Cinema como um emblema democrático

Por Alain Badiou, via Parrhesia, traduzido por Gabriel Tupinambá

A Filosofia só existe na medida em que existem relações paradoxais, relações que falham em se conectar, ou que não deviam fazê-lo. Quando toda conexão é naturalmente legítima, a Filosofia é impossível ou vã. Filosofia é a violência imposta pelo pensamento às relações impossíveis.


Hoje, que é o mesmo de dizer “após Deleuze”, existe uma requisição clara da filosofia pelo cinema – ou do cinema pela filosofia. É certo, portanto, que o cinema nos oferece relações paradoxais, conexões inteiramente improváveis.

Mas quais?

A resposta pré-formada da filosofia se resume a dizer que o cinema é uma relação insustentável entre artifício total e realidade total. O cinema oferece simultaneamente a possibilidade de uma cópia da realidade e uma dimensão totalmente artificial dessa cópia. Com as tecnologias contemporâneas, o cinema é capaz de produzir o real artifício da cópia de uma falsa cópia do real, ou ainda, a falsa cópia real de um falso real. E outras variações. Isso acarreta dizer que o cinema se tornou a forma imediata (ou “técnica”) de um antigo paradoxo, o das relações entre ser e aparência (que são muito mais fundamentais do que as relações por toda parte faladas entre o virtual e o atual). Nós podemos assim proclamar que o cinema é uma arte ontológica. Muitos críticos, André Bazin em particular, vem dizendo isso há muito tempo.

Eu gostaria de abordar a questão de uma maneira infinitamente mais simples e empírica, removida de toda pré-formação filosófica, começando com a elucidação de um enunciado: o cinema é uma “arte de massas”.

O sintagma “arte de massas” pode ter uma definição elementar: uma arte é uma “arte de massas” se as obras primas, as produções artísticas que a cultura erudita (ou dominante, o que seja) declara incontestáveis, são vistas e apreciadas por milhões de pessoas de todos os grupos sociais no momento mesmo de sua criação.

Adicionar “no momento mesmo de sua criação” é especialmente importante, porque nós sabemos que somos dominados por uma melancolia historicista, que cria um puro efeito de ‘passadismo’. Milhões de pessoas, independentemente de suas condições sociais (com exceção apenas do proletariado, é claro), podem ir à museus, porque elas gostam dos ícones do passado como tesouros, já que a paixão moderna por turismo se estende como uma espécie de turismo de tesouros. Não é desta forma de turismo que eu falo, mas das milhões de pessoas que amam uma obra excepcional no momento mesmo de seu aparecimento. Todavia já temos, na breve história do cinema, exemplos incontestáveis de um tal amor, exemplos que só podem ser comparados aos triunfos das grandes tragédias gregas. Pegue, por exemplo, os grandes filmes de Chaplin. Eles foram vistos por todo o mundo, mesmo nas casas de esquimós, ou projetados em barracas no deserto. Todo mundo imediatamente entendeu que esses filmes falavam da forma profunda e decisiva que eu propus chamar (quando escrevia sobre a prosa de Beckett) de “humanidade genérica”, ou humanidade subtraída de suas diferenças. A personagem do Mendigo, perfeitamente colocado, filmado de maneira frontal, em close, num contexto familiar, é não menos um representante da humanidade genérica “do povo” para um africano, do que para um japonês ou um esquimó.

Seria errado acreditar que esse tipo de exemplo está limitado ao gênero cômico ou burlesco, que sempre foi capaz de refletir a energia vital do povo, a força e a engenhosidade da sobrevivência social. Nós poderíamos com igual facilidade citar um filme extraordinariamente concentrado, de inventividade formal surpreendente, indubitavelmente um dos grandes poemas cinemáticos existentes: Sunrise, de Murnau. Essa pura obra prima foi um sucesso fenomenal nos Estados Unidos, uma espécie de Titanic, sem o sabor industrial.

O cinema é sem dúvidas capaz de ser uma arte para as massas em uma escala que não tem comparação com qualquer outra forma artística. Certamente no século XIX haviam escritores populares, poetas populares: Vitor Hugo na França, por exemplo, ou Pushkin na Russia. Eles tiveram, e ainda tem, milhões de leitores. De qualquer forma, a escala – no momento de sua criação – é incomparável a dos grandes sucessos do cinema.

O ponto é então o seguinte: “arte de massas” fixa uma relação paradoxal. Por quê? Porque “as massas” [“mass”] é uma categoria política, mais precisamente uma categoria da democracia ativista, do comunismo. Os revolucionários russos foram capazes de definir suas ações em termos de um tempo em que “as massas subiram ao palco da História”. Nós usualmente opomos a “democracia das massas” à democracia representativa e constitucional. “As massas” é uma categoria política essencial. Mao disse que “as massas, e somente as massas, são as criadoras da história universal”.

No entanto, “arte”, que é o outro termo do sintagma “arte de massas”, é e só pode ser uma categoria aristocrática. Dizer que “arte” é uma categoria aristocrática não é um julgamento. Nós simplesmente enfatizamos que “arte” implica a ideia de criação formal, de uma novidade visível na história das formas, e que portanto requer os meios de compreender a criação enquanto tal, necessitando uma educação diferenciada, uma proximidade mínima à história da arte em questão e às vicissitudes de sua gramática. Um longo e muitas vezes pouco recompensador aprendizado. Expansão da mente. Prazeres, certamente, mas prazeres que são sofisticados, construídos, adquiridos.

Em “arte de massas” nós temos a relação paradoxal entre um elemento puramente democrático (do lado da irrupção e da energia de um evento) e um elemento aristocrático (do lado da educação individual, de diferentes localidades de gosto).

Todas as artes do século vinte foram vanguardista. A pintura foi uma arte de vanguarda e só cessa de sê-lo no momento crepuscular em que é introduzida em museus. A música foi uma arte de vanguarda, e, desde os dias de Schôenberg, não cessou de assim ser (a menos que chamemos de “música” o gemido da música popular). A poesia existe hoje somente como uma arte de vanguarda. Nós podemos dizer que o século vinte é o século vanguardista. Mas nós podemos também dizer que é o século da maior arte de massas que já existiu.

A forma simples da relação paradoxal: a primeira grande arte que é de massas em sua essência aparece e se desenvolve no tempo que é o tempo das vanguardas. A forma derivada: o cinema impõe relações impraticáveis entre a aristocracia e a democracia, entre invenção e familiaridade, entre novidade e gosto comum. É por essa razão que a filosofia se interessa pelo cinema. Porque ele impõe um complexo vasto e obscuro de relações paradoxais. “Pensar o cinema” se resume a forçar a relação, arranjar os conceitos que, sob a demarcação de filmes reais, mudem as regras estabelecidas da conexão.

Eu acredito, contudo, que houveram cinco grande tentativas de tal deslocamento. Ou antes, cinco maneiras diferentes de adentrar o problema: “pensar o cinema como uma arte de massas”. Primeiramente, através do paradoxo da imagem. Essa é a porta clássica que mencionei no começo: a arte ontológica. A segunda traça o paradoxo do tempo, da visibilidade fílmica do tempo. A terceira examina a diferença do cinema, sua conexão estranha com o sistema estabelecido das belas artes. Colocado de outra forma: o paradoxo da sétima arte. A quarta posiciona o cinema na borda da arte e da não-arte, seu paradoxo sendo o da impuridade artística. A quinta via propõe um paradoxo ético: o cinema como o reservatório das figuras da consciência, como fenomenologia popular de toda situação em que devemos escolher.

Vamos dizer então algumas palavras sobre essas cinco tentativas.

1. Sobre a imagem. Nós diremos que o cinema é uma “arte de massas” porque é o mais alto ponto da antiga arte da imagem, e que a imagem, tão antigamente quanto irmos na história da humanidade, sempre foi cruelmente fascinante. O cinema é o epítome do visual oferecido como semblante. E como não pode haver identificação sem o suporte de semblantes, nós diremos que o cinema é a maestria final do ciclo metafísico das identificações. Salas de cinema, teatros, restaurantes, quartos, até as ruas surpreendem as massas através de uma rede deceptiva de identificações díspares, já que a técnica dos semblantes supera em idade a fábula religiosa e distribui universalmente o troco pequeno do milagre. As massas do cinema são em seu fundamento massas crentes. Assim é a primeira explicação.

2. Sobre o tempo. Esse caminho é fundamental para Deleuze, como também para muitos outros críticos. É tentador pensar que o cinema é uma arte de massas porque transforma tempo em percepção. Nós temos com o cinema o mais poderoso tornar-se-visível do tempo. Ele cria uma sensação temporal distinta do tempo vivido. Mais precisamente, ele transforma “o senso íntimo do tempo” em representação. E é essa lacuna representativa que destina o cinema à imensa audiência daqueles que desejam suspender o tempo no espaço para afastar o destino.

Essa hipótese aproxima o cinema da música, que, em sua forma mais básica, também é uma produção de massa. Mas a música – e novamente música “grandiosa” mais do que música popular – também é uma organização distanciada do tempo. Nós poderíamos dizer muito simplesmente que música torna o tempo audível, enquanto o cinema torna o tempo visível. Certamente, o cinema também torna o tempo audível, já que a música é incorporada ao cinema. No entanto, o que é próprio do cinema, e que foi por muito tempo mudo, é definitivamente tornar o tempo visível. A produção dessa visibilidade é universalmente encantadora. Assim é a segunda explicação.

3. A série das artes. Está claro que o cinema toma das outras artes tudo o que é popular, tudo o que poderia, uma vez isolado, filtrado, separado de seus requisitos aristocráticos, ser destinado às massas. A sétima arte pega emprestado das outras seis o que nelas mais explicitamente aponta para a humanidade genérica.

Por exemplo, o que é que o cinema retêm da pintura? A pura possibilidade de transformar a beleza sensível do mundo em imagem reproduzível. Ela não aproveita a técnica intelectual da pintura. Ela não aproveita os complicados modos de representação e formalização. Ela retêm uma relação sensível e emoldurada com o mundo externo. Nesse sentido, o cinema é uma pintura sem pintura. Um mundo pintado sem tinta.

O que o cinema retêm da música? Não as dificuldades extremas da composição musical, não o arranjo sutil da verticalidade harmônica e da horizontalidade temática, nem mesmo a química do timbre. O que é importante para o cinema é que a música, ou seu fantasma rítmico, escore os acontecimentos do visível. O que ele impõe por toda parte – hoje em dia até mesmo no cotidiano – é uma certa dialética entre o visível e o audível. Preencher toda existência representável com uma pasta musical é o imenso trabalho do cinema. Nós regularmente sucumbimos à emoção provocada pela estranha mistura de música e existência, uma subjetivização musical, um acompanhamento melodioso para o drama, uma pontuação orquestral para o cataclisma…Tudo isso insere na representação uma música sem música, uma música liberada dos problemas musicais, uma música emprestada e devolvida ao seu pretexto narrativo ou subjetivo.

O que o cinema retêm do romance? Não as complexidades da formação subjetiva, nem os recursos infinitos da montagem literária, nem a restituição lenta e original do gosto de uma era. Não, aquilo de que o cinema tem uma necessidade obsessiva e insaciável, e que em seu nome ele incessantemente furta da literatura universal, é a fábula, a narrativa, que ele renomeia de “roteiro”. O imperativo do cinema – artístico e comercial, indivisivelmente, já que é uma arte de massas – é o de contar grandes estórias, estórias que possam ser entendidas por toda a humanidade.

O que o cinema retêm do teatro? O ator, a atriz, o charme, a aura do ator e da atriz. Ao separar essa aura dos poderes do texto literário, tão fundamental ao teatro, o cinema transformou atores e atrizes em estrelas. Essa é uma possível definição do cinema: um meio de transformar o ator numa estrela.

É absolutamente verdade que o cinema pega algo de cada uma das outras artes. Mas a operação dessa apropriação é complexa, porque ela pega um elemento comum e acessível de suas sofisticadas condições artísticas. O cinema abre todas as artes, ele enfraquece sua qualidade complexa, composta e aristocrática. Ele transmiti essa abertura simplificada às imagens de existência unânime. Como pintura sem pintura, música sem música, romance sem sujeitos, teatro reduzido ao charme dos atores, o cinema garante a popularização de todas as artes. É por isso que sua vocação é universal. Assim é a terceira hipótese: a sétima arte é uma arte de massas porque ela é a democratização ativa das outras seis.

4. Impuridade. Examinemos diretamente a relação entre arte e não-arte no cinema. Nós seremos então capazes de afirmar que o cinema é uma arte de massas porque ele está sempre no limite da não-arte. O cinema é uma arte particularmente carregada com não-arte. Uma arte sempre investida de formas vulgares. O cinema está, por causa de um grande número de seus ingredientes, sempre abaixo da arte. Mesmo os seus mais óbvios sucessos artísticos compreendem uma infinidade imanente de ingredientes desprezíveis, de óbvios pedaços de não-arte. Nós podemos afirmar que em cada estágio de sua breve existência, o cinema explorou a fronteira entre arte e o que não é arte. Ele se coloca nessa fronteira. Ele incorpora novas formas de existência, sejam elas arte ou não arte, e faz uma certa seleção, embora essa seleção não esteja nunca completa. Por isso, em qualquer filme, mesmo na mais pura obra prima, você pode encontrar um grande número de imagens banais, material vulgar, estereótipos, imagens vistas cem vezes em outros lugares, coisas que não são do menor interesse.

Bresson era particularmente incomodado por essa resistência do não-ser artístico. Ele desejava arte pura e chamava essa pureza de “escrita cinematográfica”. Mas sem sucesso. Também em Bresson tem-se que aguentar o pior do visível, a invasão incompreensível da baixeza dos tempos. Tão essencial quanto involuntária, essa impureza não impede que muitos filmes de Bresson sejam obras primas. Eles simplesmente mostram que a arte cinemática pode ser uma arte de massas. Porque você pode entrar na arte do cinema através daquilo que, sempre presente em abundância, não é arte. Enquanto que, nas outras artes, é o caminho contrário. Você só pode acessar sua parte não artística, seus fracassos, através da arte, da grandiosidade da arte. Nós podemos dizer que no cinema é possível ascender. Você pode começar das suas representações mais comuns, da sua sentimentalidade mais nauseante, da sua vulgaridade, até mesmo da sua covardice. Você pode ser um espectador completamente ordinário. Você pode ter o mau gosto no seu acesso, na sua entrada, na sua disposição inicial. Isso não impede que o filme te permita ascender. Talvez você alcance coisas poderosas e refinadas. Mas você não será pedido que você volte. Enquanto que em outras artes você sempre tem o medo da queda. Essa é a grande vantagem democrática do cinema: você pode ir ao cinema numa noite de sábado, para descansar, e inesperadamente ascender. Aristóteles disse que se nós fazemos o bem, o prazer virá “como um presente”. Quando nós vemos um filme, não raramente é o contrário: nós sentimos um prazer imediato, frequentemente suspeito (graças a onipresença da não-arte), e o Bem (da arte) vem como um bônus inesperado.

No cinema nós vamos em direção ao puro através do impuro. Esse não é o caso com as outras artes. Você poderia deliberadamente ir ver uma pintura ruim? A pintura ruim é a pintura ruim, há pouca esperança que ela se transforme em algo bom. Você não ascenderá. Do simples fato de que você está lá, perdido em meio a pinturas ruins, você está caindo, você é um aristocrata em dificuldades. Enquanto que no cinema você é sempre mais ou menos um democrata em ascensão. E aí se encontra a relação paradoxal. A relação paradoxal entre aristocracia e democracia, que é finalmente uma relação interna entre arte e não-arte. E isso é também o que politiza o cinema: ele opera na junção entre as opiniões ordinárias e o trabalho do pensamento. Uma junção sutil que você não encontrará em nenhum outro lugar.

Assim é a quarta hipótese: o cinema é uma arte de massas porque ele democratiza o movimento pelo qual a arte puxa a si mesma através da não-arte, desenhando nesse movimento uma fronteira, fazendo da impureza a coisa ela mesma.

5. Figuras éticas. O cinema é uma arte de figuras. Não só figuras de espaço visível e de lugares ativos. Ele é antes de mais nada uma arte das grandes figuras da humanidade ativa. Ele propõe uma espécie de estado universal da ação e seu confronto com os valores comuns. Afinal, o cinema é o último lugar povoado por heróis. Nosso mundo é tão comercial, tão familiar, tão sem heroísmos…No entanto, mesmo hoje ninguém imaginaria o cinema sem as grandes figuras morais, sem a grande batalha americana entre o Bem e o Mal. Aqui, mesmo os gangsters não são mais nada senão casos de consciência, decisões redentoras, abolição sincera da Maldade. A mais sórdida crueldade é um caminho tortuoso da razão rumo à iluminação didática. O lado dos policiais não é melhor. Entre eles, inspetores angelicais, hoje em dia normalmente mulheres, mantém a guarda. O ridículo dessas fábulas, sua impureza dogmática, sua hipocrisia suja, de forma alguma as impede de possuir algo de admirável. Tão admirável quanto as tragédias gregas poderiam ser, o cinema da Antiguidade, do qual nós temos a mais nobre, porém falsa, ideia, já que os inumeráveis fracassos que passaram pelos anfiteatros não chegaram a nós. Nós só temos alguma dúzia de obras primas, algo como três Murnaus, um Lang, dois Eisensteins, quatro Griffiths e seis Chaplins. Assim nós não vemos a impuridade e a massiva banalidade desses espetáculos. Mas nós podemos recontar seu fim comum: apresentar a uma imensa audiência as típicas e excessivas figuras de todos os grandes conflitos da vida humana. Falar de guerra, de paixão, de justiça e injustiça, da verdade, com, por material ordinário, todas as histórias implausíveis de velhos gatunos, de mulheres envenenadoras e reis loucos. O cinema também nos fala de coragem, justiça, paixão, traição. E os grandes gêneros do cinema, as formas mais codificadas, como o melodrama, o velho-oeste e a “opera espacial”, são precisamente gêneros éticos, isso é, gêneros que se remetem à humanidade por oferecer uma mitologia moral.

Nós sabemos que a filosofia começou como uma vasta discussão com a tragédia, com o teatro, com a impuridade do visível e das artes performáticas. Os interlocutores essenciais de Platão estavam no palco, e incluídos nessa ampla visibilidade retórica estavam o palco público, a assembleia democrática, a performance dos sofistas. Nós não devemos nos surpreender hoje, quando a filosofia é, de forma crescente em sua atividade, uma discussão com o cinema. Porque o cinema e seus derivativos, incluindo a televisão, representam em uma escala humana, após a Tragédia e a Religião, a terceira tentativa histórica da subjugação espiritual do visível, disponível à todos, sem exceção ou medida. Também presentes nesse encontro, os políticos democráticos e seus conselheiros sofistas, renomeados “consultores de relações públicas”. A tela se tornou seu teste supremo. A questão mudou somente de destinatário: Ela é: “se existe uma técnica suprema do semblante, e se essa técnica, quando é o cinema, é também capaz de produzir uma arte de massas, que torção, que metamorfose essa arte impõe naquilo em que a filosofia suporta a si mesma, e que tem o nome de “verdade”?”

Platão procurou uma resposta na mimesis transcendente. Ao semblante figurativo, nós iremos opor tudo aquilo que mostra a si mesmo à Ideia que não mostra a si mesma. Esse gesto requeria o suporte daquilo que se subtrai do semblante: as matemáticas da perfeição finita, números e figuras. Nós iremos antes procurar por aquilo que no visível excede sua visibilidade, amarrando o semblante ao imanente mas eterno registro de sua forma infinita. A matemática da perfeição infinita também é necessária: conjuntos, topologias, roldanas.

Então, assim como Platão dominou o semblante com alegorias, salvando a imagem no lugar mesmo da Verdade com seus “mitos” imortais, nós podemos da mesma maneira ter esperanças que o cinema seja superado pelo próprio cinema. Após a filosofia do cinema precisa vir – já está vindo – filosofia como cinema, que consequentemente terá a oportunidade de ser uma filosofia de massas.

*Alain Badiou é professor de filosofia na Ecole Normale Supérieure e no College International de Philosophie em Paris. Somado a muitos romances, peças, e ensaios políticos, ele publicou alguns trabalhos maiores em filosofia, incluindo Teoria do Sujeito e Ser e Evento. A sequência para Ser e Evento foi recentemente traduzida para o inglês como Lógicas dos Mundos.

Compartilhe:

Posts recentes

Mais lidos

Deixe um comentário