Do Exército Zapatista de Libertação Nacional sobre os 43 desaparecidos de Ayotzinapa

Por Subcomandante Insurgente Moisés, via EZLN, traduzido por Lucas Silva.

Exército Zapatista de Libertação Nacional, dezembro de 2014.

Às companhei@s da Sexta Nacional e Internacional:

Ao Congresso Nacional Indígena:

Aos familiares e companheiros dos assassinados e desaparecidos de Ayotzinapa:

Irmãs e Irmãos

Companheiros e Companheiras

Há muitas coisas que queremos dizer a vocês. Não diremos todas, pois agora existem assuntos mais urgentes e mais importantes para todas, todos e todoas. Mas como queria são muitas coisas e serão grande nossas palavras. Assim pedimos que tenham paciência e realizem uma leitura atenta.

Nós, zapatistas, aqui estamos e daqui olhamos, escutamos, lemos que a palavra de familiares e companheiros dos assassinados e desaparecidos de Ayotzinapa começa a ficar para trás e que agora, para uma parte do mundo, é mais importante a palavra dos outros e outras nos jornais;

A discussão sobre se as marchas e manifestações pertencem aos bem comportados ou aos mal-educados.

A discussão sobre qual tema é mais mencionado e em maior velocidade nas redes sociais;

A discussão sobre a tática e a estratégia a seguir para “transcender” o próprio movimento.

E assim, pensamos que seguem faltando os 43 de Ayotzinapa, os 49 de creche ABC, as dezenas de milhares de assassinad@s e desaparecid@s nacionais e imigrantes, @s pres@s e desaparecid@s polític@s.

E pensamos que segue sequestrada a verdade, segue desaparecida a justiça.

E pensamos também que temos que respeitar a legitimidade e autonomia de seu movimento.

Nos Zapatistas escutamos sua voz de frente. Milhares de apoios zapatista aconteceram e suas vozes chegaram a dezenas de milhares de indígenas. Sua voz, então, falou em tzeltal, em chol, em tojolabal, em tzotzil, em zoque, em castelhano ao nosso coração coletivo.

Essas vozes têm juízo, sabem o que falam, e é o seu coração, como nosso, quando sentem dor e raiva. Sabem seu caminho e caminham.

Se el@s sabem. Sabemo-nos em raiva e dor. Nada temos que ensinas. Todos temos que aprender agora.

Por isso, agora, quando sua voz puder ser tapada, silenciada, esquecida ou retorcidas. Mandamo-nos nossas palavras para abraçá-los.

Por isso decidimos que o primeiro, e mais importante e urgente é escutar aos familiares e companheiros dos desaparecd@s e assassinad@s de Ayotzinapa. São essas vozes que têm tocado milhões de corações no México e no mundo.

São essas vozes que tem indicado a dor e a raiva, que tem denunciado o crime e indicado o criminoso.

A importância dessas vozes serem reconhecidas, tanto pelo governo, o qual trata de deslegitima-las, como pelos abutres (“mídia’’) que trata de retorce-las.

Buscamos que essas vozes retomem seu lugar e rumo.

Essas vozes resistiram à calúnia, resistiram à chantagem, resistiram ao suborno. Essas vozes não se venderam, não se renderam, não fraquejaram.

Essas vozes são solidárias. Sabemos, por exemplo, que enquanto se acumulam jovens nos cárceres, os “bem comportados” aconselhavam a essas vozes que não concentrassem n@s pres@s, pois suas libertações não eram importantes, porque o governo estava infiltrado nas mobilizações, as vozes dignas e firmes dos familiares e companheiros dos 43 dissera, palavras mais ou menos, que para eles a liberdade dos detidos era parte da luta pela apresentação dos desaparecidos. Ou seja que, como quem disse, essas vozes não se deixaram chantagear nem compraram a mentira barata dos “infiltrados”.

Certo, que essas vozes têm tido a sorte de encontrar uma população receptiva em seu casal básico: a saciedade e a empatia. A saciedade frente as formas “clássicas” do poder e a empatia entre quem padece de seus abusos e costumes.

Mas isso já estava nos calendários e geografias. O que põe Ayotzinapa no mapa mundial é a dignidade dos familiares e companheiros dos jovens assassinados e desaparecidos. Sua tenaz e intransigente insistência na busca de justiça e verdade.

E em sua voz se reconhecem muitas e muitos em todo o planeta. Em suas palavras falaram outras dores e outras raivas.

E suas palavras nos fizeram lembrar muitas coisas. Por exemplo:

Que a polícia não investiga roubos, a polícia sequestra, tortura, desaparece e assassina pessoas com ou sem filiação política.

Que as instituições atuas não são o lugar para orientar indignação, as instituições são as que provocam indignações.

Que o sistema não tem soluções para o problema porque ele é o problema.

Que desde muito tempo e em muitas partes:

O governo não governa, simula;

Os representantes não representam, dominam;

Os juízes não implantam a justiça, a vendem;

Os políticos não fazem política, fazem negócios;

As forças públicas da ordem não são públicas e não impões mais ordem do que impõe terror ao serviço de quem paga mais

A legalidade é o disfarce da ilegitimidade;

Os analistas não analisam, transplantam suas fobias e suas filias para a realidade;

Os críticos não criticam, assumem e difundem dogmas;

Os informadores não informam, produzem e distribuem slogans;

Os pensadores não pensam, comungam através das rodas do moinho da moda;

A ignorância não se combate, se exalta;

A pobreza é o pagamento para quem produz as riquezas;

Porque o resultado, amigos e inimigos, que o capitalismo se nutre da guerra e da destruição.

Porque acabou a época de onde os capitais necessitavam de paz e estabilidade social.

Porque na nova hierarquia dentro do capital, o especulativo reina e manda, e o seu mundo é feito de corrupção, impunidade e crime.

Porque o resultado que o pesadelo de Ayotzinapa não é local, nem estadual, nem nacional. É mundial.

Porque o resultado que não é só contra jovens, nem só contra homens. É uma guerra com muitas guerras: a guerra contra o outro, a guerra contra os povos originários, a guerra contra a juventude, à guerra contra quem, com seus trabalhos, faz andar o mundo, a guerra contra as mulheres.

Porque o resultado que o feminicídio é tão velho, cotidiano e ubíquo em todas as ideologias, que é uma “morte natural” nos expedientes.

Porque o resultado que é uma guerra que cada tanto que morre toma nome em um calendário e em um liga qualquer Erika Kassandra Bravo Caro mulher, jovem, trabalhadora, mexicana 19 anos, torturada, assassinada e esfolada no “pacificado” (segundo as autoridades civis, militares e midiáticas) estado mexicano de Michoacán. Um crime passional dirão, como quem diz “vítimas colaterais”, como quem diz “um problema local em um município do provinciano estado mexicano de… (pode colocar qualquer nome de qualquer entidade federativa)”, como quem diz “é um fato isolado, tem que superá-lo”.

Porque o resultado que Ayotzinapa e Erika não são exceções senão a reafirmação da regra da guerra capitalista: destruir o inimigo.

Porque o resultado que nessa guerra o inimigo somos todas, todos, tudo.

Porque o resultado que é a guerra contra todos, em todas as suas formas e em todas partes.

Porque o resultado que disso se trata, disso se é tratado sempre: de uma guerra, agora contra a humanidade.

Nessa guerra, @s de baixo encontraram nos familiares e companheiros dos ausentes de Ayotzinapa um eco amplificado de sua história.

Já não é só em sua dor e raiva, mas sobre tudo em sua obstinada determinação de encontrar a justiça.

E com suas vozes colocaram fim nas mentiras do conformismo, do “aguentamos tudo”, do “não passa nada”, da mudança está em você mesm@.

Mas, no meio da dor e da raiva, em cima do novo sobrevoam os abutres sobre a estendida mancha de mortes e desaparecimentos nomeada.

Porque onde un@s contam ausências injustas, outr@s contam votos, cargos, cabeçalhos, marchas, firmas, likes, follows.

Mas não há que desejar que a conta que conta e importa fique para trás.

Nos, Zapatistas da EZLN, pensamos que é tão importante que os familiares e companheiros dos assassinados e desaparecidos de Ayotzinapa consigam retomas sua voz, que assim decidimos:

  1. Cedemos nosso lugar no primeiro festival mundial de resistências e rebeldia contra o capitalismo aos os familiares e companheiros dos assassinados e desaparecidos de Ayotzinapa. Pensamos que suas vozes e ouvidos haverá ecos generosos em e para tod@s  @s que, estando ou não, participarão do festival.
  2. Por isso não estamos apresentando nossas companheiras e companheiros do congresso nacional indígena e a quem apoiaria nossa delegação no transporte, alojamento, alimentação, segurança e saúde pedimos que dediquem e apliquem seus esforços aos familiares e companheiros dos assassinados e desaparecidos de Ayotzinapa que hoje nos fazem todas. Por isso pedimos que os recebam, escutem e que lhes falem como qualquer de l@s 20 zapatistas, 10 mulheres e 10 homens que formariam nossa delegação.
  3. Por isso pedimos, respeitosamente, aos familiares e companheiros dos assassinados e desaparecidos de Ayotzinapa que aceitem nosso convite e apresentem uma delegação de 10 mulheres e 10 homens e participem como convidados de honra no primeiro Festival Mundial da resistência e rebeldia contra o capital ia acontecer no dia 21 de dezembro de 2014 até o 03 de janeiro de 2015. Para nos, zapatistas fui muito bom escutarmos diretamente. Cremos que será muito bom que todas as pessoas que estejam tenham a mesma honra que vocês nos concedera. E cremos também que para vocês será muito bom conhecer outras resistência e rebeldias irmãs no México e no mundo. Poderão ver então o grande e estendido que é “não estão sozinhos”.
  4. O EZLN participara do festival. Nosso ouvido atento e respeitoso estará ali como um mais entre nustr@s compas da Sexta. Não em mesas, nem lugares especiais. Como sombra estaremos, junto a tod@s entre tod@s, atrás de tod@s.
  5. Nossa palavra para a partilha está já em vídeo. Indicado aos “os tercios compas” que fazem chegar em sua oportunidade as mais distintas sedes do festival e aos meios livres, alternativos, independentes, Autônomos ou como se chamem, que são da sexta para que o difundam, assim se o considerarem pertinente, a seus tempos e a seus modos.
  6. O 31 de dezembro de 2014 e o primeiro dia do ano de 2015 será uma honra nos recebermos, no caracol de Oventik, como convidados especiais as mulheres e homens, que, com sua dor e raiva, estão levantando em todo o planeta a bandeira da dignidade que abaixou e a esquerda que somos
  7. E não só, também aproveitamos para convidar a todas, todos e todoas. da Sexta nacional e internacional, encapuzados ou não, a que participem nesta grande partilha a que falem de suas histórias e a que escutem a outra, o outro e outroa.

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