Por dentro da rebelião operária na China

Por Herman Rosenfeld, via Jacobin Magazine, traduzido por Gabriel Landi Fazzio

Os metalúrgicos chineses do setor automotivo têm se tornado cada vez mais militantes, mas carecem de organizações de massas independentes.


[Nota do tradutor: optamos por excluir da tradução os trechos que pormenorizam as movimentações na base da sociedade chinesa nos últimos anos, por acreditar que seja tema já bem abordado em outro artigo.]

Uma grande e crescente onda de greves operárias e protestos tem varrido a China. Só no ano de 2015, houve cerca de 2700 ações de massas – o dobro do total de 2014. E mais de mil já ocorreram, antes do fim do primeiro semestre de 2016.

Os trabalhadores encaram uma dura batalha. O Partido Comunista Chinês – indiferente às invocações, pelos trabalhadores, dos valores declarados pelo partido, como o compromisso com a libertação da classe trabalhadora – está se desmantelando durante os conflitos. Foram ordenadas prisões de ativistas e fechados importantes centros autônomos dos trabalhadores.

Mas a turbulência política que engolfa o partido criou, também, o potencial de uma abertura para os trabalhadores.

As autoridades chinesas caminham na corda bamba, combinando uma resposta severa que busca limitar o escopo dos protestos com concessões estratégicas quanto a demandas por secessão, pagamento de pensões e salários.

Neste período turbulento, explicar a continuidade da resistência da classe trabalhadora na China, – suas formas, expressões, potenciais e limites – ao lado de uma abordagem particular do PCC e do estado é um esforço importante e desafiador. A socióloga Lu Zhang abraça esse projeto em seu novo livro, “Por dentro das fábricas automotivas da China: A política do trabalho e a resistência operária”, fornecendo uma análise brilhante que floresce de um estudo exaustivo do setor automotivo chinês.

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Trabalhadores divididos

Um dos elementos cruciais do desenvolvimento da indústria automobilística chinesa – e indústrias deste tipo em todo o mundo – é a emergência de uma força de trabalho “dual”.

Na China, fábricas de propriedade estatal passaram a empregar, no lugar de uma força de trabalho relativamente segura, uma força de trabalho segmentada, ou dual. Os “quadros” trabalhadores – que incluem trabalhadores gerenciais e técnicos, bem como uma camada permanente de trabalhadores semi ou pouco qualificados – são, amplamente, aqueles que costumavam ser beneficiários do sistema danwei (o qual garantia empregos e benefícios) e que agora trabalham em um sistema de contratos de trabalho. Eles labutam ao lado de uma força de trabalho secundária ou temporária, muitos dos quais vindos do interior.

Mas, enquanto os empregados formais trabalham lado a lado com suas contrapartes temporárias, realizando inclusive funções similares, eles o fazem em condições bastante diferentes. Os quadros recebem salários maiores, benefícios e gozam se maior segurança em seus empregos; temporários sofrem as consequências da busca pela lucratividade e esforços de redução de custos.

Diferenças sociais adicionais abundam; eles são posteriormente separados de acordo com níveis educacionais e de treinamento, residência urbana ou rural e por idade.

As autoridades assumiam que essas múltiplas fissuras – acompanhadas da aceitação pelos trabalhadores formais de que a sua segurança era parcialmente baseada na insegurança de seus colegas temporários – seriam suficientes para assegurar a permanente lealdade dos trabalhadores. Mas, ainda que os quadros trabalhadores tenham benefícios preferenciais e opções de promoções, eles ainda seguem sofrendo constantes ataques a seus pagamentos, condições de trabalhos e quanto à duração e estabilidade de seus contratos.

Enquanto isso, a força de trabalho secundária tem evoluído, ao longo do tempo, em um grupo mais jovem, mais altamente educado e urbanizado. E eles estão crescentemente lutando em resposta às extremas violações de seus direitos, às vezes contando mesmo com o apoio dos quadros trabalhadores.

Em um local de trabalho, temporários trabalhavam de dez a doze horas diárias por dois meses sem sequer descanso semanal – apenas para descobrir que a companhia não pagaria os seus salários e bônus. Então entraram em greve. A paralisação do trabalho ganhou o apoio dos trabalhadores formais e, após alguns turnos, os gestores cederam e prometeram o pagamento.

Outras greves têm sido menos bem-sucedidas em atrair o apoio dos trabalhadores formais, mas muitas delas ainda sim resultaram em aumento dos salários. E, escreve Zhang, greves e protestos nas indústrias ajudaram a pressionar o estado a aprovar importantes leis trabalhistas, estabelecer novas regras para contratos de trabalho escritos e impor regulamentações sobre as agências de trabalho temporário.

Os movimentos das populações pobres

Zhang olha para o redemoinho da agitação laboral na China e conclui que a classe trabalhadora pode “barganhar sem sindicatos” – isso dado o balanço de forças particular, o papel do estado e a natureza das organizações laborais no setor, “o descontentamento operário na base e as pressões de baixo são as forças genuínas que trazem mudanças significativas aos locais de trabalho e as reformas vindas de cima”.

A ruptura que tais movimentos causam –  mesmo quando eles carecem de organizações e partidos classistas e independentes – pode fornecer o ímpeto por reformas, não apenas na China mas em todo o planeta.

“Muitos dos ganhos feitos pelos “movimentos das ‘populações pobres´” não vêm do estabelecimento de organizações formais orientadas para a captura do poder estatal”, escreve Zhang, resumindo o trabalho dos sociólogos estadunidenses France Fox Piven e Richard Cloward, “mas são o resultado de concessões arrancadas aos poderosos em reposta às alastradas, intensas e espontâneas irrupções vinda de baixo, em resposta à ameaça da ‘ingovernabilidade’”.

Em verdade, a forma e o escopo da resistência operária que Zhang esmiúça forçou o estado chinês a, ao menos, oscilar entre a repressão e a acomodação. O PCC não pode simplesmente agir impunemente.

Ainda assim, sem um cenário mais amplo de oposição – suportado por organizações de classe conscientes – é impossível que surja a capacidade de fazer mais do que limitar os danos e indiretamente modelar o capitalismo contemporâneo. Na China ou em qualquer outro lugar, partidos políticos classistas e outros órgãos populares permanecem essenciais para fazer frente aos desafios mais amplos e profundos do sistema.

Como podem tais desafios serem lançados na China, em face de uma liderança estatal autoritária é algo que ativistas e estudiosos ainda precisarão ponderar. Mas “Por dentro das fábricas automotivas da China” é uma valiosa contribuição para essa discussão vital.

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