A compreensão marxista sobre as raízes da opressão LGBTQ

Por Partido pelo Socialismo e pela Libertação, via Liberation School, traduzido por Igor Galvão e Julia Andrade

O capitalismo, com a preservação de normas machistas tanto em sua base econômica e quanto através da cultura, é um obstáculo para a verdadeira emancipação. Hoje, a luta pelo socialismo inclui construir um forte movimento democrático por direitos, que una a classe de trabalhadores e as pessoas oprimidas. É por isso que uma análise marxista da história da opressão LGBTQ e do desenvolvimento do movimento LGBTQ por igualdade é uma parte importante do mapa teórico para uma luta revolucionária.


A Luta Revolucionária e a emancipação LGBTQ

Toda classe dominante na história impõe que sua ordem é o estado “natural” da sociedade. De acordo com esse tipo de história – o que na verdade é a negação da história – as formas de opressão prevalentes são descritas como inevitáveis ou até moralmente justificáveis. Isso é igualmente verdade no caso da opressão contra as pessoas LGBTQ, uma dimensão do capitalismo cuja origem remonta as próprias origens da sociedade de classes.

Em sua famosa obra, “A origem da Família, da Propriedade Privada e do Estado“, Friedrich Engels demonstrou, a partir de evidências antropológicas, que na maior parte da existência humana as pessoas viveram comunal mente, sem nenhum tipo de hierarquia social. Isso tem se confirmado e sido reiterado por muitos antropólogos modernos, incluindo a marxista feminista Evelyn Reed. Por milhares de anos, os seres humanos lutaram juntos pela sobrevivência e pela reprodução da vida, enfrentando a escassez e a privação, sem formar classes baseadas no poder e na riqueza.

Engels explicou que a desigualdade na sociedade emergiu devido ao desenvolvimento de ferramentas e métodos de produção que permitiram a produção de excedente para além do necessário para a sobrevivência. Isso foi a base para que um setor da sociedade, principalmente masculino, conseguisse acumular riqueza como propriedade privada. Os homens foram os primeiros caçadores e organizadores da pecuária, ainda que as mulheres também participassem dessas tarefas. Antes do advento da propriedade privada, não havia poderes especiais ou privilégios associados a esse tipo de trabalho.

Anteriormente, a sociedade era organizada a partir da linhagem matrilinear: mulheres, organizadoras da comida, dos cuidados e da criação das crianças, eram o centro da vida dos lugares de moradia. A linhagem de qualquer pessoa era traçada pela mãe.

As crianças não eram responsabilidades exclusivas da sua mãe e/ou pai biológicos. Ao contrário, os laços de parentesco ligavam as crianças aos irmãos e irmãs de sua mãe e à sua comunidade.

Patriarcado e a sociedade de classes

Como a acumulação de riqueza continuou e a classe possuidora continuou crescendo em número e poder, a lógica do direito materno foi eventualmente substituída por formas patriarcais. Isso marcou o começo do desenvolvimento da sociedade baseada na desigualdade, em que uma minoria passou a controlar a riqueza e os recursos, usando violência e força de forma organizada para manter sua nova posição na sociedade.

A superação do direito materno e o estabelecimento das formas patriarcais resultou nas mulheres se tornando, em essência, propriedades dos homens – uma forma de escravidão doméstica.

A sexualidade feminina, anteriormente expressada livremente, passou a ser severamente restringida, de modo a garantir a linhagem ”legítima” do descendente de pai para filho, viabilizando a herança. Os costumes matrimoniais foram desenvolvidos para atender as novas relações de propriedade.

Através dos séculos, uma nova ideologia patriarcal se tornou a base de novas sociedades e instituições baseadas em classes, substituindo a antiga, baseada em linhagens matrilineares, que dominaram os primórdios das sociedades comunais.

Com o crescimento e expansão da sociedade de classes e o desenvolvimento para o feudalismo, a rigidez da opressão contra mulheres, homossexuais e transexuais foi se intensificando. Sob o feudalismo, as pessoas pegas ou acusadas de terem relações sexuais com um parceiro do mesmo sexo ou violando as regras de expressão de gênero impostas eram brutalmente perseguidas, torturadas e mortas, geralmente queimadas vivas.

As pessoas eram obrigadas a se vestirem de acordo com os códigos estritos que diferenciavam homens e mulheres. Vestir roupas “erradas”, que não estivessem de acordo com a norma, não era permitido e aqueles que o fizessem eram perseguidos.

Para sobreviver à repressão e ao isolamento social, as pessoas tinham que esconder a verdade. Mais do que apenas a vestimenta, mesmo a linguagem corporal ou aparência poderiam resultar em condenação pelo Estado ou pela religião.

Entrando na era capitalista

Como consequência da revolução democrática burguesa na França, quando o espírito igualitário estava em seu ápice, a homossexualidade foi descriminalizada. Mas, em geral, as classes dominantes capitalistas mantiveram e estreitaram as lei anti-LGBTQ quando passaram a dominar a Europa, Estados Unidos e outras partes do mundo através do colonialismo.

A primeira maior expressão do movimento gay por direitos dentro do capitalismo ocorreu no final dos anos 1800. Um movimento intelectual pelo “amor livre” radical, se utilizando de teorias do recente feminismo e anti-capitalismo, desafiava as normas repressivas de família e gênero da era Victoriana. Na Alemanha, na virada do século vinte, grupos de defesa da homossexualidade foram formados pelo escrito e doutor Magnus Hirschfield.

Um grande avanço veio com a Revolução Russa de 1917, que descriminalizou a homossexualidade ao mesmo tempo que garantiu o direito ao divórcio, estendendo direitos iguais para mulheres e legalizando o aborto. Em 1933, o governo Soviético reintroduziu as leis contra homossexualidade, considerada de forma equivocada como um desvio burguês.

Resistência ao status quo

Nos Estados Unidos, os anos 50 foram um período de extrema repressão. Junto da mais violenta caça às bruxas anti-comunista veio a caça às bruxas anti-gay e um período de uma “conformidade” imposta, caracterizada pela promoção e imposição de rígidos modelos de comportamento e relacionamentos.

Entretanto, esse foi o período da primeira organização por direitos gays nos EUA – a Mattachine Society – fundada pelo comunista de longa data Harry Hay.

Nos anos 60, uma escalada mundial contra o status quo tomou vida, com movimentos revolucionários contra o colonialismo e o imperialismo, e rebeliões surgidas na juventude e nas comunidades oprimias – geralmente em direção ao socialismo. Esse período de luta revolucionária incluiu a agitação das comunidades de gays, lésbicas e transgêneros contra séculos de perseguição e opressão.

O movimento político do período coincidiu com uma cultura radical por parte da juventude, que desafiou muitas normas de gênero. Mesmo detalhes como homens usando sandálias, bijuterias ou roupas rosas, ou deixando os cabelos longos, irritou o establishment. Mulheres que usavam calças, terno ou gravatas também eram atacadas de várias formas.

As normas estritas de comportamento eram impostas a toda sociedade por várias agências de repressão e propaganda da burguesia.

Um detalhe bastante infeliz na história é que, durante o ápice da propaganda anti-comunista e anti-gay, a maior parte dos grupos de esquerda e organizações de direitos civis, com algumas exceções, falharam em se colocar no debate gay.

Isso mudaria com o surgimento do movimento LGBT moderno, que emergiu após a Revolta de Stonewall em 1969.

Rumo ao período Stonewall

A Rebelião de Stonewall de 1969 na cidade de Nova York marcou um momento histórico na luta pela igualdade. Depois de séculos de perseguição e sendo jogados na sombras da sociedade, as pessoas começaram a romper com o isolamento e lutar contra a homofobia, contra a humilhação que passavam os gays e trans, a brutalidade policial e a discriminação, iniciando uma luta de massas nas ruas.

É importante citar as contribuições revolucionárias excepcionais das pessoas transgêneros já logo no início do período Stonewall.

Pouco lembrado, mas muito importante, as pessoas transgêneros se rebelaram nas ruas de San Francisco, em 1965, no que hoje é conhecido como Compton’s Cafeteria Riot. A rebelião militante, majoritariamente composta por pessoas transgêneros do distrito de Tenderloin em San Fransico, foi um momento simbólico que precedeu Stonewall.

Ativistas do movimento gay e lésbico de San Francisco à época saíram às ruas no dia seguinte em um grande ato de solidariedade com a comunidade de transgêneros.

Na época de Stonewall, muitas organizações foram formadas, incluindo para a emancipação trans. A mais conhecida, Street Transgender Action Revolutionaries (STAR), foi fundadas por duas mulheres transgêneros memoráveis, Marsha P. Johnson e Sylvia Rivera, que são hoje reconhecidas como um das maiores lideranças do início do movimento LGBTQ. Sobre a organização, Rivera comenta dizendo “STAR era para as pessoas gay em situação de rua, os moradores de rua, e qualquer um que quisesse ajudar na época”.

Lutando contra o racismo, machismo, homofobia e transfobia.

Ainda que essa luta fosse e seja ainda hoje travada heroicamente, a intolerância anti-LGBT e muitas outras perversidades do capitalismo continuam com toda sua brutalidade. Em tempos que as elites capitalistas estão atacando a vida de todos os trabalhadores, a unidade e a luta determinada são as nossas chaves para o período que se desenha.

O encarceramento em massa de negros e latinos, o assassinato da juventude pela polícia, incidentes envolvendo a humilhação contra gays e trans e ataques aos imigrantes são parte da experiência diária da nossa classe, a classe trabalhadora. Junto desses ataques está uma campanha para derrubar as conquistas do movimento de mulheres.

O capitalismo, com a preservação de normas machistas tanto em sua base econômica e quanto através da cultura, é um obstáculo para a verdadeira emancipação. Hoje, a luta pelo socialismo inclui construir um forte movimento democrático por direitos, que una a classe de trabalhadores e as pessoas oprimidas. É por isso que uma análise marxista da história da opressão LGBTQ e do desenvolvimento do movimento LGBTQ por igualdade é uma parte importante do mapa teórico para uma luta revolucionária.

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