Neoliberalismo, sincronicidades entre triunfos e ocasos

Por Eduardo Bonzatto

“É um estranho desejo, desejar o poder e perder a liberdade.”

(Francis Bacon)

Entender o neoliberalismo é uma tarefa que envolve alguma coisa de história, de economia, de política, de ideologia e de psicologia, na medida em que seu tempo histórico congrega linhas difusas que percorreram estranhos caminhos morais.

A primeira questão diz respeito à relação entre ideologia e estado. A estrutura do estado é imune às ideologias, portanto facilitam nossa compreensão sem os empanamentos que caracterizam os discursos ideológicos.

Considerando que o estado é um artifício organizacional moderno nascido em Florença no século XVI (Maquiavel: História de Florença e O Príncipe) e expandido para o mundo todo por ondas sucessivas de colonizações, reconheço quatro formas históricas determinadas: o estado monocrático, conhecido como absolutista; o aristocrático, ou estado burguês; o burocrático, ou estado totalitário; e o estado democrático. Cada um desses momentos representou um esforço em reduzir pessoas a um estado de submissão. Nesse sentido, o papel do estado é administrativo.

Serei breve quanto às suas características. O primeiro deles era ainda tímido e ignorante de suas funções estratégicas. Consistia em, nos termos de Foucault, “deixar viver e fazer morrer”. Permanecia distante das pessoas e exigia que, numa guerra, lutassem por ele. A condição divina dos seus representantes não era ideologia, pois a religião era tudo que tinham. Quando cortaram a cabeça de um rei, foi como se uma carreira de dominós tivesse caído.

O estado aristocrático é a resultante direta da revolução francesa e uma casta burguesa assumiu as funções do estado instaurando um modelo social cartorialista. Aqui o estado passa a assumir funções verdadeiramente administrativas, determina o fazer viver e o deixar morrer, a vida passa a ser cuidada pelo estado. Trabalho como usurpação e controle dos corpos, escolarização para preparar as gerações para as mesmas funções, ciência como suporte de ideologia que naturaliza a desigualdade fundante. Mas esses artifícios ideológicos eram ainda insipientes e o modelo era fortemente opressivo quanto a maior parte da população. Isso custaria muito caro aos administradores, pois antes que a primeira guerra mundial terminasse, revoluções explodiram por toda a Europa. Na Rússia foi a mais visível. Na Alemanha, Inglaterra, Espanha e França, bem como em Portugal, os trabalhadores estavam em revolta e a solução foi o surgimento dos estados totalitários, cuja característica principal é o acolhimento de parte dos sublevados pela burocracia do estado. Esse foi o caso do estado rooseveltiano, dos estados nazista e fascista, em que a matriz keynesiana ou o estado de beligerância mantinham a aliança entre as elites e as massas (guerra fria).

Aqui a máxima do ceder os anéis para não perder os dedos fez encolher a sanha do capital e ampliar os direitos trabalhistas. O ímpeto de revolta dos trabalhadores foi contido com direitos e um estado de bem-estar duradouro, mas não tanto para que não expirassem os valores do trabalho, só o suficiente para que sua submissão se tornasse natural e voluntária.

O último é o estado democrático, revelando que a trajetória da modernidade consiste em sua relação com o poder e sua paulatina distribuição, do um, para poucos, para muitos e para todos, na forma de direitos e empoderamentos.

A origem eurocêntrica desse processo é bem determinista quanto às suas expansões coloniais, embora as soluções encontradas não fossem fruto de conspirações, mas de racionalidades (rede epistêmica, ideologia, visão de mundo, zeitgeist) que foram se tornando contagiosas e hegemônicas.

Estou sendo generalista e pedagógico neste texto, pois sua função não é investigar a fundo a manifestação desse caminho, as sutilezas que as há e muito, mas tão somente indicar a sugestão insidiosa de um projeto de dominação necessário para que se possa extrair das pessoas todo o seu tempo em forma de trabalho e seus derivados.

Em 1947, Ludwig von Mises e Friedrich von Hayek, ideólogos conservadores e liberais da sociedade de Mont Pelerin emitiram sinais das similaridades que marcavam os estados totalitários e o Welfare States, quando apontavam que suas políticas coletivistas cerceavam as liberdades individuais. Davam como exemplo o relatório Benveridge inglês que, com a vitória do Partido Trabalhista, havia imposto o mais audacioso plano de distribuição de renda até então visto, baseado no tripé da Lei da Educação, Lei do Seguro Nacional e a Lei do Serviço Nacional de Saúde.

Em seu livro, O caminho da servidão (1944), Hayek afirmava que esses protocolos tornavam o trabalhador passivo, sem ambição e força para enfrentar desafios, tornando-se paulatinamente um escravo do conformismo e que isso, afinal, comprometia o próprio capitalismo. Em 1974, as ideias de Hayek receberam o aval do Nobel, que curiosamente ele dividiu com Gunnar Myrdal, o ideólogo socialista inspirador do estado de bem-estar sueco.

A indicação do momento histórico do ressurgimento das ideias de Hayek, já tinha um componente administrativo sobre como os trabalhadores aceitariam diretrizes que atacavam diretamente o coração dos grandes estados que lhes foram gentis por décadas. Suas organizações haviam sido desmobilizadas pela estupefaciência do conforto e da generosidade estatais. A dominação é um caminho difícil, pois deve contemplar a alma e não o corpo. A isso os estados se dedicam. Suas funções e estruturas ambicionam administrar todo o corpo social para usurpar a energia vital que o trabalhador voluntariamente deve fornecer. Passam a chamar de colaborador a esse trabalhador, pois sua identidade já se conformou.

O conceito de classes imaginado por Karl Marx tinha um componente muito específico: o antagonismo, os interesses divergentes. Foi exatamente por isso que ele o concebeu, para marcar as oposições e não as similitudes. Todavia, ao longo do século XX, essas oposições foram sendo paulatinamente desmontadas, primeiramente com o estado de bem-estar social, que diminui o poder dos proprietários em favor de dirimir a revolta e o ímpeto revolucionário dos trabalhadores, depois com o American Way of Life, numa forma ainda prototípica da ideologia do consumismo embrionário e finalmente com os valores oferecidos com o neoliberalismo, que solapou qualquer vestígio do conflito entre as classes ao intensificar o conflito intraclasse, com a oferta dos vários empoderamentos, que estimula o ódio naqueles que estão na zona de sofrimento comum.

Assim, por 30 anos, o livro de Hayek ficou adormecido, já que o Welfare State (Estado de Bem-Estar Social) impulsionava o consumo com sua sacada do pleno emprego e seguridade funcional, até que em 1973 alguns economistas ingleses e norte-americanos decidem aplicar as normas da Sociedade de Mont Pelerin, atualizada no Chile, sob a tutela de Augusto Pinochet. Estavam plantando as sementes da Escola de Chicago, base estratégica e teórica do chamado neoliberalismo, capitaneada pelo economista Milton Friedman.

Importante destacar que Milton Friedman (1912-2006) foi não somente um dos maiores defensores do neoliberalismo pós-1970, como foi o autor do livro Teoria da Função do Consumo (1957), impulsionador do consumismo após a Segunda Guerra Mundial e o criador dos programas de renda mínima que deveriam acompanhar o receituário neoliberal.

Ronald Reagan, que assumiu a presidência dos EUA em 1980, implantou o modelo que ficou conhecido por lá como “Reaganomics”, política baseada em cortes no orçamento federal e redução de impostos para incentivar a produção e os investimentos. Logo em seguida, o Congresso Americano aprovou o maior corte do orçamento de sua história.

Os Estados Unidos de Reagan, a Inglaterra de Thatcher e a Alemanha de Helmut Cohn aplicaram o receituário no norte da Europa e nos Estados Unidos. Todos regimes reconhecidos como de direita.

Na década seguinte, a resposta europeia foi a eleição no sul de governos de esquerda, eleitos democraticamente. Todos eles aplicaram, até os inícios de 1990, o mesmo receituário: na França de Mitterrand, na Espanha de Gonzalez, em Portugal de Soares, na Itália de Craxi e na Grécia de Papandreou. Nesse caso, a presunção se conteve claramente nas questões de globalização e na arregimentação para a efetivação da Zona do Euro e os grandes blocos econômicos.

Tomemos o caso inglês como exemplo desse tempo. Em primeiro lugar o julgamento da senhora Thatcher pela história posterior.

Defensora da premissa de que o mercado deve servir melhor à sociedade do que o estado, sua resposta à crise dos anos 1970 foi, do ponto de vista econômico, implacável. As medidas adotadas por seu governo resultou num desemprego massivo e no aumento progressivo da desigualdade por quase vinte anos. Impunha o modelo de transição do processo de desindustrialização para uma economia financeira, elevando taxas de juros e abolindo o controle dos fluxos financeiros. Esse princípio de desregulamentações diversas é a própria essência do modelo neoliberal, pois com isso possibilitou a emergência de economias como Brasil, China e Índia, antecipando a globalização como fundamento para que suas diretrizes se efetivassem.

Privatização de setores como educação, saúde, siderurgia, telefonia, gás, água, eletricidade e empresas aéreas começaram a demonstrar os protocolos necessários ao projeto. Enxugamento brutal de gastos públicos, fim das políticas de pleno emprego, controle da inflação, desregulamentação das Leis trabalhistas, vão compondo o ideário neoliberal. Termos como “cliente” e “competitividade” entram na fala comum das gentes que levarão à entronização do desempenho como síndrome das gerações futuras do mundo todo, pois o desempenho é um estado interno de comprometimento que as organizações exigem em suas missões.

Thatcher se reelegeu por três mandatos, demonstrando já um aspecto da nova política cíclica: diante da crise e seus sofrimentos, suas respostas duras foram entendidas como medidas necessárias que fortaleceram sua popularidade e que se transmutariam em populismo num futuro que ainda não podia ser entrevisto. E embora as greves tivessem naturalmente aumentado durante a implantação do programa, o novo valor do sacrifício em nome da salvação nacional serviu também para enfraquecer o poder dos sindicatos.

Rodney Barker, professor da London School of Economics, lembra que sua popularidade veio porque “ela deu a esse país uma ideia superestimada de que somos importantes. Que ainda temos de ser o que não somos; que ainda temos de ter um exército poderoso e armas nucleares”. Esse mantra será válido daqui por diante como uma autorização das macrossolidariedades nacionais. Esses valores serão fortemente incorporados no seio da nação quando for exportado para o resto do mundo, com o paradoxo de que o próprio Estado-Nação será pulverizado com os avanços da globalização, mas isso pode ser explicado facilmente pelos valores ideológicos do consumismo, que fará bem a tradução de nacionalismo e os objetos de desejo que eram até então disponíveis apenas às classes mais elevadas, tais como automóveis, telefones móveis, educação superior privada, saúde privada, etc.

Tomo aqui o exemplo emergente inglês como um novo paradigma, pois por nossa experiência brasileira, além dos “benefícios” do consumo, agregaram-se os dispositivos de distribuição de direitos poder na forma de empoderamentos, tais como o Direito do Consumidor, o Estatuto da Criança e do Adolescente, os direitos de reparo às injúrias raciais, sexistas, homoafetivas, dentre outros.

Um escritor inglês relembra o tempo que antecedeu, ainda sob a vigência do Estado de Bem-Estar Social:

Naqueles anos dourados, que não foram realmente uma ilusão, antes de os ricos organizarem seu contra-ataque, a prosperidade geral havia aumentado e, por um longo tempo, deu-se o mesmo com o poder civil (os pobres estavam ficando mais ricos e os ricos não estavam tão abastados). A Grã-Bretanha dos anos 60 “balançava” no que dizia respeito à comunidade internacional e a extraordinária mescla vital de culturas havia talvez transformado o país na mais criativa força do mundo. A Irlanda, bem como a América Africana e Lancashire deram-nos Os Beatles e todos os outros músicos extraordinariamente talentosos que mudaram as aspirações e as capacidades da música popular para todo o sempre. Todas as artes floresceram.

A distribuição da riqueza resultou na disseminação de justiça social. O partido Tory de Macmillan jamais ousou desarticular os programas sociais introduzidos por seus antecessores; e, quando os trabalhistas foram reeleitos nos anos 60, a nova legislação esclarecida deu-nos, por um tempo, sistemas educacionais e de saúde de abrangência universal, acesso gratuito ao aparelho jurídico e muito mais. Embora ainda houvesse muito a ser arrumado e estivéssemos começando a entender os reveses de qualquer ortodoxia, liberal ou não, tudo nos dizia que nos acercávamos da Utopia pela via expressa.  Nós estávamos começando a discutir o que faríamos com tanto lazer, riqueza e equidade.

Thatcher e Reagan representavam interesses muito diferentes dos nossos. Eles eram, de certa forma, títeres, cumprindo os ditames das grandes corporações; ambos ofereciam uma retórica de legitimidade a uma extraordinária retomada de poder pelo capital privado. Essa gente vinha planejando o golpe havia anos. Eu costumava ouvi-los quando trabalhava no centro financeiro no início dos anos 60;falavam sobre “expandir para o setor público”. Os velhos éditos da nossa lei comum – de que o que diz respeito a todos deve ser determinado por todos – eram ignorados e até mesmo ironizados. Esta  poderosa minoria, dona de quase tudo, não tinha respeito por nós. As instituições públicas, projetadas para criar uma sociedade mais justa, eram seus alvos principais. Eles corromperam a retórica do debate público, afirmando que os serviços públicos não “funcionavam” – ou seja, garantiam serviços, não lucro.

Representando interesses do grande capital e pregando uma filosofia de mercado livre num mundo sem regulamentação – uma panacéia universal ainda mais insana do que o comunismo que almejava derrotar, baseada em total competição interna, transformando em pesadelo a maioria das vidas comuns –, eles nos deram um punhado de “soluções” fajutas e defasadas que tornaram seus amigos e clientes muito ricos e o resto de nós mais pobres. Transformaram em virtude a cobiça e a desarmonia. A mentira tornou-se um instrumento-padrão de convívio social no governo, nos negócios e, por fim, em toda a sociedade. Também introduziram, inevitavelmente, incertezas e misérias em nosso mundo que logo se traduziram em violência e desencanto; erodiram a qualidade de vida de milhões; e continuam a destruí-la até os dias de hoje. Foi uma mudança bastante radical – mais ainda na Grã-Bretanha, talvez, do que nos Estados Unidos – e um fardo muito pesado para o homem bem-pensante digerir.

Em face a todas estas mudanças e experiências rapidamente adquiridas, no exato momento em que deixávamos de ser uma comunidade de cidadãos e éramos encorajados a nos tornar uma confederação desunida de consumidores independentes, os artistas estavam passando por momentos difíceis[1].

Memórias como essa são importantes, pois as gerações que nasceram sob a égide neoliberal não podem imaginar que já houve um tempo diferente em que os valores do individualismo, egoísmo, eficiência, desempenho, educação ainda não tinham se consolidado, pois isso pode nos auxiliar a perceber que as patologias que nos acometem hoje, depressão, ansiedade, vitimização, empoderamento não moviam o social.

De fato, o neoliberalismo alterou profundamente as arquiteturas sociais, políticas e econômicas de uma forma a apagar o passado ao naturalizar esses valores como sendo tipicamente humanos. Eram já os efeitos ambíguos que as poliarquias causam nas sociedades administradas. Seu conceito precisa ser explicitado, pois operam em muitos níveis da experiência cotidiana:

Poliarquia, segundo Robert Dahl é o sistema político das sociedades industriais modernas, caracterizado por uma forte descentralização dos recursos do poder e no seio do qual as decisões essenciais são tomadas a partir de uma livre negociação entre uma pluralidade de grupos, autônomos e concorrentes, mas ligados mutuamente por um acordo mínimo sobre as regras do jogo social e político. Dahl distancia-se assim da chamada escola elitista, salientando a existência de uma multiplicidade de centros de decisão e um conglomerado de elites.

No Brasil, sua manifestação coincidiu com a vigência da Constituição Cidadã, cuja essência era descentralizadora e poliárquica.

Em algum momento da segunda metade dos anos 1980, a chamada Escola do Rio, preparava a economia de um novo tempo de liberdades.

A Escola do Rio[2], assim chamada em razão de seus economistas pertencerem a PUC-Rio e a Escola de Pós-Graduação em Economia da Fundação Getúlio Vargas, instituições da articulação político-acadêmica que passariam a compor um todo indivisível e coerente da correção de rumos mais importante desde 1964, estabelecendo as bases do neoliberalismo já a partir de 1987 até a implementação do chamado Plano Real, durante o governo FHC (Teoria da Dependência).

Segundo essa teoria, o “processo iniciado nos anos 40/50 e sempre desenvolvido com a ideia de que o Brasil, por não ter condições de se tornar uma potência industrial, deve manter-se subordinado a um sistema maior, isto é, ao capital estrangeiro”, ou seja, de um país voltado para fora. Nesse sentido, o subdesenvolvimento não é uma etapa do desenvolvimento, mas desempenha uma função específica no jogo do capitalismo global. Mas a ideologia do desenvolvimentismo tem força suficiente para unir nas mesmas promessas ditaduras e democracias.

Seria arriscado concluir, no entanto, que somente regimes autoritários puderam impor políticas neoliberais na América Latina. O caso da Bolívia, onde todos os governos eleitos depois de 1985 – seja o de Paz Zamora, seja o de Sanchez Losada – aplicaram o mesmo programa, demonstra que a ditadura em si não é uma necessidade, mesmo se medidas de repressão antipopulares foram tomadas. A experiência boliviana deu uma lição: a hiperinflação, com o efeito do empobrecimento que daí decorre cotidianamente para a grande maioria da população, pode servir para fazer “aceitar” medidas brutais de política neoliberal, preservando formas democráticas, não ditatoriais. Em 1987, um economista brasileiro, membro de uma instituição financeira internacional, admirador da experiência chilena de Pinochet, confidenciou que o problema crítico do Brasil, naquele momento sob a presidência de José Sarney, não residia em uma taxa de inflação demasiado elevada, como difundiam os funcionários do Banco Mundial. Ele assegurava que a taxa de inflação era baixa demais e dizia abertamente: “Esperemos que as barreiras se rompam”. Por quê? Sua resposta era simples: “No Brasil, temos necessidade de uma hiperinflação para criar as condições que levem a população a aceitar um tratamento deflacionário drástico, necessário para este país”. A hiperinflação começou no Brasil e as condições foram reunidas para iniciar um programa neoliberal, sem instrumentos ditatoriais...[3]

Esse conluio aconteceu nas dependências da Fundação Getúlio Vargas em meados de 1987, onde se reuniram consultores do FMI e do Banco Mundial, representantes do Consenso de Washington, assessores do governo e economistas da própria Fundação GV e da PUC-Rio.

As razões dessa estratégia para implementação do neoliberalismo no Brasil são facilmente entendidas se levarmos em conta que o momento era de uma pretensa democracia, em tudo “fruto” da luta renhida da sociedade brasileira para esse momento. Certamente pareceria muito problemático a imposição de um modelo econômico tão desleal e injusto: a população tinha que estar madura para não somente aceitá-lo, mas principalmente para solicitá-lo. Fernando Henrique Cardoso, o “salvador da pátria”, será eleito justamente sobre esta base ideológica. Outros salvadores da pátria lhe seguirão os passos, daí a configuração de populistas em todo espectro ideológico.

Importante destacar que dentre os economistas e assessores que participaram da reunião acima descrita estava o então jovem mestre em economia pela Fundação Getúlio Vargas, Joaquim Levy, figura central nos desdobramentos do neoliberalismo no Brasil. Naquele dia, o jovem ambicioso e discreto não podia imaginar que teria pra si o papel de eminência parda, da voz sigilosa por trás do trono, zanzando de um governo a outro impunemente, construindo a história.

Uma éminence grise é um poderoso assessor ou conselheiro que atua “nos bastidores” ou na qualidade não-pública ou não-oficial. Esta frase referia-se originalmente a François Leclerc du Tremblay, o “braço direito” do cardeal Richelieu. Leclerc era um frade capuchinho que ficou famoso por seus trajes bege. Nos sistemas produtores de significados há sempre um elo condutor, basta procurar.

Pesquisa realizada pela Universidade Federal do Rio de Janeiro, no período (1990-2001), aponta os efeitos da modernização tecnológica prometida pela ideologia do desenvolvimentismo que oculta os protocolos neoliberais. Desde então, a lucratividade dos bancos jamais decresceu, os sindicatos foram reduzidos a pó e o chamado exército industrial de reserva foi estruturalmente pulverizado numa dança que envolve tecnologia, reengenharia, terceirização, empreendedorismo, mudança do foco da indústria para os serviços, em que o trabalhador se torna muito vulnerável.

A chamada abertura econômica iniciada por volta de 1990, com toda a estratégia de privatizações e importações, erradicou algo próximo de 11 milhões de empregos só nas cidades. Em números absolutos, ou seja, sem considerarmos a variação populacional, em 1990, 59,42 milhões de pessoas estavam empregadas, enquanto, em 2001 esse número era de 64,42 milhões[4]. Outras 11 milhões de vagas de trabalho foram erradicadas do campo com a emergência do agronegócio até o ano de 2008 e o agronegócio continua sua trajetória devastadora. E aqui estamos falando de desemprego estrutural, ou seja, a vaga de trabalho evaporou-se. Se considerarmos 1.8 milhão de pessoas que entram no mercado de trabalho a cada ano, teremos uma visão do dramático custo social de nossa modernização[5].

Desse modo, os 13 milhões de empregos que o governo Lula alega ter criado em seus dois mandatos, não são suficientes sequer para acolher os quase 2 milhões de jovens que todo ano chegam às portas do mundo do trabalho. Sem esquecer, claro, que de todas as vagas de trabalho abertas todo o ano, três meses depois, 30% desses empregados já estão novamente nas ruas; é o ciclo vertiginoso do emprego/desemprego que torna as estatísticas uma faca de dois gumes. Acrescente-se a isso que, por exemplo, das mais de dezesseis milhões de contratações apontadas no ano de 2010, houve mais de quinze milhões de demissões, fruto de uma rotatividade impressionante.

Não resta ao trabalhador senão seguir a rota da precarização em forma de terceirização, empreendedorismo, informalidade, até que o atual tripé macroeconômico do trabalho no Brasil, na forma de Uber, camelô e bolo de pote se torne normal. E mesmo profissões antes reconhecidas como de ascensão social se proletarizam. O que importa é consumir.

Depois do 11 de setembro de 2001, o presidente Bush foi à televisão recomendar que os americanos continuassem consumindo. Depois da crise de 2008, o presidente Lula foi à televisão recomendar que os brasileiros continuassem consumindo. Tornava virtuoso o ciclo de saturação econômica pautado no consumo: mais crédito, mais consumo, mais desenvolvimento econômico, desemprego estrutural. Mas esse é um ciclo enganador e bastante provisório que, no entanto, tem um capital político grandioso.

Isso levou ao que o filósofo coreano Byung-Chul Han, denomina de auto exploração de si mesmo. Segundo ele, passamos do “dever fazer” para o “poder fazer”. E continua: “Vive-se com a angústia de não estar fazendo tudo o que poderia ser feito” e se você fracassa a culpa é sua. “Hoje a pessoa explora a si mesma achando que está se realizando; é a lógica traiçoeira do neoliberalismo que culmina na síndrome de burnout. Não há mais contra quem direcionar a revolução, a repressão não vem mais dos outros”.

Desde sua implantação no Brasil, os protocolos neoliberais foram seguidos à risca, independente dos governos de plantão, se gentis ou não com os trabalhadores: disciplina fiscal, redução dos gastos públicos, juros de mercado elevados, câmbio de mercado, abertura comercial, desindustrialização, investimento estrangeiro direto, com eliminação de restrições, propriedade intelectual para evitar piratarias de toda sorte, privatização ou concessão de serviços públicos, desregulamentação das leis econômicas e trabalhistas, programa de renda mínima. Sentenciou o Grupo Krisis:

Em particular, isso vale para a reivindicação de renda mínima ou de dinheiro para subsistência. Em vez de ligar lutas sociais concretas defensivas contra determinadas medidas do regime de apartheid com um programa geral contra o trabalho, essa reivindicação pretende construir uma falsa universalidade de crítica social, que se mantém em todos os aspectos abstrata, desamparada e imanente ao sistema. A concorrência social de crise não pode ser superada assim. De uma maneira ignorante, continua-se a pressupor o funcionamento eterno da sociedade global do trabalho; pois de onde deveria vir o dinheiro para financiar a renda mínima garantida pelo Estado senão dos processos de valorização bem-sucedidos? Quem conta com este “dividendo social” (o termo já explica tudo) precisa apostar, ao mesmo tempo, e disfarçadamente, na posição privilegiada de “seu próprio país” na concorrência global, pois só a vitória na guerra global dos mercados poderia garantir provisoriamente o alimento de alguns milhões de “supérfluos” na mesa capitalista – obviamente excluindo todas as pessoas sem carteira de identidade nacional.

Os reformistas amadores da reivindicação de renda mínima ignoram a constituição capitalista da forma-dinheiro em todos os aspectos. No fundo, entre os sujeitos do trabalho e os sujeitos do consumo de mercadorias capitalistas, eles apenas querem salvar estes últimos. Em vez de pôr em questão o modo de vida capitalista em geral, o mundo continuaria, apesar da crise do trabalho, a ser enterrado debaixo de uma avalanche de latas fedorentas, de horrorosos blocos de concreto e do lixo de mercadorias inferiores, para que aos homens restasse a última e triste liberdade que eles ainda podem imaginar: a liberdade de escolha ante as prateleiras do supermercado.

Mas mesmo essa perspectiva triste e limitada é totalmente ilusória. Seus protagonistas esquerdistas e analfabetos teóricos esqueceram que o consumo capitalista de mercadorias nunca serve simplesmente para a satisfação de necessidades, mas tem sempre apenas uma função no movimento de valorização. Quando a força de trabalho não pode mais ser vendida, mesmo as necessidades mais elementares são consideradas pretensões luxuosas e desavergonhadas, que deveriam ser reduzidas ao mínimo. E, justamente por isso, o programa de renda mínima funciona como veículo, isto é, como instrumento da redução de custos estatais e como versão miserável da transferência de riqueza social, que substitui os seguros sociais em colapso. Nesse sentido, o guru do neoliberalismo, Milton Friedman, originalmente desenvolveu a concepção da renda mínima antes que a esquerda desarmada a descobrisse como a pretensa âncora de salvação. E com esse conteúdo ela será realidade – ou não[6].

Talvez devêssemos acrescentar mais alguns itens nesse receituário: uma forma específica de educação para os países em desenvolvimento. O Tratado de Jontiem, na Tailândia, no início dos anos 1990, obrigou seus signatários ao cumprimento de metas educacionais que ainda estão em vigência em nosso país (plano decenal de educação e sua extensão). O aporte de tecnologias que desempenham altos índices de desemprego. A mudança de uma centralidade da indústria para o comércio.

Para ressaltar a continuidade dos protocolos nos governos sociais – leia-se governos petistas –, basta lembrar que um nome se manteve sempre ligado às suas determinações: Joaquim Levy. Importante membro da oligarquia financeira brasileira, presidente do Bradesco Asset Management de 2010 a 2014, Levy doutorou-se na Universidade de Chicago e foi aluno de Milton Friedman. Sua atuação junto aos governos vem de longe, já que foi estrategista econômico de Fernando Henrique Cardoso durante seus mandatos, e antes disso esteve soprando aos ouvidos do então presidente Collor de Melo as vantagens da desburocratização e as evidências de que o automóvel brasileiro era uma carroça, argumentos que utilizava para justificar a abertura devassada das fronteiras alfandegárias. Além disso, Levy foi entusiasta da elaboração de um plano econômico de confiança da classe capitalista que marcou os mandatos de Lula. Ainda durante a campanha eleitoral de 2001, para tranquilizar os banqueiros, Lula assinou um acordo econômico com o FMI que garantia um excedente orçamentário de 3%, fruto dos conselhos de Levy.

A adoção por Lula de políticas orçamentais conservadoras foi acompanhada pelas suas políticas de austeridade, redução de salários de funcionários públicos e de pensões, bem como de proporcionar apenas aumentos marginais no salário mínimo. Acima de tudo, Lula apoiou todas as privatizações corruptas que tiveram lugar sob o anterior regime Cardoso. No fim do primeiro ano de Lula no governo, em 2003, Wall Street louvou-o como o “Homem do ano” pelas suas “políticas pragmáticas” e a sua desmobilização e desradicalização dos principais sindicatos e movimentos sociais. Em Janeiro de 2003, o presidente Lula da Silva nomeou Levy como secretário do Tesouro, uma posição que ele manteve até 2006 – o mais socialmente regressivo período da presidência Lula da Silva. Este período também coincidiu com uma série de escândalos de corrupção enormemente lucrativos, de muitos milhares de milhões de dólares, envolvendo dúzias de altos responsáveis do PT no regime Lula que recebiam comissões clandestinas das principais companhias de construção. (James Petras)

Em 2014, finalmente Joaquim Levy seria premiado publicamente ao ser escolhido por Dilma Rousseff para o cargo de Ministro das Finanças para impor sua “terapia de choque”, estabelecendo a passagem para os governos ditos “de direita”, que herdariam o butim da nação moribunda para continuarem com os mesmos protocolos.

Vale ressaltar que até pouco tempo atrás, Levy foi presidente do BNDES, mas em sua carta de demissão ao presidente Bolsonaro, em 16 de junho de 2019, o economista garantiu que a linhagem continua: agradeceu especialmente aos funcionários do BNDES “que têm colaborado com energia e seriedade para transformar o banco, possibilitando que ele responda plenamente aos novos desafios do financiamento do desenvolvimento, atendendo às muitas necessidades da nossa população e confirmando sua vocação e longa tradição de excelência e responsabilidade”.

Os protocolos seguem, em linhas gerais, a globalização econômica que visa o que é conhecido como o “modelo da taça de champanhe”, em que os 20% mais ricos dividem 82% da renda mundial, enquanto os 80% disputam o resto. No entanto, os mais pobres, a grande base da taça, disputam apenas 1,4% da mesma renda. No meio, afunila-se rapidamente o restante.

Manter um Estado forte, sim, em sua capacidade de romper o poder dos sindicatos e no controle do dinheiro, mas parco em todos os gastos sociais e nas intervenções econômicas. A estabilidade monetária deveria ser meta suprema de qualquer governo. Para isso, seria necessário uma disciplina orçamentária, com a contenção com os gastos com bem-estar e a restauração da taxa “natural” de desemprego, ou seja, a criação de um exército industrial de reserva de trabalho para quebrar os sindicatos. Ademais, reformas fiscais eram imprescindíveis, para incentivar os agentes econômicos. Em outras palavras, isso significava reduções de impostos sobre os rendimentos mais altos e sobre as rendas. Dessa forma, uma nova e saudável desigualdade iria voltar a dinamizar as economias avançadas então às voltas com uma estagflação, resultado direto dos legados combinados de Keynes e de Beveridge, ou seja, a intervenção anticíclica e a redistribuição social, as quais haviam tão descontroladamente deformado o curso normal da acumulação e do livre mercado. O crescimento retornaria quando a estabilidade monetária e os incentivos essenciais houvessem sido restituídos[7].

Os teóricos que responsabilizam os governos atuais – chamemos de populistas de direita – pelos danos advindos da aceitação dos protocolos neoliberais, o fazem simplesmente pautados num apego ideológico que só pode ser classificado de oportunista, pois desde seu surgimento, o modelo atual não encontrou nenhuma resistência, seja à direita ou à esquerda, se analisarmos as estruturas do Estado Democrático.

Diante de tamanha iniquidade, não devemos nos surpreender com a busca massiva por salvação que tem lotado todas as vertentes religiosas atuais.

Lembremos duas questões fundamentais para a compreensão do atual apego às ideologias e da ocultação das estruturas compreensivas que os modelos de estado revelam. Importante salientar que a função da ideologia, qualquer que seja ela, é naturalizar a desigualdade, mas o recrudescimento dos discursos ideológicos de esquerda/direita permite dissimular as causas geradas e os efeitos danosos que a análise efetuada pelo modelo de estado é capaz de revelar:

Os conceitos de esquerda e direita estão ultrapassados?

Não, desde que sejam compreendidos no marco da democracia. No sistema democrático, há uma tensão permanente entre liberdade e igualdade. A primeira está associada à direita democrática, para a qual existe um conjunto indissociável de liberdades: a de expressão e organização, a econômica e a de pluralidade de opiniões. Já o conceito de igualdade está associado à esquerda democrática, que defende a necessidade de restringir um pouco a liberdade econômica para que as desigualdades não cresçam muito. As democracias maduras oscilam entre a direita e a esquerda, em busca ora de mais liberdade, ora de mais igualdade. Essa é a história das eleições na Europa e nos Estados Unidos no último meio século. Acredito que a história do Brasil também será essa. Trata-se de algo muito diferente dos conceitos de esquerda e direita não-democráticas, estes, sim, ultrapassados.

Em certos círculos, dizer que algo é “de direita” serve para desqualificar desde filmes até valores morais. Qual é a explicação para esse uso do termo “direita”?

A palavra “direita” esteve associada no século XX ao fascismo e ao nazismo. Tais regimes foram condenados de maneira absoluta pela população mundial. Em países da América Latina, em particular, a direita foi ligada a regimes militares. Por isso, no Brasil, a expressão “direita” ainda é usada, embora cada vez com menor frequência, como sinônimo de tudo o que deve ser rejeitado. Já o termo “esquerda” costuma ser relacionado a uma ideia de transformação humanista do mundo, imaginada a partir da Revolução Francesa e das lutas sociais do século XIX[8].

Se em 2008, a pergunta fazia sentido, pois tais dicotomias haviam sido diluídas depois do fim da Guerra Fria, em 2013 foram ressuscitadas pelo seu pior sentido durante a Revolta do Vinagre. Nesse período, para se contrapor à ideia de que a direita se constitui de valores ruins e fascistas, manifestou-se uma esquerda de valores humanitários e naturalmente bons. Nisso, a estratégia foi bem-sucedida, pois dividiu um movimento emergente e extremamente perigoso, inaugurando um novo ciclo de ódio por meio de ideologias rasas e obscurantistas. A velha lógica do dividir para anular e esvaziar a potência.

As aspirações por igualdade resultaram em desejo de consumo e empoderamento e as por liberdade, no pensamento dicotômico que marca o absolutismo liberal (“farinha pouca meu pirão primeiro”) das novas gerações. E, no entanto, é novamente Byung-Chul Han quem nos fala, “quanto mais iguais são as pessoas, mais aumenta a produção; essa é a lógica atual; o capital precisa que todos sejamos iguais, até mesmo os turistas; o neoliberalismo não funcionaria se as pessoas fossem diferentes”.

Tais diretrizes ocultam um estado que se naturaliza pelo fracasso das relações coletivas em nome desse comportamento liberal de seus membros. Nesse mesmo sentido, as políticas de identidade só reforçam aspectos liberais revestidos das sensibilidades da esquerda que, segundo Mujica, “é uma posição filosófica perante a vida, onde a solidariedade prevalece sobre o egoísmo”. Achille Mbembe, filósofo camaronês, reconhece a função dessas ideologias na frase reveladora: “As desigualdades continuarão a crescer em todo o mundo. Mas, longe de alimentar um ciclo renovado de lutas de classe, os conflitos sociais tomarão cada vez mais a forma de racismo, ultranacionalismo, sexismo, rivalidades étnicas e religiosas, xenofobia, homofobia e outras paixões mortais”.

Penso que cabe aqui uma reflexão: se a liberdade é nossa capacidade de escolher uma vida digna e boa pra se viver, e leia-se como vida digna uma existência sem a indignidade da desigualdade, então era preciso garantir que quando chegássemos à tão sonhada democracia, não fôssemos livres e aceitássemos a desigualdade como saudável, natural e inevitável, cumprindo assim a máxima de Lampedusa de que é preciso mudar pra que tudo permaneça como está.

 

[1] Michael Moorcock in: As aventuras de Luther Arkwright, Vol. 2. São Paulo: Via Lettera, 2001. p.4-5

[2]Araújo, André. A Escola do Rio. São Paulo: Ed. Alfa Omega, 1998.

[3]Anderson, Perry. Histórias e lições do neoliberalismo. In: Houtart, F. & Polet, F. O outro Davos, mundialização de resistências e de lutas. São Paulo, Cortez, 2002. p.30.

[4] A mesma pesquisa revela que foi o setor agropecuário aquele que mais perdeu postos de trabalho e que ainda detêm 26% de todo o pessoal ocupado, enquanto em países desenvolvidos esse percentual não passa de 6%. Daí infere-se que o número de postos de trabalho nesse setor ainda deverá ser em muito enxugado.

[5] Folha de S. Paulo, 18/01/04, p. B 1.

[6] Grupo Krisis. Manifesto contra o trabalho. São Paulo: Conrad, 2003. p.84-6.

[7]ANDERSON, Perry. Balanço do neoliberalismo. in: SADER, Emir & GENTILI, Pablo (orgs.) Pós-neoliberalismo: as políticas sociais e o Estado democrático. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1995. p. 9-23.

[8] Revista Veja, 5 de novembro de 2008, p.19-20.

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