Apesar da crise ou apesar dos lucros?

por Gabriel Landi Fazzio

Pouco após a sintética crítica de Pablo Villaça à linha editorial da mídia comercial, “Apesar da crise”, viralizar nas timelines, nos deparamos com determinada manchete do Valor Econômico que anuncia: “Bancos deixam Bovespa no vermelho após Itaú divulgar balanço”.

O veículo eletrônico noticia que o Itaú Unibanco teve lucro líquido contábil de R$5.984 bilhões no segundo trimestre de 2015, com alta de 22,1% sobre o mesmo período do ano passado. No entanto, as despesas com a chamada Previsão para Perdas com Crédito aumentaram 23.6% sobre o mesmo período de 2014, para R$5.520 bilhões. Ou seja: o balanço apresentado em 04/08/2015 pelo Itaú apresentou um vigoroso aumento de receitas e de lucro, mas também evidenciou o crescimento da inadimplência, deixando receosos os investidores-credores.

Tal informação puxa a reflexão sobre o significado mais profundo do “apesar da crise” que impregna as manchetes jornalísticas. Não que Villaça esteja equivocado, ao atribuir tal persistência no “pessimismo” editorial às visões e interesses das corporações jornalísticas e seus investidores e anunciantes – ou seja, como parte da tática de parte da burguesia de ataque ao atual governo. Mas a questão é mais complicada em ao menos dois aspectos:

Em primeiro lugar porque de fato há um esgotamento do atual modelo de desenvolvimento e conciliação de classes. Isso é sentido pela classe trabalhadora com um impacto há anos não sentido – o aumento do custo de vida e o temor crescente do desemprego são as mais evidentes expressões disso. Sob o bombardeio midiático do discurso da crise, essa sensação se agrava catastroficamente, levando mesmo aos prognósticos mais exorbitantes: uma pesquisa recente aponta que, para metade de seus entrevistados, a impressão é de que até o fim do ano veremos uma inflação superior a 50%! Ainda que não nos detenhamos na análise da inflação brasileira (esta expressão da luta das classes pela apropriação do excedente social), fato é que, sem reflexões mais profundas, podemos dizer, sem sombra de dúvida, que aqui se evidencia na economia uma lição já nítida na política: a denúncia difundida do esgotamento de um modelo acelera seu esgotamento, ainda com mais vigor quando encontra bases materiais que façam a denúncia soar plausível. É a velha história do alerta de uma iminente crise bancária que, ao levar os clientes a sacar seu dinheiro depositado, deflagra definitivamente uma crise bancária. De modo similar, hoje o aval aos vendedores para repassar seus aumentos de custos para seus preços é amplo, e a classe trabalhadora se desencoraja em seu até então vertiginoso consumo ascendente.

Ademais, talvez o mais revelador seja que a afirmação constante do “apesar da crise” soa como um lembrete à própria burguesia: um lembrete de que, apesar dos lucros descomunais obtidos pelos bancos e monopólios nas últimas décadas, o modelo de acumulação em curso se esgota dia após dia, o que se evidencia talvez exatamente na manutenção de tais lucros financeiros concomitantemente à queda da taxa de lucro nos setores produtivos. E aqui encontramos que a questão talvez não seja tanto a crise internacional e seu reflexo na desaceleração da economia brasileira, imediatamente – mas sim a crise histórica mais profunda, que se avizinha, e que é evidente na cabeça de todo burguês ciente de que manter a atual taxa de acumulação é impossível, diante das turbulências do mercado, sem um ataque frontal à classe trabalhadora, seus direitos e suas organizações.

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