2013, ano sindical

Por Alexandre Pimenta¹

2013 normalmente é lembrado pelas gigantescas manifestações de rua em mais de 300 municípios; como uma mais um capítulo de uma primavera dos povos contemporânea que varreu o globo no início da década de 2010, logo após o estouro de uma nova crise global do capitalismo. Um ano de novos repertórios de protestos e sujeitos políticos, fora e até contra o sindicalismo, por demais ligado a conflitos anacrônicos e, no caso Brasil, ao setor que se fusionou com o governo alvo das manifestações.


No entanto, vários estudos recentes tem demonstrado a imprecisão dessa tese. E os dados do meio sindical também não permitem dizer que 2013 foi um ano não ou anti sindical. Não que as manifestações não sejam fundamentais para a compreensão desse ano-evento. Todavia, estas não foram desconectadas do ativismo trabalhista propriamente dito. 2013 foi também um ano de rebelião das bases de trabalhadores, em ascensão desde 2011 e que continuou e continua a reverberar. Rebelião que colocou a maioria das direções sindicais em uma difícil situação de conter a galopante rejeição a um governo do qual eram bases de apoio, de um lado, e de não serem descartadas pelas bases, por outro, como o foram nas greves selvagens que rondaram o Brasil esse período.

Olhar para o mundo sindical do período possibilita sair um pouco da prisão sociológica dos surveys com manifestantes de 2013 que buscam definir o caráter deste ano através de quem estava literalmente nas ruas. Essa mudança de perspectiva nos ajuda a ver este ano tão decisivo para os rumos políticos do país de maneiro mais abrangente e levando em conta transformações fundamentais que estavam ocorrendo muitas vezes distantes das barulhentas ruas.

2013 como continuidade

O ciclo de crescimento econômico e a tímida mobilidade social do petismo (sem redução de desigualdade no todo), cujo cenário externo teve papel fundamental, já mostravam seus sinais de esgotamento no primeiro mandato de Dilma (2011-2014). E, por trás da baixa taxa de desemprego, permanecia firme um precário mercado de trabalho aliado a péssimas condições de vida para a maioria da população. Essa realidade contrastava com os crescentes auxílios estatais bilionários aos megaeventos e aos empresários. O sonho acabara sem nem mesmo começar.

Já no início de 2011, os primeiros focos de um levante sindical se tornaram visíveis para quem os quisessem ver. No coração do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), um dos carros-chefes do petismo, estouraram revoltas operárias e greves selvagens que escaparam das rédeas do sindicalismo oficial. Nas construções de usinas hidroelétricas de Jirau e Santo Antônio, em Rondônia, dezenas de milhares de operários pararam os trabalhos e destruíram locais de construção, sem intermediação ou participação das direções sindicais governistas. A resposta do governo, como em 2013, foi uma forte e sanguinária repressão, com relatos de tortura, mortos e desaparecidos. A construção civil, no entanto, permanecerá alvo de forte ativismo trabalhista nos próximos anos, com várias outras rebeliões operárias.

Em 2012, em pleno pacote de cortes orçamentários, uma enorme greve dos servidores públicos federais unificou diversas carreiras e realizou protestos e ocupações na capital do país. As universidades federais, em sua grande maioria e com forte presença de direções da oposição de esquerda do PT (como a ANDES), pararam por mais de um mês. A resposta do governo foi atendimento parcial e parcelado das reivindicações, além de corte de ponto de muitos servidores. No mesmo ano, no berço do Novo Sindicalismo, o ABC paulista, centenas de milhares de operários fizeram enormes paralisações, mesmo conquistando aumento real no ano anterior.

O momento já desafiava o movimento sindical majoritário que era base do governo. “O controle sindical da insatisfação das bases trabalhistas com baixos salários, com a deterioração das condições de trabalho e com o aumento do endividamento das famílias trabalhadores tornou-se mais problemático” (BRAGA, 2017, p. 103). E 2013 apenas aprofunda essa realidade.

Um dos principais indicadores para analisar o vigor do ativismo trabalhista são as greves. E, segundo o Sistema de Acompanhamento de Greves do DIEESE (2015), em 2012 já se via um crescimento considerável de movimentos paredistas: atingiu-se o maior patamar dos anos 2000 e dos nascentes 2010. Mas foi 2013 que atingira um patamar impressionante. Apesar de mais curtas e defensivas que no ano anterior, foram 2050 greves, o que representa mais de 2 milhões de trabalhadores mobilizados. Importantes e tradicionais categorias nacionais, como os bancários, petroleiros e carteiros, tiveram movimentos paredistas nesse ano. Sem contar as locais e regiões também fortes, como a dos professores do município e estado do Rio de Janeiro, que precisou da mediação do STF para seu fim.

Em quantidade e em horas paradas, esse ano está no mesmo patamar que a virada dos anos 1980 para 1990, reconhecido pela literatura como o ressurgimento do sindicalismo brasileiro pós-ditadura militar.

Essas greves representam uma mobilização constante dos trabalhadores, mesmo que menos visíveis que protestos de rua e greves mais políticas. Mas também houve momentos em que as greves foram às ruas e vice-versa. Em alguns casos, como a greve dos professores do Rio, as manifestações e as greves se “concatenaram” (BRINGEL; PLEYERS, 2015) em demonstrações públicas em comum, como a atuação de manifestantes adeptos da tática black bloc no ato da greve no Dia do Professor.

Para Linhares (2015, p. 110), as ruas e a proximidade com os megaeventos foram fatores excepcionais para as negociações de várias categorias, sendo assim motivos importantes para o adensamento de movimentos paredistas e sindicais no geral. Com outros pesquisadores, como Braga, podemos extrapolar e ver as próprias ruas, de certa forma, como já sindicais, tendo em vista suas pautas (reivindicações por serviços urbanos eram indiretamente salariais) e intensa participação do que o autor chama de precariado.

De qualquer forma, as greves, que cresciam exponencialmente, e as ruas se encontraram e se reforçaram de forma mútua em vários momentos. O mesmo não se pode dizer da maioria das direções sindicais.

2013 como ruptura

Para Safatle (2017, p. 108), a ampliação de greves, inclusive fora dos sindicatos, indica que as bases de trabalhadores “não reconheciam mais suas ‘representações’ e que procuravam deixar claras sua insatisfação e precariedade”. Inclusive, “isso demonstra como as narrativas que procuram vincular 2013 [apenas] a uma sedição das classes médias não se sustentam”.

Ora, a linha política das centrais sindicais foi uma diferenciação das ruas: aposta das centrais foi no arranjo institucional já existente do petismo, um dos alvos de crítica dos protestos e greves que questionavam a representativa das direções sindicais, partidárias dentre outras. Enquanto as ruas e várias greves gritavam contra supostos representantes, inclusive os sindicais, as centrais usaram ao máximo esse dispositivo já se sentando à mesa com Dilma na primeira oportunidade, aprofundando, assim, a cisão em tela.

Em 2013, a principal mobilização das centrais foi o dia 11 de julho, com um dia nacional de luta após o ápice das manifestações. A pauta continha reivindicações do movimento sindical que seriam ignoradas pelo petismo até sua saída. Pauta que poderia até coadunar com certas reivindicações espontâneas da base. Mas cujos formatos e linguagem de reivindicação apresentavam uma oposição ao novo ciclo de protestos. Para Cardoso (2015, p. 500) “o movimento sindical não negou o Congresso ou a política [institucional], como boa parte dos movimentos de junho [de 2013]. Ao contrário, interpelou o mundo da política institucional, visando interferir no conteúdo de sua pauta de prioridades”.

A direita, que também foi às ruas, pelo seu próprio anti-esquerdismo se opôs ao movimento sindical e o afastou das ruas, de fato. Mas vários atritos entre o levante popular e o sindicalismo oficial ocorreram pelo simples fato deste último continuar sendo base de apoio de um governo que estava sendo corroído pelas ruas e as greves – e, como troco, este as reprimia violentamente. Em vez de disputar o incerto rumo da insatisfação generalizada, abrindo mão inclusive de sua direção, decidiu agarrar os canais, em breve destroçados, com o governo. Um abraço de afogado que sabemos aonde foi parar…

2013 sem fim

A ruptura de 2013, no geral, foi contra os avatares do governo que tentavam moderar a difusa rebeldia das bases e manifestantes contra os canais institucionalizados – que tanto prometiam mas pouco entregavam (o que Safatle chama de “frustração relativa” a partir de Tocqueville). Essa rebeldia permaneceu latente posteriormente no meio sindical, abrindo espaços para novas formas de ativismo trabalhista, como a greve dos garis cariocas de 2014, ou a recente greve nacional dos caminhoneiros. Afinal, como disse recente a ex-presa e perseguida política do petismo, Camila Jourdan, 2013 “simplesmente não acabou”.


Referências

BRAGA, Ruy. A rebeldia do precariado: trabalho e neoliberalismo no Sul global. São Paulo: Boitempo, 2017.

BRINGEL, Breno; PLEYERS, Geoffrey. Junho de 2013… Dois anos depois: polarização, impactos e reconfiguração do ativismo no Brasil. Nueva Sociedad: Democracia e Politica en América Latina, vol. especial, nov. 2015.

CARDOSO, Adalberto Moreira. Dimensões da crise do sindicalismo brasileiro. Caderno CRH, Salvador, v. 28, p. 493-510, 2015.

DIEESE. Balanço das greves em 2013. Brasília: DIEESE, 2015.

JOURDAN, Camila. As personalidades distorcidas e o desrespeito aos poderes constituídos. Mídia1508, 2018.

LINHARES, Rodrigo. As greves de 2011 a 2013. Revista Ciências do Trabalho, n. 5, p. 97-112, 2015.

SAFATLE, Vladimir. Só mais um esforço. São Paulo: Três estrelas, 2017.


[1] O título faz referência ao texto de Marcos Nobre, “Junho, ano V”, publicado na piauí 141.

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