Jacobin: razão em revolta nos EUA do século XXI

Por George Souvlis, via Roar Magazine, traduzido por Daniel Fabre

George Souvlis entrevista o fundador da revista estadounidense Jacobin, Bhaskar Sunkara sobre a trajetória politica de sua revista e a situação da esquerda norte americana e internacional.

Em apenas cinco anos, a revista Jacobin surgiu como a “porta voz da esquerda americana” e como ponto de referencia para socialistas mundo afora. O historiador George Souvlis, candidato a PhD na European University Institute, recentemente se sentou com o fundador e editor da revista para discutir a trajetória política da publicação, o legado do movimento Occupy Wall Street e a situação da esquerda na América do Norte e na Europa.


George Souvlis: Para começar, nos conte um pouco sobre você – seus estudos, seu engajamento na esquerda, etc.

Bhaskar Sunkara: Eu nasci no verão de 1989. Meus pais eram imigrantes que tinham vindo para o país no ano anterior de Trinidad e Tobago.

Eu era o mais novo de cinco e o único a nascer nos EUA, então eu vi em minha familia a tipica trajetória de imigrantes desclassificados. Meu irmão mais velho teve menos oportunidades do que eu tive, eu cresci em uma area com boas escolas públicas, acesso a bibliotecas e por ai vai. Então, acho que desde cedo as disparidades de oportunidade foram bem óbvias para mim, assim como a solução social para muitos desses problemas.

Eu vi como muitas coisas em minha vida são um acidente. Desde novo eu estava interessado no ativismo de esquerda-liberal amplo. Isso não me politizou muito além de um espectro amplo de inclinações de centro-esquerda, porém.

Meu vínculo com a esquerda começou mais intelectualmente. Eu ia a biblioteca depois da escola, pois meus pais trabalhavam até tarde e estava próximo do sétimo ano – eu devia ter apenas 12 ou 13 – e descobri Homenagem à Catalunha de George Orwell, e através dele os debates sobre a Guerra Civil Espanhola e Trotsky diretamente.

Então houve, obviamente, uma grande desconexão entre meu ativismo liberal amplo e minha exploração intelectual de todas essas ideias socialistas por muitos anos. Então foi uma politização típica de classe-média. Você imagine que se eu tivesse pego os livros de um filósofo como Ayn Rand eu teria me tornado um jovem membro do libertarianismo de direita ou algo do tipo.

Ao longo de meu crescimento, tarde no colegial, comecei a circular por meios explicitamente socialistas e particiei de organizações durante meus anos de universidade.

George Souvlis: Qual universidade?

Bhaskar Sunkara: Universidade George Washington. Não é um campus tão radical, mas porque está no Distrito Federal, há politização acerca do movimento de anti-globalização, protestos em torno da Organização Mundial do Comércio e por ai vai. Havia uma mistura de pessoas engajadas com aquilo e outras coisas no campus, de pessoas com inclinações mais liberais a anarquistas.

Eu sempre preferi estar à esquerda dos sociais democratas do que à direita dos anarquistas. Mas, o que percebi como sendo minha politização mais séria e profunda foi estudando através do cânone do pensamento marxista de forma autodidata e seguindo os últimos debates dentre a míriade de setores de esquerda.

Foi quando eu fiquei pela primeira vez interessado no Syriza, a proposito. Ele era ainda um partido de 3% ainda, mas eu tinha lido sobre ele na International Viewpoint ou algo do tipo.

Eu era ativo no Democratic Socialists of America, que é como uma grande tenda, moderada como uma organização dos EUA, mas na qual o campus principal da universidade, do qual eu fazia parte, formava algo como a esquerda da organização.

Nós eramos marxistas intelectualmente, não nos chamavamos leninistas no sentido clássico, mas estudavamos a revolução russa. Então a análise era mais ou menos trotskista, mesmo que rejeitasemos muito do estilo trotskista de política, ou, pelo menos, o que veio a ser entendido como o modo trotskista de organização.

George Souvlis: Como começou a publicação (Jacobin’s Magazine)? Qual foi a inspiração inicial para você?

Bhaskar Sunkara: Em certo ponto durante a faculdade parei por dois semestres porque eu estava bem doente. Quando me senti melhor e estava pronto para voltar para a universidade, tive um excesso de energia, e também tinha contatos com escritores porque eu já estava editando um blog chamado O Ativista, que era a secção de juventude da publicação on-line da DSA.

Eu tinha 20-21 anos à época, que foi quando decidi começar a Jacobin – uma publicação que não era bem leninista, mas também certamente não era social-democrata.

Senti que havia ali um imenso espaço intelectual que não estava sendo preenchido. Outras publicações como o venerável jornal New Politics nasceu de gerações diferentes que tinham um estilo diferente de engajar-se, então sentimos que havia espaço para uma nova leva de escritores jovens para participar nessas ideias.

Com a esquerda, eu queria assentar o primado da analise de classe e algumas das “velhas ideias” malignas, especialmente entre jovens escritores e academicos que são normalmente de orientação culturalista.

Mas não era só aquilo, porque também pensava que as ideias socialistas ainda poderiam ter um amplo apelo para além da esquerda e da academia. Então a Jacobin foi formatada para ser uma publicação popular que alcançaria não apenas alguns milhares de pessoas, mas centenas de milhares se não milhões de pessoas, ocasionalmente.

Então foi isso que nos diferenciou dos outros. Tudo foi impulsionado não apenas fazendo uma intervenção na esquerda, mas sendo tão acessível quanto possível, visualmente atraente e fazendo outras coisas que pareciam ser pontos que não eram abordados pela esquerda.

George Souvlis: O que mudou desde o lançamento da Jacobin, cinco anos atrás? Houve alguma mudança em sua orientação política desde então?

Bhaskar Sunkara: Houve mudanças na publicação, mas foi menos intelectual ou política do que em como dirigir o que estavamos querendo que ocorresse.

Agora mesmo, pelos padrões da esquerda, viramos algo mainstream: temos em torno de 15.000 assinantes, mas o grande numero é que temos algo em torno de 700.000 visitantes únicos on-line por mês, então de fato temos um grande alcance. Mais próximo do alcance de publicações grandes de centro-esquerda como The Nation ou The New Republic do que qualquer um na esquerda radical.

Mas ao passo que aumentamos nossa difusão, nos tornamos mais explicitos em nossa discussão sobre Marx e socialismo. Estavamos até mesmo debatendo Lenin, tivemos cada vez mais vezes a contribuição de pessoas como Lars Lih, que é obviamente muito incomum para uma mídia que tem esse tipo de alcance.

A ideia que temos tentado desenvolver junto com nossa audiência é que você não pode mudar seu conteúdo tentando ser popular – o desafio é tentar fazer de seu conteúdo mais sério, sua razão de ser, popular. Então, ao passo em que desenvolvemos nossa audiência, esta amadureceu e nos politizamos mais ao longo dos anos, e também o clima mudou com o Occupy Wall Street. Mas, temos sido muito mais explicitamente orientados como uma publicação socialista.

George Souvlis: O que você pensa sobre a posição do jornal em relção a outros jornais anglófonos ou revistas da esquerda como a velha publicação de Ralph Miliband, Socialist Register, agora editada por Leo Panitch e Greg Albo?

Bhaskar Sunkara: Penso que estamos atingindo pessoas diferentes. Em geral, nossa audiência são pessoas da esquerda liberal, dirigentes sindicais, professores, jovens estudantes e por ai vai, que estão primeiramente na esquerda liberal, mas que estão vendo pela primeira vez ideias socialistas e entrando em contato com elas.

Alguns se descrevem como socialistas, outros não, mas ao menos consideram o socialismo uma posição intelectual interessante que ajuda a informar seu ativismo no dia-a-dia. Então penso que estamos lidando com uma audiência que não estava expostas a essas ideias, então não é uma escolha para eles quando vão ler Jacobin ao invés do Materialismo Histórico. Pelo contrário, a Jacobin é seu ponto de entrada no mundo da política e talvez uma porcentagem deles se torne envolvida em organizações políticas ou mais interessada em explorar ideias marxistas.

Então tentamos criar uma ponte entre essa audiência e pessoas como Peter Thomas do mundo. Mas primeiro você precisa saber quem é Antonio Gramsci antes que você se importe com Peter Thomas diz sobre suas ideias, autor que há alguns anos atrás escreveu um longo livro sobre Gramsci.   

George Souvlis: Você também começou a publicar livros. Poderia falar sobre essa iniciativa? Quais são seus planos a respeito desse esforço? Pretende continuar?

Bhaskar Sunkara: Nós publicamos nossos livros junto à Verso Books, não independentemente. Nos especializamos em revistas e não queremos fazer o que não somos bons! Há outras grandes editoras como Haymarket, Verso, OR Books. Nós apoiamos elas tanto quanto podemos, promovendo os livros, mas pensamos que seriamos sectários em começar nossa própria editora, mesmo que o mundo esteja exatamente implorando por uma imprensa independente da Jacobin.

George Souvlis: Gostaria que nos voltassemos agora para o movimento Occupy. Ele começou com uma grande dinâmica e logo perdeu muito de seu “momentum”, mas ainda assim ele foi útil à esquerda global. Em um discurso recente, por exemplo, o Podemos citou o Occupy como uma inspiração. O que você pensa sobre isso?

Bhaskar Sunkara: Houve algumas desconfianças com o Occupy Wall Street. Isso era esperado, você não pode pensar que pessoas que nunca se politizaram antes, basicamente vindas de um vácuo apolítico e imediatamente lançadas em um quadro político completamente coerente. Então o fato de que o Occupy Wall Street foi tão bom – que protestou contra a brutalidade da polícia, contra as injustiças econômicas e em favor da globalidade dos direitos e por ai vai – foi maravilhoso.

E ele ainda testemunhou o fato de que, sendo de esquerda, ao menos nos Estados Unidos onde estivemos tão isolados e marginalizados por tanto tempo, algumas vezes esquecemos que todo o motivo do porque o movimento socialista foi tão forte por duzentos anos ou mais, é porque essas ideias são senso comum, elas têm raízes na vida diária do povo, têm raízes na exploração e na opressão estrutural do capitalismo, então, naturalmente, as pessoas não precisam aprender tudo, elas sabem sobre suas vidas, elas vêem o mundo ao redor delas, não são idiotas.

Há também a questão de não apenas esperar por eventos espontâneos, mas de ativamente modelá-los e construir organizações para sustentá-los. Em outras palavras, a velha linha socialista era agitação, educação, organização – nós meio que fomos atrapados na agitação, agitação, agitação.

Com esperança, da próxima vez estaremos mais preparados para assegurar que algo com um impacto de longo prazo venha de nossos movimentos, pois agora mesmo a despeito do crescimento de movimentos como o Black Lives Matter, acho que houve muito potencial desperdiçado no Occupy.

George Souvlis: Você poderia mapear a esquerda estadounidense? O que se inclui nele hoje em dia?

Bhaskar Sunkara: Há a esquerda dos Democratas, organizado em torno da Convenção Congressional Progressista. Eu não apoio trabalhar com os Democratas, pelo menos como uma forma de realinhar e transformar o partido em um clássico partido trabalhista, é claro, mas se você olhar ponto por ponto suas posições, a CCP é na verdade um amplo campo social democrata.

Obviamente, eles são institucionalmente parte de um partido do capital, e eles não podem vencer em nenhum de seus programas, ao menos nesse clima político atual. Mas se você observar na verdade seus níveis de votação, eles votam provavelmente mais consistentemente por coisas de centro-esquerda do que seus pares na Europa, que estão nesses amplos partidos trabalhistas de centro-esquerda.

Na mesma linha, há o Partido das Famílias Trabalhadoras, com sede em Nova Iorque, que é uma espécie de partido trabalhista que usualmente apoia os Democratas, mas que tem suas raízes no sindicalismo oficialista. Isso reflete muitas das falhas e limitações desse movimento sindicalista, porém, é claro, é objetivamente uma das forças mais progressistas que temos.

As pessoas se esquecem que esse tipo de coisa existe nos Estados Unidos e que também grandes partidos liberais mobilizam as pessoas em torno de petições on-line e grupos de advocacia como o MoveOn que são essencialmente socialdemocratas em seus valores. Há um publicação, a revista The Nation, que representa esse tipo de tendência.

Movendo-se mais para a esquerda, mas antes que se chegue a esquerda radical e aos socialistas, há essa camada intermediária de pessoas que estão fazendo basicamente um trabalho de “chão de fábrica”, um amplo quadro de convenções sindicais de esquerda, como muitas das envolvidas no Sindicato de Professores de Chicago. (Porém é claro muitas das pessoas envolvidas são socialistas então a dicotomia é meio arbitrária.)

Na esquerda socialista, temos uma variedade de pequenos grupos. O Democratic Socialists of America é o maior, com cerca de 6.000 membros oficiais, mas dos quais apenas 400 ou mais são quadros, muitos na juventude partidária de onde eu vim.

Nossa principal organização é a Organização Internacional Socialista, na qual muitas das pessoas em torno da Jacobin, apesar do fato de sermos de outras organizações, trabalham juntas fraternamente. Eles têm em torno de 1000 membros. E depois há tambem pequenos grupos trotskistas como o Alternativa Socialista, que recentemente elegeu um vereador em Seattle.

Há o Partido Comunista e seus braços que tendem a endossar candidatos democratas e os principais sindicatos de esquerda-liberal e pressioná-los para a direita, como parte de uma estratégia mais ampla de longo termo para, em sua formulação, derrotar a direita e construir um grande movimento popular. Mas há também o Solidariedade, outra pequena organização, que divide com nós da Jacobin uma estratégia de trabalho de base para reconstruir o movimento operário.

E depois, é claro, temos braços do Movimento Maoista Neocomunista dos 1960 e 1970, e várias tendencias orginárias do movimento trotskista, muitos dos quais adotaram a enfase maoista na política ati-imperiaista e na defesa dos estados “trabalhistas” existentes.

George Souvlis: Diga-nos o que você pensa sobre as últimas eleições estadounidenses?

Bhaskar Sunkara: Parece que houve uma massiva desconexão porque os eleitoras votaram por iniciativas progressistas, como a lei do salário mínimo, acesso ao aborto, casamento gay e ainda assim os republicanos estão ganhando amplas maiorias.

Então, penso que houve uma mudança a esquerda na política estadounidense nos últimos quatro anos, mas isso não foi registrado por particularidades como o baixo comparecimento ao pleito, um monte de pessoas que votam são mais velhas, pessoal branco que tem um voto mais conservador ou mesmo além.

Não se pode evitar o papel do falseamento que as eleições provocam em favor dos republicanos, por exemplo na Pennsylvania: apenas 27% dos eleitos são dos Democratas, mas no voto popular ele têm cerca de 44%. Então parece que o estado é muito mais republicano do que realmente é.

Penso que muitas faltas residem no Partido Democrata porque eles não se mostram com uma visão mais ética para as pessoas, com uma ideia ampla de uma sociedade melhor, uma missão, como vamos chegar lá. Eles se vendem com uma imagem de que eles não são republicanos, o clássico truque de um partido de centro em um sistema bipartidarista.

Os republicanos são muito mais disciplinados e organizados em termos de sua ideologia. Penso que se os democratas estivessem oferecendo alternativas mais progressistas, mais pessoas compareceriam ao pleito. Isto é, dada a natureza da política estadounidense, não é tão simples quanto “a esquerda deveria sair independentemente e as pessoas nos seguiriam”. Não é uma questão de apenas ter candidatos, mas de criar uma formação ampla que articule valores socialdemocratas, sob a liderança dos socialistas que conhecem as pessoas em suas vidas cotidianas e se asseguram que essas ideias estão lá em circulação.

Então, uma de nossas tarefas, além de atingir a ampla passa de pessoas alienadas pela política do establishment, é dividir a base do Partido Democrata de suas lideranças cada vez mais tecnocrática e de direita.   

George Souvlis: Você apoia a candidatura de Bernie Sanders para a presidência?

Bhaskar Sunkara: Sim, apoio. Tenho náuseas sobre as primárias do Partido Democrata, não acredito que ele possa ser transformado em uma espécie de partido dos trabalhadores, mas temos uma candidato que se auto-descreve como socialista chamando atenção nacional. O movimento socialista nos Estados Unidos é ainda de muito fraca por estar deixando passar a chance de se conectar com milhões de pessoas interessadas em sua campanha. Nós temos pouco a perder e algo real a ganhar por nos engajar nessa campanha.

George Souvlis: A última pergunta é sobre a esquerda européia, Syriza, Podemos… Como você vê essas iniciativas políticas?

Bhaskar Sunkara: Tão longe quanto a atual situação na Grécia: aprecio a situação em que Tsipras e a liderança do Syriza se encontraram e na qual aceitaram de má vontade o último pacote de austeridade, em geral de boa-fé. Eles não usaram isso como uma vitória, o que é importante. Eu nego o uso do termo “traição” para descrever as ações da liderança do partido.

Entretanto, a falta de preparo para a saída da Grécia da União Européia, parece dizer sobre os limites ideológicos da esquerda européia, em que estão ainda imersos, infelizmente, muitos de nossos camaradas do Die Linke e de outras formações.

A posição de muitos na Unidade Popular, que costuma ser publicada pela Jacobin, parece lidar com o tipo de estratégia política que pode vencer com uma maioria dentro da sociedade grega. Obviamente, sua mensagem não atraiu muito na última eleição, mas desejo sorte a eles tanto quanto se pode de tão longe. A batalha contra nossos inimigos de classe não acabou, na Grécia ou em qualquer outro lugar.

Eu apoio o Podemos, também. Me sinto muito desconfortável com seu estilo e retórica, mas eles estão capturando uma energia que de outra forma não estaria indo para a esquerda. O que precisa ser dito, porém, é que um partido de esquerda precisa ser um partido da classe trabalhadora – “o povo” não tem os mesmos interesses de classe. Eu acato os apelos retóricos de qualquer um, mas em seu núcleo o programa precisa refletir as necessidades e aspirações de trabalhadores e que desde suas bases possamos começar a lutar pela hegemonia entre uma camada social mais ampla.


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