Entrevista com Agon Hamza: lançamento do livro ‘Althusser e Pasolini: Filosofia, Marxismo e Filme’

Por Alfie Brown, via HKRBooks, traduzido por Rodrigo Gonsalves

Agon Hamza é pesquisador pela Academia Eslovena de Ciência e Artes de Ljubljana, co-editor chefe do jornal de filosofia radical Crisis & Critic (com previsão de lançamento em sua versão latino-americana, sob o título Crise & Critica nos próximos meses, pelo Círculo de Estudos da Ideia e Ideologia) e autor de mais meia dúzia de livros incluindo obras sobre o trabalho e pensamento de Louis Althusser. Parte da Escola de Ljubjana, que é provavelmente o grupo com trabalhos filosóficos mais radicais e interessantes da atualidade, Hamza possui escrita inovadora e põe em questão muito do que você pensava saber sobre cinema e filosofia. Aqui podemos questioná-lo brevemente sobre seu último trabalho que é parte da séria HKRB Entrevistas  com autores de novos livros sobre teoria crítica.


Entrevista feita pelo coeditor da HKRB com o filósofo Agon Hamza sobre seu novo livro à respeito dos filmes do Pasolini e a filosofia de Althusser. Livro ainda sem tradução em português: Althusser and Pasolini: Philosophy, Marxism and Film (London: Palgrave, 2016) 202pp”. (Althusser e Pasolini: Filosofia, Marxismo e Filme, pela London: Palgrave, 2016)

Alfie Brown: Agon, muito obrigado por conversar conosco da HKBR. Eu gostaria de iniciar dizendo aos nossos leitores que esse é um livro massivo em termos do escopo ao qual remete. São não menos do que 28 breve capítulos que lidam com tópicos diferentes – entretanto, relacionados. Sendo assim, ao invés de tentar falar do livro como um todo, eu gostaria de aproximar-me apenas de algumas de suas ideias chave e deixar o restante para o leitor. Começarei por uma  de suas reivindicações iniciais, de que nos filmes de Pasolini a ‘salvação’ (talvez seu maior tema) é ‘o nome para a luta política dos pobres e oprimidos contra o reinado do capital, corrupção e seus enlaces’. Você poderia dizer algo sobre essa leitura do Pasolini e como ela difere das outras interpretações de seus filmes e especificamente do papel da salvação destes filmes?

Agon Hamza: Pasolini estava preocupado com as classes mais oprimidas, nas as fetichizando, mas por propor aquilo que no cristianismo pode ser chamado de ‘amor’. Em gesto verdadeiramente marxista, ele evita o direcionamento para o “amor ao proletariado”, e em seu lugar, ele se engaja com um amor que é livre de idealização. Neste sentido, a questão da salvação é muito importante no corpo de trabalho de Pasolini. Mas, penso ser crucial compreende-lo no modo ‘pasoliano’ correto: isso é, salvação despida de seu sentido e conotação teológica. Eu não acho que Pasolini estava esperando ser liberto ou protegido das formas terrenas de pecado e suas consequências. Na minha compreensão do trabalho de Pasolini, o Reino de Deus possui uma existência terrena e a palavra de Deus vem para nós pela luta ideológica e política do proletariado, dos pobres e de outras classes oprimidas em suas lutas contra o capitalismo enquanto tal. Para ser mais preciso, salvação é aquilo que uma vez estabelecida no mundo, se protege e defende das permanente forças corruptivas, por exemplo, do capitalismo, da democracia, das opiniões e etc.

AB: O capítulo 10 se chama “antifilosofia”. Eu li noções sobre Hegel e Lacan enquanto autores da ‘antifilosofia’ e não da ‘filosofia’, mas essa é a primeira vez que encontro Althusser neste contexto. De fato, você relaciona Althusser à Lacan aqui por meio da ideia de fazer falar o sofrimento e, penso se você poderia dizer algo sobre como você vê a conexão entre estes dois. Lembro ter lido na autobiografia de Althusser que ele nunca foi aos seminários de Lacan porque havia muita fumaça na sala! Talvez, mais importante do que isto, podemos relacionar isso ao sofrimento presente nos filmes de Pasolini?

AH: Eu penso que devemos desconfiar profundamente dos dados biográficos e de alguns outros dados factuais presente em sua autobiografia. Sua relação pessoal com Lacan é extremamente complicada e sua amizade foi muito breve. A relação entre eles começou com a exclusão de Lacan do Hospital Sainte-Anne, onde realizava seus seminários de 1953 até 1964. Foi por convite de Althusser para a École Normale Supériore que Lacan começou apresentar seus seminários em ENS. Entretanto, penso que a tensão entre Althusser e Lacan, e entre marxismos e psicanálise em geral, deve ser localizada em outro lugar, digo, em seus diferentes estruturas e metodologias, assim como em seus ‘objetos’. Em resumo, existem diferenças estruturais entre ambas, que também devem ser premissa para qualquer tentativa de lê-las em conjunto.

Meu interesse em religião e, mais especificamente no cristianismo, é bastante específico. Eu leio o cristianismo como um ateu e o que me interessa ali é como é possível que algo como a religião, considerando as três maiores religiões monoteístas, que em princípio podem servir enquanto ferramenta para emancipação coletiva, são apropriadas pelas ideologias conservadoras. Hoje, a religião é um dos nomes desse empreendimento. Cito aqui dois exemplos: a esquerda populista na América latina teria tido muito mais dificuldade de se erguer se não houvesse ocorrido as décadas de militância das pessoas da teologia da libertação. Ao mesmo tempo, basta recordar do Vaticano ou dos conservadores nos EUA, recorrendo ao cristianismo para pensar em seus dois níveis de apropriação. Por outro lado, a forma do Islã contemporâneo enquanto o nome da opressão, violações de todos os tipos, conservadorismo e etc. Mas, devemos nos lembrar que o Profeta, tornou-se o mensageiro de Deus depois que sua esposa Khadija provou para ele que em suas visões, se tratava do anjo Gabriel e não o diabo. Incidentalmente, Khadija torna-se a primeira crente dele. As religiões de hoje falham em sua tarefa inicial: oferecer uma (nova) visão de Deus. Uma vez que todas são confrontadas pelo ponto de sua impossibilidade, elas se degeneraram em religiões do nível de formas compulsivas de dietas e modismos.

Eu leio o cristianismo como um procedimento antifilosófico. Eu não leio Althusser como um antifilósofo – para mim, ele é o último filósofo marxista no sentido clássico. Mas, penso que ao acrescentar um novo período à sua obra, esses são os primeiros escritos católicos, uma nova perspectiva de Althusser se abre. Por meio da inclusão da religião enquanto a terceira condição da filosofia (junto da ciência e da política), podemos ‘reconceitualizar’ muitos de seus conceitos.

Uma das coisas que Althusser e Pasolini tem em comum é sua compreensão do proletariado sem identidade, ou da classe trabalhadora sem identidade. Esse é um tópico muito importante, especialmente hoje em dia, quando uma boa parte da esquerda parece abraçar o patriotismo como arma contra o neoliberalismo. Devemos pausar um momento aqui: se analisarmos a noção de neoliberalismo, sob o posicionamento tanto de Pasolini quando de Althusser, veremos que ambos condenariam isto enquanto uma noção ideológica e, não usariam enquanto categoria crítica. Se Althusser pudesse escrever hoje, eu duvido muito que ele se escreveria contra o neoliberalismo – ao invés disto, sua critica seria completamente dirigida ao capitalismo enquanto tal.

Outro nível que une Althusser e Pasolini está na tríade entre marxismo, cristianismo e a política. Há sempre uma tensão imanente entre essas três tradições. Coloquemos à diante a seguinte tese: em último caso, desvios são elementos constitutivos tanto do marxismo e da religião/cristianismo enquanto tal. Por essa razão, ambos devem se reinventar e se ‘reconceitualizarem’.

AB: Minhas últimas duas questões são sobre os capítulos 16 e 27 que são, respectivamente, dedicados à política de Althusser e Pasolini. Primeiro: Althusser. Sua questão se é possível ser um althusseriano hoje e, o que isso quer dizer, é algo que nossos leitores estão de fato interessados em saber. Você diz que ‘a política althusseriana é inconcebível em nossa conjuntura teórica’, logo, de certo modo, estamos impossibilitados de sermos realmente althusserianos hoje. Por que? E como isso se relaciona com o humanismo?

AH: Eu sei que pode soar como um posicionamento paradoxal tanto para o projeto de Althusser quanto para a ideia presente no livro, que argumenta que o socialismo está realmente acabado, assim como, todo o socialismo do século passado e outros experimentos políticos. A questão lógica, no entanto é, por que Althusser? Este que na melhor das hipóteses pode ser considerado o filósofo do marxismo francês do século passado. Bem, no final de sua vida, Althusser compreendera a impossibilidade do socialismo, chegando ao ponto de chamar de ‘um monte de bobagens’. Ele está correto neste ponto, bem como por rejeitar por completo o modelo Soviético ou socialismo de estado enquanto modelo futuro da organização das nossas sociedades. Penso contra esse fundo podemos discutir que a política althusseriana ainda é inconcebível em nossa situação política e ideológica. Primeiro, como menciono no capítulo ao qual você se refere, a esquerda hoje não pode sobrepujar a fantasia khruschevista-trotskista acerca de Stalin e do stalinismo. Esse é um problema muito importante da esquerda contemporânea. Por que? Pois, a descrição mítica do fracasso do século XX no qual findamos não recebeu um cruel crítica de nós mesmos e de nossas ideias, apenas de um homem, logo não podemos aceitar que o “socialismo realmente acabou”. E Althusser é especial neste caso, por ter produzido categorias internas de análise conceitual para as falhas do próprio marxismo. Me parece que hoje vivemos numa posição paradoxal. Para formular isto em termos althusserianos, os grupos predominantes, intelectuais, partidos políticos, e etc., da esquerda não são nem marxistas e nem comunistas. A fórmula leninista da “análise concreta de situações concretas”, quero dizer que a análise concreta das relações concretas da luta de classes, em seus três níveis: econômico, político e ideológico, foi vastamente substituído por descrições gerais, e etc., que mesmo se corretas, são profundamente insuficientes. São também insuficientes porque deixam de fora o mundo ao qual estão analisando.

AB: No penúltimo capítulo sobre a política da Pasolini que você desenvolve, encontramos um reenquadre seu à pergunta acerca de como reorganizar a política, bem como a questão de como reorganizar o Comunismo. Por que o Comunismo é o “nome correto para a política de emancipação” apesar de sua conotação negativa? Muitos de nossos leitores de Hong Kong imediatamente associam comunismo com o sistema político atual da China. Por certo, você está focado no contexto europeu. Talvez, você pudesse identificar como a reabilitação do Comunismo, na Europa, pelo menos, se faz necessária? Estou particularmente intrigado por essa ideia de que “Comunismo é o nome da incerteza” – porém, sinta-se livre para comentar sobre isso ou deixar para os leitores comprem o seu livro!

AH: A forma-organizada da política é outro aspecto que une Althusser e Pasolini. A militância política deles era diferente – Althusser fora um membro de longa data do Partido Comunista Francês, enquanto Pasolini foi expulso do Partido Comunista Italiano e continuou sua militância fora da forma-partido. Mas, apesar dessa diferença, é claro que para ambos, a política existia apenas se organizada.

Mas, sua questão toca num ponto muito complicado e difícil: Como defender o Comunismo em um país já “Comunista”, ou ao menos, comandado pelo Partido Comunista. Não estou aqui criticando a China mas, estou apenas dizendo que o problema do Stalinismo que mencionei anteriormente, o problema que faz da burocracia um tabu e que nos previne de desenvolver ferramentas críticas para analisar e compreender – de um ponto de vista marxista – a verdadeira situação da China hoje.

Para responder à sua questão, penso ser importante preservar o nome (Comunismo) porque penso que toda política que é emancipatória deveria ser conduzida sob a ideia geral do Comunismo. Ela designa o “nós” coletivo e, delimita entre “nós” e “eles” – ou, para formular isto em termos da era passada (que ainda hoje se fazem ressoar), marca uma linha firme de demarcação entre o povo e seu inimigo. Um aspecto muito problemático é definir uma prática que nos permita chamar de Comunista qualquer forma de organização social cuja orientação de sua totalidade forme o ponto de vista daqueles que não são representados por esta. Desta perspectiva, podemos chamar de sociedade Comunista aquele em que o link entre as partes e o todo é estabelecido pelos comuns (e não pela maioria, nem pela minoria, nem pela vanguarda e etc.). Os comuns são algo que apenas aparece se confrontarmos a totalidade com aquilo que existe, mas não parece “pertencer” ali: os excluídos, os pobres, aqueles que não fazem parte da vida política. O termo “comunismo” trata dos comuns, mais precisamente o que Žižek chama de proletarização, ou posição proletária, que quer dizer, a redução dos trabalhadores ao nível-zero do cogito cartesiano. Ou nos próprios termos de Marx, é chamado de “subjetividade sem substância”. Os problemas dos comuns não pode ser resolvido nem dentro do enquadre do estado-nação, nem dentro do socialismo. Baseado nisto tudo e, em muitos outros fatores, somos forçados à repensar uma forma social muito mais radical para a organização das sociedades.

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