Como utilizar a internet na promoção de políticas progressistas?

Por David Runciman, traduzido por Melissa Cambuhy

A revolução na Tecnologia da Informação está a transformando a política e abrindo uma nova dimensão de desigualdade. O Partido Trabalhista pode ser tão tecnologicamente inteligente quanto quiser, argumenta David Runciman, mas não pode se tornar uma máquina de ganhar votos novamente até que se defina um papel para o Estado na economia política da era digital.


No dia do Trabalho foi lançado seu manifesto, eu fui ao site do partido com a esperança de lê-lo. Mas antes que eu pudesse chegar ao texto, eu tive de navegar por um portal que me ofereceu a oportunidade de “criar meu próprio manifesto ‘. O que isto significava na prática era que qualquer um poderia introduzir as questões com as quais mais se preocupasse, e o manifesto poderia, então, ser reconfigurado para levantar a bandeira dessas preocupações.

É difícil pensar em qualquer coisa que melhor resuma o que havia de errado com a campanha trabalhista. Parecia responsável, tecnologicamente inteligente e amigável para o consumidor: a política como um menu de opções para um eleitorado cada vez mais distraído e diversificado. Mas, na realidade, era paternalista, enigmático e uma distração monumental. Simplesmente se confirmou a impressão de que a estratégia trabalhista tinha reduzido a política a uma série de ofertas transacionais que poderiam ser movimentadas à vontade para criar uma filosofia política substituta (“ersatz”). O partido esperava aproveitar o poder transformador da internet para promover políticas progressistas. Terminou banalizando ambas.

Enquanto isso, os Tories apostaram em uma campanha muito mais à moda antiga – incluindo uma mensagem principal simples, malas-diretas nas principais marginais, e um manifesto sob a forma familiar de uma indigerível taboa de texto – com o que agora se parece o resultado previsível. A eleição 2015 já está sendo anunciada como prova de que a política digital não é tudo que deveria ser. Pode não ter sido o seu lugar ao sol, mas com certeza não era também um Twitter. A velha mídia parece ter desempenhado um papel muito maior no resultado do que a mídia social fez, justamente como o poder do dinheiro certamente quase teve um impacto muito maior do que o poder das redes. No entanto, seria um grande erro supor que a política digital é apenas uma outra bolha de tecnologia que foi estourada pelo que David Edgerton chama de “o choque do velho”. A revolução da tecnologia da informação está transformando a política – só que não da forma que esperávamos. Demasiado tempo tem sido gasto para pensar sobre como os políticos podem utilizar as novas tecnologias para os seus próprios fins, e de forma alguma próximo o bastante do tempo gasto para pensar sobre como esta tecnologia está mudando a essência do que esses fins deveriam ser. É aí que o Partido Trabalhista deveria começar suas conversas sobre o que fazer a seguir.

A nova fronteira on-line da desigualdade

No alvorecer da revolução tecnológica uma grande quantidade de pessoas manifestou esperanças utópicas que estávamos à beira de uma nova era de democracia on-line, em que a participação popular on-line e o engajamento político direto iria se tornar a regra. Nos foi prometido transparência, acessibilidade e referendos noturnos sobre as questões que importavam. Isso nunca aconteceu. Como essas esperanças se foram – junto com a esperança equivocada que a disseminação livre de informação na web prejudicaria governos autocráticos em todo o mundo – a atenção voltou-se para o negócio mais mundano sobre o uso de novas tecnologias para conseguir votos e mobilizar apoio. A era da política tecnológica 2.0 foi iniciada pela campanha de Obama em 2008, que apareceu para demonstrar o grande potencial da mídia social, quando utilizado de forma criativa, particularmente em termos de alcançar eleitores jovens ou outros eleitores desengajados. De fato, 2008 é mais ou menos onde o pensamento do Partido Trabalhista parece ter travado (a decisão absurda de contratar David Axelrod é a ilustração perfeita disso). Como a tecnologia digital poderia mudar a maneira como as pessoas votam e se envolvem com a política ainda importa. Mas o que importa muito mais é como isso já mudou a forma como a maioria das pessoas vive. Muitas dessas mudanças estão acontecendo fora do radar, o que significa que os políticos muitas vezes sentem que não há necessidade de enfrenta-las, assumindo que eles estão cientes de todas elas. No entanto, todos os políticos, e especialmente os da esquerda progressista, ignoram seu perigo.

Por exemplo, ninguém está falando sobre os efeitos redistributivos da nova economia política gerados pelas redes sociais. Estamos agora tão acostumados ao fato de que muitos dos serviços que consumimos online – desde o Facebook e Google até o The Guardian e National Rail – estão disponíveis gratuitamente que mal podemos nota-los. Claro, esses serviços não são realmente gratuitos: nós não os pagamos com dinheiro, mas pagamos com os nossos dados – todas as informações pessoais sobre os nossos hábitos, preferências e planos que revelamos cada vez que os usamos. A nova economia troca informações por informações, as quais os intermediários podem transformar em dinheiro. No entanto, se estamos dando nossos dados de graça em troca de serviços gratuitos, consequentemente algumas pessoas estão começando um negócio melhor do que outras, porque os dados de algumas pessoas valem mais do que os outros. Aqueles com mais dinheiro para gastar – os grupos abastados que os anunciantes mais querem alcançar – poderiam cobrar mais por suas informações pessoais se essa economia funcionasse dessa maneira. O fato de que não funciona não significa que as pessoas com rendimentos mais elevados estão, ao possibilitar que esses serviços estejam disponíveis a custo zero, estejam subsidiando os menos abastados. A utilidade das redes sociais está longe de ser trivial – se o Facebook desaparecesse amanhã, as pessoas com certeza sentiriam o impacto. Do mesmo modo, as somas de dinheiro envolvido também não são triviais – se o Facebook começar a cobrar por seus serviços amanhã, as pessoas sentiriam o impacto. Na era da gratuidade, a política de desigualdade é mais complicada do que parece.

Redistribuição e regressividade na economia digital

Não estou sugerindo que esta é a razão fundamental pela qual a mensagem dos trabalhistas sobre uma sociedade desigual e uma classe média espremida não teve o impacto desejado. De qualquer forma, é provável que seja parte da explicação, mesmo porque mais partes espremidas da classe média estão sendo ajudadas pelas um pouco menos espremidas para conduzir o que nós consideramos agora uma vida decente – uma vida em rede. Também não estou sugerindo que esses efeitos redistributivos são universais – alguns dos muito pobres, incluindo um número significativo de idosos, que estão congelados, para fora dos recursos da era digital todos juntos por sua incapacidade de acessá-los, são os maiores perdedores de todos. Da mesma forma, não é o caso de que os efeitos equalizadores da nova tecnologia, bem-vindos como o são, superam outras desigualdades crescentes. Livros gratuitos no Kindle são agradáveis, mas são uma pequena compensação para uma família que está lutando para lidar com o rápido crescimento do custo de frutas e legumes frescos.

Um partido político progressista precisa entender este complicado novo terreno, e pensar em maneiras de ficar no lado certo dele. No momento, temos uma economia sendo conduzida quase inteiramente pelos vastos monopólios corporativos da era digital. Google e Facebook estabelecem os termos para este mercado, e ajustam o modo como ele funciona toda vez que ajustam seus algoritmos – deixando todos os outros, incluindo governos nacionais, seguindo seu rastro. Não está claro se os governos ou mesmo organizações internacionais como a UE, tem o poder ou o conhecimento necessário para romper esses novos monopólios (embora o mercado possa fazer isso por eles). De qualquer forma, os governos podem trabalhar para canalizar alguns dos efeitos de suas ações, para universalizar o quanto for possível de seus benefícios, e para persuadir os seus cidadãos de que as vantagens com as quais eles vieram a depender não estão lá simplesmente para o Facebook conceder e para o Facebook levar. Partidos políticos progressistas precisam ter estratégias para moldar essa nova economia, ao invés de se manter atados a um conjunto restrito de táticas políticas e meramente explorá-la.

Isto é especialmente importante dado que a emergente economia política da revolução digital também tem algumas notáveis características regressivas. A mais proeminente delas – certamente a que tem atraído mais atenção até agora – gira em torno de privacidade. A informação que disponibilizamos sobre nós mesmos está sendo consumida independente de status ou renda socioeconômica – os relativamente desfavorecidos não estão sendo deixados de lado simplesmente porque é menos provável que o conhecimento de seus hábitos de consumo tenha valor. Isso é uma grande aprendizagem automática guiada por dados, e maquinas guiadas por dados não discriminam o que elas querem saber: nós somos todos vulneráveis ao seu insaciável apetite. Mas os ricos – e particularmente aqueles com acesso aos conhecimentos tecnológicos e apoio – são muito mais capazes de se proteger de invasões de privacidade que qualquer um enfrentando o problema sem ajuda equivalente. A hipocrisia mais marcante da era digital é o modo como os bilionários da tecnologia tomam o cuidado de isolar-se do tipo de invasão que seu próprio modelo inflige a todos. Mark Zuckerberg comprou todas as casas que cercam sua nova casa em Palo Alto de modo que ninguém poderia espioná-lo. É mais difícil de acessar o e-mail pessoal de qualquer grande quadro do Google do que conseguir o endereço de e-mail de um chefe de Estado. Neste mundo, o dinheiro compra proteção.

Atualmente não está claro quanta quilometragem política há nesta questão, já que a maioria de nós não parece se importar em ser espionado (contanto que seja na versão on-line: pessoas que nem sonhariam em deixar alguém saber de suas posses físicas estão felizes em fazer seus pertences virtuais disponíveis para quem quiser dar uma olhada). “Não a esconder, nada a temer” ainda parece ser um mantra que muitos estão dispostos a viver pela internet. De qualquer modo, não é apenas no domínio da privacidade que profundas desigualdades estão emergindo.

Burocracia x Tecno-Burocracia

A era digital tem gerado novas e vastas quantidades de tempo desperdiçado, a burocracia que drena energia, também parece enviesada contra as pessoas que não têm os recursos para resistir a ela. O grande volume de trabalho relativo a e-mails é uma pedra no sapato na vida de muitas pessoas em toda a espremida classe média (os muito ricos podem contratar pessoas para lidar com isso, e os muito pobres podem não estar envolvidos nesse tipo de trabalho). O tempo é um recurso cada vez mais precioso, especialmente desde que a promessa de um mundo sem papel também acabou por se tornar uma ilusão: em muitos locais de trabalho (incluindo o meu, em uma universidade) estão se proliferando sequencias de papéis virtuais em um ritmo alarmante, com papéis físicos seguindo seu rastro. Empregados do serviço público – em hospitais, escritórios, registo de veículos, cobrança de impostos – são especialmente vulneráveis. Isso ajuda a criar a impressão de que a burocracia do governo é parte do problema – e que isso representa um problema para os partidos de esquerda.

Como David Graeber salientou, a direita tem conseguido monopolizar a ideia de que está do lado do pequeno homem – ou mulher – contra a máquina burocrática [2]. Isto é duplamente lamentável para a democracia social. Em primeiro lugar, porque é absurdo. A ordem neoliberal, com seu prêmio em eficiência, é responsável pela exposição dos trabalhadores a implacáveis pressões sobre seu tempo; a nova tecnologia apenas acelerou abertamente esse processo. Os partidos políticos que atuam como líderes de torcida para estas forças de mercado não vão ser os que protegerão as pessoas comuns de suas consequências mais deletérias. No entanto, porque esses mesmos partidos têm cooptado a noção de que eles são contra a burocracia e o excesso de cargos públicos, eles continuam a dar a impressão de que são os únicos que estão lutando pelos assediados. A ideia de que um pouco de saúde-e-segurança-estão-mal vai resgatar alguém da marcha implacável da tecno-burocracia é risível. Mas o partido Tory de alguma forma consegue ir em frente com isso.

Este é o segundo problema para os social-democratas: eles costumavam ter uma maneira de falar sobre essas questões, mas eles se esqueceram de como fazê-lo. Durante os primeiros dois terços do século 20, várias vertentes do socialismo queriam resgatar as pessoas do trabalho, não enredá-los mais nisso.

Uma sociedade justa era compreendida como sendo aquela em que o lazer – o que isso significa e o que o torna possível – era uma questão séria para a política. A era digital tem incentivado os políticos a considerar esta questão para além do seu mandato, já que os indivíduos agora têm tantas opções de lazer disponíveis para eles. Mas a tecnologia que cria as opções também espreme o tempo em que seríamos capazes de fazer melhor uso delas. Se os políticos de hoje não puderem intervir com formas tradicionais da social democracia para corrigir isso, certamente os social democratas deveriam ser capazes de persuadir as pessoas de que eles estão pelo menos se preocupando com isso. Afinal de contas, os partidos de direita têm mostrado que mesmo parecendo se importar, isso pode levar um longo tempo.

Marcha das Máquinas

Por trás do problema do crescimento, passo por passo, de trabalho burocrático, há uma profunda ansiedade que quase nenhum político está articulando, talvez porque nenhum ouse. Que é a questão sobre se sobrará trabalhos suficientes uma vez que as maquinas “trituradoras de dados” realmente alcancem seu passo. As formas de emprego clerical e administrativo nas quais a nova tecnologia está criando trabalho extra, são também aquelas em que é cada vez mais claro que as maquinas em breve serão capazes de fazer as tarefas por elas mesmas. Deixe elas responderem seus próprios incontáveis e-mails! Frases como ‘a internet das coisas’ e ‘robótica avançada’ soam como papo de louco para a maioria dos políticos democratas para quererem ter qualquer coisa a ver com elas, mas elas descrevem uma realidade que está surgindo. Alguns estudos recentes notáveis sugerem que aproximadamente metade de todos os modos de emprego estão em risco de serem substituídos por maquinas em curto-médio prazo.

É tentador pensar nisso como mero alarmismo, e que a revolução digital vai acabar criando tantos empregos quantos ela destrói, assim como em cada revolução tecnológica passada. No entanto, há boas razões para pensar que desta vez é realmente diferente. O ritmo da mudança tecnológica atual, juntamente com a evidência de que os novos gigantes da tecnologia corporativa (como o Facebook) são muito melhores em gerar receitas do que emprego, sugere que estamos à beira de uma verdadeira convulsão social. Cadeias de restaurantes em os EUA começaram a substituir garçonetes com tablets nas mesas, que são mais baratos, mais rápidos e mais confiáveis. Meu supermercado Sainsbury em Cambridge agora tem 20 caixas automáticos, com dois funcionários pagos para manter as linhas em movimento e as máquinas trabalhando. Estes não são apenas postos de trabalho a menos do que os que foram substituídos, eles também são mais desagradáveis: este trabalho mantém os empregados ao lado dos caixas, mas interagindo com os clientes apenas quando as máquinas não funcionam adequadamente, o que faz todos se irritarem. Claro, isso não é toda a história. Novas indústrias desconhecidas estão surgindo também – ‘instrutor de Zumba’ é um dos setores de emprego de mais rápido crescimento nos EUA – e as habilidades criativas dos humanos não vão se tornar redundantes. É por isso que a reação habitual dos políticos é simplesmente insistir sobre a necessidade de mais e melhor educação. Mas, além de ser mais fácil de dizer do que fazer, essa resposta não é adequada para abordar a iminente ruptura social e econômica que vem se aproximando com a era da máquina.

Seguridade Social na Era Digital

Tudo isso pode parecer distante das questões práticas do que seria necessário para o Partido Trabalhista ganhar as eleições novamente. Mas o partido – como todos os partidos políticos – precisa de algum pensamento novo sobre o futuro desconhecido em que estas eleições acontecerão. Muito do argumento atual pós-eleitoral é fixado no passado – e não apenas o passado imediato dos anos Blair-Brown, mas a antiga tradição trabalhista de ação comunitária e engajamento. Isso é importante, mas precisa ser adaptado a um mundo em que ambas as ideias, de ações comunitárias e engajamento, estão passando por uma mudança tecnológica radical. Ao mesmo tempo, o partido precisa recalibrar sua estratégia de curto prazo, tendo em conta estas tendências emergentes. A alegação dos Tories de ter tornado a Grã-Bretanha a fábrica de empregos da Europa é vulnerável não apenas por qualquer crise económica futura, mas também para a economia política da era digital, que cria e, em seguida, destrói estes “curtos- prazos”, essas formas vulneráveis de emprego. Contratos Zero-hora [1] podem ser uma boa maneira de competir com as máquinas, mas isso é uma competição em que, no final, só vai haver um vencedor.

Um verdadeiro partido dos trabalhadores estaria pensando sobre como alterar os termos do debate em pauta, a fim de garantir que os benefícios econômicos não fossem inundados pelos custos humanos. A assustadora certeza do determinismo tecnológico – a sensação de que estamos agora nas garras de forças do progresso que a ação humana não pode mais controlar – facilita pensar que o Estado não tem mais um papel a desempenhar. Isso também é um absurdo. A Política importa mais do que nunca na determinação do ambiente social em que estas mudanças acontecem. Os sociais-democratas precisam reconsiderar o que significa seguridade social sob estas condições, e o que o Estado ainda pode fazer para alcançá-la. Nada disto será fácil, mas os trabalhistas podem estar olhando para 10 anos de oposição pelo menos, por isso, pelo menos, eles têm tempo. Têm que parar de pensar que as políticas digitais são simplesmente sobre como usar o Twitter para obter votos. Na era da revolução digital, que só tem 40 anos, uma década é uma época. O ritmo da mudança só vai acelerar. O futuro não pertence ao partido que tenta reverter ou adivinhar essas mudanças, porque ninguém pode. Ele pertence ao partido que pode fazer essas mudanças trabalharem pelo interesse de mais pessoas do que as que estão se beneficiando com elas no presente.


David Runciman é professor de política e chefe do Departamento de Política e Estudos Internacionais da Universidade de Cambridge. Ele é o autor do “The Confidence Trap: A History of Democracy in Crisis from World War I to the Present” (Princeton University Press, 2014)

[1]  Contratos Zero-hora são contratos de trabalho surgidos nos EUA e EU cuja característica principal é que o empregador não menciona no contrato nenhuma indicação de horários ou de duração mínima do trabalho

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