Marx, Engels e Lenin e a Frente Popular

Por August Thalheimer, via Marxists.org, traduzido por Sérgio Antão Paiva

Escrito em abril de 1936, o artigo é parte das polêmicas do comunista alemão em torno da tática da III Internacional – e, ainda assim, guarda uma imensa atualidade, na diferenciação entre a tática proletária de frente única e a tática pequeno-burguesa da Frente Popular.


I

A Internacional Comunista (IC) declara-se partidária dos ensinamentos de Marx, Engels e Lênin

Porém, Marx, Engels e Lênin não nos transmitiram somente os princípios básicos do comunismo; eles conceberam seus ensinamentos não como um dogma, mas como um instrumento para a ação. As obras e a atividade política de Marx, Engels e Lênin são, simultaneamente, um exemplo da aplicação prática dos princípios básicos do comunismo e um exemplo da tática do Partido Comunista. Essa parte dos  ensinamentos de Marx, Engels e Lênin tem sido total mente desprezada pela IC em sua política para fora da URSS. Não se pode de nenhuma maneira sustentar que a tática da IC nos países capitalistas possua a chancela do espírito de Marx, Engels e Lênin. Entretanto, a aplicação dos ensinamentos táticos de Marx, Engels e Lênin é bem mais difícil do que fazer propaganda dos princípios gerais e básicos do comunismo, por eles formulados. Marx, Engels e Lênin destacaram as tarefas do proletariado revolucionário em situações históricas determinadas e de forma a se levar em consideração justamente as condições concretas e as particularidades da luta de classes de seu tempo. Não é tarefa fácil a aplicação hoje em dia dos ensinamentos táticos de Marx, Engels e Lênin, isto é, utilizar a posição por eles adotada numa situação histórica determinada para avaliar o comportamento dos comunistas numa situação diferente, num outro país e período. Isto não é fácil, sobretudo nos dias de hoje, onde o processo de decadência e de deterioração do capitalismo eleva as contradições da sociedade burguesa para o mais alto patamar, produzindo constantemente novas crises políticas internas e externas, o que coloca os comunistas sempre diante de novas questões. Hoje é grande a sedução de se defender o ponto de vista de que não valha muito a pena o estudo e a análise da tática de Marx, Engels e Lênin, pois a situação de hoje seria completamente diferente; que seria melhor deixar de lado aquilo que os grandes mestres do comunismo afirmaram no seu tempo sobre os problemas da luta de classes da época e seguir a inspiração do “bom-senso”. Este menospreza os ensinamentos da história e chega sempre a um beco sem saída, pois só pode se posicionar corretamente em relação ao futuro aquele que leve em consideração as experiências do passado

A Internacional Comunista, por exemplo, atribuiu à Oposição Comunista um comportamento especialmente oportunista pelo fato de exigir que se levasse em consideração a análise marxista do bonapartismo francês do “18 Brumário”, na posição sobre o fascismo. A Oposição Comunista formulou, graças ao estudo da interpretação marxista sobre o bonapartismo, uma tática comunista correta para a luta contra o fascismo. A direção da Internacional Comunista, porém, seguindo seu “bom-senso”, chegou, com base na aparência externa superficial, primeiramente, à teoria do “socialfascismo” e, depois, quando esta teoria, com a sua tática ultraesquerdista, sofreu uma fragorosa derrota, afirma hoje que a classe trabalhadora encontra-se diante da alternativa: democracia burguesa ou fascismo e apresenta a tática da “frente popular”.

Se a direção da Internacional Comunista tivesse levado em consideração os ensinamentos que provêm das posições de Marx, Engels e Lênin em relação às lutas de classes de seu tempo, teria sido poupada tanto da teoria ultraesquerdista do “socialfascismo”, quanto da atual política ultradireitista da “frente popular”. Marx, Engels e Lênin sempre analisaram, ao formular as tarefas do proletariado em luta, numa situação determinada, o posicionamento das distintas classes; eles avaliaram o comportamento das classes não proletárias da sociedade levando em conta não as boas ou más intenções de seus representantes políticos, basearam-se não na aparência superficial, mas, sim, na situação dessas classes. Atentavam especialmente para que as fronteiras entre as classes fossem acentuadas, para que as diferenças entre os interesses e o comportamento de cada classe fossem identificadas, não somente no geral, mas também em relação ao fato histórico concreto, e que sempre o ponto de vista próprio, especial, de classe, do proletariado fosse considerado de forma clara. Para a teoria do “socialfascismo” não existia nenhuma diferença entre a democracia burguesa e o fascismo, todos os partidos , exceto o Partido Comunista, eram descritos como fascistas. Todos os conflitos e divergências entre eles eram expressão de uma comédia previamente acordada. A teoria do “socialfascismo” colocou em evidência o ponto de vista de classe do proletariado, porém somente sob a forma do reconhecimento geral em relação às metas finais das lutas de classes do proletariado; a tática ultraesquerdista não se encontrava em condições de levar a cabo uma intervenção independente e eficaz do proletariado nos acontecimentos concretos do dia-a-dia. O Partido Comunista tateava no escuro, pois a teoria do “socialfascismo” lhe fechava os olhos para aquilo que se passava diante de si.

A tática da frente popular baseia-se no mesmo método da teoria do “social-fascismo”, sendo que se encontra ainda mais distanciada das exigências de uma tática marxista-leninista. A política de frente popular leva a que, na política diária do Partido Comunista, o ponto de vista de classe especial do proletariado desapareça dentro de um mar de frases democráticas vulgares. O fascismo aparece dentro da política de frente popular não como uma forma de domínio da burguesia como classe, mas como “ditadura dos elementos mais imperialistas, mais chauvinistas do capital financeiro” (resolução do VII Congresso da Internacional), como obra das “duzentas famílias” dos grandes capitalistas mais ricos (como na França), contra quem é possível colocar, numa frente de luta unificada, o “povo”, isto é: operários, pequenos burgueses e também a massa dos burgueses que não pertencem aos elementos mais imperialistas e mais chauvinistas do capital, burgueses radicais na França, burgueses liberais, clérigos e capitalistas católicos, assim como oficiais do exército do Reich e monarquistas na Alemanha.

A democracia parlamentar burguesa não é vista sob a luz das contradições de classe do capitalismo em degeneração, que a deterioram e de cujo solo surge o fascismo, mas sim sob o ponto de vista de sua juventude, sob o ponto de vista das tradições de 1789 e 1848. A afirmação de que o proletariado atualmente possua somente a escolha entre a ditadura fascista e a democracia burguesa, leva praticamente ao fato de que o Partido Comunista, onde ainda existe a democracia burguesa, como na França, se limite agora à luta por sua preservação e que, onde o fascismo já venceu, como na Alemanha e na Itália, venha a lutar pela restauração da democracia burguesa. Esta fórmula é especialmente prejudicial, porque sua consequência lógica nada mais significa que o adiamento da luta pela ditadura do proletariado para um futuro indeterminado e longínquo. O capitalismo decadente provocará sempre o perigo do fascismo; uma eliminação do perigo fascista no âmbito do capitalismo, uma consolidação da democracia burguesa só poderia acontecer de forma duradoura se ocorresse um novo apogeu da economia capitalista. Se o proletariado tivesse que esperar até que o perigo fascista desaparecesse para lutar pela ditadura do proletariado, então poderia esperar eternamente. O bom é que a direção da Internacional Comunista, por causa da existência da União Soviética, está sempre tendo que encarar a atualidade da ditadura do proletariado.

II

A seguir, desejamos investigar, com base em alguns exemplos, de que forma Marx, Engels e Lênin se posicionaram com referência aos problemas que foram levantados atualmente pela política de frente popular.

Numa carta de Marx a Kugelmann, de 17 de abril de 1871, lemos: Como você pode comparar demonstrações pequeno-burguesas, à la 13 d e junho de 1849, com as lutas atuais em Paris, para mim é inteiramente incompreensível.

Esse 13 de junho, julgado tão depreciativamente por Marx, baseava-se, se assim se pode dizer, num tipo de política de frente popular. Constituía-se numa tentativa de insurreição do assim chamado Partido Socialdemocrata, que, de certa forma, foi o precursor dos atuais socialistas radicais franceses , contra Luís Bonaparte, que era então presidente, e o partido da ordem, uma coligação de grupos monárquicos, que possuía a maioria no parlamento. Sobre o então partido socialdemocrata francês, escreve Marx (no “18 Brumário de Luís Bonaparte”):

“(…) Contra a burguesia coligada, foi formada uma coalizão entre operários e pequeno-burgueses, o assim chamado partido socialdemocrático (…) Em fevereiro de 1849, a reconciliação foi festejada co m banquetes. Foi lançado um programa conjunto, foram criados comitês eleitorais comuns e foram indicados candidatos comuns. Quebrou-se o aspecto revolucionário das reivindicações sociais do proletariado e deu-se a elas uma feição democrática; despiu-se a forma puramente política das reivindicações democráticas da pequena-burguesia e ressaltou-se seu aspecto socialista. (…)”

Diferentemente da atual socialdemocracia, que vem a ser um partido com política pequeno-burguesa e composição proletária, dominava na socialdemocracia francesa de 1848/49 o elemento pequeno-burguês.

Mais além, é dito no “18 Brumário” sobre as convicções políticas dos então socialdemocratas ou montagnards, como se autodenominavam:

“Aos olhos dos democratas, o período da Assembléia Legislativa Nacional caracterizava-se pelo mesmo problema vivido durante a Assembléia Constituinte: a simples luta entre republicanos e monarquistas. Resumiam, entretanto, o movimento propriamente dito em uma só palavra:”reação” – noite em que todos os gatos são pardos e que lhes permite desfiar todos os seus lugares-comuns de guarda-noturno. E, certamente, à primeira vista, o partido da ordem revela um emaranhado de diferentes facções monarquistas, que não só intrigam uma contra a outra, cada qual tentando elevar ao trono o seu próprio pretendente e excluir o da facção contrária , como se unem todas no ódio comum e nas investidas comuns contra a “república”. Em contraste com essa conspiração monarquista, a Montanha, por seu lado, aparece como representante da “república”. O partido da ordem parece estar perpetuamente empenhado em uma “reação”, dirigida contra a imprensa, o direito de associações e coisas semelhantes, uma reação nem mais nem menos como a que sucedeu na Prússia, e que, como na Prússia, é exercida na forma de brutal interferência policial por parte da burocracia, da gendarmaria e dos tribunais. A Montanha, por sua vez, está igualmente ocupada em a parar esses golpes, defendendo assim os “eternos direitos do homem”, como todos os partidos supostamente populares vêm fazendo, mais ou menos, há um século e meio. Quando, porém, se examina mais de perto a situação e os partidos, desaparece essa aparência superficial que dissimula a luta de classes e a fisionomia peculiar da época.”

Lemos ainda em Marx:

“Os democratas admitem que se defrontam com uma classe privilegiada, mas eles, com todo o resto da nação, constituem o povo. O que eles representam é o direito do povo; o que interessa a eles é o interesse do povo. Por isso, quando um conflito está iminente, não precisam analisar os interesses e as posições das diferentes classes. Não precisam pesar seus próprios recursos de maneira demasiado crítica. Têm apenas que dar o sinal e o povo, com todos os seus inexauríveis recursos, cairá sobre os opressores. Mas se na prática seus interesses mostram-se sem interesse e sua potência, impotência, então ou a culpa cabe aos sofistas perniciosos, que dividem o povo indivisível em diferentes campos hostis, ou o Exército estava por demais embrutecido e cego para compreender que os puros objetivos da democracia são o que há de melhor para ele, ou tudo fracassou devido a um detalhe na execução, ou então um imprevisto estragou desta vez a partida.” (“18 Brumário”).

A tentativa de levante da Montanha desmoronou-se lastimavelmente. Sobre o comportamento do proletariado revolucionário parisiense da época, afirma Marx no “Lutas de Classes na França”:

“Depois do voto da Assembléia Nacional de 11 de Junho realizou-se uma reunião entre alguns membros da Montagne e delegados das sociedades secretas de operários. Estes últimos insistiram em atacar nessa mesma noite. A Montagne recusou decididamente este plano. De modo nenhum queria que a chefia lhe escapasse das mãos; de fato, desconfiava tanto dos aliados como dos seus adversários, e com razão. A recordação do Junho de 1848 agitava mais viva do que nunca as fileiras do proletariado parisiense. No entanto, ele estava amarrado à aliança com a Montagne. Esta representava a maioria dos departamentos, exagerava a sua influência no Exército, dispunha do setor democrático da Guarda Nacional e tinha atrás de si a força moral da boutique. Iniciar nesse momento contra a vontade dela o movimento insurrecional significava para o proletariado — além disso dizimado pela cólera e expulso em quantidade significativa de Paris pelo desemprego – repetir inutilmente as jornadas de Junho de 1848, sem a situação que o arrastara à luta desesperada. Os delegados proletários fizeram a única coisa racional. Obrigaram a Montagne a comprometer-se, isto é, a sair dos limites da luta parlamentar no caso da sua acusação ser rejeitada. Durante todo o dia 13 de Junho o proletariado manteve esta mesma cética atitude de observação e aguardou uma refrega a sério e definitiva entre a Guarda Nacional democrática e o Exército para então se lançar na luta e levar a revolução para lá do objetivo pequeno-burguês que lhe tinha sido imposto. No caso de vitória, estava já formada a Comuna proletária que iria aparecer ao lado do governo oficial. Os operários de Paris tinham aprendido na sangrenta escola de Junho de 1848.”

Existe hoje em dia uma diferença enorme entre a tática da frente popular e a política de 13 de junho de 1849. A Montanha de 1849 era um partido pequeno-burguês, que, no entanto, tentava empreender um levante armado contra a grande burguesia (o partido da ordem), que demolia os direitos democráticos das massas, e contra Bonaparte, que comandava a ditadura. O Partido Radical-Socialista de agora, com o qual o PCF se uniu na frente popular, vem a ser um partido constituído por pequeno-burgueses, mas com uma direção da grande burguesia, pronunciadamente capitalista, não sendo um partido de oposição como a Montanha, mas um partido de governo, que sustentou e sustenta a ofensiva capitalista e a demolição dos direitos democráticos das massas. Marx faria hoje em dia críticas ainda maiores à política da frente popular que à política de 13 de junho de 1849.

Mas, mesmo assim, o que Marx escreveu sobre a Montanha é uma sentença aniquiladora para a política de frente popular que a IC está empreendendo, sobretudo na França.

O que Marx critica na política da Montanha?

Ele a censurava por admitir a existência de uma classe privilegiada (“dos elementos mais imperialistas e chauvinistas” do capital, das 200 famílias), mas não atentar para os interesses e posições das diversas classes, contentando-se em fornecer frases gerais sobre os interesses “comuns” do povo; que, e m consequência, não havia visto que atrás da “reação”, dos esforços antidemocrático s da grande burguesia, dos planos ditatoriais de Bonaparte existiam determinados interesses materiais dos capitalistas; que por isso não se encontrava em condições de defender os interesses sociais das massas trabalhadoras que a seguiam, dos operários e pequeno-burgueses; que tinha quebrado os aspectos revolucionários das reivindicações sociais do proletariado e com isso se limitou a defender os chamados “direitos humanos eternos”.

Em contraposição, Marx louva o comportamento dos operários revolucionários parisienses, dos delegados das sociedades operárias secretas, pelo fato deles terem se recusado a se subordinar à direção da Montanha, de se prepararem, para o caso de haver luta, no sentido de ultrapassar imediatamente os objetivos pequeno-burgueses, de não desejarem conduzir a luta sob a bandeira da democracia-burguesa, mas sob a palavra de ordem do comando do proletariado, de não se envolverem na formação, com a Montanha, de um governo de frente popular, mas sim se prepararem para a criação de uma comuna proletária, o que chamaríamos hoje de soviete, que disputaria o poder com o governo da Montanha.

III

A posição de Marx sobre as lutas de classes de então na França é especialmente importante para nós, porque na França, na Revolução de Fevereiro e na Batalha de Junho de 1848, a revolução burguesa foi, grosso modo, concluída e colocada na ordem do dia a revolução proletária. Ao contrário, na Alemanha, até o ano de 1870, isto é, até a unificação da Alemanha e a supressão dos restos mais importantes do feudalismo pela “revolução por cima” junker-capitalista, tratava-se, em primeiro lugar, de uma revolução burguesa. Enquanto a burguesia combatia o feudalismo, ela desempenhava um papel progressista e, por isso, Marx e Engels defendiam, sob certas circunstâncias, andar junto também com a burguesia liberal, na medida em que ainda se tratava de uma revolução burguesa na Alemanha. Mas também essa posição de Marx e Engels é tudo menos um argumento para a política de frente popular da IC. Por um lado, trata-se hoje em dia nos países capitalistas, mesmo se há ameaça de um golpe de estado fascista ou se o fascismo teve sucesso em chegar ao poder, não de uma revolução burguesa e sim de uma revolução proletária. É um sofisma acreditar que, se a burguesia desempenhou um papel progressista contra o absolutismo feudal ou semifeudal, venha também a fazer isso em relação ao absolutismo fascista. A barbaridade medieval do fascismo não constitui nenhuma recomposição de classes feudais, nenhuma negação do capitalismo, mas expressa apenas que a classe capitalista tornou-se cada vez mais pobre e reacionária e que o progresso da sociedade humana de hoje somente pode ocorrer por meio da revolução proletária. Assim, na luta contra o fascismo, está fora de questão tratar como camaradas coligados organizações ou grupos de burgueses. Em segundo lugar, Marx e Engels, também no período da revolução burguesa, quando a burguesia ainda desempenhava um papel progressista, comportaram-se diante dela de uma maneira totalmente distinta da dos líderes atuais da IC em relação aos grupos da burguesia com quem mantiveram ou pretendem manter acordos na frente popular.

Marx e Engels exigiram, antes de 1848, perante os chamados “socialistas reais”, a intervenção do proletariado na revolução burguesa e, para esse fim, também um apoio à burguesia liberal contra o absolutismo. Porém, Marx e Engels combateram igualmente todas as ilusões democrático-burguesas da forma mais acirrada. Marx escreveu contra o republicano burguês Heinzen no jornal “Deutschen Brüsseler Zeitung”:

“Os trabalhadores sabem que o desaparecimento das relações de propriedade burguesas não será trazido pela manutenção das feudais. Eles sabem que, através do movimento revolucionário da burguesia contra as posições feudais e a monarquia absoluta, o seu próprio movimento revolucionário só poderá ser acelerado. Eles sabem que sua própria luta contra a burguesia somente poderá ser iniciada no dia em que a burguesia tiver vencido. Apesar disso tudo, eles não partilham das ilusões burguesas do senhor Heinzen. Eles podem e precisam aceitar que a revolução burguesa é uma condição da revolução dos trabalhadores. Não podem, porém, em nenhum momento contemplá-la como seu objetivo final.”

No “Manifesto Comunista” afirma-se que “a revolução burguesa alemã” (…) “pode ser unicamente o prelúdio imediato de uma revolução proletária”.

Nos seus “Princípios Básicos do Comunismo”, Engels expressa mais em detalhes esse pensamento:

“Na Alemanha, finalmente, apresenta-se a luta decisiva entre a burguesia e a monarquia absolutista. Porém, já que os comunistas não podem contar com a luta decisiva entre eles próprios e a burguesia, antes que a burguesia venha a dominar, então há o interesse dos comunistas em levar o mais cedo possível a burguesia ao poder, a fim de também derrubá-la o mais cedo possível. Os comunistas têm, portanto, de continuamente tomar partido pelos burgueses liberais face aos governos e apenas se precaver de partilhar as auto-ilusões burguesas ou de dar crédito às suas afirmações sedutoras sobre as consequências benéficas da vitória da burguesia para o proletariado.”

Baseado nesse princípio, o “Manifesto Comunista” determina, como tarefa do Partido Comunista na Alemanha “desenvolver nos operários uma consciência o mais possível clara do antagonismo acerbo entre burguesia e proletariado, para que os operários alemães possam virar imediatamente as condições sociais e políticas, que a burguesia necessariamente traz com o seu domínio como outras tantas armas contra a burguesia, para que depois da queda das classes reacionárias na Alemanha a luta contra a própria burguesia comece imediatamente.”

As citações mencionadas mostram, que Marx e Engels, nas vésperas da Revolução de 1848, apresentaram ao proletariado alemão a tarefa de intervir na revolução burguesa, de lutar por sua decisiva realização, a fim de chegar adiante à revolução proletária. Enquanto hoje o Partido Comunista Alemão, em nome da política de frente popular, promete apoiar um governo de frente popular, que deve reconstruir a democracia burguesa na Alemanha após a queda do fascismo, Marx e Engels indicaram, antes da revolução de 1848, como tarefa do proletariado, para o caso de a burguesia vir a tomar o poder após a queda do absolutismo, iniciar a luta contra ela, a fim de levar a revolução até a vitória da classe trabalhadora, para transformar a revolução burguesa no prelúdio imediato da revolução proletária.

Marx e Engels eram, na época da revolução burguesa, pelo apoio à então burguesia progressista, enquanto, e tão somente enquanto, esta realmente se apresentasse contra as forças feudais, a fim de com isso fomentar a luta da classe trabalhadora em favor de suas próprias reivindicações de classe, enquanto que a política atual de frente popular ocorre na época da revolução proletária, no interesse de um acordo com a burguesia reacionária da atualidade (que também é reacionária, mesmo quando se acha liberal), deixando para trás as reivindicações próprias do proletariado e a luta por elas.

Durante a revolução de 1848/49, Marx e Engels denunciaram publicamente e combateram a traição da burguesia liberal à revolução burguesa e igualmente as vacilações da democracia pequeno-burguesa.

Na luta contra a burguesia liberal, que se uniu imediatamente após as jornadas de março de 1848 à reação feudal, a fim de evitar desta forma a continuidade da revolução, bem como impedir outras ações revolucionárias das massas trabalhadoras, dos operários, dos pequenos burgueses urbanos e dos camponeses, seguiam Marx e Engels uma política para levar até o fim a revolução burguesa e, através da luta dessas massas contra a burguesia traiçoeira, preparar a mudança (ou, como Lênin chamava, “a transposição”) dessa revolução numa pro letária. Ainda na emigração, em Paris, Marx e Engels elaboraram um programa de ”Reivindicações do Partido Comunista na Alemanha”, no qual, entre outros, eram exigidos o armamento geral do povo, a transformação das propriedades fundiárias dos príncipes e de outras propriedades feudais em propriedades do estado e a estatização de todos os meios de transporte. A luta por essas reivindicações era descrita como objetivo “do proletariado alemão, dos pequeno-burgueses e dos camponeses”, isto é, das classes trabalhadoras. Esta orientação para a ação das massas trabalhadoras foi sustentada de forma consequente por Marx e Engels no decorrer da revolução. Em 29 de dezembro de 1848 escrevia Marx no jornal “Neue Rheinische Zeitung”:

“A história da burguesia prussiana de março até dezembro comprova que na Alemanha é impossível uma revolução burguesa pura e a formação de um poder burguês sob a forma de monarquia constitucional, que somente é possível uma contra-revolução feudal-absolutista ou uma revolução social-republicana.”

Essa posição de Marx já continha em seu germe a tática apresentada por Lênin na Rússia no ano de 1905 da luta pela instauração de uma ditadura democrática das classes trabalhadoras, dos operários e dos camponeses, que leva a efeito a revolução burguesa de maneira consequente contra a traição da burguesia liberal e cria, assim, os pré-requisitos para a caminhada do proletariado para a revolução socialista.

Em consequência das fraquezas organizativas da Liga dos Comunistas, os seus membros trabalharam de início, durante a revolução de 1848, dentro das organizações da democracia pequeno-burguesa. A ruptura organizativa com ela ocorreu somente em 1849. Mas isso não impediu Marx e Engels de criar, desde o início, uma linha independente em relação aos políticos da pequena-burguesia e de criticá-los de forma acirrada.

Com base nas experiências da revolução de 1848/49, Marx e Engels tomaram posição, numa mensagem do Comitê Central à Liga dos Comunista do ano de 1850, em relação às tarefas dos comunistas na Alemanha. Também aqui são tratadas as tarefas da luta do proletariado na revolução burguesa sob a ótica de uma recusa contundente de todas as ilusões democrático-burguesas e da criação de pré-requisitos para a revolução proletária e para a tomada do poder pela classe trabalhadora. A mensagem registra a traição da burguesia liberal na Revolução de 1848 e declara, então, que “esse papel tão traiçoeiro (…) será assumido na revolução vindoura pelos pequeno-burgueses democráticos”. O partido democrata é para os trabalhadores “muito mais perigoso do que o antigo partido liberal”. O comportamento do partido revolucionário dos trabalhadores em relação à democracia pequeno-burguesa deveria ser o seguinte: “Ele anda junto com ela contra a fração cuja queda objetiva; vai contra ela em todos os casos em que deseja se firmar por conta própria”. Sobre o programa da democracia pequeno-burguesa (constituição republicana e reformas sociais) é dito:

“Essas exigências de forma alguma bastam para o partido do proletariado. Enquanto o pequeno-burguês democrata deseja concluir a revolução o mais rapidamente possível, no máximo com a consecução das reivindicações acima, é nosso interesse e nossa tarefa tornar a revolução permanente até que todas as classes mais ou menos possuidoras sejam desalojadas do poder e o poder do estado tenha sido conquistado (…) pelo proletariado.”

A mensagem recusa, além disso, a criação exigida pelos pequeno-burgueses democratas de um “grande partido de oposição, que venha a abranger todas as nuances dentro do partido democrata (…) e no qual as reivindicações específicas do proletariado não podem ser levadas, em benefício da paz” e exige a “organização independente, secreta e pública, do partido dos trabalhadores”. “Para o caso da luta contra um opositor comum”, continuam Marx e Engels, “não há necessidade de nenhuma união especial. Tão logo um opositor desse tipo tenha que ser combatido diretamente, os interesses de ambos os partidos passam a coincidir nesse momento e, como tem sido até agora e também será no futuro, essa união momentânea produz-se por si só”. Para o caso da revolução, exigem Marx e Engels:

“Eles (os trabalhadores) devem constituir, ao lado dos novos governos oficiais, simultaneamente, seus próprios governos revolucionários dos trabalhadores, seja sob a forma de representações comunitárias, conselhos comunitários, seja através de clubes de trabalhadores ou comitês de trabalhadores, de forma que os governos democratas burgueses não só percam logo o apoio dos trabalhadores, mas se vejam desde o início vigiados e ameaçados pelas autoridades, atrás das quais está toda a massa de trabalhadores (…). Liquidação da influência dos democratas burgueses sobre os trabalhadores; imediata organização independente e armada dos trabalhadores; obtenção das condições possivelmente mais difíceis e compromissórias para a inevitável dominação temporária da democracia burguesa, tais são os pontos principais que o proletariado e, portanto, a Liga, devem ter presentes durante e após a insurreição iminente.”

Vemos como estavam distanciados Marx e Engels das concepções em que se baseiam hoje a política de frente popular. No ano de 1850, quando na Alemanha, após a derrota da revolução, dominava a pior reação, exigiam que os comunistas criticassem o programa da democracia pequeno-burguesa e as ilusões democrático-burguesas. Eles eram contrários a que, em nome da constituição de uma oposição a mais ampla possível contra o poder dominante e o seu terror, se colocassem para trás as reivindicações de classe do proletariado. Eles não chegaram à ideia de se comprometer com a república parlamentar-burguesa, reivindicada pela democracia pequeno-burguesa, e sim exigiram, para o caso da revolução, a formação de governos locais de trabalhadores, isto é, de sovietes, como poderíamos dizer hoje, para então conduzir a revolução burguesa da forma mais resoluta para o seu final e realizar a transição para a revolução proletária.

Esses poucos exemplos bastam para mostrar que a política de frente popular é uma grande negação dos ensinamentos táticos de Marx e Engels.

Num próximo artigo mostraremos que também Lênin sempre foi um opositor decidido das concepções agora defendidas pela IC sob o signo da frente popular.


Nota do Editor: Nas citações, foram utilizados excertos da tradução portuguesa, pela “Edições Avante”. Sobre o “próximo artigo”, acerca de Lênin, não encontramos nas obras de Thalheimer tais artigos. Um panorama da questão pode ser encontrado, contudo, em alguns artigos do comunista português Francisco Martins Rodrigues.

 

 

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