Conservadorismo em Foco: Um filme sobre a ideologia burguesa e suas formas de dominação

Por Arthur Moura 

Pensar a comunicação neste contexto asfixiante do capitalismo requer (não contraditoriamente) estrutura material e um certo acúmulo de conhecimento que se adquiri com a experiência e a investigação teórica. Não raro, para se ter condições mínimas de produção nos submetemos a relações de trabalho alienante. É, portanto, algo caro, custoso, mas que ainda assim é de vital importância para ambas as classes. Para a burguesia, como instrumento de dominação. Para os trabalhadores, como ferramenta de luta e emancipação.


Livre reflexão sobre a produção do filme

Parte 1

Um filme de

Arthur Moura e Felipe Xavier

202 filmes

As faces do nosso tempo são cruas. Mostram-se desnudas, violentas. Os extremos estão à mostra. Há quem se agarre em mentiras ou dopam-se, inutilizando sua própria existência. O fascismo é real, corrói a sociedade e infelizmente dá sentido a ela. O fascismo é a prática do poder. O nacionalismo é e continuará sendo a doença dos idiotas. Os vermes de farda cospem balas e abanam o rabo para o capital.

  • Os milicos defendem os interesses privados como sempre defenderam ao longo da história.
  • São poucas as saídas.
  • Quando a naturalização de valores fascistas passa a compor o imaginário comum fazendo deste o seu instrumento vital, o que nos resta é o enfrentamento direto.
  • A morte da diferença, a perda da alteridade é o ápice da violência fascista.
  • Lidar com o fascismo então não depende do diálogo, mas no meio mais eficaz na sua eliminação.
  • Nenhuma sociedade horizontal pode surgir enquanto houver a existência do fascismo.

Este texto faz parte de um conjunto de debates e reflexões que temos feito principalmente no que diz respeito aos principais desafios postos para um cinema e uma comunicação livre, organizada e combativa num contexto de acirramento da luta de classes. Quanto a isso, neste caso do filme Conservadorismo em Foco, privilegiamos a internet como campo de ação e pesquisa por motivos que destacarei adiante.

É uma necessidade para nós expor essas reflexões, compartilhar e debater as possíveis saídas, assim como nossa avaliação sobre as coisas. Por observar a conjuntura política do país e do mundo que cada vez mais expõe sem medo a face reacionária e fascista de diversos setores das sociedades capitalistas, decidimos estudar melhor esses fenômenos principalmente a questão do conservadorismo, e produzir um filme sobre este assunto com o intuito de disponibilizar o filme completo gratuitamente no 1º de maio de 2018. Este é um filme-exercício, digamos, que busca a crítica radical do objeto analisado. A crítica no sentido de Marx é trazer à consciência os fundamentos de algo, apropriar-se de algo e negá-lo no sentido da sua superação.

Começamos elaborando o projeto. Quais e quantos entrevistados, quanto tempo levaríamos para produzir o filme e divulga-lo, definimos o orçamento e dividimos as funções. Antes de tudo, cabe lembrar, veio a pesquisa, debates e construção do roteiro. A pesquisa perpassa todo o processo, que tem duração de novembro de 2017 a maio de 2018. São as leituras e os debates que forjam a narrativa do filme e, obviamente, sua argumentação e embasamento.

Imagem I

(Roteiro escrito no quadro negro)

No Brasil existiu simplesmente a maior organização fascista da América Latina, o Integralismo, ou Ação Integralista Brasileira. O comunismo, os estrangeiros de uma forma geral e principalmente as ditas classes perigosas são os inimigos dos conservadores.

Os capitalistas se organizaram novamente nos processos ditatoriais no Brasil na década de 60 e no Chile em 70 legitimando a violência estrutural de Estado através de um discurso nacionalista e desenvolvimentista assegurado pela lei de segurança nacional garantindo a implementação das políticas neoliberais tendo como economistas figuras da Escola de Chicago.

Recentemente novas organizações da direita vêm disputando diariamente principalmente na internet as orientações das políticas de Estado e dos interesses da classe dominante de forma intransigente. O MBL de 2014 pra cá inegavelmente se fortaleceu, utilizando para isso uma prática que abomina a crítica em razão do espetáculo, mas que capta certas insatisfações populares para fortalecer um regime de austeridade. Esse comunismo caricaturizado que tanto malha não existe como ameaça ao capitalismo e em raros momentos históricos se voltou contra o capital. Que Estado dito comunista lutou pela integração socialista a nível das Américas? A ideia de nação, baluarte de todas as burguesias no mundo, também é demasiadamente usado a níveis abusivos pelos velhos comunistas. Nenhum deles lutou de fato pela emancipação da classe.  Tudo o que queriam era montar grandes Estados burocráticos.

Pensar o cinema como comunicação tem a vantagem e parte de uma necessidade de ampliar a produção para além do produto devidamente minutado. A comunicação deve extrapolar esses limites, que comumente são a regra entre segmentos que se organizam a partir de ideias como o empreendedorismo. Por isso, pensamos em como, por exemplo, alimentaríamos a página do filme, pois o filme não quer ser apenas um filme. Muito material que geramos no filme O Povo que Falta e não coube no corte está sendo usado agora nessa nova produção.

A experiência de fazer este filme Conservadorismo em Foco está associado a um compromisso com o aprimoramento do cinema como campo de criação, mas aproxima-se intimamente do aprofundamento conceitual e teórico daquilo que se busca falar e investigar como forma de qualificar a produção. A experimentação e empenho em sua difusão mesmo que em âmbito virtual é um passo importante no avanço da produção independente, autônoma. O próprio processo de fazer o filme gera tantos materiais ricos para aprofundar o debate…

Pensar a comunicação neste contexto asfixiante do capitalismo requer (não contraditoriamente) estrutura material e um certo acúmulo de conhecimento que se adquiri com a experiência e a investigação teórica. Não raro, para se ter condições mínimas de produção nos submetemos a relações de trabalho alienante. É, portanto, algo caro, custoso, mas que ainda assim é de vital importância para ambas as classes. Para a burguesia, como instrumento de dominação. Para os trabalhadores, como ferramenta de luta e emancipação.

A comunicação ocupa lugar importante na luta de classes, processo elementar e estrutural da sociedade burguesa. Quem detém o monopólio dessas redes que produz diariamente a bomba informática, revela-se na prática como mais um dos poderes instituídos. A comunicação burguesa é normativa, mas sedutora, versátil e determinante, vazia e impositiva. Suas qualidades não estão no fazer pensar, refletir e agir, mas no conformar-se ao passo que relega ao dominado a sua incompetência por manter-se nessa condição e cinicamente oferece como saída um candidato liberal ou social democrata, qualquer coisa que não escape da farsa eleitoral.

O começo para mudanças estruturais em qualquer sociedade contemporânea só é possível se aliado a um forte aparato comunicacional. Ora, vejam só o que se tornou a comunicação de dez anos para cá. Ela teve um forte movimento de expansão com ferramentas como o celular, mas ao mesmo tempo instrumentalizou-se para suprir demandas normativas de mercado. Esse não chega a ser o dilema da comunicação. Isso apenas faz parte de uma contradição própria do sistema capitalista. A comunicação no capitalismo serve para vender e não para estimular as lutas sociais.

O dilema da comunicação que me refiro aqui é aquele que diz respeito a outros segmentos, que pensam as lutas sociais como pressuposto para o socialismo. É claro que a maioria das mídias sequer tem alguma pretensão revolucionária. Na maioria dos casos o máximo que está em pauta é o apoio à esquerda partidária e burocrática, que na maioria das vezes produz discursos rasos, ou seja, abstém-se de um debate histórico e crítico sobre o presente.

A mídia não instrumentalizada pela irracionalidade do capital funciona no máximo como pequenos e localizados focos de resistência e tão logo apagam-se, pois a agressividade do mercado faz curvar aquilo que não se adapta à sua lógica de funcionamento. É o tão aclamado jogo que os mais abobados defendem. Enfim, a comunicação passa por esse dilema, que pode ser traduzido por organização ou a falta dela.

Muitos pensadores vêm apontando que um dos maiores obstáculos para a emancipação da classe trabalhadora são as grandes corporações midiáticas. Não é preciso explicar aqui detalhadamente todo o jogo de linguagens, códigos e composição textual que define a função social de uma grande empresa como a globo. Basta pensar que ela detém o monopólio e isso significa que há interesses políticos e econômicos muito específicos aí. Mais que isso, há uma defesa ininterrupta de um projeto de sociedade que se resume à hierarquização das relações sociais entre os que têm e os que nada possuem. É preciso quebrar este monopólio.

A direita tão logo percebeu que precisava organizar não só manifestações coxinhas nas ruas de Copacabana ou Avenida Paulista, mas necessitava organizar a comunicação principalmente utilizando a internet para isso, pois sua relação com o monopólio midiático por vezes também é conflituoso e contraditório.

Imagem II

(Kim Kataguiri fala na Jovem Pan)

É claro que por um instante podemos ponderar e contrapor a essa comunicação reacionária uma comunicação progressista igualmente financiada por grandes corporações ou partidos políticos como o PT. Ainda assim, nenhum desses segmentos pauta uma comunicação contra-hegemônica revolucionária. As duas estão perfeitamente adaptadas às exigências do capital.

Uma reflexão começou a ser colocada com certa urgência para mim que são as novas formas de comunicação através de vídeos no youtube no campo político. Geralmente temos o pensamento automático de relacionar o youtuber com uma figura jovem geralmente patética e espetaculosa que trás algum tipo de informação rápida geralmente pescada no momento. De fato a hegemonia é assim, mas isso não chega a esgotar a proposta de uma forma geral. Um dos vídeos que vi, um youtuber anarquista ensinava como ter mais de 100 mil views num determinado vídeo. A receita é simples: falar de forma superficial de assuntos genéricos como a corrupção.

A maioria dos youtubers trabalham insistentemente na defesa do capitalismo e de todo o seu sistema sociometabólico. Os que têm mais audiência são os neofascistas, que são aqueles que expressam mais abertamente uma visão aristocrática de mundo através de um discurso de ódio que nem de longe se resume a uma mera opinião.

Mesmo entre os conservadores existem cisões ou jogo de interesses. O MBL, por exemplo, apoia João Doria, por isso ridiculariza Nando Moura que por sua vez apoia Bolsonaro. Enfim, essas são as figuras mais conhecidas e que corroboram a relação que fazemos dos youtubers com todo o lixo virtual que existe aí.

A ofensiva neofascista tornou-se tão abertamente gritante que outros youtubers surgiram, alguns progressistas e outros anarquistas. Esse levante espontâneo virtual já tentou se organizar como é o caso do OcupaYoutube, iniciativa criada entre os anarquistas para produzir conteúdos críticos que dialogasse com as pautas atuais e historicas. O OcupaYoutube foi uma tentativa neste sentido por parte de indivíduos e grupos anarquistas, mas que apesar de bons conteúdos, perdeu-se no meio do processo. Normal para aqueles que na maioria das vezes são trabalhadores e que quase sempre dispõem apenas de um celular. E o que discutiam? Discutem, por exemplo, debates importantes como a falaciosa explicação da história da colonização contada pela série produzida por reacionários do Brasil Paralelo, ironicamente apelidados de “Brasil para Lerdos”, o que notavelmente incomodou o grupo empresarial que gerencia o negócio.

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A questão central que jamais é levado em consideração nas produções fílmicas dos conservadores, como é o caso também da série do History Channel denominado Guia Politicamente Incorreto do Brasil dirigido por Leandro Narloch, é o porquê das contradições sociais perpetuarem-se acentuando-se sobretudo contra os mais pobres. A saída encontrada pela direita de uma forma geral não ultrapassa a mentira e a demagogia, como a união nacionalista contra a corrupção. Filmes como o de Narloch justificam a desigualdade e despolitizam debates primordiais para se compreender a história.

A desigualdade econômica para os conservadores é explicada pela metafísica. A diferença é natural, transcendental, portanto, não pode ser modificada. Quem tem propriedade vale mais que os outros. São os escolhidos por Deus, mas passa a ideia de que se você for empreendedor pode se tornar parte da elite. A visão aristocrática de mundo é totalmente ligada ao liberalismo.

Ninguém e nenhum segmento político ignora ou menospreza a importância de se veicular ideias na internet e angariar um público que cresça e se possível seja aquele que contribua para a emancipação financeira do produtor de comunicação. De amos os lados essa relação é legítima. No entanto, não basta apenas vontade e dinheiro. É necessário organização para lograr algum tipo de vitória na batalha da comunicação. No âmbito virtual os conservadores vêm se dedicando cada vez mais a expor suas ideias.

A desvantagem material é muitas vezes visível na produção estética de um cinema mais precário e pobre. Mas que surge daí muitas vezes a chave para um avanço na produção ou na própria estética ou narrativa.

A direita, portanto, reorganizou suas estruturas de comunicação em tempo recorde. O MBL hoje faz o principal trabalho de comunicação de direita nas redes sociais como facebook e youtube. Há também o já mencionado Brasil Paralelo e a série de Narloch que em última instância põem em cheque um conjunto de conquistas históricas da classe trabalhadora que só foi possível através do enfrentamento contra a classe dominante.

Como pensar todo esse debate numa time-line? Como desenvolver e inventar uma narrativa que contemple as pautas principais a ser discutidas? Primeiro temos que discutir mais algumas questões.

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(Vírginia Fontes – depoimento para o filme)

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(Nildo Ouriques – depoimento para o filme)

O conservadorismo, de uma forma geral, é o conjunto de valores, que se manifestam na filosofia, cultura, economia e na política e que tem como função primordial garantir os interesses da classe dominante. O conservadorismo se manifesta, portanto, de diferentes formas dependendo do contexto histórico. Algumas características são comuns a diversas épocas, como a rejeição da ideia de totalidade que é visto por intelectuais conservadores como Karl Jaspers como equívoco teórico ou simplesmente como uma arrogância intelectual, o que denuncia o subjetivismo e o seu caráter idealista.

Para Ronaldo Gaspar, “o tom místico, a nota pessimista e a repreensão moral que ecoam dessas assertivas e explicitam que, para Jaspers (e podemos dizer porque não para os conservadores de uma forma geral), há sempre uma dimensão misteriosa, transcendental – nas origens, no futuro, para além do homem e seu mundo -, que é incomensurável e incognoscível à existência humana, e qualquer tentativa de conhecê-la merece reprovação intelectual e moral.” Para Jaspers, “uma realidade incognoscível precede a possibilidade de conhecer e não é alcançada pelo conhecimento.” E continua Gaspar, “no contexto histórico da decadência burguesa, esse limite inexpugnável exprime o fracasso do conhecimento frente ao mundo e ao transcendente e, com isso, alimenta o absurdo pessimismo da redução do homem ao nada, pois as ações humanas efetuam-se, cada vez mais, assentadas na incerteza.” É preciso, no entanto, superar a imediaticidade dos fatos extraindo as determinações do objeto, da sua concretude.

Michel Lowy também aponta para uma importante questão em seu texto “Conservadorismo e extrema-direita na Europa e no Brasil”. Diz o autor que “devemos evitar as explicações exclusivamente economicistas muitas vezes apresentadas pela esquerda”, pois o conservadorismo e variações como o fascismo não se manifestam somente em períodos de crise evidente do capitalismo, como é o caso de 2008 mais recentemente. Na Suiça, diz Lowy, “e na Austria, dois países em grande parte poupados pela crise, a extrema-direita racista muitas vezes fica acima de 20% de apoio.”

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(Gravando trilha sonora para o filme)

O capital é uma máquina, ou melhor, um sistema sociometabólico que se autoalimenta indefinidamente num movimento de autoexpansão de caráter predatório, incontrolável e que destina a apenas uma classe o controle exacerbado da economia e das formas de sociabilidade num suposto movimento de autoregulação do mercado o que inevitavelmente causa profundos danos a uma imensa maioria pelo fato de haver a superexploração do trabalho. O que no final das contas garante os privilégios da burguesia, dos detentores do capital; não confundir com a mera posse de equivalente universal.

O fetiche da mercadoria, onde a prática social mais reiterada é a da compra e da venda, é central nesse processo. O fetiche requer a si as vias pelas quais é processado todo um conjunto de alienação capazes de reorganizar as forças produtivas ao objetivo comum do capital, qual seja, a sua reprodução indefinida. É, portanto, um fenômeno complexo, só possível de ser compreendido em sua essência se observado em suas múltiplas faces de acordo com o seu tempo histórico. Como é um sistema em profunda contradição, opera dialeticamente a partir de certas estruturas, organizações e instituições que supostamente prezam pelo bem comum. Essas estruturas de poder tampouco estão alijadas de um contexto social maior e porque não global. Toda essa rede de poder se afirma num elemento fundamental: a mercadoria.

Segundo Reinaldo Carcanholo, “o fetichismo é mecanismo regulador das relações sociais na sociedade capitalista, permite o funcionamento e a regulação indireta do processo de produção da distribuição e da apropriação por meio do mercado. Além disso, o fetichismo é um fenômeno indispensável na preservação da ordem capitalista. Por meio dele, o conjunto dos seres humanos, em particular os subalternos, acreditam que o mundo é regido por determinações naturais, por leis naturais e imutáveis, e que, portanto, nada podem fazer contra isso. Acreditando-se dominados por forças naturais, tais seres (e todos eles, mas especialmente os subalternos) convertem-se em escravos: “o mundo sempre foi assim e nada há a fazer.” Sua impotência, autoatribuída, torna-se real, concretiza-se.”

As escolas, universidades, repartições burocráticas e jurídicas e todo o conjunto (com salvas exceções) dos espaços e territórios da cidade-empresa visam perpetuar a fabricação de um homem dócil, adaptado a uma realidade mercantilizada, privando-o de sua própria liberdade que acentua-se no que diz respeito às restrições consolidando as relações de dominação. Oxigenar essa realidade por si só é um ato de coragem e bravura; mas sem determinação há poucas possibilidades de resistência para além das redes virtuais. A fábrica que tudo fetichiza também fetichizou a revolta, espetacularizando-a, transformando muitas vezes o enfrentamento numa via para o suicídio, o que reafirma o espetáculo como norma social.

Para além de determinação é necessário uma organização distinta das já desgastadas formas hierárquicas de poder, que divide as pessoas entre dirigentes e dirigidos ou patrões e empregados.

As duas formas levam a um tipo de aristocracia de comando, onde um grupo muito reduzido detém o monopólio da força e das resoluções gerais, restando aos demais sustentar o funcionamento irresoluto da máquina legitimando o poder constituído.

Na prática, diz Maurício Tragtenberg, “o líder partidário ordena e responde aos interesses do grupo dirigente minoritário e não aos da base. Como profissionais do partido, o líder preocupa-se mais com o seu trabalho do que com suas promessas. O fato de ser dirigente leva-o a afastar-se da vida cotidiana da maioria das pessoas, o que o torna “diferente”. Torna-se geralmente conservador, levando uma vida privada e desenvolvendo interesses da minoria dirigente. Esses líderes partidários, isolados nos escritórios, são facilmente corruptíveis pelos interesses das classes dominantes.” Segundo Tragtenberg, os partidos funcionam como um Estado em miniatura, “com um aparelho e quadros cuja função é tomar o poder e não destruí-lo.”

Um dos caminhos possíveis e necessários à emancipação do gênero humano é disputar a hegemonia no campo da comunicação, historicamente um elemento necessário à classe trabalhadora como forma de denúncia contra o inimigo, assim como possibilidade de qualificar o debate e contribuir para a organização dos trabalhadores, que de uma forma geral carecem de formação crítica com relação a uma leitura da realidade e seus processos históricos.

A comunicação deve buscar sempre na história a sua fundamentação. A história, o cinema e o conhecimento fazem parte dessa saga.

Para erigirmos uma nova sociabilidade, diz Ivo Tonet, “é imprescindível antes de tudo, a crítica dos pressupostos que fundamentam o agir e o pensar da classe conservadora. É preciso pensar contra quem e o que e em favor de quem e de que essas ideias são elaboradas.” E continua:

“E, paralelamente, instaurar um novo estatuto teórico-prático que apreenda o mundo pela raiz, demonstrando que a humanidade constrói a realidade social, e também é construída por ela, dentro dos limites historicamente determinados. Somente dessa forma é possível ultrapassar os limites impostos pela propriedade privada do capital. a classe trabalhadora pode e deve exigir a superação do fetichismo produzido pela ordem do capital, que oculta a raiz dos problemas histórica e socialmente produzidos.”

Ivo Tonet nos dá uma boa pista para pensar o problema proposto por esse filme, que primeiramente nasce da urgência de pensar o conservadorismo e suas derivações, um fenômeno que não é novo. Um filme de urgência, pois é necessário debater criticamente o fortalecimento da direita que vem disputando continuamente a hegemonia no campo da comunicação tendo importante destaque na internet. É claro que é importante refletir sobre a relação entre o que é veiculado nas redes virtuais e na realidade concreta material, mas de uma forma geral é inegável a influência que gurus como Olavo de Carvalho ou Pondé, sem contar com um sem número de youtubers que por sua vez são franquias ainda mais desqualificadas que os referenciais mais destacados, defensores do capital que são.

 A situação da classe operária contemporânea ainda é de profundos desafios. Aliás, em toda a história da luta de classes ela nunca se viu em momentos fáceis. A história das revoltas e revoluções, longe de ser meramente referências que trazem algum tipo de esperança, são acúmulos evidentes que necessitam sempre ser revisitados para o contínuo desenvolvimento de uma teoria revolucionária capaz de auxiliar na emancipação daqueles que lutam por liberdade. Esse desafio não se circunscreve somente no entendimento histórico dos processos revolucionários (que não chega a ser tarefa fácil), mas também de uma larga compreensão dos processos de afirmação do capital para dessa forma compreendermos sua transitoriedade. Desse ponto podemos compreender o que vem a ser história, seus processos de lutas, as crises e antagonismos do processo produtivo de todo sistema sociometabólico do capital.

A transitoriedade do sistema é ocultado por uma adesão em massa aos pressupostos do capital, que em última instância serve como justificativa aparentemente racional (ou que segue uma racionalidade própria) oferecendo como saída um conjunto de reformas encampado por diversos setores da política institucional como mais uma forma de corroborar a suposta infinita vitalidade e infalibilidade do capitalismo. Cada vez que essa defesa se torna mais presente e audível é possível perceber e relacionar a razão instrumental como evidente mecanismo de dominação próprio da burguesia. Ou seja, a luta de classes é adiantada e expressa nas mais variadas narrativas presentes em jornais, televisão, cinema, teatro, propaganda, discursos políticos, debates, etc., como forma de ocupar os espaços políticos na defesa de um determinado projeto. Ocultar o entendimento histórico causal de revoltas contra o patronato e relações de mercado é uma das formas que a burguesia tem de aplainar as estratificações subjacentes à luta de classes.

Compreender a conjuntura de agora onde temos o fenômeno mundial do fascismo ascendendo, claramente protegido pelos Estados-nação principalmente os de cunho imperialista, depende, portanto, de uma compreensão histórica dos processos de lutas. Um dos elementos que devemos tratar, que não chega a ser uma novidade, é o fenômeno da irreversibilidade do capital, o que nos leva consequentemente ao debate sobre o que vem a ser história. Diversos autores tratam do tema, mas priorizarei aqui um debate com Mészáros.

Em “Para Além do Capital”, Mészáros começa este debate com Hegel, mostrando que o compromisso deste com a nova ordem burguesa transcendia qualquer coerência com os pressupostos filosóficos que defendia a começar pela dialética, que distanciava-se da relação social entre capital e trabalho. Para Hegel, os homens são desiguais por natureza e sua dialética funcionava como uma ficção conceitual. Mészáros detalha bem isso já no primeiro capítulo do livro, onde afirma que “apesar de todas as suas mistificações, no sistema hegeliano o capital era às vezes considerado não simplesmente como alguma espécie de entidade material (como os bens de capital), mas como uma relação. No entanto, Hegel, descreveu essa relação como sendo:

  • Absolutamente inevitável
  • Uma compulsão benevolente, e
  • Necessariamente regida por um sujeito supraindividual, em vista dos constituintes individualistas isolados – os indivíduos personalistas – de que o complexo totalizador da sociedade civil supostamente se constituiria.”

E conclui:

“A persistência teimosa de premissas injustificáveis, que antecipam circularmente as conclusões desejadas, demonstra que as necessidades sociais estão funcionando em todas essas concepções de sociedade civil burguesa.”

A racionalidade do real para Hegel circunscrevia-se nos domínios evidentes do capital como normatividade social que levaria ao progresso. Essa forma a-histórica de ler, interpretar e difundir os processos sociais cumpria uma função política no quadro que se estava, sendo que “o caráter inerentemente contraditório, e em última análise explosivo, do conjunto do sistema do capital permanece convenientemente oculto.”

A concepção burguesa do processo de trabalho, que afirma a absoluta viabilidade das condições dadas da produção de riqueza, não podem ser perturbadas pela noção da dinâmica e do antagonismo objetivo do relacionamento entre capital e trabalho. Todo esse conjunto de afirmações aponta para uma primeira tentativa em declarar o fim da história tendo à frente desse processo a revolução burguesa de 1789.

A sociedade burguesa opera a partir da exploração direta contra os trabalhadores e o faz por meios não outros que ditatoriais. Toda sua estrutura é a garantia da dominação de classe. Por mais que se busque estabelecer uma ideia de Estado democrático onde as arbitrariedades do próprio Estado são tidas como anomalias, a fina película democrática burguesa se rompe nas práticas cotidianas e históricas. Por ser profundamente dependente das estruturas de poder do capital, a sociedade burguesa de uma maneira geral responde às crises estruturais deixando claro os seus interesses, sobretudo, através das relações econômicas e políticas, principalmente quando transfere aos trabalhadores a responsabilidade pelas crises.

É inevitável, portanto, o conflito. Este conflito já está dado pela própria forma como a sociedade burguesa se estrutura. Para existir ela precisa necessariamente da exploração dos trabalhadores, que também são outros por acompanhar as transformações do capitalismo, mas que continuam a produzir mais-valia e a enriquecer o bolso dos patrões. É certo que as condições para a resistência são outras num contexto tão acirrado. Mas ainda que dispersa a repressão se dá contra os lutadores, como sempre foi e será enquanto houver dominação de classe.

 

 

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