Ospaaal) foi fundada em Cuba, seguida por uma publicação da revista Tricontinental. A literatura e os movimentos sociais que os membros do BPP se inspiraram eram consistentemente internacionalistas – da autobiografia de Kwame Nkrumah ao “Minimanual do guerrilheiro urbano” de Carlos Marighella. Ao mesmo tempo, a disposição de Newton de reconsiderar a relação do Partido dos Panteras Negras com a identidade negra americana era, em muitos aspectos, algo que outros revolucionários negros dos EUA já haviam feito – de Malcolm X à Liga dos Trabalhadores Negros Revolucionários – ao usarem o palavra “Negro” para se referir não apenas às pessoas de descendência africana, mas como uma categoria revolucionária, de modo que a “Revolução Negra” poderia incluir revoluções na Ásia e na América Latina, e “negros” poderia incluir todas as pessoas não brancas que estão envolvidos na luta revolucionária nos Estados Unidos e em todo o mundo.” [64]

No entanto, em 1970, Newton chegou a rejeitar o internacionalismo, como uma estratégia revolucionária falha. As razões para essa rejeição são baseadas em, pelo menos, duas dificuldades ou “contradições” – uma externa e outra interna ao BPP.

O primeiro problema é fundamentado na compreensão de Newton sobre o mundo ante o intercomunalismo reacionário e que tipo de resistência é possível dentro dele. Como Brown colocou, “Huey concluiu que os capitalistas dos Estados Unidos haviam conseguido reduzir o resto do mundo a uma coleção de comunidades, que não eram diferentes em termos de soberania territorial ou controle sobre recursos do que comunidades oprimidas dentro dos Estados Unidos.” [65] Como as nações deixaram de existir, já não poderia haver um verdadeiro internacionalismo, muito menos entre os oprimidos. De forma mais clara, “o povo e a economia estão tão integrados ao imperialismo que é impossível ‘descolonizar’, retornar às antigas condições de existência”; e “se as colônias não podem descolonizar e retornar à sua existência original como nações, então as nações não existem mais. Tampouco, acreditamos, elas existirão novamente.” [66] Em vez disso, para Newton, só poderiam existir territórios liberados dentro da grande vastidão do império americano global. Enquanto esse império ainda existir, esses territórios devem lutar constantemente para manter sua autonomia em relação ao capitalismo e ao imperialismo. Já em 1974, vemos Newton questionar até que ponto a União Soviética e a República Popular da China poderiam ser consideradas Estados-nação comunistas verdadeiramente independentes:

“Por quem os chineses são, por exemplo, coagidos? Eles são coagidos pelas ações dos Estados Unidos. Em vez de colocar seu dinheiro nas escolas, nos hospitais e em instituições de sua comunidade, eles são forçados a manter um grande exército. Por isso, um território liberado é muito parecido com Detroit durante os tumultos e rebeliões, quando por volta de 4 ou 5 dias os negros detiveram cerca de 8 quarteirões e expulsaram a polícia local e a guarda nacional, mas a paz não foi restaurada… Eles só mantiveram seu território por 4 dias, poderiam ter tido um governo provisório revolucionário e nós o teríamos reconhecido assim como reconhecemos a República Popular da China… Nós não os reconhecemos como uma nação, mas como um território liberado e uma comunidade que é um pouco livre, mas só pode manter sua liberdade através de uma luta constante ”. [67]

O segundo problema que Newton encontrou teve a ver com a forma como o internacionalismo foi recebido pela comunidade negra. Imediatamente após sua libertação da prisão em 1970, Newton anunciou uma oferta de tropas em nome do Partido dos Panteras Negras para a Frente Nacional para a Libertação do Vietnã do Sul, uma expressão material da solidariedade internacionalista. A reação das elites negras [68] era menos preocupante do que a reação que vinha da base do Partido:

“… Nossa oferta de tropas aos vietnamitas recebeu reações negativas do povo, pessoas verdadeiramente oprimidas. Beneficiários da previdência social escreveram cartas dizendo: “Eu achava que o partido era para nós; por que você quer dar a esses vietnamitas sujos nosso sangue?”. Eu chamaria isso de uma contradição, uma que estamos tentando resolver. Estamos tentando prover alguma terapia, pode-se dizer, a nossa comunidade e levantar sua consciência, mas primeiro temos de ser aceitos. […] Nós tentamos fazer o possível para atender o paciente com base no que ele ou ela possa melhor se identificar, porque, afinal, eles são a questão”. [69]

A crítica de Newton ao internacionalismo foi influenciada pela necessidade de abordar a relação ideológica da comunidade negra com o nacionalismo americano em particular. Como americanos – mesmo para os mais marginalizados, pobres e recentemente imigrados entre nós – estamos inclinados a defender a falsa crença em nosso excepcionalismo e superioridade, se não, em nossa distinção social. A vitalidade do nacionalismo é, em parte, justificada pela condição de certos privilégios materiais e por um status simbólico da população, baseado em fatos simples e arbitrários como o seu nascimento. A réplica defensiva de que “nós” devemos cuidar do “nosso” serve para obscurecer o papel ativo que desempenhamos quando nos desconectarmos do sofrimento do resto do mundo, mesmo quando ele está de fato profundamente ligado ao nosso próprio sofrimento. [70] Eu diria que Newton foi capaz de identificar que essa tendência reacionária necessariamente se reafirma através do nacionalismo que é pressuposto do internacionalismo.

Muitos teóricos, nos últimos anos, abordaram a questão da condição historicamente única da diáspora africana sob a modernidade – indiscutivelmente, de sujeição incomensurável e, até mesmo, de abjeção. Para esses pensadores, a “morte social” forçada, decorrente da diáspora, como um efeito continuado da escravidão, é uma característica indispensável da sociedade ocidental ou talvez do capitalismo. De certa forma, pode-se dizer que Newton concorda com as ideias básicas por trás de algumas dessas visões, mas, orientado por sua perspectiva intercomunalista, ele chega a conclusões opostas.

Para Newton, todas as pessoas oprimidas sob influência do Império Americano são em algum sentido colonizadas. Ademais, não obstante, porque os “negros” nos Estados Unidos compõem uma comunidade singularmente colonizada – isto é, comparável às comunidades colonizadas em outras partes do mundo e, ao mesmo tempo, localizada no centro do império – ela ocupa uma posição privilegiada para destruí-lo. Especificamente, Newton considerava a posição dos negros nos EUA ideal para agir como a vanguarda de uma revolução global contra o intercomunalismo reacionário. “Acreditamos que os negros americanos são os primeiros verdadeiros internacionalistas; não apenas o Partido dos Panteras Negras, mas os negros que vivem na América… Nós fomos dispersos internacionalmente pela escravidão, e podemos facilmente nos identificar com outras pessoas de outras culturas. Por causa da escravidão, nunca nos sentimos apegados à nação da mesma maneira que o camponês estava ligado ao solo na Rússia. ” [72]

De acordo com a ideologia oficial do Partido dos Panteras Negras, os povos da diáspora africana nas Américas não são uma minoria, mas sim membros da maioria colonizada, importados ao longo dos séculos para construir a riqueza imprescindível e o coração do império. [73] Isso significa que nós, como outros grupos oprimidos nos EUA, “colhemos benefícios” da exploração do resto do mundo, mas também estamos em uma posição estratégica para arrancar esse império pela raiz. [74]

“Se acreditamos que somos irmãos do povo de Moçambique, como podemos ajudar? Eles precisam de armas e outras ajudas materiais. Não temos armas para dar. Nós não temos dinheiro para coisas materiais. Então, como podemos ajudar? … Eles não podem lutar por nós. Nós não podemos lutar em seu lugar. Cada um de nós pode estreitar o território que nosso opressor comum ocupa. Podemos nos libertar, aprendendo e ensinando uns aos outros ao longo do caminho. Mas a luta é a mesma; o inimigo é o mesmo.” [75]

Dentro de um mundo reacionário intercomunalista, a solidariedade intercomunalista e a luta revolucionária é a luta local pela própria liberdade e pela liberdade dos que estão longe. O intercomunalismo é, portanto, o referencial teórico não-estatista de Newton – um quadro que insiste que a visão política de uma pessoa deve ser capaz de enxergar além dos limites da ideologia fronteiriça.

4. A longa duração do Partido dos Panteras Negras: uma nova razão para existir

Em 1970, o governo federal e muitos governos estaduais e municipais já haviam elevado a pressão exercida pelo BPP ao nível de guerra aberta, usando assassinatos, ações da SWAT no estilo militar, agentes secretos e guerra psicológica para desmantelar o movimento. No entanto, ao contrário de narrativas e concepções típicas sobre o súbito declínio do partido neste momento, o período entre 1971 e aproximadamente 1982, de fato, englobou a maior parte da história do BPP – quando consideramos como referência a sede de Oakland, operando cada vez mais como uma comuna, ou as atividades guerrilheiras do Exército Negro de Libertação e as sedes afiliadas localizadas na Costa Leste, no Centro-Oeste, no Sul e em outros lugares [76]. Enquanto o número total de filiados se reduziu drasticamente – um efeito tanto da repressão quanto do expurgo do Estado – várias ações que repetiam o movimento dos Panteras Negras persistiram por mais uma década.

Em relação ao que veio a ser chamado de “facção de Newton” (ou, mais indiretamente, a “facção da Costa Oeste”), houve um forte afastamento estratégico da ação política abertamente violenta contra o Estado redirecionada para o desenvolvimento de instituições autônomas e programas de serviço social – o que historicamente, desde então, tem sido descrito criticamente por muitos como reformismo. A posição de Newton sobre esse assunto é clara, embora talvez ainda mal compreendida: “O Programa dos Dez Pontos não é revolucionário em si mesmo, nem é reformista. É um programa de sobrevivência. Nós, o povo, somos ameaçados pelo genocídio porque o racismo e o fascismo estão desenfreados neste país e no mundo todo. ” [77]

Eu acredito que a análise das condições de Newton na época levaram ele e o Partido a um foco renovado sobre a reprodução social como um terreno primário da luta política, mudando para uma estratégia orientada para o desenvolvimento de órgãos autônomos de poder local, idealmente ligados à terra. Isto é, a pobreza extrema dos negros deixou claro que o Partido teria que desempenhar um papel de maior destaque no apoio às próprias pessoas, ao mesmo tempo que também trabalhava para estabelecer instituições que permitissem que elas eventualmente se desligassem do capitalismo e se conectassem à organização do Partido como seu principal meio de vida [78]. Em contraste com os programas de café da manhã gratuito do BPP – que, em 1969, foram iniciados sob o lema de “servir ao povo” e foram projetados para fornecer recursos para negros e pobres, aumentar o recrutamento de membros e construir legitimidade dentro da comunidade em geral -, o período após os meados de 1971 marcou a expansão de uma estratégia que Newton chamou de “revolução pendente de sobrevivência” [79]. Antes da libertação de Newton da prisão, essa mudança já estava parcialmente em curso com os trabalhos de base das sedes regionais – liderados principalmente pela iniciativa de membros majoritariamente femininos da base do partido – e a construção dos programas de David Hilliard, em particular. Para o Partido dos Panteras Negras, a sobrevivência dos negros era uma questão política e a questão prioritária da luta.

No início da formação do BPP, a organização foi profundamente influenciada pelo argumento de Frantz Fanon de que os desempregados, subempregados e os criminalizados do lumpemproletariado do terceiro mundo seriam o grupo que mais provavelmente traria a revolução – e não a tradicional “classe trabalhadora” assalariada [80]. A preocupação do partido com a sobrevivência foi inspirada pelo seu foco nessa população – que por meio da espoliação, da pobreza e da criminalização foi continuamente exposta à morte – e, também, pela análise dos efeitos do aumento das taxas de desemprego e subemprego para todas as pessoas globalmente, entendendo-se a perda de empregos como um efeito da automação e da crescente vitalidade do império capitalista [81]. A análise do BPP desse processo de lumpenização compartilha afinidades e foi contemporânea a de James e Grace Lee Boggs que, em Racism and the Class Struggle: Further Pages from Black Worker’s Notebook (traduzido do inglês: “Racismo e a luta de classes: mais páginas do caderno do trabalhador negro”), argumentam que a juventude urbana negra vive primeiro, e talvez mais intensamente, o que será vivido cada vez mais e mais pela força de trabalho global em geral. Nos Estados Unidos, os trabalhadores assalariados negros foram historicamente os “últimos contratados e os primeiros demitidos”, portanto, eles conhecem bem o sentimento psicológico do abandono e da exposição material à morte que grandes porções da “classe trabalhadora branca” foram apenas mais recentemente forçadas a confrontar.

A teoria do intercomunalismo de Newton foi fundamentada, portanto, na questão do que acontecerá com a “classe trabalhadora” proletária que, cada vez mais, não é útil ao capitalismo como trabalhadores e, por isso, provavelmente, acabe sendo “condenada à inexistência” por completo [82]. Newton argumenta que tais condições tornam necessário – se quisermos sobreviver – que se chegue a uma concepção diferente de nós mesmos. Isto é, tanto as oportunidades materiais para o trabalho assalariado diminuirão quanto, talvez, a “identidade do trabalhador” possa deixar de existir, exigindo que uma nova autoconcepção ou forma de consciência de “classe” seja estabelecida. O trabalhador com consciência de classe – ligado a uma relação assalariada na produção e idealizado dentro da sociedade capitalista como um “membro produtivo da sociedade” – não pode mais ser considerado o ator central de uma narrativa revolucionária, uma reivindicação tênue em primeiro lugar. Qualquer outra forma de acesso aos meios de consumo, com ou sem salário, pode vir a ser o principal modo de sobrevivência e luta política, Newton e os Panteras estipularam:

“O capitalista de hoje desenvolveu máquinas a tal ponto que ele pode contratar um grupo de pessoas especializadas chamadas tecnocratas. Num futuro próximo, ele certamente fará mais disso, e o tecnocrata será especializado demais para ser identificado como um proletário. (…) Na verdade, esse grupo de tecnocratas será tão vital que teremos que fazer algo para explicar a presença de outras pessoas; teremos que criar outra definição e razão para existir. ” [83]

Tornar-se parte da população excedente sob o capitalismo é ter permissão ou, até mesmo, ser ativamente forçado a simplesmente perecer; esse processo sempre acompanhou a racialização e a desumanização. [84]

A realidade do genocídio sob o capitalismo – seja intencional ou provocada pelo abandono governamental – tem sido, em grande parte, auto-evidente para a esquerda radical negra por um longo tempo, todavia. Em 1951, o Civil Rights Congress (traduzido do inglês: Congresso dos Direitos Civis), uma organização liderada pelos Comunistas Negros, apresentou uma petição à ONU intitulada “We Charge Genocide: The Crime of Government Against the Negro People” (trazido do inglês: “Nós cobramos o genocídio: o crime do governo contra o povo negro”), acusando os EUA de múltiplos atos de genocídio no século anterior e baseada na Convenção das Nações Unidas para a Prevenção e Punição do Crime de Genocídio, firmada apenas três anos antes. No ano anterior ao seu assassinato, em 1965, Malcolm X reviveu essa luta, buscando apoio de vários chefes de Estado estrangeiros para a possibilidade de abrir um processo contra os Estados Unidos por violarem os direitos humanos dos afro-americanos [85]. Malcolm buscou mudar a luta, que era voltada para os direitos civis e apelava ao Estado para reivindicar suas queixas, para uma luta de direitos humanos, apelando ao invés disso às Nações Unidas, que era dominada na época pelo Terceiro Mundo e voltava-se aos princípios humanistas em geral. Blood in my eye (traduzido do inglês: “Sangue nos olhos”) de George Jackson também fez do genocídio um tema central em 1971, suas preocupações se baseavam no temor, bastante comum na época, de que o fascismo estava em ascensão nos Estados Unidos. Contudo, Newton estava particularmente preocupado com as instâncias mais cotidianas e normatizadas do genocídio; ele escreveu extensamente, por exemplo, sobre crianças negras do Sul que, pela simples falta de acesso a sapatos, eram regularmente expostas a parasitas prejudiciais ao desenvolvimento cognitivo, um problema que continua até hoje [86].
Se considerarmos uma das máximas maoistas de Newton – “Guerra é política com derramamento de sangue; A política é a guerra sem derramamento de sangue ”- podemos entender como questões de saúde cotidiana, organização social e governança são de fato questões de vida e morte e, portanto, de luta política. Newton queria que o BPP “colocasse obstáculos contra a sua aniquilação no nível local”, lutando politicamente pelo controle de recursos, território, fluxos de mercadorias e legitimidade popular [87]. Importante dizer, então, que a análise de Newton sobre o imperialismo capitalista (intercomunalismo reacionário) pode ser descrita como “não-territorial”, ao mesmo tempo, sua prescrição de como resistir – como promover o intercomunalismo revolucionário – enfatiza a importância do controle territorial, ao lado do poder econômico e ideológico [88]. Essa análise guiou a decisão da sede de Oakland, do Partido dos Panteras Negras, na tentativa de se transformar de um Comitê Central de um movimento internacional para uma comuna local auto-sustentável e um baluarte contra o controle capitalista [89].

5. A Comuna de Oakland e os Territórios Liberados

Em 1971, o Comitê Central, sediado em Oakland, começou a fechar forçosamente as sedes regionais do BPP e a recrutar líderes de cada local para reforçar a sede de Oakland, enquanto ela era reestruturada. Sob a singular liderança cada vez mais autoritária de Newton, a sede de Oakland fez mudanças dramáticas para ampliar o alcance e o impacto de seus programas orientados de serviços sociais, incluindo o desenvolvimento de mais clínicas médicas, a distribuição gratuita de roupas e alimentos, além da abertura de várias Escolas da Libertação. [90] Menos conhecido, o BPP também consolidou o seu controle sobre vinte e uma propriedades na baía de São Francisco (conhecida como Bay Area), desenvolveu planos para operar suas próprias fábricas e até mesmo canalizou esforços para assumir o controle do Porto de Oakland, que na época era o segundo maior porto no mundo em toneladas de containers. [91]

Eles também começaram a se engajar com instituições que antes rejeitavam completamente, como empresas negras e igrejas negras. [92] Essas novas estratégias foram esclarecidas pela lógica subjacente à dialética materialista de Newton, segundo a qual o Partido analisou as condições da época e procurou reavaliar quem poderia ser amigo ou inimigo ao assimilar a população em questão até que eles fossem forçados a escolher lados por meio de suas ações. Desta forma, o BPP alavancou a identidade negra dos empresários negros para adquirir não apenas recursos para o partido, mas um tributo regularizado, solicitando ou insistindo no seu apoio, apelando para a solidariedade entre negros e, então, organizando boicotes com a comunidade para exercer pressão econômica conforme necessário. [93] Se esses meios fracassavam, então o BPP optava por extorquir – através de ameaças ou violência – quaisquer empresas que se recusassem a colaborar até que elas cedessem às demandas do BPP ou se revelassem “inimigos do povo”. Nesse caso, o BPP se compreendeu e se afirmou simultaneamente como “o povo”, mas também como a vanguarda agindo em nome dos interesses do “povo”. [94] O BPP teve como objetivo alavancar essas relações com os capitalistas, mantendo, todavia, em última análise, que “não há salvação no capitalismo.” [95] A posição de Newton era que sob o intercomunalismo reacionário, relativo ao poder dominante da elite capitalista global, a burguesia negra é na verdade quase impotente – “uma burguesia fantasiosa, assim como a burguesia branca” – por isso ela pode ser recrutada ou utilizada conformemente. [96]

Em março de 1972, o BPP realizou a “Conferência de Sobrevivência da Comunidade Negra” de três dias para fortalecer as relações com a National Welfare Rights Organization (traduzido do inglês “Organização Nacional dos Direitos do Bem-Estar”), com igrejas e gangues locais tendo como objetivo cultivar o controle da comunidade com uma práxis explicitamente intercomunalista. [97] Essa conferência também contou com a participação de Shirley Chisholm, a primeira grande candidata afro-americana à presidência pelo partido, e, significativamente, com o anúncio do presidente do BPP, Bobby Seale, de que o BPP começaria a concorrer a cargos, desde conselhos comunitários à prefeituras. [98] Até onde eu posso discernir, as campanhas eleitorais do BPP, entre 1972 e 1975, devem ser melhor entendidas como explicitamente reformistas, menos orientadas para estabelecer um “poder dual” no sentido leninista do que tornar o Partido mais politicamente elegível e melhorar as condições de vida dos residentes de Oakland em geral. [99] Essas campanhas aparecem na contramão da declaração explícita de Newton, feita em abril de 1971, de que o BPP nunca teria candidatos a cargos políticos. [100] O mais ressonante nessa discussão, entretanto, é o fato de que esse período da história do BPP ainda permanece lamentavelmente embasado por estudiosos do mainstream.

Em 1974, depois que a mais proeminente dessas campanhas eleitorais fracassou, a filiação partidária contraiu dramaticamente cerca de 100 membros, não incluindo os estudantes matriculados nas Escolas da Libertação, de modo que a sua estrutura organizacional foi totalmente transformada. A respeito da “vida comunal do Partido Pantera Negra”, Newton declarou:

“A proximidade do grupo e o sentido de um objetivo comum nos transformam em um corpo harmonioso e funcional, trabalhando pela destruição daquelas condições que fazem as pessoas sofrerem. Nossa unidade nos transformou ao ponto em que não nos comprometemos com o sistema; temos a proximidade e o amor da vida familiar, a vontade de viver apesar das condições cruéis. Consciência é o primeiro passo para o controle de uma situação. Nós nos sentimos livres como um grupo; sabemos o que nos perturba e agimos.” [101]

Apesar de todas as suas forças, as fraquezas da sede de Oakland, entre 1974 e 1982, espelharam em muitos aspectos as fraquezas típicas de outras comunas de esquerda do século XX. [102] Todos os membros eram obrigados a engajarem-se na “autocrítica e reeducação” regular, a comparecer ao Templo “Son of Man” do BPP (traduzido do inglês: Filho do Homem), a cumprir cotas de trabalho e a Escola da Libertação tinha como preceito o internato comunal destinado a todos os alunos. Particularmente, a poligamia sexista e a violência de gênero não eram incomuns, e a violência física de todos os tipos era muitas vezes utilizada para criar disciplina interna. [103] Em um dos seus textos de menor rigor teórico, mas talvez mais audaciosos On the Relevance of the Church (traduzido do inglês: “Sobre a relevância da Igreja”), escrito perto do auge da disputa pública entre ele e Eldridge Cleaver, Newton explica de modo prático que os programas de sobrevivência enfrentavam custos mínimos de mão-de-obra porque o Partido estaria obrigando seus membros a trabalhar de graça. [104] Em um gesto notavelmente maoísta, consistente com essa abordagem, Newton declarou na página de capa da primeira coleção de escritos publicados por ele:  “O Partido dos Panteras Negras é um boi castrado para o povo”. [105] Desnecessário dizer que o fato de uma organização progressista ou revolucionária desenvolver uma dinâmica interna opressora é essencialmente e, com razão, o suficiente para provocar denúncias. É importante ressaltar, no entanto, que as críticas moralistas normalmente fazem pouco para promover uma análise das realidades políticas que produzem tais dinâmicas. Na nota de rodapé a seguir, eu ofereço uma série de indícios especulativos sobre como podemos começar a analisar a dinâmica coercitiva da comuna de Oakland à luz de condições estruturais mais abrangentes. [106]

É também o caso de que, apesar dos escritos vigorosos contra o sexismo, Newton, enquanto indivíduo, passou grande parte de sua vida, antes e até o fim do Partido, produzindo e reproduzindo a dinâmica da violência urbana e da masculinidade tóxica que muitos homens nos EUA experimentam como uma série de limites e requisitos para a realização de seu gênero. [107] Essa dinâmica foi confundida por detratores com a política ilegalista do Partido dos Panteras Negras, em parte porque o conceito moderno de “criminalidade” funciona de modo geral para obscurecer formas poderosas de contestação política e de luta da população pobre; e, em parte, talvez, porque as condições materiais que permitem que a política ilegalista de resistência floresça, hoje em dia, dependem de algumas das estruturas que sustentam a opressão na sociedade moderna em primeiro lugar. Em 1974, depois de ser acusado do assassinato de Kathleen Smith, Newton escapou do processo e procurou o auto-exílio em Cuba, permanecendo lá por três anos. Após seu retorno e absolvição, ele procurou refúgio na academia, estudando até obter seu doutorado em 1980. No entanto, a política de combate a narcóticos, promovida pelo governo, que atingiu a comunidade negra como um todo nesse período também assombraria Newton durante os anos 80. Já em 1971, a crescente paranóia de Newton – intencionalmente condicionada pelos efeitos devastadores do confinamento solitário e pelo assédio psicológico finamente calibrado do FBI –  e seu autoritarismo político resultante eram cada vez mais evidentes e pioraram gradualmente com o tempo. [108] Embora o declínio na saúde de Newton só se tornasse claro mais tarde, não é presunçoso sugerir que o estado mental de Newton provavelmente influenciou a decisão política do BPP de expurgar o Partido e restringir suas sedes nacionais em 1972.

Apesar do extraordinário compromisso de Newton com a consistência de sua teoria, eu argumentaria que, de certa forma, ele não aplicou a própria teoria do intercomunalismo à sua conclusão lógica. Enquanto os membros do Partido dos Panteras Negras e seus aliados em todo o país sofriam cada vez mais assassinatos e ataques militares nas mãos do Estado, o Comitê Central e Newton chegaram à conclusão de que o movimento havia se expandido excessivamente e iniciado operações militares que ganharam visibilidade “cedo demais”. [109 Por essa razão, entre outras, a sede de Oakland fez um esforço considerável para absorver sedes nacionais, fechando-as à força, realocando líderes de todo o país para trabalhar em Oakland e retirando seu apoio às sedes que se recusaram a fechar. Entretanto, é importante entender que poucas sedes do BPP eram, estritamente falando, procedentes da sede de Oakland. Muitas sedes do BPP foram dirigidas de forma autônoma, com pouco apoio material da sede de Oakland; algumas haviam precedido historicamente o próprio BPP e simplesmente adotaram o nome e os símbolos dos Panteras enquanto perseguiam metas locais; algumas organizações compartilhavam afinidades políticas e vendiam o jornal do BPP, mas não chegaram a se associar ao partido explicitamente; e uma sede – a de Nova York – tinha um número total de membros maior do que a filial original em Oakland. [110] Se concebemos essas organizações não como sedes de uma organização nacional, mas como movimentos locais distintos que buscam se tornar territórios liberados contra o intercomunalismo reacionário, então a insistência da sede de Oakland em exercer sua autoridade sobre todas essas organizações díspares seria semelhante ao BPP insistindo na sua autoridade sobre a Frente Nacional para a Libertação do Vietnã do Sul, a quem expressaram solidariedade em 1970. As condições locais no Centro-Oeste eram distintas daquelas em Oakland, que eram ainda mais distintas daquelas na cidade de Nova York, e presumivelmente todas elas tinham estratégias e táticas diferentes entre si.

Pode-se dizer então que, ao afirmar autoridade sobre todas as sedes “nacionais”, Newton estava caindo na própria crença, nos limites e nas fronteiras do Estado-nação que criticava fundamentalmente por meio de sua teoria do intercomunalismo. Isso não é para argumentar que qualquer um desses locais de conflito teriam se tornado territórios liberados se a sede de Oakland não tivesse “interferido”. Também não se deve presumir qualquer uma dessas organizações locais pensasse em suas próprias lutas nos termos do intercomunalismo. De acordo com a teoria de Newton, entretanto, eles não necessariamente teriam que fazê-lo. Há de se investigar também se a teoria de Newton teria exigido uma estratégia particular ou diferenciada de luta por aquelas (inter-)comunas que, por acaso, estavam localizadas mais próximas do coração do império global. O que está claro, no entanto, é que a sede de Oakland acabou funcionando na prática como mais um corpo político, como o FBI e a polícia local, que ameaçava algumas sedes locais.

6. Hoje

“O intercomunialismo revolucionário e a boa anarquia, que Marx observou de longe no ‘fim’ da História, são materiais e deste mundo.” [111]

Embora o corpo de pensamento de Newton sobre o intercomunalismo seja extenso, grande parte dele está espalhada por vários discursos, entrevistas e contribuições para o jornal Panther, cujo nome foi mudado de Black Community News Service (traduzido do inglês: “Serviço de Notícias da Comunidade Negra”) para o Intercommunal News Service (traduzido do inglês: “Serviço de notícias intercomunais”) em fevereiro de 1971. Em sua pouco citada Long Live Third World Unity! Long Live Internationalism: Huey P. Newton’s Revolutionary Intercommunalism (traduzido do inglês: “Vida longa à unidade do terceiro mundo! Vida longa ao Internacionalismo: o intercomunialismo revolucionário de Huey P. Newton”), Besenia Rodriguez começa o trabalho de esquematizá-lo a partir do jornal, bem como de outros materiais de arquivo não engajados aqui. Ainda assim, o que está disponível atualmente oferece muito para aqueles que pensam sobre as lutas contemporâneas pela libertação. Por um lado, a insistência de Newton em criar estratégias para além do Estado-nação de uma maneira diferente daquela da geração mais velha de internacionalistas, deve ressoar para aqueles que hoje lutam sob as limitações e problemas do “socialismo democrático” dentro dos limites do Estado-nação. Newton pode nos incitar a reconsiderar se organizações ou movimentos localizados, digamos, em San Diego, poderiam desenvolver uma solidariedade mais produtiva com organizações e movimentos de Tijuana, ao invés dos localizados na cidade de Nova York. Embora San Diego e Nova York possam compartilhar algumas crenças políticas e, talvez, também limitações materiais impostas por leis federais, outras dinâmicas como fluxos econômicos, composição da comunidade e o idioma oficial podem ser mais significativas para determinar possibilidades políticas, do que a existência ou não de duas organizações do mesmo lado de uma fronteira legal.

A teoria de Newton também pode nos ajudar a ter mais noção dos tipos de movimentos políticos não estatais e proto-estatistas que surgiram e de alguma forma persistiram nas últimas décadas – como os zapatistas no México ou o caso curdo com a Rojava – enquanto as revoluções nacionais fracassaram cada vez mais. Uma mudança consciente em direção à busca de um tipo de autonomia política dentro ou através dos estados-nação também pode ser identificada por meio do espectro político, desde Michoacán e Hezbollah a gangues transnacionais e a ISIS. Em outros momentos, movimentos se articularam para o secessionismo explícito contra ou dentro de um Estado-nação. Em um artigo recente escrito em seu próprio modo aparentemente “dialético”, Robin DG Kelley elogia a abordagem estratégica da Cooperativa Jackson, com sede no Mississippi, uma conseqüência do Plano Jackson-Kush, sob o qual as eleições municipais estão sendo usadas como uma forma de canalizar fundos em direção a movimentos locais que buscam construir uma base de poder autônomo [112]. As palavras de Kelley parecem ecoar Newton: “Em outras palavras, a preocupação com a sobrevivência e a criação de novas instituições democráticas pode consolidar o poder e levar a cidade a um futuro sustentável” [113].
No entanto, enquanto práticas materiais ou “formas de vida” forem de fato o único fundamento prático para a solidariedade radical sob as condições globais atuais, a questão de como cultivar “consciência de classe” através de uma base de massa permanece. Contudo, a questão de como as pessoas podem ser motivadas a buscar mudanças radicais e como as idéias podem circular sob o intercomunalismo reacionário também foi abordada por Newton. No prefácio de To die for the People (traduzido do inglês: ‘“Morrer pelo povo”), Elaine Brown explica: “Embora ele não tenha vivido o suficiente para conhecer a Internet, Huey argumentou que, como a tecnologia aproximava o mundo, as pessoas do mundo estavam destinadas a reconhecer sua opressão em comum” [114]. David Kilcullen, assessor sênior de contra-insurgência do general Petraeus e da secretária de Estado Condoleezza Rice, identifica a informação em si como um alvo particularmente “fácil” que os atores não-estatais podem explorar em um mundo contemporâneo onde a guerra, o crime e a política de resistência tornaram-se interconectados e transnacionais [115]. Ele observa como “solidariedades” improváveis foram desenvolvidas através da mídia social nos anos que antecederam a Revolução na Tunísia entre hooligans esportivos e hackers esquerdistas radicais, ajudando a estabelecer e espalhar formas de consciência política que trouxeram massificação, tumultos e confrontos violentos às ruas e ataques intensificados ao Estado. Isso para não dizer da crescente vitalidade do terreno digital como um local de contestação sobre moeda e recursos. Na década de 1960, as solidariedades contra-intuitivas que o Partido dos Panteras Negras promoveu entre comunidades religiosas negras, estudantes universitários, veteranos do Vietnã, jovens de rua desempregados e membros de gangues incomodaram muitos da esquerda que insistiam em uma concepção mais limitada do que constitui uma classe. Para Newton, de acordo com o materialismo dialético, as classes surgem e desaparecem na história como um efeito das condições materiais de exploração e opressão, e as contradições antagônicas dividem e re-dividem as populações de novas maneiras.

REFERÊNCIAS

[1] Os pontos fortes deste texto são em grande parte devido ao apoio e crítica de Tyson Amir, Anna Cruz, Vanessa Dunstan, Kiran Garcha, Maya González, Asad Haider, Hanna Lani, Patrick King, Kurti Zhandarka, Ben Mabie e Rosa Petterson. Eu também estendo meus mais sinceros agradecimentos a Frederika Newton e à Fundação Dr. Huey P. Newton por seu apoio.

[2] Besenia Rodriguez, “Long Live Third World Unity! Long Live Internationalism: Huey P. Newton’s Revolutionary Intercommunalism,” (Vida Longa à união do Terceiro Mundo! Vida longa ao Internacionalismo: intercomunalismo revolucionário de Huey P. Newton) Souls 8:3 (2006), 119-141. Huey P. Newton, “Discurso proferido no Boston College: 18 de novembro, 1970,” To Die for the People: The Writings of Huey P. Newton (Morrer pelo povo: Os Escritos de Huey P. Newton), ed. Toni Morrison (Nova York: Vintage, 1972), 20-38. Erik H. Erikson and Huey P. Newton, In Search of Common Ground: Conversations with Erik H. Erikson and Huey P. Newton (Em busca de uma base comum: conversas com Erik Erikson e Huey P. Newton) (New York: W. W. Norton & Company, 1973).

[3] Judson Jeffries, “Introdução”, Huey P. Newton: The Radical Theorist (Huey P. Newton: O Teórico Radical) (Jackson: University Press of Mississippi, 2002), xxvi.

[4] Erikson and Newton, In Search of Common Ground, 16.

[5] Huey P. Newton, “Intercommunalism” (Intercomunalismo) (1974), Fundação Dr. Huey P. Newton Inc. Coleção, Caixa 50, Pasta 2-3. Recolhido neste dossiê. Grande parte deste material foi, de fato, publicado anteriormente em outros lugares, embora em pedaços em uma variedade de textos, incluindo Huey P. Newton e Erik H. Erikson’s In Search of Common Ground, Newton’s Revolutionary Suicide (Suicídio Revolucionário de Newton) e em “Who Makes U.S. Foreign Policy?” (Quem Faz a Política Externa dos EUA?) (1974).

[6] Newton, “Intercommunalism”, 1.

[7] Joshua Bloom e Waldo E. Martin, Jr., Black Against Empire: The History and Politics of the Black Panther Party (Preto Contra o Império: A História e Políticas do Partido dos Panteras Negras) (University of California Press, 2013), 2. Elaine Brown, “Prefácio,” To Die for the People, xviii. Bloom e Martin, Black Against Empire. Robyn Spencer, The Tevolution Has Come: Black Power, Gender, and the Black Panther Party in Oakland (A Revolução Chegou: Poder Preto, Gênero e o Partido dos Panteras Negras em Oakland) (Durham: Duke University Press, 2016). Eldridge Cleaver, Target Zero: A Life in Writing (Alvo Zero: Uma Vida Escrita), ed. Kathleen Cleaver (Nova York: Palgrave Macmillan, 2006). Rodriguez, “Long Live Third World Unity! Long Live Internationalism: Huey P. Newton’s Revolutionary Intercommunalism.”

[8] Safiya Bukhari. “Building Support for Political Prisoners of War Incarcerated in North America,” (Construção de Apoio aos Presos Políticos de Guerra encarcerados na América do Norte), The War Before: The True Life Story of Becoming a Black Panther, Keeping the Faith in Prison, & Fighting for Those Left Behind (A Guerra Antes: A Verdadeira História de Vida ao se tornar um Pantera Negra, mantendo a fé na prisão e lutando por aqueles deixados para trás), ed. Laura Whitehorn (New York: Feminist Press, 2010).

[9] Huey P. Newton, com J. Herman Blake, Revolutionary Suicide (Nova York: Penguin, 1973), 17-20.

[10] Ibid, 54.

[11] Em sua autobiografia, Revolutionary Suicide, Newton discute ou menciona explicitamente as obras originais de Aristóteles, Renée Descartes, David Hume, John Locke, Søren Kierkegaard, Karl Marx, Mikhail Bakunin, Fiódor Dostoiévski, Friedrich Nietzsche, James Joyce, VI Lenin, Mao. Zedong, Ho Chi Minh, Martin Delany, Frantz Fanon, Robert Williams e Malcolm X; Émile Durkheim, W. E. B. Du Bois, Ivan Pavlov, John Watson, B. F. Skinner, Herbert Hendin, Eric C. Lincoln, A.J. Ayers e Bertrand Russell; o livro do Eclesiastes, William Shakespeare, Edgar Allen Poe, Vitor Hugo, Franz Kafka, Albert Camus, Jean-Paul Sartre, T.S. Eliot, Ralph Ellison, Richard Wright, Langston Hughes, Claude Brown, James Baldwin, Julian Bond e Angela Davis. Veja também: Judson Jeffries, Huey P. Newton: The Radical Theorist.

[12] Newton, Revolutionary Suicide, 53, 268-269.

[13] Erikson e Newton, In Search of Common Ground, 133.

[14] Erikson e Newton, In Search of Common Ground, 38-39. Em resposta à pergunta de um estudante sobre o “problema de simplificar sua ideologia para as massas”, Newton respondeu: “Sim, esse é nosso grande fardo. Até agora eu não consegui fazer isso bem o suficiente para não ser vaiado do palco, mas estamos aprendendo. Eu acho que uma maneira de mostrar como funciona a dialética é usar exemplo prático após exemplo prático. A razão pela qual às vezes tenho medo de fazer isso é que as pessoas tomarão cada exemplo e pensarão: “Bem, se isso é verdade em um caso, então deve ser verdade em todos os outros casos”.

[15] Robert L. Trivers e Huey P. Newton, “The Crash of Flight 90: Doomed by Self-deception” (A queda do Voo 90: Condenado pela Auto-Desilusão), Science Digest. (Nov 1982). Para mais informações sobre a colaboração, ver: Erika Lorraine Milam, “A Field Study of Con Games” (“Um estudo de campo de fraudes”) Isis 105.3 (The History of Science Society, 2014), 96-605.

[16] Para um subconjunto destes ensaios, ver: Huey P. Newton, The Huey P. Newton Reader (O leitor de Huey P. Newton), ed. David Hilliard e Donald Weise (Seven Stories Press, 2002).

[17] Robyn Spencer, The Revolution Has Come: Black Power, Gender, and the Black Panther Party in Oakland, 118-119. Um extrato da introdução de “The Son of Man”: “Os mitos religiosos e sistemas de valores sócio-políticos são funções históricas um do outro. A dialética do mito e da política, na verdade, é história. […] Nosso argumento é que a tradição moderna de uma dualidade messiânica de soberania e humildade é uma explicação muito crua para a dinâmica de uma dialética político-mítica. Dr. Huey P. Newton Foundation Inc. Coleção, Caixa 50, Pasta 2.

[18] Stanley Nelson, The Black Panthers: Vanguard of the Revolution (Os Panteras Negras: Vanguarda e Revolução) , 2015.

[19] Para saber mais sobre as origens universitárias do BPP, veja Donna Jean Murch, Living for the City: Migration, Education, and the Rise of the Black Panther Party in Oakland, California (Vivendo para a Cidade: Migração, Educação e a Ascensão do Partido dos Panteras Negras em Oakland), Califórnia (The University of North Carolina Press, 2010).

[20] Newton, “Anotações,” Revolutionary Suicide, 78-90.

[21] Cedric Johnson, “The Panthers Can’t Save Us Now” (Os Panteras Não Podem Nos Salvar Agora) Catalyst, 1.1 (Spring 2017).

[22] Amy Sonnie e James Tracy, Hillbilly Nationalists, Urban Race Rebels, and Black Power: Community Organizing in Radical Times (Nacionalistas caipiras, rebeldes da raça urbana e poder preto: organização da comunidade em tempos radicais) (Melville House, 2011). Alex Lubin, “The Black Panthers and the PLO: The Politics of Intercommunalism” (Os Panteras Negras e a OLP: A Política do intercomunalismo) Geographies of Liberation: The Making of an Afro-Arab Political Imaginary (Geografias da Libertação: a criação de um imaginário político afro-árabe) (North Carolina Scholarship Online, 2014).

[23] Newton, “Intercommunalism,” 54. Ênfase no original.

[24] Newton, “Intercommunalism: A Higher Level of Consciousness” (Intercomunalismo: um nível mais alto de consciência), Dr. Huey P. Newton Foundation Inc. Coleção, Caixa 48, Pasta 4, pp. 6-7.

[25] Garrett Epps, “Huey Newton Speaks at Boston College, Presents Theory of ‘Intercommunalism’” (Palestra de Huey Newton no Boston College, apresentação da teoria do “intercomunalismo”), Harvard Crimson, Nov 19 1970.

[26] Brown, “Prefácio,” To Die For the People, XXI.

[27] Newton, “Intercommunalism: A Higher Level of Consciousness,” Dr. Huey P. Newton Foundation Inc. Coleção, Caixa 48, Pasta 4, pp. 11-12. Ver também, In Search of Common Ground, 73.

[28] Newton cita pp. 29-45 do texto de Horowitz de 1970. Horowitz era um teórico marxista associado à escola Monthly Review até se sentir repelido pelo espectro da revolução violenta, uma mudança precipitada pelo assassinato não resolvido de sua amiga Betty Van Patter em meados da década de 1970. Depois disso, ele se tornou um apologista de Reagan, um conservador extremista, e agora dedica seus esforços para montar ataques contra muçulmanos, liberais e esquerdistas na educação e na academia.
Newton, “Intercommunalism,” 11-12.

[29] Newton, “Intercommunalism,” 11-12.

[30] Brown, “Prefácio,” To Die for the People. Para mais informações sobre esta história, veja: United Nations Centre on Transnational Corporations: Corporate Conduct and the Public Interest (Centro das Nações Unidas sobre Empresas Transnacionais: Conduta Corporativa e o Interesse Público), ed. Khalil Hamdani e Lorraine Ruffing (Routledge, 2015).

[31] Newton, “Intercommunalism,” 2.

[32] John Narayan, “Huey P. Newton’s Intercommunalism: An Unacknowledged Theory of Empire” (O intercomunalismo de Huey P. Newton: Uma Teoria Não Reconhecida do Império), Theory, Culture & Society 0.0 (Nov 27 2017), 1-29. Observe especialmente a nota de rodapé 6 para as sugestões de Narayan sobre como a relação entre as concepções de Newton e as de Immanuel Wallerstein foram articuladas em “The Rise and Future Demise of the World Capitalist System: Concepts for Comparative Analysis” (A Ascensão e o Futuro Fim do Sistema Capitalista Mundial: Conceitos de Análise Comparativa) (1974).

[33] John Narayan, “The Wages of Whiteness in the Absence of Wages: Racial Capitalism, Reactionary Intercommunalism and the Rise of Trumpism” (Os salários da branquitude na ausência de salários: o capitalismo racial, o intercomunalismo reacionário e a ascensão do trumpismo), Third World Quarterly 38.11; Special Issue: Whatever Happened to the Idea of Imperialism? (Edição Especial: O que aconteceu com a idéia de imperialismo?) ed. Narayan e Sealey-Huggins (Routledge, Aug 2017), 2482-2500. Newton, como citado por Narayan: “Aqui na América o racismo é desenfreado e nós teremos que fazer algo sobre isso… cada vez mais, objetivamente, nossos irmãos de classe agem de uma maneira que prejudicará os pretos, em outras palavras eles são subjetivamente nossos inimigos. E eu usaria os hard-hats (capacetes) como exemplo. Os hard-hats são explorados, eles estão se tornando empregados sazonais, em outras palavras, eles estão bem no caminho para se tornarem desempregados e em vez de culparem seu mestre, eles nos culpam por isso.” Narayan continua: “Conforme o impacto do intercomunalismo reacionário entrou em vigor e os salários da branquitude tornaram-se permanentemente inexistentes, Newton acreditava que as comunidades nos EUA frequentemente “sentiriam, cada vez mais, que essa é uma contradição racial, e não uma contradição de classe” (2487-2488).

[34] Narayan, 21.

[35] Este ensaio, publicado no The Huey P. Newton Reader, parece ser um trecho editado do texto original de Newton, “Intercommunalism” (1974).

[36] Newton, “Intercommunalism” (1974), 6.

[37] “America’s Forever Wars,” (Guerras Infindáveis da América) The New York Times, Oct 22 2017. “Number of Military and DoD Appropriated Fund (APF) Civilian Personnel Permanently Assigned By Duty Location and Service/Component” (Número de militares e do Fundo Apropriado do Departamento de Defesa (APF) Pessoal Civil Permanentemente Especificado por Local de Trabalho e Serviço/Componente), Defense Manpower Data Center, 31 de março de 2018.

[38] Newton, “Intercommunalism: A Higher Level of Consciousness,” Dr. Huey P. Newton Foundation Inc. Coleção, Caixa 48, Pasta 4, p. 9.

[39] Horowitz como citado por Newton, “Intercommunalism” (1974), 12.

[40] Newton, “Black Capitalism Re-Analyzed I: June 5, 1971” (Capitalismo Preto Re-Analisado I: 5 de junho de 1971) The Huey P. Newton Reader, 227.

[41] Newton e Erikson, “Discussions with J. Herman Blake, Erik H. Erikson, Kai T. Erikson, and Huey P. Newton” (Discussões com J. Herman Blake, Erik H. Erikson, Kai T. Erikson e Huey P. Newton), In Search of Common Ground, 103.

[42] Newton, “Part e Dois” Revolutionary Suicide, 53-98.

[43] Newton, “Speech at Boston College: November 18, 1970” (Discurso no Boston College: 18 de novembro de 1970), The Huey P. Newton Reader, 162-164.

[44] Newton, “Speech at Boston College: November 18, 1970,” The Huey P. Newton Reader, 163.

[45] Newton, “Intercommunalism: February 1971” (Intercomunalismo: fevereiro de 1971), The Huey P. Newton Reader.

[46] Newton, “Intercommunalism” (1974), 32: “O Partido dos Panteras Negras escolheu os pressupostos materialistas para fundamentar sua ideologia. Essa é uma escolha puramente arbitrária. O idealismo pode ser o verdadeiro acontecimento; nós podemos nem estar aqui. Realmente não sabemos se estamos em Connecticut ou em São Francisco, se estamos sonhando e em estado de sonho, ou apenas se estamos acordados e em estado de sonho. Talvez estejamos apenas em algum lugar no vazio; simplesmente não podemos ter certeza.” As especulações céticas de Newton têm uma forte semelhança com as três dúvidas de Descartes em “As Meditações”: a possibilidade de que seus próprios sentidos possam enganá-lo, a possibilidade de suas experiências serem simplesmente parte de um sonho e a possibilidade de estar acordado mas sendo enganado por uma força externa (o “gênio maligno” de Descartes). Newton segue esse raciocínio sugerindo uma possibilidade final que se assemelha ao solipsismo. Para saber mais sobre a mudança dos Panteras para o materialismo dialético, veja Newton, “Intercommunalism” (1974), 33.

[47] Newton, Revolutionary Suicide, 57-58: “As crenças religiosas adquiridas na infância também me perturbaram. Depois de passar por algumas das obras de Sócrates, assim como as de Aristóteles, Hume e Descartes, comecei a questionar o que sempre tinha dado como certo. As idéias nas obras filosóficas que Melvin estava estudando se espalharam em minha mente confusa … Eu me identifiquei muito com Stephen Dedalus de Portrait of the Artist as a Young Man (Retrato do Artista Quando Jovem) de James Joyce, porque ele passou por uma experiência semelhante. Ele sentiu uma grande culpa quando questionou o catolicismo pela primeira vez, acreditando que seria consumido pelo fogo do inferno por sua dúvida.” Veja também os Capítulos 8, 10 e 11 “Moving On” (Seguindo em frente), “Learning” (Aprendendo) e “The Brothers on the Block” (Os Irmãos da Comunidade) em Revolutionary Suicide.

[48] Ver: Jeffries, “Newton’s View of People and the State” (A visão de Newton sobre as pessoas e o Estado), Huey P. Newton: Radical Theorist, 42-52. Newton, “Revolutionary Suicide: The Way of Liberation” (Suicídio revolucionário: o caminho da libertação) Revolutionary Suicide, 1-6.

[49] Robin D. G. Kelley e Betsy Esch, “Black Like Mao: Red China and Black Revolution” (Preto Como Mao: China Vermelha e Revolução Preta) Afro Asia: Revolutionary Political and Cultural Connections between African Americans and Asian Americans (Afro-Ásia: conexões políticas e culturais revolucionárias entre afro-americanos e asiáticos-americanos) ed. Fred Ho e Bill V. Mullen. (Durham: Duke University Press, 2008), 126: “Pouco depois de ser libertado da prisão em agosto de 1970, Newton propôs a criação de um ”Instituto Ideológico” onde os participantes realmente liam e ensinavam o que ele considerava os ”clássicos ” – Marx, Mao e Lenin, bem como Aristóteles, Platão, Rousseau, Kant, Kierkegaard e Nietzsche. Infelizmente, o Instituto Ideológico não somou muito; poucos membros do Partido viram utilidade na teorização abstrata ou a relevância de alguns desses escritos para a revolução.” Para Newton, a intenção era redistribuir e descentralizar o trabalho de produzir a teoria do Partido para longe de si mesmo (Newton, Revolutionary Suicide, 323-324).

[50 Joshua Bloom e Waldo E. Martin, Jr., Black Against Empire, 312.

[51] Fred Hampton, “Power Anywhere There’s People” (Poder em Qualquer Lugar onde haja pessoas) Discurso Proferido na Igreja Olivet, Chicago, 1969.

[52] Newton, “Utopia: Universal Life Energy” (Utopia: energia vital universal) (1974), Dr. Huey P. Newton Foundation Inc. Coleção, Caixa 39, Pasta 1. Newton leu todos os quatro volumes do então disponível Selected Works of Mao Tse-Tung (Obras Escolhidas de Mao Tsé-Tung) (Newton, Revolutionary Suicide, 70). Para mais sobre a distinta abordagem maoísta do materialismo dialético, veja: Mao Tsé-Tung, “On Practice” (Sobre a Prática), “On Contradiction” (Sobre a Contradição) and “On the Correct Handling of Contradictions Among the People” (Sobre o Tratamento Correto das Contradições no Seio do Povo).

[53] Newton, “Intercommunalism” (1974), 52-53.

[54] Newton, “Intercommunalism” (1974), 37.

[55] Newton, “College and the Afro-American Association” (Universidade e a Associação Afro-Americana), Revolutionary Suicide, 60-66.

[56] Huey Newton, “To the Black Movement: May 15, 1968” (Para o movimento preto: 15 de maio de 1968), To Die For the People. Huey Newton, “To The Republic of New Africa: September 13, 1969” (Para a República da Nova África: 13 de setembro de 1969) To Die For the People.

[57] De uma maneira similar a como a Nação do Islã e o Templo de Ciência Moura rejeitaram antes o termo “negro” e em vez disso adotaram os termos “preto” ou “afro-americano”, muitos Panteras que se juntaram ao Exército de Libertação Negra e à República da Nova Afrika escolheram, em 1968, identificarem-se como Novos Afrikanos, designando uma identidade coletiva inclusiva para os atuais 180 milhões de membros da diáspora africana anteriormente escravizados nas Américas.

[58] Newton, Revolutionary Suicide, 70. A citação acima é precedida pela seguinte passagem: “Quando eu apresentei minhas soluções para os problemas do povo begro, ou quando eu expressei minha filosofia, as pessoas disseram, “Bom, isso não é socialismo?” Alguns deles estão usando o rótulo de socialismo para me rebaixar, mas eu acho que se isso é socialismo, então o socialismo deve ser a visão correta. Então eu li mais os trabalhos dos socialistas e comecei ver fortes semelhanças entre minhas crenças e as deles. Minha conversão se completou quando eu li os quatro volumes de Mao Tse-tung para aprender mais sobre a Revolução Chinesa”.

[59] Huey P. Newton, “Huey Newton Talks to the Movement About the Black Panther Party, Cultural Nationalism, SNCC (Student Nonviolent Coordinating Committee), Liberal, and White Revolutionaries” (Huey Newton fala com o Movimento Sobre o Partido dos Panteras Negras, nacionalismo cultural, SNCC (Comitê Coordenador Não Violento de Estudantes), revolucionários liberais e brancos) The Black Panthers Speak (As Panteras Negras Falam), ed. Philip S. Foner (Chicago: Haymarket, 1970). Newton, “To the Black Movement: May 15, 1968” (Para o movimento negro: 15 de maio de 1968), To Die for the People. Também central para o marxismo e o maoísmo iniciais do BPP estava a liderança ideológica do pantera Ray “Masai” Hewitt da sede de Los Angeles (Bloom e Martin, “International Alliance,” Black Against Empire, 311-312).

[60] Newton, “Intercommunalism” (1974). 38.

[61] Newton, “To the Republic of New Africa: September 13, 1969” (Para a República da Nova África: 13 de setembro de 1969) To Die For the People. Newton, “On Pan-Africanism or Communism: December 1, 1972” (Sobre o Pan-africanismo ou comunismo: 1 de dezembro de 1972), The Huey P. Newton Reader, 253.

[62] Newton, “Discussions with J. Herman Blake, Erik H. Erikson, Kai T. Erikson, and Huey P. Newton,” In Search of Common Ground, 135-136. Nesta discussão, Huey Newton narra uma série de exemplos que apontam contradições em como a negritude e a branquitude são construídas.

[63] Newton, “Intercommunalism” (1974), 46.

[64] Malcolm X, “Message to the Grassroots” (Mensagem para as bases) 10 de novembro de 1963. “Qual é a diferença entre uma revolução Preta e uma revolução de pretos? A única revolução baseada em amar seu inimigo é a revolução de pretos. A única revolução em que o objetivo é um balcão de almoço inclusivo, um teatro inclusivo, um parque inclusivo e um banheiro público inclusivo; onde você vai poder se sentar ao lado de caras brancos. Isso não é revolução. Revolução é baseada na terra. A terra é a base de toda a independência. A terra é a base da liberdade, justiça e igualdade. O homem branco sabe o que é uma revolução. Ele sabe que a revolução preta é mundial em escopo e em natureza. A revolução preta está varrendo a Ásia, varrendo a África, está conquistando espaço na América Latina. A Revolução Cubana – isso é uma revolução. Eles derrubaram o sistema. A revolução está na Ásia. A revolução é na África. E o homem branco está gritando porque vê a revolução na América Latina. Como você acha que ele reagirá quando você souber o que é uma verdadeira revolução? Você não sabe o que é uma revolução. Se você soubesse, você não usaria essa palavra.” James Boggs e Grace Lee Boggs. “The City Is the Black Man’s Land” (1966), Racism and the Class Struggle: Further Pages from a Black Worker’s Notebook (Monthly Review Press, 1970).

[65] Elaine Brown, “Prefácio”, To Die for the People, XX.

[66] Newton, “Intercommunalism” (1974), 41.

[67] Newton, “Utopia: Universal Life Energy,” 8-9. Newton continua, provavelmente a partir das discussões durante sua visita à China em 1971, acrescentando: “Porque eles têm uma perspectiva mundial, eles rapidamente concordaram que só podem se chamar de território liberado porque eles costumam dizer que o mundo pertence ao povo e eles têm uma identidade universal com todas as pessoas oprimidas do mundo ”. Em “The Technology Question: 1972”, ele também oferece uma crítica mais severa à União Soviética, que ele diz ter se tornado um “satélite dos Estados Unidos”, quando eles formaram o “Acordo Comercial Estados Unidos-União Soviética de 1972”. Como resultado, isso também prejudicou os movimentos de resistência do Terceiro Mundo: “O primeiro erro da Rússia veio na forma de uma análise incorreta: que o socialismo poderia coexistir pacificamente com as nações capitalistas” (The Huey P. Newton Reader, 259-265). Para mais das críticas de Newton à União Soviética, veja também sua crítica ao Communism and Black Nationalism (Comunismo e Nacionalismo Negro) de George Padmore em “On Pan-Africanism or Communism: 1 de dezembro de 1971”, The Huey P. Newton Reader.

[68] Newton, “Reply to Roy Wilkins re : Vietnam: September 26, 1970” (Resposta a Roy Wilkins: Vietnã: 26 setembro de 1970) To Die For the People.

[69] Newton, “Intercommunalism” (1974), 54.

[70] Newton, “The Technology Question: December 1, 1972,” The Huey P. Newton Reader, 262-264.

[71] Como John Narayan aponta (nota 5), ​​já em 1969, nos escritos publicados enquanto ainda estava encarcerado, Newton tentava repensar a relação entre raça, colonização e formas de império: “Houve uma época em que eu pensei que apenas pretos eram colonizados. Mas acho que temos que mudar nossa retórica até certo ponto, porque todo o povo americano foi colonizado, se você entende a exploração como um efeito da colonização. Setenta e seis empresas exploraram a todos. O povo americano é um povo colonizado ainda mais do que as pessoas nos países em desenvolvimento onde os militares operam.” Newton, “On the Peace Movement: August 15, 1969” (Sobre o Movimento pela Paz: 15 de agosto de 1969) The Huey P. Newton Reader, 152. Este ponto é novamente articulado um mês depois, em “To the Republic of New Africa: September 13, 1969” (Para a República da Nova África: 13 de setembro de 1969) com relação aos povos indígenas, mas, mesmo em 1967, Newton insistiu em identificar as primeiras ondas de imigrantes europeus, muitos dos quais eram pobres, criminalizados e escravos, como povos colonizados: “Agora, esses mesmos brancos colonizados, estes escravos, indigentes e ladrões, negam ao preto colonizado não apenas o direito de abolir esse sistema opressor, mas até mesmo falar em abolí-lo.” Newton, “In Defense of Self Defense I: June 20, 1967” (Em Defesa da Autodefesa: 20 de junho de 1967), The Huey P. Newton Reader, 134-135.

[72] Newton, “Intercommunalism” (1974), 49. Ver também, “Uniting Against a Common Enemy: October 23, 1971” (Unindo-se Contra um Inimigo Comum: 23 de outubro de 1971), The Huey P. Newton Reader, 234-236.

[73] Eldridge Cleaver, “On the Ideology of the Black Panther Party (Part 1)” (Sobre a ideologia do Partido dos Panteras Negras (Parte 1)) (1969). Newton afirma esta tese novamente durante o seu discurso “Speech Delivered at Boston College: November 18, 1970” To Die for the People, 26.

[74] Newton, “Intercommunalism: A Higher Level of Consciousness,” Dr. Huey P. Newton Foundation Inc. Collection, Caixa 48, Pasta 4, p. 13. Newton, “In Defense of Self Defense I,” The Huey P. Newton Reader, 135. Newton, “The Technology Question: 1972,” 264.

[75] Newton, “Uniting Against a Common Enemy: October 13, 1971,” The Huey P. Newton Reader, 239-240.

[76] Para um ponto de partida sobre a história do Exército Negro de Libertação, especialmente como o da Costa Leste, veja Akinyele Omowale Umoja’s “Repression Breeds Resistance: The Black Liberation Army and the Radical Legacy of the Black Panther Party” (Repressão da Resistência das Raças: O Exército Negro de Libertação e o Legado Radical do Partido dos Panteras Negras) in Liberation, Imagination, and the Black Panther Party: A New Look at the Panthers and their Legacy (Libertação, imaginação e o partido dos Panteras Negras: um novo olhar sobre as Panteras e seu legado), ed. Kathleen Cleaver and George Katsiaficas (New York: Routledge, 2001). Para mais sobre as lutas de guerrilha no Centro-Oeste, veja Yohuru Williams e Jama Lazerow’s Liberated Territory: Untold Local Perspectives on the Black Panther Party (Território Libertado: Perspectivas Locais Não Contadas sobre o Partido dos Panteras Negras) (Duke University Press, 2008). Eu também tenho material, prestes a ser publicado, sobre o Exército Negro de Libertação.

[77] Newton, “Speech at Boston College: November 18, 1970,” The Huey P. Newton Reader, 160.

[78] Para mais informações sobre o foco do BPP no lar, na escola e na comuna como locais de luta, veja: Kiran Garcha, “Bringing the Vanguard Home: Revisiting the Black Panther Party’s Sites of Class Struggle” (Trazendo o Lar de Vanguarda: Revisitando os Locais de Luta de Classes do Partido dos Panteras Negras) Viewpoint Magazine (31 de outubro de 2015).

[79] Huey Newton, “Black Capitalism Re-Analyzed I: June 5, 1971” (Capitalismo Negro Revisado I: 5 de junho de 1971), The Huey P. Newton Reader.

[80] Frantz Fanon, Wretched of the Earth (Os Condenados da Terra) traduzido por Constance Farrington (Grove Press, 1963).

[81] Do discurso de Newton no Boston College “Speech at Boston College: November 18, 1970,” 166: “Neste país, o Partido dos Panteras Negras – tomando nota cuidadosa do método dialético, tomando nota cuidadosa das tendências sociais e da natureza em constante mudança das coisas – entende que enquanto o lumpemproletariado é a minoria e o proletariado, a maioria, a tecnologia está se desenvolvendo em um ritmo tão rápido que a automação irá progredir para a cibernação e esta, provavelmente, para a tecnocracia.” Para mais informações sobre os debates históricos acerca da automação e da “sociedade tecnocrática”, entre os comunistas e a esquerda preta, eu recomendo fortemente a obra a ser publicada de Alex Bogdanov a Martin Luther King Jr, “Communisation: Dystopian or Scientific” (Comunização: Distópicas ou Científicas). Também é importante considerar aqui o argumento alternativo de que a automação é menos uma causa do crescente subemprego do que é um sintoma da maior crise estrutural intrínseca ao capitalismo e o que Marx identificou como a tendência à queda da taxa de lucro. Para mais sobre isso, ver Aaron Benanav’s “Automation and the Future of Work” (Automação e o Futuro do Trabalho).

[82] Newton, “Speech at Boston College: November 18, 1970,” The Huey P. Newton Reader, 167.

[83] Ibid, 29.

[84] Michel Foucault, “Aula 11”, Society Must Be Defended: Lectures at the College de France 1975-1976 (A Sociedade deve ser defendida: Palestras no College de France 1975-1976), traduzido por Robert Hurley (Picador, 1992). Veja também: Mbembe, Achille (2003). “Necropolitics” (Necropolitica), Public Culture. 15.1, 11–40.

[85] Clayborne Carson, Malcolm X: The FBI File (Malcolm X: Arquivos do FBI) (New York: Skyhorse Publishing, 1991).

[86] Newton, “On The Relevance of the Church: May 19, 1971” (Sobre a Relevância da Igreja: 19 de maio de 1971) The Huey P. Newton Reader, 219.

[87] Newton, “A Functional Definition of Politics: January 11, 1969” (Uma definição funcional da Política: 11 de janeiro de 1969) The Huey P. Newton Reader. Huey P. Newton, “A Functional Definition of Politics: Conclusion” (Uma definição funcional da Política: Conclusão) Dr. Huey P. Newton Foundation Inc. Collection, Caixa 50, Pasta 2. Mao Tsé-Tung, “On Protracted War” (Sobre a Guerra Prolongada) in Selected Works of Mao Tse-Tung Vol. 2 (Beijing: Foreign Languages Press, 1967), 153. Para mais sobre a genealogia, significado e influência da concepção de política de Newton, veja: Brady Thomas Heiner’s “Foucault and the Black Panthers” (Foucault e os Panteras Negras), City: Analysis of Urban Trends, Culture, Theory, Policy, Action (Cidade: Análise das Tendências Urbanas, Cultura, Teoria, Política, Ação), 11.3 (2007). Newton, “Utopia: Universal Life Energy,” 10.

[88] Para mais sobre os debates em torno deste assunto, ver Sakellaropoulos e Sotiris, “From Territorial to Nonterritorial Capitalist Imperialism: Lenin and the Possibility of a Marxist Theory of Imperialism” (Do imperialismo capitalista territorial ao não-territorial: Lênin e a possibilidade de uma teoria marxista do imperialismo) em Rethinking Marxism: A Journal of Economics, Culture & Society (Janeiro de 2017). Cada vez mais, na década de 1970, a análise de Newton sobre o imperialismo capitalista parece ecoar uma leitura atenta da posição de Lenin, incluindo suas muitas vacilações. Discutindo a luta para o estabelecimento de “territórios libertados” no Vietnã, Newton afirma: “… Os Estados Unidos não precisam desses territórios. Essa não é a questão. O povo dos territórios oprimidos pode lutar pela questão da terra e morrer pela questão da terra. Mas, para os Estados Unidos, a questão é tecnológica e o consumo de mercadorias que a tecnologia produz!” (Newton, “The Technology Question: 1972,” 259-260). Outro ponto a ser reconhecido aqui é que, em 1974, as frequentes citações que Newton faz de David Horowitz parecem indicar também uma mudança de posição da visão de que a expansão imperialista capitalista é causada principalmente pela necessidade do capitalista de encontrar uma base de consumidores; mas, ao contrário, ela é causada pela tendência inerente à dinâmica capitalista de eliminar competidores e de criar relações de dependência econômica em todos os ecossistemas sociais com os quais entra em contato: “A noção de que o excesso de poupança ou a deficiência da demanda por investimento nos mercados domésticos (em termos marxistas clássicos – a dificuldade de “realizar mais-valor”) é mecanismo que leva os capitalistas a outros países e torna a expansão imperialista indispensável ao capitalismo, com frequência é assertivamente associada à Rosa Luxemburgo e ao liberal JA Hobson, mas explicitamente repudiada por Lenin e outros teóricos bolcheviques. Esse é um ponto fundamental para a tese hobsoniana, como teoria do fenômeno geral da expansão imperialista, ela pode ser criticada por seus fundamentos empíricos e depois utilizada, como tem sido, para descredibilizar a teoria econômica do imperialismo como tal. Não é possível argumentar, é claro, que a insuficiência dos mercados domésticos e o problema de valorização do capital excedente não desempenham nenhum papel ou mesmo são insignificantes na produção do fenômeno de expansão imperialista. De fato, nos eventos da virada do século, até mesmo os críticos os reconheceram como fatores muito importantes, enquanto que o lugar que eles ocuparam na perspectiva ideológica dos próprios imperialistas freqüentemente lhes deu um peso e um significado maiores do que a realidade objetiva pode garantir. Mas identificá-los como causa fundamental do impulso expansionista geral do capitalismo é empiricamente injustificado e teoricamente errado. (…) No nível mais básico, portanto, o imperialismo é o capitalismo que irrompeu as fronteiras do Estado-nação, até mesmo, ao superar a reclusão da comunidade da aldeia na época feudal. Portanto, os dois fenômenos são inseparáveis: não pode haver o fim do imperialismo sem o fim do capitalismo e das relações capitalistas de produção ”. (Newton citing Horowitz, 8-10, “Intercommunalism,” 1974). A extensão do meu envolvimento com essas questões é totalmente devida às discussões e à orientação do editor do Viewpoint, Ben Mabie. Para mais, veja: Viewpoint, Issue 6: Imperialism.

[89] Narayan oferece o que parece ser uma interpretação amplamente compatível, argumentando que a “revolução pendente de sobrevivência” do BPP poderia ser descrita como uma mudança para uma “guerra de posição” gramsciana.

[90] Joy Ann Williamson, “Community Control With a Black Nationalist Twist: The Black Panther Party’s Educational Programs” (Controle comunal com um toque nacionalista preto: os programas educacionais do Partido dos Panteras Negras) Counterpoints, 237 (2005).

[91] Spencer, The Revolution Has Come (A Revolução Chegou), 120. Huey P. Newton, “On The Relevance of the Church: May 19, 1971,” The Huey P. Newton Reader, 229. Spencer, The Revolution Has Come, 153. Robert O. Self, American Babylon Race and the Struggle for Postwar Oakland (Competição na Babilônia Americana e a Luta pelo Oakland do pós-guerra) (Princeton University Press, 2005).

[92] Huey P. Newton, “Black Capitalism Re-Analyzed I: June, 5, 1971,” “Black Capitalism Re-Analyzed II (Practical Application): August 9, 1971,” “On The Relevance of the Church: May 19, 1971,” The Huey P. Newton Reader. Spencer, The Revolution Has Come, 118.

[93] Spencer, The Revolution Has Come, 149, 123-132

[94] Jeffries, Huey P. Newton: Radical Theorist. 9. Ver também Flores A. Forbes’ Will You Die with Me?: My Life and the Black Panther Party (Você vai morrer comigo? Minha vida e o Partido dos Panteras Negras) e David Hilliard’s This Side of Glory: The Autobiography of David Hilliard (Este lado da glória: a autobiografia de David Hilliard).

[95] Newton, “Black Capitalism Reanalyzed I,” The Huey P. Newton Reader, 232-233. “Não há salvação no capitalismo, mas por meio dessa nova abordagem, o capitalista negro contribuirá para sua própria negação, ajudando a construir um forte veículo político que é guiado por conceitos revolucionários e serve como uma vanguarda para o povo (…) Então, vamos aumentar o contradição entre a comunidade negra e o capitalismo corporativo, ao mesmo tempo em que é reduzida a contradição entre os capitalistas negros e a comunidade negra.”

[96] Erikson and Newton, In Search of Common Ground, 39.

[97] Spencer, The Revolution Has Come, 145-146.

[98] Spencer, The Revolution Has Come, 147.

[99] Lenin, V.I. “The Dual Power” (O Poder Dual), Pravda, 28 (April 9, 1917). Lee Lockwood, “Entrevista: Huey Newton,” Playboy, 20.5 (Playboy, 1973), 75.

[100] Newton, “On the Defection of Eldridge Cleaver from the Black Panther Party and the Defection of the Black Panther Party from the Black Community” (Sobre a deserção de Eldridge Cleaver o Partido dos Panteras Negras e a Deserção do Partido dos Panteras Negras da Comunidade Negra), The Huey P. Newton Reader, 205. Também vale a pena esclarecer que os objetivos por trás dessa campanha diferiam nitidamente daqueles que motivaram a campanha presidencial de Eldridge Cleaver, em 1968, pelo Partido da Liberdade do Povo. Essa campanha anterior visava clara e explicitamente adquirir publicidade para o Partido e seu programa em escala nacional, em vez da conquista efetiva de cargos políticos. Spencer, The Revolution Has Come, 147-156.

[101] Newton, Revolutionary Suicide, 97-99.

[102] Em 1973, Newton diz explicitamente que os membros do partido “vivem em comunas” (Lee Lockwood, “Entrevista: Huey Newton”). A discussão mais extensa desta história é encontrada na inestimável contribuição de Robyn Spencer, “Communalism and the Black Panther Party in Oakland, California,” West of Eden: Communes and Utopia in Northern California, ed. Iaian Boal, (Oakland: PM Press, 2012), 92-121. Tanto quanto sei, as observações publicadas por Newton em outras comunas, na década de 1960, limitam-se em grande medida a uma crítica das tentativas míopes ou idealistas de “desconectarem-se” dos impactos da expansão da tecnologia no capitalismo. Para esses breves comentários, consulte: 116-117 in In Search of Common Ground.

[103] Spencer, The Revolution Has Come, 114-177. Ver também Elaine Brown, A Taste of Power: A Black Woman’s Story (Um gostinho de poder: a história de uma mulher negra), (First Anchor Books: 1994).

[104] Newton, “On the Relevance of Church: May 19, 1971,” To Die for the People, 66. Newton aqui na verdade usa a palavra “exploit”, mas coloca o termo entre aspas, denotando um uso eufemístico. Na prática, no entanto, isso é indiscutivelmente o que aconteceu, já que os membros enfrentaram cotas de trabalho que só se intensificaram quando, no final da década de 1970, o Partido lutava financeiramente cada vez mais. Ver também: Spencer, The Revolution Has Come, 195-201.

[105] Newton, To Die for the People, 1.

[106] Profeticamente, Newton também advertiu em seus escritos sobre os perigos dos partidos “revolucionários” se desconectarem da realidade e das pessoas, tornando-se grupos de afinidades subculturais compostos de “pessoas que se abstêm”, uma tendência que Newton identificou como “cultismo revolucionário” (Newton, “On the Relevance of the Church: May 19, 1971,” The Huey P. Newton Reader, 221-222). Ao mesmo tempo, é necessário considerar que possivelmente todos os movimentos políticos – e talvez todas as formações sociais humanas – dependem de algum nível de controle, físico ou psicológico, para conseguir manter o nível de coesão intragrupos necessário para alcançar objetivos coletivos. De fato, parece que quanto menos as dinâmicas internas de um grupo forem fisicamente coercitivas, maior a probabilidade de que mecanismos ideológicos intragrupais particularmente poderosos – mesmo que sutis – coincidam com as “estruturas de sentimento” e com a homogeneidade cultural interna que asseguram um comportamento submisso. Muitas vezes, esse parece ser o caso, apesar da retórica presente sobre decisões anti-hierárquicas, democráticas ou coletivistas. A noção do antropólogo Harold Barclay de “sanções difusas” é útil aqui para especular sobre as maneiras pelas quais formas descentralizadas de autoridade surgem como uma forma de controle social dentro de comunidades amplamente igualitárias People Without Government: An Anthropology of Anarchy, 1982 (Pessoas sem Governo: Uma Antropologia da Anarquia, 1982). Desde os anos 1970, já que a coesão dos grupos nos EUA tem se tornado cada vez mais difícil de se encontrar – veja Bowling Alone: The Collapse and Revival of American Community (Bowling Alone: ​​O Colapso e o Renascimento da Comunidade Americana) – a maioria das poucas formações sócio-políticas, com algum grau de autonomia do Estado, que persistiram até hoje, de fato, parecem ser alguns dos grupos mais coercitivos internamente, como as gangues e os cultos. Isto é, não tenho certeza se as dinâmicas de culto, no final do BPP, sejam melhor entendidas como uma disfunção, mas talvez como estruturalmente predeterminadas pelo o que uma organização social autônoma pode ser inclinada a parecer sob a ‘globalização’ ou o “intercomunalismo reacionário’. Isso não significa que os indivíduos não possam se organizar e desenvolver com sucesso formas de coesão do grupo com dinâmicas menos coercitivas, mas talvez que as condições materiais contemporâneas dificultam a sustentação de grupos com práticas menos coercitivas se elas não tiverem tido um alto grau de intencionalidade quando formadas. Crucialmente, é claro, os objetivos políticos mais estruturalmente significantes (independente de como eles são decididos) só podem ser alcançados por meio da luta coletiva.

[107] Newton, “The Women’s Liberation and Gay Liberation Movements: August 15, 1970” (Os Movimentos de Libertação das Mulheres e de Libertação Gay: 15 de agosto de 1970), The Huey P. Newton Reader. Newton, “Loving” (Amando), Revolutionary Suicide, 93-98. Tracye Matthews, “No one ever asks what a Man’s Place in The Revolution Is: Gender and the Politics of the Black Panther Party 1966-1971” (Ninguém nunca pergunta qual é o lugar de um homem na revolução: gênero e política no Partido dos Panteras Negras de 1966 a 1971) The Black Panther Party Reconsidered, ed. Charles E. Jones (Baltimore: Black Classic Press, 1998).

[108] O grave impacto dos esforços do estado para destruir Newton psicologicamente é profundamente subestimado. Para um tratamento mais próximo desse assunto, veja: Joe Street, “The Shadow of the Soul Breaker: Solitary Confinement, Cocaine, and the Disintegration of Huey P. Newton,” (A Sombra do Quebrador de Almas: Confinamento Solitário, Cocaína e a Desintegração de Huey P. Newton)Pacific Historical Review, 84.3 Aug 2015, 333-363.

[109] Huey P. Newton, “On the Defection of Eldridge Cleaver from the Black Panther Party and the Defection of the Black Panther Party from the Black Community: April 17, 1971,” The Huey P. Newton Reader.

[110] Bloom and Martin, Black Against Empire. Yohuru Williams e Jama Lazerow, Liberated Territory: Untold Local Perspectives on the Black Panther Party. Russell Maroon Shoatz. Maroon the Implacable: The Collected Writings of Russell Maroon Shoatz (Maroon, o impecável: escritos selecionados de Russel Maroon Shoatz) (PM Press, 2013).

[111] Newton, “Utopia: Universal Life Energy,” 10.

[112] Kali Akuno e Ajamu Nangwaya. Jackson Rising: The Struggle for Economic Democracy and Black Self-Determination in Jackson, Mississippi (O Levante de Jackson: A luta pela democracia econômica e autodeterminação preta em Jackson, Mississippi) (Daraja Press, 2017).

[113] Robin D. G. Kelley, “Coates and West in Jackson” (Costa e Oeste de Jackson) Boston Review, Dec 22, 2017.

[114] Brown, “Prefácio” xx.

[115] David Kilcullen, Out of the Mountains: The Coming Age of the Urban Guerrilla (Fora das montanhas: a nova era da guerrilha urbana) (Oxford University Press, 2015), 180-188.

*Delio Vasquez é doutorando em História da Consciência na Universidade da Califórnia-Santa Cruz, onde estuda criminalidade, teoria política e filosofia. Ele é um educador, um ativista e nasceu no Bronx.

huey newton

Newton recebeu seu Ph.D. em História da Consciência da Universidade da Califórnia, Santa Cruz, em 15 de junho de 1980.

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3 comentários em “Intercomunalismo: as últimas teorizações de Huey P. Newton, “Teórico Chefe” do Partido dos Panteras Negras”

  1. Será que o movimento negro brasileiro atual irá acusar Huey Newton de eurocêntrico por causa de suas pesquisas em torno do Hegel e Marx? Será que vão continuar seguindo o Pantera Negra e seu clímax final com uma ONG no Bronx? Provavelmente!

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