Debtocracy – Documentário

Por Felipe Dias

Dirigido por Katerina Kitidi e Aris Chatzistefanou, o documentário Debtocracy (2011), conta as origens da Crise da Dívida Grega (de 2010 até atualmente) e discute alternativas para sua solução, contando com a participação de  Costas Lapavitsas, economista, David Harvey, geógrafo, Hugo Arias, presidente Comitê de Análise da Dívida do Equador, Samir Amin, economista, Gerard Duménil, economista, Alain Badiou, filósofo, Manolis Glezos, político grego, Avi Lewis, jornalista e diretor de cinema, Sahra Wagenknecht, política do partido alemão Die Linke.

Apontando como causas da crise atual o histórico papel da Grécia enquanto economia periférica da Europa desde sua independência, o sistema tributário regressivo e pouco eficaz do país, o processo de financeirização da economia mundial a partir do final da década de 1970, e a entrada da Grécia na União Europeia e na Zona do Euro, o documentário defende a proposta de realização de uma auditoria da dívida pública grega a partir do conceito jurídico de “dívida odiosa”.

Formulado em 1927 pelo jurista russo radicado nos EUA Alexander Sack, o conceito de “dívida odiosa” possui três pré-requisitos: “1. O governo de um país recebe um empréstimo sem o conhecimento ou aprovação dos cidadãos. 2. O empréstimo é gasto em atividades que não beneficiam os cidadãos. 3. Os credores estão cientes desta situação, mas fingem não sabê-lo.” O conceito foi aplicado inicialmente por países subdesenvolvidos, na maior parte dos casos latino americanos, mas possui como antecedente o caso dos EUA, ao se recusar a pagar a dívida herdada do Estado Espanhol na anexação de Cuba como território norte-americano em 1898, após a vitória dos EUA na Guerra Hispano-Americana. Mais recentemente, os EUA apelaram ao conceito de dívida odiosa para conseguir o cancelamento da dívida pública iraquiana, após a derrubada de Saddam Hussein, embora os países credores tenham se recusado a utilizar o conceito oficialmente.

Entre os exemplos mais recentes de enfrentamento dos credores (como  FMI e o Banco Mundial) por nações soberanas, o filme mostra o exemplo do Equador, que realizou um auditoria de sua dívida pública, por meio de uma comissão internacional que analisou todos os contratos de dívida de 1976 a 2006, e conseguiu demonstrar que 70% do estoque da dívida obrigacionista era ilegal e decretou o fim de seu pagamento, recomprando o restante no mercado a preços reduzidos. Livre do pagamento do serviço da dívida, o Equador pode poupar cerca de 7 bilhões de dólares, investindo os recursos  em melhorias nas condições de vida da população.

Mostrando diversos indícios de ilegalidades em contratos que elevaram a dívida pública grega, além de gastos exorbitantes sem qualquer benefício à população, o documentário defende que a Grécia declare ilegítima a dívida e decrete o seu não pagamento, pondo fim às políticas de austeridade impostas pela Troika (FMI, BCE e UE), que já em 2011 traziam dramáticas consequências para a população grega.

Após a vitória do Syriza nas eleições gerais de 2015, a população grega e até mesmo a esquerda mundial como um todo depositou suas esperanças no governo de Alexis Tsipras como possibilidade da defesa da soberania democrática em face do poder das autoridades financeiras europeias e mundiais. Após o recente acordo entre o governo grego e a Troika em julho de 2015, em condições piores para a Grécia do que anteriormente (embora com maior margem de manobra, dado o prazo estendido para os pagamentos), boa parte da esperança se transformou em frustração.

Isto não deve, no entanto, obscurecer a análise lúcida das peculiaridades da situação da Grécia, que, diferentemente do Equador, Argentina e outros países, poderia vir a enfrentar condições econômicas e sociais catastróficas no caso de um default e de uma imediata exclusão da Zona do Euro, como já argumentou Yanis Varoufakis, ex-ministro das finanças do govenro do Syriza, em diversas ocasiões.

A situação da Grécia está longe de ser resolvida, bem como a dos outros países da periferia da Zona do euro e do mundo subdesenvolvido, submetidos ao regime de acumulação com dominância financeira e suas crises. Portanto, apesar da densidade dos acontecimentos ocorridos de 2011 até o presente, o documentário Debtocracy se mostra extremamente atual, ajudando a iluminar os tortuosos caminhos da luta de classes no Século XXI.

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