Trinta maneiras de facilmente reconhecer um velho marxista

Por Georges Peyrol (a.k.a. Alain Badiou), traduzido por Rodrigo Gonsalves

Georges Peyrol foi publicado pela primeira vez em 1983, “30 moyens de reconnaître à coup sûr un vieux-marxiste” em Le Perroquet 29-30 (1983), pp. 5-6 e mais recentemente resgatado e traduzido por Alberto Toscano e Nina Power para o Journal for Images and Politics (2006) – Prelom n.08. No entanto, é na obra ‘Living in the End of Times’ (Vivendo no fim dos Tempos) de Slavoj Žižek (p.461) que encontramos para além do resgate da crítica de George Peyrol ao velho marxista (dado os traços apontados, possivelmente seu ex-orientador Louis Althusser), a apreciação de Frank Ruda que em sua tradução da obra de Badiou “Peut-on pense la politique?” nos informa que este se trata de um pseudônimo usado por Alain Badiou.


1. Um velho marxista nunca fala de países, mas de “formações sociais”. Ele não diz “China” ou “Senegal”, mas sim: “da formação social chinesa, a formação social senegalesa”. Tudo é formado, tudo é social.

2. O velho marxista freqüentemente pronuncia essa frase: “o estudo da formação social soviética continua a ser realizado”. Assim, ele suspende seu julgamento sobre o imperialismo russo. A sabedoria da dúvida.

3. O velho marxista é dolorosamente atormentado pela “composição social” da classe trabalhadora. É um estudo que continua a ser realizado.

4. Não há dúvida, no entanto, quanto à existência do movimento dos “trabalhadores”. Talvez seja atualmente bastante discreto. Mas o velho marxista tem certeza: um desses dias, o “movimento dos trabalhadores” nos dará algo para falar à respeito.

5. O velho marxista teme “o estrangulamento das multinacionais”. A extensão deste estrangulamento é um estudo que, em grande parte, continua a ser realizado.

6. O velho marxista apóia a esquerda contra a direita. Ele sabe que a esquerda não é perfeita: o capital e os negócios resistem ferozmente a ela. Mas “não há outra coisa”. Além disso, com a esquerda, o “movimento dos trabalhadores” tem chances melhores de nos dar algo para falar à respeito.

7. O velho Marxista é prudente em relação ao PCF (Partido Comunista Francês), sua política, seu caráter. Parece que o PCF é, no entanto, um “partido operário”, ou um partido de classe, ou uma parte do partido de classe ou uma tendência oportunista, mas uma tendência “bem estabelecida” da classe, ou da própria classe, ou de uma burocracia de classe. Seu estudo, obviamente, continua a ser realizado.

8. Uma coisa é certa: se o PCF fosse mais democrático, tudo seria muito melhor.

9. O velho marxista muitas vezes é persuadido de que, se o PCF se assemelhasse ao PCI (italiano), o “movimento dos trabalhadores” estaria se saindo muito melhor.

10. O velho marxista conhece os fracassos (burocráticos) dos sindicatos, mas sabe que eles são indispensáveis, que constituem a armadura do “movimento operário”. Os sindicatos são os órgãos da “luta econômica”, a primeira etapa da luta de classes, que por sua vez é a antecâmara da “luta política”, o estágio supremo da luta de classes, que por sua vez se consolida pela “luta ideológica”, que é o estágio hiper-supremo da luta de classes, com a qual o velho marxista se ocupa.

11. O velho marxista defende a luta de classes ideológica ao defender, em conferências e jornais, posições de velhos marxistas.

12. O velho marxista estuda e edita o Capital com ardor incessantemente renovado.

13. O velho marxista estuda as fábricas em termos da organização do trabalho. Seu estudo leva-o à conclusão de que o “movimento dos trabalhadores” deve mudar essa organização, que está desatualizada. Os chefes envelhecidos não sabem o que fazer com essa mudança. Deixe os sindicatos esclarecê-los!

14. O velho marxista está muito interessado no CFDT (Confédération Française Démocratique du Travail). Em primeiro lugar, reina dentro dela um ambiente supremamente democrático. Em segundo lugar, aceita como interlocutores dignos alguns velhos marxistas. Em terceiro lugar, é “realista”. Em quarto lugar, ele venera acima de tudo o “movimento dos trabalhadores”, que eles chamam de “o movimento dos trabalhadores”, mas poderia ser pior.

15. O velho marxista acha que há um “aumento do racismo”. Diante disso, ele constrói uma barragem inteligente: fazer com que os imigrantes – pelo menos os bons, os bem estabelecidos – votem pela esquerda.

16. Para o velho marxista, a universidade é uma questão muito importante. Ele aceita o pesado fardo de sua administração (em comitês e outros órgãos), para travar nela a luta de classes ideológica.

17. Para o velho marxista, o conceito marxista chave é o de “modo de produção”. Diversos modos de produção articulados compõem uma formação social. O lugar no processo de produção define o tipo de pertencimento à formação social. Assim, o velho marxista é um professor e o anuncia com a modéstia do materialista. É preciso saber do que se está falando e não extrapolar. A dura restrição da ciência.

18. Outro estudo ainda precisa ser realizado: um dos axiomas do velho marxista é que o marxismo não possui uma “teoria do Estado moderno”. Esta é uma causa muito importante por trás das tribulações do marxismo. Algo deve ser feito à respeito disso.

19. O velho marxista tem uma paixão pelo “movimento operário” italiano e seus pensadores. A Itália é sua segunda pátria conceitual.

20. O velho marxista despreza Hegel. Ele venera Spinoza.

21. O velho marxista pensa que no Pequeno Livro Vermelho há 90% de moralidade e no máximo 10% de marxismo.

22. O velho marxista analisa infinitamente “os planos da burguesia”. E igualmente, os planos do imperialismo. Ele espera se opor a eles com um contra-plano do “movimento dos trabalhadores”.

23. Um velho marxista vitupera serenamente os “novos filósofos”. “Nem novos, nem filósofos” diz o velho marxista, aquele que é um filósofo (materialista) e não se questiona acerca do novo ou do velho, porque o marxismo científico não possui rugas. No máximo, algumas lacunas.

24. O velho marxista nunca viu um trabalhador que não fosse um funcionário sindical menor.

25. O velho marxista concede toda a importância necessária ao seguinte ponto: “o movimento operário” não deve se desligar da pequena burguesia. Afinal, não são pequenos-burgueses também “trabalhadores”?

26. O velho marxista não faz uma canção e dança sobre o fato de que a França é um país imperialista, uma vez que esta empalidece perto do monstruoso imperialismo norte-Americano.

27. O velho marxista lança um olhar desconfiado sobre os planos da burguesia alemã. Ele descobre a ameaça de um “modelo alemão-americano”. Ele possui muito mais ternura pelos pacifistas alemães.

28. O velho marxista tem uma forte tendência a considerar que, na Polônia, deve-se sobretudo estudar “a influência da igreja”.

29. O velho marxista pensa que ele é um intelectual de esquerda, na subseção dos “comunistas críticos”.

30. O velho marxista está entre os trinta e cinquenta anos de idade. O velho marxista é bastante jovem.


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