Mariátegui e as táticas de frente única

Por Soraia de Carvalho e Jórissa Danilla N. Aguiar, via Lutas Sociais

As formulações do marxista peruano José Carlos Mariátegui são destacadas por sua criatividade no trato da questão indígena, da defesa da independência política do proletariado, entendido como direção das massas oprimidas. Desenvolveu sua elaboração teórica e seus intentos organizativos em um período de enrijecimento do debate político na Internacional Comunista. Neste artigo, delineamos como o Amauta trouxe para sua prática política as táticas de Frente Única Proletária e Frente Única Antiimperialista. Nossa hipótese é de que apesar de enunciar a primeira tática, de unidade do proletariado, seu conteúdo correspondia à segunda tática, o que se evidencia no esforço teórico e organizativo de agregar as massas indígenas ao projeto socialista.


Em meio à autenticidade das interpretações de José Carlos Mariátegui (1894-1930) sobre a realidade peruana e latino-americana, assim como sobre os possíveis caminhos ao socialismo, destaca-se sua relação com o movimento operário mundial, sobretudo nas aproximações com a III Internacional e nas tensões estabelecidas a partir do processo de estalinização desta organização. Neste artigo, pretendemos identificar como Mariáteguise apropriou criativamente das táticas de Frente Única Proletária (FUP) e Frente Única Antiimperialista (FUA) e de que forma ampliou o alcance da tática frentista para incorporar as massas indígenas, que neste momento compunham 4/5 dos oprimidos do país. Mais do que um ajuste na atuação prática, esta ampliação exigiu esforços teóricos de compreensão da economia, política e culturas presentes no território peruano. Nossa hipótese é de que apesar de enunciar a tática de FUP, seu conteúdo era de FUA, conforme as resoluções dos do III e IV Congresso da Internacional Comunista [1] (IC).

Mariátegui permanece como leitura necessária em um contexto de persistência de levantes e movimentos indígenas por toda América Latina, cuja vitalidade pode ser vista nas marchas multitudinárias na Bolívia contra a dilaceração do Território Indígena e Parque Nacional Isiboro-Secure (TIPNIS); na estrondosa marcha silenciosa dos zapatistas, demonstrando a vida subterrânea que cresce e se enraiza nos territórios autônomos no Chiapas; assim como na resistência dos mapuches no Chile e Argentina e nas inúmeras lutas das nacionalidades originárias que defendem o que restou de seus territórios e resistem ao genocídio no Equador, Peru, Paraguai e Brasil.

Se a leitura mariateguiana mostra-se pertinente para compreendermos como a questão indígena está atada à análise precisa da formação social latino-americana, que dizer da questão nacional? Em um momento em que o nacional-desenvolvimentismo retorna como discurso dos governos pretensamente antineoliberais, porém submetidos ao imperialismo, no Brasil e Argentina; e em que Chávez e Evo Morales reavivam velhas ilusões no nacionalismo; as conclusões de Mariátegui sobre as experiências internacionais (como a revolução chinesa) e sobre o desenrolar da Aliança Popular Revolucionária Americana (APRA) trazem o alerta da inviabilidade das direções pequeno-burguesas ou de contar com as burguesias autóctones – até mesmo como aliadas – no combate ao imperialismo.

Mergulho nas ideias socialistas

Em 1909, Mariátegui começou a trabalhar na gráfica do diário La Prensa. Em pouco tempo, passou a escrever para este jornal e outras publicações. Sua oposição ao presidente Augusto Leguía lhe rendeu o fechamento de seu jornal (La Razón) e um “exílio” na Itália, de 1919 a 1923, sob o título de “agente de propaganda do governo no exterior”. Mariátegui considerava seus escritos anteriores a 1918 como parte de sua “idade da pedra”, período de intenso envolvimento com movimentos culturais, em que o oposto do burguês era visto como o boêmio e não o proletário. O interesse pelas ideias socialistas que havia surgido um ano antes da estadia na Europa se entroncou com o movimento comunista. Na Itália, além da aproximação com o sindicalismo revolucionário de George Sorel – cuja ideia de mito revolucionário foi incorporada à proposta mariateguiana –, também estabeleceu contato com o historicismo e participou dos debates que levaram à criação do Partido Comunista Italiano. Percorreu outros países da Europa, vivenciando as experiências do movimento operário nas organizações sindicais e partidárias e os impactos da Revolução Russa. A articulação entre a teoria e a prática revolucionária e o vivo testemunho histórico foram o terreno onde se desenvolveu sua convicção no marxismo.

Como decorrência prática, ao retornar ao Peru, em 1923, esforçou-se em elaborar o programa e o partido da revolução no país, compreendido como parte da economia mundial. Seu propósito era unir a tarefa de compreender a realidade peruana, contribuir para a organização do proletariado como classe consciente e impulsionar as lutas indígenas e camponesas em unidade com o programa socialista. Seus intentos de elaboração programática e de aproximação da intelectualidade e da militância no subcontinente levaram aos debates nas revistas Variedades, Claridad e também em conferências oferecidas a estudantes e trabalhadores, principalmente na Universidade Popular Gonzalez Prada. Em 1926, Mariátegui aceita o convite do também peruano Haya de La Torre para participar da APRA, fundada em 1924 e concebida como uma espécie de frente única antiimperialista. No mesmo ano, Mariátegui lança a revista Amauta – palavra em quéchua que significa pensador, mestre e sábio, e que se tornou também seu apelido. Segundo Alberto Flores Galindo, “Amauta acabou sendo mais que uma revista: foi a antessala do partido” (1980: 69). Passaram pelas páginas dessa revista, escritos de autores peruanos, latino-americanos e também textos de Rosa Luxemburgo, Lenin, Trotsky, André Breton, Máximo Gorki, dentre outros.

A partir de sua participação no I Congresso Mundial Antiimperialista, em 1927, em Bruxelas, Haya de la Torre define-se como avesso ao comunismo e transforma, em 1928, a APRA em um partido policlassista, sob a direção da pequena burguesia. O “revolucionário da ordem” junto com o aprismo desenvolveu contradições que negavam até mesmo suas promessas de não se submeter ao imperialismo norte-americano (Ferreira, 1971). Diante disto, Mariátegui publica na Amauta que guarda absoluta independência em face de qualquer “partido nacionalista pequeno burguês e demagógico”. Em meio às polêmicas com os apristas, acelera o processo da fundação do Partido Socialista do Peru, que se filia à Internacional Comunista. Ainda nesse ano lança Sete ensaios de interpretação da realidade peruana, sua obra mais conhecida e difundida (Löwy, 2011: 28).

Frente Única Proletária e Frente Única Antiimperialista

Uma das elaborações da IC que serviu como guia para Mariátegui, foi a FUP. Esta tática foi elaborada no momento em que emergiam novos problemas táticos, muitos perduram até os dias de hoje. O contexto era de crise econômica mundial; ofensiva do capital internacional contra a classe operária para reduzir salários e atacar suas condições de existência e acirramento das tendências bélicas. Entre os operários havia a busca de unidade, ou seja, uma frente única que agregasse os partidos que reivindicavam o socialismo e comunismo em um poderoso bloco contra a ofensiva patronal.

No IV Congresso da IC, a resolução sobre a tática partia do exemplo dos movimentos de libertação nacional na Índia, Egito, Irlanda e Turquia para caracterizar os países coloniais e semicoloniais como focos de um movimento revolucionário antiimperialista e reservas inesgotáveis de forças contra a ordem burguesa mundial (Los Cuatro Primeros Congresos de La Internacional Comunista, 1973: 179). A condição indispensável para fazer frentes com partidos das II Internacional e da Internacional II e ½, sindicalistas e anarquistas era a irrestrita liberdade de crítica, antes durante e depois da ação (Los…, 1973: 198).

No mesmo congresso, foram aprovadas também as “Teses gerais sobre a questão do Oriente” que diziam que a FUP seria aplicável aos países imperialistas, enquanto a FUA seria adequada aos demais. A agudização da crise política e econômica pós-guerra levava a uma intensificação da luta contra o jugo imperialista nos países coloniais e semicoloniais.

O progresso constante das forças produtivas autóctones nas colônias encontra–se em contradição irredutível com os interesses do capitalismo mundial, pois a essência do imperialismo implica a utilização da diferença de nível existente no desenvolvimento das forças produtivas dos diversos setores da economia mundial, com o objetivo de assegurar a totalidade da mais-valia monopolizada (Los…, 1973: 224, tradução livre).

Ainda que a reivindicação de soberania nacional expressasse a necessidade de desenvolvimento capitalista, a direção dos movimentos de libertação já não cabia à burguesia nacionalista. Faltava às classes dominantes vontade e capacidade de enfrentar o imperialismo, afinal, esta luta tendia a se transformar em movimento revolucionário de massas.

Segundo o documento, os diferentes movimentos nacionalistas revolucionários expressavam diversos níveis de transição, nas colônias e semicolônias, entre correlações feudais, feudaispatriarcais e capitalistas. Os setores das classes dominantes eram transformados pelo imperialismo em instrumento de sua própria dominação. Sobre o uso destes conceitos relacionados à feudalidade,

compartilhamos a ressalva feita por Hobsbawm (2011: 61) sobre a tendência a amplificar a aplicabilidade do conceito de feudalismo, com suas variações (protofeudal, semifeudal). Esta elasticidade correspondia à tentativa de preencher as lacunas deixadas pelas alterações em sociedades de modo de produção considerado como asiático, comunal-primitivo ou arcaico.

Percebemos que Mariátegui aplica a categoria de feudalismo ao regime colonial em consonância com os quatro primeiros congressos da IC, (Mariátegui, 2010: 34). Trata-se da mistura dos elementos da economia socialista (inca), feudal (colonial) que acabou mesclando elementos característicos, como a servidão, com elementos do modo escravista e chega a usar a categoria de semifeudalismo criollo, diferenciando-a do feudalismo propriamente dito, que se desenvolveu na Europa (Mariátegui, 2010: 48). É importante salientar que Mariátegui não segue a caracterização posterior de feudalidade como justificativa para atribuir à burguesia nacional o papel de direção de uma pretensa primeira etapa da revolução. Notemos que o período em que Mariátegui escreve coincide com um momento de início da revisão teórica, conduzida por Stálin, do fim da década de 1920 ao final da década de 1930. Segundo Hobsbawm (2011: 60), passou-se a omitir o “modo de produção asiático”, limitar o campo do “antigo” e ampliar o do “feudal”. Prossigamos com a análise do documento.

As tarefas dos movimentos nacional-revolucionários seriam a conquista da unidade nacional e autonomia política. Para isso, seria necessário romper com os elementos “feudais” e reacionários e encarnar em seu programa as reivindicações das massas trabalhadoras (Los…, 1973: 225-226). Isso não significa, porém, que a IC deixaria de apoiar movimentos nacional-revolucionários não dirigidos pelo proletariado. No campo, se fazia sentir toda importância da luta contra o imperialismo que, para obter maior beneficio, apoiava totalmente as formas servis e usurárias de exploração da mão de obra. Os Partidos Comunistas (PCs) eram orientados a inscrever em seu programa agrário o fim da grande propriedade fundiária e do imposto fundiário e a forçar os partidos burgueses nacionalistas a adotar a maior parte possível desse programa. Não para nutrir ilusões, mas para desmascarar sua impotência.

Nesse processo, o proletariado nativo além de se formar como classe consciente, entraria na luta pela influência sobre as massas camponesas. A IC condenava tanto o abandono da luta antiimperialista sob o pretexto da defesa exclusiva dos interesses de classe, como o abandono nas lutas imediatas da classe operária em nome de uma “unificação nacional” ou “paz social” com os democratas burgueses. Na prática, deveriam se fundir as tarefas democrático-burguesas (como a conquista da independência política) e a organização dos camponeses e operários, a partir das contradições do regime nacionalista democrático-burguês.

Mesmo no caso dos países em que os PCs ainda eram embrionários, a IC orientava que deveriam participar destas lutas para criar uma via de acesso às massas e lutar contra influência burguesa e do reformismo. Ainda nas “teses sobre o Oriente”, a IC reforça a tendência das classes dirigente autóctones a estabelecerem compromissos com o capital estrangeiro, afetando os interesses básicos das massas populares.

Assim como a consigna de frente única proletária contribuiu e ainda contribui no Ocidente para desmascarar a traição cometida pelos socialdemocratas contra os interesses do proletariado, assim também a consigna de frente única anti-imperialista contribuirá para desmascarar as vacilações e as incertezas dos diversos grupos do nacionalismo burguês (Los…, 1973: 230).

Caberia ao movimento operário nos países coloniais e semicoloniais conquistar uma posição autônoma dentro da FUA. Ao manter plena independência política, o proletariado poderia firmar acordos temporários com a democracia burguesa, elementos necessários na luta por direitos, reivindicações parciais, que melhorassem a correlação de forças ao buscar soldar politicamente os oprimidos do campo e da cidade ao programa proletário.

A frente única proletária como guia de ação

Após a exposição da política da IC é curioso ver como comentadores veem a adesão de Mariátegui à FUP como uma estrita coincidência com a política da IC. Leila Escorsim, por exemplo, diz que a FUP foi o único eixo estratégico do trabalho político do Amauta de 1923 a 1928, “tanto porque ela era a política oficial da Internacional Comunista quanto porque lhe parecia a estratégia adequada à ação comunista no Peru” (Escorsim, 2007: 241). Vejamos, portanto, qual conteúdo era atribuído pelo marxista peruano a estas táticas.

No texto “O 1º de maio e a frente única”, publicado em 1924 no jornal El Obrero Textíl, Mariátegui ressalta a possibilidade e viabilidade da FUP e critica as tentativas de cisão que ameaçavam minar a nascente vanguarda do proletariado no país.

O movimento classista, entre nós, ainda é muito incipiente, muito limitado, para que pensemos em fracioná-lo e cindi-lo, antes de chegar a hora, talvez inevitável, de uma divisão, cabe-nos realizar muita obra comum, muito trabalho solidário. (…) Cabe-nos, por exemplo, suscitar consciência de classe e sentimento de classe na maioria do proletariado peruano. Este esforço pertence por igual a socialistas e sindicalistas, a comunistas e a libertários. (Mariátegui, 2011g: 166).

Independente da “meta final” de cada corrente, a unidade era possível em torno das tarefas de afastar o proletariado dos sindicatos amarelos; combater a repressão; defender a tribuna, a imprensa e organização proletárias; e levantar as reivindicações das massas indígenas. A homogeneidade necessária à organização partidária não poderia ser reproduzida nos sindicatos e demais frentes.

Dentro da frente única, cada qual deve conservar a própria identidade e o próprio ideário. (…) Formar uma frente única significa ter uma atitude solidária diante de um problema concreto, diante de uma necessidade urgente. (…) O que importa é que estes grupos e estas tendências saibam entender-se diante da realidade concreta do dia. Que não se esterilizem bizantinamente em anátemas e excomunhões recíprocas. Que não afastem as massas da revolução com o espetáculo das querelas dogmáticas entre seus pregadores (Mariátegui, 2011g: 166-167).

Na Mensagem ao Congresso Operário, de 1927, o Amauta defende que “O lema do congresso deve ser a unidade proletária”. Ele acrescenta que as diferenças teóricas não são obstáculos para um programa de ação unificado. O objetivo seria “a frente única dos trabalhadores”. A vanguarda deveria dar o exemplo ao construir esta frente. “Na jornada de hoje, nada nos divide: tudo nos une”, enfatiza Maritátegui (2011b: 105).

Parece-nos que ainda que fale da FUP, na prática, a ação política de Mariátegui correspondia à FUA, como procuraremos desenvolver a seguir. O fundamental, até o momento, é a diferenciação feita entre o partido e as frentes, o que ficou explícito no debate sobre a APRA; a defesa da independência política do proletariado; e a necessidade de que este seja a direção das massas oprimidas.

Na prática, a frente antiimperialista

Percebemos a aplicação da FUA quando analisamos como Mariátegui descreveu a formação social peruana e as tarefas da revolução (democráticas e socialistas), assim como em seu esforço em buscar um caminho que pudesse ligar as comunidades autóctones ao comunismo.

O posicionamento de Mariátegui quanto à questão indígena marca sua originalidade e seu caráter polêmico. No contexto da década de 1920 o debate indigenista opunha a direita ilustrada e o indigenismo oficial. A primeira vertente pregava uma moralização social baseada na educação e catequização, sem questionar as bases econômicas. Já o oficialismo foi marcado pelas ações do presidente Leguía, que ao chegar ao poder em 1919, confronta a oligarquia, formula uma política indígena progressista com grupos intelectuais, o que inclusive feria as bases econômicas do gamonalismo. [2] Esta política governamental, porém, rapidamente se converteu em uma política repressiva de 1923 a 1924 (Escorsim, 2007: 184), levando os grupos intelectuais a se dividirem de acordo com as clivagens políticas da esquerda (socialismo ou aprismo). Trataremos aqui as posições mariateguistas.

No texto Nacionalismo e vanguardismo, de 1925, Mariátegui denunciava que o nacionalismo reacionário tinha suas raízes no mundo hispânico e latino, mas não no Incário autóctone. Defende, portanto, a reconstrução peruana sobre a base do índio.

Os indigenistas revolucionários, em vez de um platônico amor ao passado incaico, manifestam uma ativa e concreta solidariedade com o índio de hoje. Este indigenismo não sonha com utópicas restaurações. Considera o passado como uma raiz, mas não como um programa. Sua concepção da história e de seus fenômenos é realista e moderna. Não ignora nem esquece nenhum dos fatos históricos que, nestes quatro séculos, modificaram, com a realidade do Peru, a realidade do mundo (Mariátegui,1925, tradução livre).

Mariátegui explicita a relação entre socialismo e “indigenismo” como parte da necessária busca pela maioria nacional.

O que afirmo […] é que a confluência ou aliança entre “indigenismo” e socialismo não pode surpreender àquele que analisa o conteúdo e a essência das coisas. O socialismo organiza e define as reivindicações das massas, da classe trabalhadora. E, no Peru, as massas – a classe trabalhadora – são indígenas em quatro das suas cinco partes. Nosso socialismo, portanto, não seria peruano – nem sequer seria socialismo – se não se solidarizasse, primeiramente, com as reivindicações indígenas (Mariátegui apud Escorsim, 2007: 188).

Já no Programa do Partido Socialista Peruano, escrito por Mariátegui em 1928 e aprovado pelo Comitê Central no ano seguinte, a análise da persistência das comunidades indígenas é abordada também do ponto de vista econômico, em como isto pode ser um impulso, ou um ponto de partida diferente, para a coletivização da agricultura, ao mesmo tempo em que em aliança com o campesinato, admitiria a exploração parcial das terras por pequenos agricultores. Mais uma vez, o Amauta dissocia este programa da ideia romântica e reacionária de ressureição do “socialismo inca”. [3]

Mariátegui tentou levar ao debate internacional essa defesa de um caminho próprio ao socialismo, nos países indo-americanos. Apresentou a resolução “O problema das raças na América Latina” à Conferência Latino-americana dos PCs, realizada em Buenos Aires, em junho de 1929.

O VI Congresso da Internacional Comunista assinalou mais uma vez a possibilidade, para os povos de economia rudimentar, de iniciar diretamente uma organização econômica coletiva, sem sofrer a longa evolução pela qual passaram outros povos. (…) Cremos que, entre as populações “atrasadas”, nenhuma reúne condições tão favoráveis como a população indígena inca para que o comunismo agrário primitivo, subsistente em estruturas concretas e no profundo espírito coletivista, transforme-se, sob a hegemonia da classe proletária, numa das bases mais sólidas da sociedade coletivista preconizada pelo comunismo marxista (2011f: 144).

O problema da terra seria solucionado com uma reforma agrária com expropriação dos latifúndios e entrega das terras às comunidades indígenas, que possuíam hábitos de cooperação enraizados. Estas comunidades que resistiam à dura opressão ao longo de séculos seriam um fator natural e um caminho mais fácil para a socialização da terra.

No momento em que Mariátegui elaborou suas teses sobre a construção do comunismo sobre a base comunal, os Grundrisse ainda não eram conhecidos. Dentre os manuscritos que registravam a preparação da Crítica à Economia Política e o Capital, estava o texto Formações Econômicas pré-capitalistas, praticamente desconhecido até 1952 (Hobsbawm, 2011: 13). A edição inglesa, apresentada por Hobsbawm, traz também trechos de outras obras e a interessante carta de Marx a Vera Zasulich, de 1881, em que admite a possibilidade da comuna rural russa servir como base para a transição ao socialismo, sem passar pela desagregação por meio do desenvolvimento do capitalismo. É importante ressaltar, porém, que a transição da comunidade ao socialismo não é tratada por Marx como caminho único e necessário, mas sim como possibilidade.

Como a última fase da formação primitiva da sociedade, a comunidade agrícola é, ao mesmo tempo, uma fase de transição para a formação secundária, i.é, transição da sociedade baseada na propriedade comum para a sociedade baseada na sociedade privada (…). Mas, isto significará que a trajetória histórica da comunidade agrícola deva, inevitavelmente, conduzir a tal resultado? Certamente, não. Seu dualismo intrínseco proporciona uma alternativa: ou seu elemento de propriedade dominará o elemento coletivo ou ocorrerá o contrário. Tudo dependerá do ambiente histórico em que ela ocorrer (Marx, 2011: 133).

Vemos, portanto, que em nome da “ortodoxia”, a posição de Mariátegui não foi considerada nem como possibilidade para um debate sério. Foi criticada pelos porta-vozes da Comintern na América Latina, como Vittorio Codovilla. A apresentação das teses sobre a questão indígena na Primeira Conferência Latino-Americana da Comintern teve como resultado o não reconhecimento do Partido Socialista do Peru como membro da IC. Recomendam dissolução do PSP e criação de um “verdadeiro” partido comunista (Löwy, 2011: 28).

Mesmo após sua morte, o pensamento de Mariátegui continuou a ser denunciado pela Comintern, como no texto El “populismo” en el Peru. Papel de Mariátegui en la historia del pensamiento social latinoamericano, publicado por Miroshevski, conselheiro do Birô latino-americano do Comintern, em 1941. Além das críticas ao “populismo” e “romantismo” presente nas teses sobre importância do coletivismo agrário inca para a luta socialista no Peru, havia uma divergência estratégica. Enquanto a receita estalinista para os países coloniais e semicoloniais era a revolução democrática-nacional, antifeudal, os socialistas peruanos defendiam claramente a revolução socialista. Galindo apresenta como o PSP via a questão:

Levando em consideração que o socialismo reivindicava as velhas tradições nacionais, estava chamado a solucionar tanto o problema do atraso e da miséria do Peru como a realizar um acerto de contas imprescindível com a conquista espanhola (Galindo, 1980: 31, tradução livre).

Não desconsideramos que há uma visão romantizada do incário, talvez buscando constituir o mito soreliano, que Mariátegui tanto tentou fundir com o socialismo científico, porém, tais traços nos parecem secundários diante da perspectiva pela qual Mariátegui abordou a questão indígena. “O problema do índio”, um dos Sete ensaios, inicia-se dizendo que tratar o problema indígena ignorando como problema econômico-social é mero exercício teórico condenado ao descrédito (Mariátegui, 2010: 53). O Amauta também é taxativo ao dizer que o problema do índio deve ser procurado no problema da terra (2010: 61) e que deve ter uma solução social (2010: 64). O próprio autor se defende:

Por isso, a censura mais absurda que nos pode ser feita é a de lirismo ou literatismo. Colocando no primeiro plano o problema econômico-social, assumimos a postura menos lírica ou literária possível. Não nos contentamos em reivindicar o direito do índio à educação, à cultura, ao progresso, ao amor e ao céu. Começamos por reivindicar, categoricamente, seu direito à terra (Mariátegui, 2010: 68).

Seguindo a direção apontada por Mariátegui, do vínculo indissolúvel entre a questão do índio e da terra, partimos para a análise da questão nacional, que se entronca com a questão agrária, o que revela como o Amauta abordava a solução das tarefas democráticas não resolvidas.

Questão agrária e nacional

O programa agrário proposto pelo marxista peruano se traduzia na expropriação do latifúndio e entrega das terras às comunidades indígenas. Uma parte já seria organizada de forma coletiva e, outra, poderia se manter como pequena propriedade. O enfrentamento ao atraso no campo, explicitado na persistência do gamonalismo, esbarrava na associação prematura da oligarquia latifundiária e da nascente e débil burguesia ao imperialismo.

A economia pré-capitalista do Peru republicano, pela ausência de uma classe burguesa vigorosa e pelas condições nacionais e internacionais, que determinaram o lento avanço do país na via capitalista, não pode libertar-se sob o regime burguês – enfeudado aos interesses imperialistas, mancomunado com a feudalidade gamonalista e clerical – das taras e resíduos da feudalidade colonial (Mariátegui, 2011d: 123).

Ao chegarem “com atraso” à concorrência capitalista, só restou aos países latino-americanos o papel de colônias. Diante desse quadro, Mariátegui concluía que a saída passava pela unidade latino-americana, não por parte das burguesias com seus diplomatas, mas sim dos “votos históricos das multidões” (2011a: 84). Todas as posteriores tentativas dos países da América Latina que partiram dos Estados capitalistas mostraram o acerto dessa tese.

A revolução latino-americana será uma etapa, uma fase da revolução mundial, nada mais, nada menos. Será, pura e simplesmente, a revolução socialista. A esta palavra acrescentem, segundo os casos, todos os adjetivos que quiserem “antiimperialista”, “agrarista”, “nacionalista-revolucionária”. O socialismo os supõe, os antecede, abrange-os a todos (Mariátegui, 2011c: 119).

Em “Peruanicemos al Peru”, Mariátegui aborda o mesmo tema sob outro ângulo, procurando compatibilizar uma atitude nacionalista progressista e o internacionalismo. Esta reflexão nos lembra a crítica feita por Lenin, em seu testamento político, aos erros no trato da questão nacional na Geórgia, conduzidos por Stalin, guiado por uma aversão ao “social-nacionalismo”. Lenin defendia que se distinguisse o nacionalismo da nação oprimida e da nação opressora. A perspectiva internacionalista, portanto, não deveria simplesmente apagar a desigualdade formal entre as nações, sob o pretexto de criar uma verdadeira solidariedade entre os povos. Mariátegui vai além e afirma que o socialismo não seria antinacional, apenas parecia ser nos países imperialistas. “Mas a função da ideia socialista se transforma nos países política ou economicamente coloniais. Aí, o socialismo adquire, pela força das circunstâncias, sem negar absolutamente quaisquer de seus princípios, uma atitude nacionalista” (Mariátegui apud Escorsim, 2007: 181).

A ênfase principal da política mariateguiana, porém, partia do ponto de vista internacionalista. Isto pode ser identificado nos princípios programáticos do PSP, que partiam do caráter internacional do movimento do proletariado. As tarefas dos países de capitalismo plenamente desenvolvido seriam diferentes dos países latino-americanos. Mesmo assim, Mariátegui afirmava o papel dirigente da classe operária, a classe a quem correspondia “realizar as tarefas da revolução democrático-burguesa, que o regime burguês é incompetente para desenvolver e cumprir” (Mariátegui, 2011d: 124). O Amauta aponta que após a “etapa” democrático-burguesa, “a revolução torna-se revolução proletária em seus objetivos e na sua doutrina” (2011d: 124). O termo “etapa” aqui, pouco tem a ver com o etapismo estalinista que separava a revolução democrática (dirigida por uma burguesia progressista dificilmente encontrada na realidade, na etapa imperialista) e a revolução proletária. A proposta mariateguiana guarda mais semelhanças com a ideia da revolução permanente, formulada por Marx e Engels e recuperada por Trotsky. [4]

Este conjunto de análises de Mariátegui eram incompatíveis com as orientações da III Internacional estalinizada e também com as propostas de Haya de la Torre, que apostavam na burguesia e pequena burguesia latino-americanas. Por isso, Mariátegui esteve com o grupo que se propôs a erguer a APRA como aliança, como frente antiimperialista. Mas rompeu assim que transformaram esta tentativa de frente em um partido policlassista, cuja estratégia política se guiava puramente pelo antiimperialismo.

Sua recusa ao nacionalismo em substituição ao classismo e internacionalismo se mostra por inteiro na tese “Ponto de vista anti-imperialista”, também apresentada à Primeira Conferência Comunista Latino-americana.

Em conclusão, somos antiimperialistas porque somos marxistas, porque somos revolucionários, porque opomos ao capitalismo o socialismo como sistema antagônico, chamado a sucedê-lo, porque na luta contra os imperialismos estrangeiros cumprimos nossos deveres de solidariedade para com as massas revolucionárias da Europa (Mariátegui, 2011e: 137).

Mais uma vez, a experiência histórica em nosso subcontinente demonstrou que uma proposta puramente antiimperialista, sem ser anticapitalista, acaba levando ao beco sem saída da conciliação com o mesmo imperialismo que se pretendia combater. O próprio desenvolvimento do partido APRA, no Peru, deu razão à análise lúcida do Amauta.

Considerações finais

Mariátegui é reconhecido por sua originalidade ou por seu caráter “herético” justamente porque desenvolveu sua elaboração teórica e seus intentos organizativos em um período de enrijecimento do debate político na IC. Ao não se render ao “dogmatismo”, pode manter viva a aplicação do materialismo histórico e dialético à análise de uma situação concreta, buscando as múltiplas determinações que compõem a totalidade social, e, com isso, preservar a estratégia revolucionária.

Neste sentido, ao tentarmos ver como aplicou e reinventou as táticas de FUP e FUA, seguimos o percurso de sua elaboração, de seus embates teóricos e da tentativa de transformá-las em alavanca para a organização do proletariado como classe consciente e das massas indígenas dispersas e atomizadas. Percebemos que, apesar de se destacar a primeira tática, a atuação prática do Amauta revela a rica experiência de tentativa de organizar a FUA, unindo sob o programa socialista, as massas do campo e da cidade. Abarcando as demandas indígenas, as demandas estudantis, dentro de um programa mais geral que combinava as tarefas democráticas com as tarefas socialistas. Tudo isso, sem negar o protagonismo do proletariado.

A leitura de sua obra reafirma a necessidade de se conhecer profundamente a realidade do país que se pretende transformar. Conhecer a história, a economia, mas também as tradições de luta dos oprimidos. Assim, o socialismo indo-americano buscaria suas raízes nas formas de solidariedade, de comunidade e de propriedade coletiva que caracterizaram a formação econômica pré-capitalista, e que apesar dos ataques e deformações, ainda conseguiu persistir. Vale lembrar que estas raízes estão vivas e em movimento, recorrer à tradição não significa um passadismo ou atitude folclórica, mas sim o vínculo profundo com o que os trabalhadores, camponeses e nacionalidades indígenas de hoje, carregaram consigo, seja nas práticas ou nas lembranças.

Outra conclusão importante é a de que o destino dos países latino-americanos está atado e que o enfrentamento a tantos problemas comuns parte da necessária unidade dos oprimidos do subcontinente. O profundo enraizamento na realidade latino-americana não impediram Mariátegui de se tornar uma antena para os acontecimentos e debates do movimento revolucionário internacional. Destacamos a recusa do posto de “intelectual” ou acadêmico, a práxis marcou profundamente sua atuação. A elaboração teórica caminhou junto com a organização da Federação Operária, dos Congressos Indígenas, das frentes únicas e do Partido Socialista Peruano. Sua promessa de dedicar sua vida à organização do proletariado foi cumprida, resta agora encontrar as novas gerações que abracem o desafio de levar a cabo esta criação heroica que é a construção do socialismo.


[1] Realizados de 22 de Junho a 12 de Julho de 1921 e 5 de Novembro a 5 de Dezembro de 1922, respectivamente.

[2] Sistema de exploração e dominação baseado nos latifundiários, que conquistaram suas terras por meio da expropriação das comunidades indígenas e as submeteram a relações servis. Estas características foram mantidas mesmo com a República, que reeditou formas de trabalho obrigatório aos indígenas, mostrando que o Estado continuava subordinado ao poder dos gamonales, como expressão da descentralização política e do atraso.

[3]  Rosa Luxemburgo também definia o regime socioeconômico dos incas como comunismo. Em Introdução à crítica da Economia Política (1925), refere-se às “instituições comunistas democráticas da marca peruana” e comemora “admirável resistência do povo indígena do Peru e das instituições comunistas agrárias, que se conservaram até o século XIX” (apud Löwy, 2011: 19). Esta definição, porém, foi alvo de muitas críticas quanto ao caráter tirânico da dominação da casta inca. Libório Justo, por exemplo, dizia que foi o incário que preparou o terreno para a servidão e exploração desmedida promovida pelos colonizadores. “De nossa parte, sustentamos e repetimos que no Tahuantinsuyu não houve um ápice de ‘socialismo’ ou ‘comunismo’. O que houve, na realidade, (…) foi a escravização coletiva de uma classe por outra, baseada na propriedade comum da terra pela classe dominante” (2007: 43 [grifos no original, tradução livre]).

[4] A aproximação da teoria da revolução permanente com as formulações de Mariátegui é também apontada por Michael Löwy: “É interessante observar que, no mesmo momento em que Trotsky escrevia seu livro [A revolução permanente (1930)], o grande pensador latino-americano José Carlos Mariátegui estava chegando por seu próprio caminho a conclusões semelhantes (ainda que limitadas ao âmbito do continente)” (Löwy apud Rubbo, 2012: 30).


* Doutoranda em Ciências Sociais pela Universidade Federal de Campina Grande (UFCG), Campina Grande-PB, Brasil. Pesquisadora do Grupo de estudos e pesquisas Práxis/UFCG e do Grupo de Estudos de Política na América Latina (GEPAL). End. Eletrônico: [email protected]

** Doutoranda em Ciências Sociais pela UFCG, Campina Grande-PB, Brasil. Pesquisadora do Grupo de estudos e pesquisas Práxis/UFCG. End. Eletrônico: [email protected]


Bibliografia

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