O valor teórico de Mao Tsé-Tung

por Gabriel Landi Fazzio

Mao Tsé-Tung nasceu em 26 de dezembro de 1893, e morreu em 9 de setembro de 1976, há exatos 39 anos. Com a idade de 27 anos participou, junto com Chen Tu Hsiu e Li Ta Chao, da fundação do Partido Comunista Chinês em Xangai, em julho de 1921. Dois anos após, no terceiro congresso do partido, foi eleito para o Comitê Central.

Em 1927, com a chegada de Chiang Kai Shek ao poder, se inicia a perseguição aos comunistas, levando Mao a se retirar para as montanhas em Jinggang, onde inicia um movimento guerrilheiro que durou 22 anos. Em outubro de 1934 iniciou, com 130 mil companheiros, a retirada em direção ao noroeste da China,grande marcha um percurso de 12 mil km, ao fim dos quais 100 mil pessoas haviam morrido. Tal feito ficou conhecido como “A Grande Marcha”, nos marcos estratégicos da Guerra Popular Prolongada defendida por Mao com base em sua análise da correlação de classes na sociedade chinesa. Em 1937 o Japão inicia uma guerra de agressão contra a China, o que deu motivo para o Partido Comunista Chinês unir-se com as chamadas forças nacionalistas. Após a derrota japonesa, a guerra civil reinicia-se. Em outubro de 1949, a República Popular da China é instalada.

No mundo ocidental, não raramente vemos referência a Mao Tsé-Tung tomando-o por um ditador brutal, um egocêntrico destruidor de louças chinesas milenares. Tais referência descartam em absoluto qualquer importância de seu pensamento, ignorando a vastíssima produção teórica e literária do camarada Mao. De nossa parte, partimos da compreensão que não basta apontar tal ou qual problema ou discordância com a prática política de um companheiro para dar por descartada, de pronto, toda sua contribuição teórica – apenas à luz da qual é possível compreender criticamente sua prática política, ainda mais quando tal contribuição teórica foi a bússola de milhões de pessoas na luta pelo fim da opressão e da exploração, na China e mundo afora.

A fim de conhecer melhor o pensamento do dirigente revolucionário chinês, crítico radical do liberalismo e do oportunismo, recomendamos não apenas a coletânea reunida pela editora Zahar, mas principalmente os dois textos que dão nome à publicação: Sobre a Prática e Sobre a Contradição. Sobre a segunda obra, em particular, opinou Althusser, na sua famosa obra “Pour Marx”, mas em deferência pouco conhecida ao companheiro Mao:

(…) Lênin nos deixou nos seus Cadernos algumas frases que são o esboço de uma “Dialética”. Essas notas, desenvolveu-as Mao Tse-Tung em plena luta política contra os desvios dogmáticos do partido chinês em 1937, em um texto importante Sobre a Contradição. Eu gostaria de mostrar como podemos encontrar nesses textos – numa forma já muito elaborada, e que basta desenvolver, referir ao seu fundamento, mas sempre refletir – a resposta teórica à nossa questão: qual é a especificidade da dialética marxista? (…)

(…) A dialética “é o estudo da contradição na essência das coisas”, ou o que é o mesmo, “a teoria da identidade dos contrários”. Por aí diz Lênin, “apanharemos o nódulo da dialética, mas isso exige explicações e desenvolvimentos”. Mao cita esses textos, e passa “às explicações e desenvolvimentos”, isto é, ao conteúdo desse “nódulo”, numa palavra, à definição da especificidade da contradição.

Encontramo-nos, aí, bruscamente em face de três conceitos muito importantes. Dois conceitos de distinção: 1) a distinção entre a contradição principal e as contradições secundárias; 2) a distinção entre o aspecto principal e o aspecto secundário da contradição. Afinal um terceiro conceito: 3) o desenvolvimento desigual da contradição. Dão-nos esses conceitos na forma do “é assim”. Dizem-nos que são essenciais à dialética marxista, porque são o específico dela. Nós é que devemos procurar a razão teórica profunda dessas afirmações.

É bastante considerar a primeira distinção para ver que ela supõe imediatamente a existência de várias contradições (sem o que não poderíamos opor a principal às secundárias) em um mesmo processo. Ela indica, portanto, a existência de um processo complexo.

(…) A segunda distinção (o aspecto principal e o aspecto secundário da contradição) não faz mais que refletir, no interior de cada contradição, a complexidade do processo, isto é, a existência em si de uma pluralidade de contradições das quais uma é dominante, e é essa complexidade que devemos considerar.”

Também há de se considerar a influência exercida pela teoria maoísta no interior do Partido dos Panteras Negras, nos EUA. Li Ta Chao, um dos fundadores do PC da China, afirmava que “os europeus pensam que o mundo pertence exclusivamente aos brancos e que constituem uma classe superior, enquanto os povos de cor são inferiores”. Ora, talvez exatamente por levar em conta as contradições raciais em suas formulações o maoísmo tenha causado tanto impacto em Huey Newton e diversos outros dirigentes dos Panteras Negras. Sobre tal questão, entendendo-a de forma integrada ao combate contra o Imperialismo, afirmava Mao:

O opressivo sistema colonial e imperialista se consolidou com a escravização dos negros e com o comércio dos negros, e o sistema colonial e imperialista só terá fim com a completa emancipação do povo preto!”

E, em outra reflexão, apontava que:

Parece que os países das Américas, Ásia e África terão de continuar combatendo os Estados Unidos até o fim, até que o tigre de papel seja destruído pelo vento e pela chuva. Para opor-se ao imperialismo norte-americano, as pessoas de origem europeia nos países latino-americanos devem unir-se aos indígenas nativos. Talvez os imigrantes brancos da Europa possam ser divididos em dois grupos, um composto por governantes e o outro por governados. Isso deverá tornar mais fácil para o grupo de pessoas brancas oprimidas aproximar-se das pessoas nativas, pois sua posição é a mesma.

Nossos amigos na América Latina, Ásia e África estão na mesma posição que nós e fazem o mesmo tipo de trabalho, alguma coisa para o povo a fim de diminuir sua opressão pelo imperialismo. Se fizermos um bom trabalho, poderemos erradicar a opressão imperialista. Nisso somos camaradas.”

Descartar por princípio a leitura de Mao Tsé-Tung é cair no engodo liberal, para o qual nada há no “Grande Timoneiro” senão um déspota feroz e ignorante – para nem falar no racismo implícito em tal concepção: o quão fácil não é convencer o ocidente branco de que todos esses líderes não-brancos, com suas roupas e hábitos “excêntricos” e suas filosofias não-eurocêntricas, são todos uns facínoras? Sobre isso, vale lembrar como o próprio vestuário de Gaddafi parecia ser um argumento definitivo para comprovar seu status de ditador sanguinário.

Outra coisa bastante diferente é, à luz de seu estudo, refletir os limites ou utilidade das elaborações do companheiro Mao. Aqui, nada há a dizer além do que já disse o próprio companheiro Tsé-Tung, em seu texto “Opor-se à veneração por livros”:

A menos que você tenha investigado um problema, você será privado do direito de falar sobre o tema. Parece muito duro? De forma alguma. Quando você não se debruçou sobre um problema, sobre seus fatos presentes e sua história pregressa, e não sabe nada sobre sua essência, qualquer coisa que você diga será, indubitavelmente, uma bobagem. Falar bobagens não resolve problemas, como todos sabem, então por que seria injusto privar-lhe do direito de falar? Muitos camaradas mantém seus olhos fechados e falam bobagens, e para um comunista isso é uma desgraça. Como pode um comunista fechar seus olhos e falar bobagens?

Você não o fará!

Você não o fará!

Você deve investigar!

Você não deve falar bobagens!

mao zedong

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6 comentários em “O valor teórico de Mao Tsé-Tung”

    • E no regime capitalista, quantos morreram? A tal Guerra do Ópio?
      Acho que a quantidade de mortes não é argumento para colocar em cheque esse ou aquele sistema. Por que se fosse assim né, o regime capitalista não teria sobrado…

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  1. Vejo sempre o mundo ocidental levantar bem alto os valores apontados pela Revolução Francesa como o nascedouro de um nova ordem maravilhosa, o capitalismo liberal, nesse fato histórico não se vê em momento algum nenhum intelectual ou publicista de direita lamentar a morte da guilhotina da monarquia francesa entre outras milhares de vidas inocentes, é como se diz, um mal necessário para o nascimento da liberdade capitalista. No entanto todas as vezes que li ou estudei textos produzidos por esses mesmos intelectuais ou publicistas de direita a respeito da Revolução Chinesa, Russa, Cubana entre outras revoltas proletárias, a primeira coisa que fazem é se lamentar da desgraça do assassinato das cândidas famílias imperiais derrubadas ou das “democráticas” ditaduras burguesas derrotadas como se isso tivesse sido uma catástrofe histórica. Em todos os momentos de ruptura de sistemas econômicos e políticos na história da humanidade houve mortandades e infelizmente não houve outra forma disso acontecer, portanto deixemos a hipocrisia de se lamentar por mortes que sabemos todos é pura retórica vazia de quem não tem argumentos para defender seus pontos de vista político e econômico e quem pensa mesmo ser o capitalismo o último nível civilizatório da humanidade pode estar certo, ou ele nos extermina como planeta e espécie e por fim será o nosso último nível mesmo ou estarão errados, o povo o extermina das relações humanas a fim de se preservar como civilização, não existe outra opção, socialismo ou barbárie.

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