O que é Reformismo e Oportunismo?

Por August Thalheimer, via marxists.org, traduzido Centro de Estudos Victor Meyer

Um leitor desta revista solicitou, em carta enviada à Redação, uma resposta à pergunta. A Redação achou proveitoso que a resposta viesse a público.

Foram duas as questões colocadas: sobre a natureza do reformismo e sobre a essência do oportunismo. Seria melhor, em primeiro lugar, tratar cada uma por si e, depois, determinar as relações entre o reformismo e o oportunismo, até que ponto eles se equiparam e até que ponto não.


Certamente que quem fez a pergunta entende por reformismo a tão conhecida direção política dentro do movimento operário. Por isso, podemos abstrair de tratar o reformismo sob outros aspectos.

Reformismo é, literalmente, a luta por reformas. Reformas são, em relação ao Estado burguês e ao modo de produção capitalista, mudanças em favor das classes dominadas e exploradas que não alteram de modo fundamental as relações de troca entre as classes. Permanece, assim, o fato de que a sociedade se divide em duas classes principais — capitalistas e trabalhadores assalariados — e que os capitalistas exploram os trabalhadores assalariados. Permanece também o fato de que a classe economicamente dominante, simultaneamente, domina o Estado e, além disso, emprega os meios de poder do Estado para conservar e regular as relações de exploração e para oprimir as classes não capitalistas.

Em contradição com a reforma está a revolução. A revolução encerra modificações no Estado e na economia que alteram a relação fundamental das classes, que desalojam do poder a até então classe ou classes dominantes e levam ao poder a classe ou as classes até então oprimidas. No caso especial da sociedade capitalista desenvolvida, trata-se do afastamento da classe capitalista e de seus apêndices do poder e a tomada do poder pela classe trabalhadora. O poder no Estado apóia-se em última instância no emprego de organizações armadas — exército, marinha, polícia, etc. Por isso, o ato decisivo da revolução é a derrota, a desintegração e a destruição do poder armado da classe até aí dominante por meio do poder armado da classe até aí oprimida. Esse é o pressuposto para que a classe dominante possa ser afastada também dos postos de poder econômico, ou seja, para que lhe seja suprimido o direito de dispor dos meios de produção.

Por isso toda revolução social efetiva em uma sociedade de classes é um ato de violência ou uma série de atos de violência — mas não o contrário. Nem todo ato de violência é revolucionário.

Desse modo, poderia parecer que o reformismo é aquela direção do movimento operário que se limita às reformas e que recusa a revolução, enquanto a direção revolucionária tem como objetivo a revolução e recusa as reformas.

Porém, isso não é assim. A direção revolucionária luta também por reformas. No entanto, a luta por reformas é diferente para a direção revolucionária e para a direção reformista, tanto no objetivo, quanto no conteúdo e na extensão. A direção revolucionária liga a luta pelas reformas com a luta pela revolução. Ela orienta a luta por reformas para a revolução, quando, a cada momento mostra a insuficiência de cada reforma e, assim, deduz a necessidade da revolução. À medida que a direção revolucionária conduz as lutas e reformas para o limite que corresponde à força da classe operária, ela está preparada em cada momento, havendo força suficiente, para fazer a luta por reformas transitar para a luta revolucionária pelo poder.

O reformismo é totalmente diferente. Quando ele luta por reformas é para a conservação — e não para a superação — da sociedade existente, é para evitar a revolução. Seu objetivo é, por isso, o oposto. O que tem consequências também para o conteúdo e a extensão das reformas, bem como para a maneira como a luta é conduzida. Ele ajusta o conteúdo das reformas não ao interesse e à força dos oprimidos, mas sim ao da classe dominante. Daí, ele limita a extensão da reforma ao que é permitido pelas classes dominantes. Ele interrompe a luta por reformas quando essa luta ameaça colocar em perigo o domínio das classes possuidoras ou quando elas apenas supõem que seu domínio esteja perigosamente ameaçado. Assim, o reformismo conduz a luta por reformas apenas na estreita e limitada extensão que o interesse de classe capitalista permite. Ele se empenha em exagerar o significado da reforma mais discreta e mutilada. Ele não impele para frente a massa do povo em sua luta por reformas; ele a detém. E ele procura limitar os métodos de luta àqueles que a legalidade burguesa permite. O reformismo é obrigado até a travestir medidas reacionárias com a aparência de reformas, a fim de torná-las mais palatáveis às massas.

Enquanto a direção revolucionária — ou partido — concebe tanto a luta por reformas quanto a luta pela revolução e subordina a luta pela reforma à luta pela revolução. Assim, um partido ou direção reformista só pode conduzir a luta por reformas de uma maneira limitada e atrofiada.

Apenas quem está preparado para levar adiante a luta por reformas, com a correspondente força da classe operária, até a revolução, apenas este está apto a ir até o fim na luta por reformas. Quem não está preparado para isso, acaba ficando, a cada instante, no meio do caminho ou fica horrorizado diante de uma luta por reformas. Neste último caso, quando as classes dominantes contrapõem-se a determinadas reformas, que de forma alguma suprimem a ordem social dominante. Assim, o direito de greve não é nada que não seja conciliável com a ordem capitalista. Apesar disso, por exemplo, na Alemanha, o reformismo concordou com a sua limitação (pela “ordem de arbitragem”) e opôs-se até mesmo à eliminação dessa restrição, etc.

O oportunismo no movimento operário compreende o mesmo objeto do reformismo, mas visto por outro lado. Ele significa a renúncia ao objetivo final socialista como diretriz para a luta cotidiana, para a luta por reformas para a classe operária. Em seu lugar, entra o interesse de classe burguês como a última e decisiva instância para a luta cotidiana. O anarquismo é o pólo oposto do oportunismo. Sua essência consiste na renúncia à luta cotidiana como meio para a preparação da luta em torno do objetivo final socialista.

A política revolucionária da classe operária movimenta-se no meio do caminho entre esses dois pólos: ela consiste na conservação do objetivo final socialista como meta e ponto final em todas as lutas cotidianas. Ela une ambos os lados, que tanto o oportunismo quanto também o anarquismo separam.

Como se comportam, enfim, o reformismo e o oportunismo como direções no movimento operário, um em relação ao outro? Eles descrevem a mesma coisa, mas apresentam diferentes características principais e podem ser vistos por lados e ângulos diferentes.

Ambas as descrições, tomadas em separado ou juntas, dão apenas uma imagem da coisa geral, abstrata e sem vida. Para se conseguir uma imagem concreta, distinta e vivaz, deve— se recorrer ao movimento real designado por esses rótulos, e deve-se também compreender esse movimento em seu processo histórico, em seu desenvolvimento e no seu contexto histórico.

Para se entender a essência do reformismo no movimento operário deve-se perguntar: o que ele significa, do ponto de vista de classe? A questão deve parecer primeiramente estranha, até mesmo ininteligível ao trabalhador confuso com o reformismo. Ele responderá: é apenas uma determinada concepção no interior da classe operária. Com isso, responde-se apenas à questão da classe na qual o reformismo tem seguidores. Mas se se trata de uma determinada concepção política, deve-se colocar ainda uma questão mais além e essencial, a saber, qual interesse de classe corresponde a essa concepção? E aí a experiência histórica mostra que ambas as questões podem muito bem exigir respostas opostas. É um fato histórico bem conhecido que a classe trabalhadora esteve por longo tempo sob influência de concepção burguesa, antes de ela desenvolver sua própria concepção de classe. Esta última só apareceu de forma cientificamente fundamentada através de Karl Marx e Friedrich Engels nos anos quarenta do século passado. Examinando— se sob esse ângulo, o reformismo expressa interesses de classe burgueses; ele é a representação de interesses de classe burgueses no interior da classe operária. Ele significa a subordinação dos interesses da classe operária à classe capitalista. O reformismo é, portanto, um produto híbrido, ele é uma contradição contínua, no qual a concepção da classe antagônica, a classe capitalista, é enxertada na classe operária. A partir disso surgem algumas importantes conclusões:

Primeiro: para as parcelas da classe operária que apoiam o reformismo, esse apoio pode ser apenas temporário, passageiro. Com a intensificação das lutas de classe, a concepção de classe proletária ou revolucionária deve penetrar também nessa parcela.

Segundo: há, entretanto, uma determinada classe, que ocupa econômica e socialmente um lugar intermediário entre a classe operária e a classe capitalista — a pequena—burguesia. A pequena—burguesia é, assim, a portadora natural do reformismo, a líder natural do movimento reformista, a mediadora natural das concepções de classe burguesas na classe operária. Apesar disso, os líderes do reformismo, como Marx já notou, não são geralmente de origem social pequeno—burguesa. Para os ideólogos pequeno—burgueses do reformismo é característico que eles em suas idéias não possam ultrapassar a fronteira que a pequena— burguesia socialmente não é capaz de ultrapassar. O desenvolvimento econômico criou um elemento na aristocracia operária, que parcialmente se aproxima da pequena—burguesia, com ela se mistura, e que, na época do imperialismo, fornece principalmente os líderes e os quadros para o reformismo.

No entanto, em virtude de sua posição de classe, esses líderes e quadros do reformismo estão a ele vinculados firmemente, de forma totalmente diferente das amplas massas de trabalhadores que os seguem. O distanciamento dos trabalhadores do reformismo expressa-se, organizatoriamente, pela cisão entre esses líderes e seus seguidores proletários. Essa ruptura pode assumir formas variadas, de acordo com as circunstâncias históricas.

A França é o país no qual a maioria dos fenómenos políticos foram primeiramente identificados em sua forma clássica. A característica que Marx no “Dezoito Brumário” dá ao Partido Socialdemocrata pequeno-burguês dos anos 40, alcança os traços essenciais do reformismo em geral. Marx descreveu assim a conduta desse partido em 1849:

Quebrou-se o aspecto revolucionário das reivindicações sociais do proletariado e deu-se a elas uma feição democrática; despiu-se a forma puramente política das reivindicações democráticas da pequena burguesia e ressaltou-se o seu aspecto socialista (…) [O caráter peculiar da socialdemocracia resume-se no fato de exigir] instituições democrático-republicanas como meio não de acabar com dois extremos, capital e trabalho assalariado, mas de enfraquecer seu antagonismo e transformá-lo em harmonia. Por mais diferentes que sejam as medidas propostas para alcançar esse objetivo, por mais que sejam enfeitadas com concepções mais ou menos revolucionárias, o conteúdo permanece o mesmo. Esse conteúdo é a transformação da sociedade por um processo democrático, porém uma transformação dentro dos limites da pequena-burguesia. [1]

A socialdemocracia alemã, o Labour Party inglês, os mencheviques russos, eles todos enquadram-se nessas características gerais, apesar das diferenças locais e temporais que possam ter essas manifestações, nas quais o caráter básico se expressa. É com essas formas de manifestações do reformismo sob diferentes condições de classe em geral e em variadas situações das lutas de classes que vamos agora rapidamente nos ocupar.

Comecemos “em casa”, na Alemanha. A socialdemocracia do pré-guerra uniu dois objetivos: a luta contra a monarquia agrária (dos junker), burocrática e militar — portanto, por reformas democráticas — e a luta pelo socialismo. Esse é o fundamento objetivo que conservava a direção reformista e a revolucionária na classe operária até a guerra, ainda em um mesmo partido. A guerra mundial quebrou essa unidade, na medida em que criou uma situação revolucionária. Assim, a guerra obrigou o reformismo a uma decisão: pelo imperialismo ou pelo socialismo, pela revolução ou contra ela. O reformismo decidiu-se pelo imperialismo e contra a revolução. Na eclosão da Revolução de Novembro, à qual o reformismo se opusera até o fim, veio à tona a questão: conservação da revolução nos limites burgueses ou sua continuação no sentido da revolução socialista, democracia-burguesa ou ditadura do proletariado, república burguesa ou república dos conselhos. A decisão de 4 de agosto de 1914 determinou a de novembro de 1918. A socialdemocracia tornou-se o pólo, o ponto de encontro, o esteio ativo da contra-revolução.

Com o estrangulamento provisório da revolução proletária, a conclusão da revolução burguesa, a consolidação da república burguesa e a superação da crise do pós-guerra modifica-se novamente a forma de manifestação do reformismo na Alemanha — mantido o seu caráter fundamental.

Novas contradições se desenvolvem sobre os novos fundamentos burgueses. De fato, acalmaram-se, por enquanto, as ondas revolucionárias, a luta de classe se reduz por ora a meras lutas cotidianas por reivindicações parciais e reformas. No entanto, permaneceu a crise geral do capitalismo. A república burguesa está aí. Entre a república burguesa e a república dos conselhos não há mais nenhum degrau burguês intermediário. As lutas cotidianas da classe operária na república burguesa devem conduzir, assim, em seu desdobramento e por causa de abalos sociais profundos, diretamente para a revolução socialista. Se, na época crítica da revolução, da luta imediata pelo poder entre o proletariado e a burguesia, o que valia para o reformismo era derrotar ativamente a parte revolucionária do proletariado, agora a tarefa do reformismo é a de reter a luta cotidiana da classe operária nos limites burgueses e evitar as novas explosões da luta pelo poder. Disso deriva que a tarefa geral do reformismo no tempo presente, entre duas revoluções, é a de represar, impedir e truncar as lutas cotidianas, quebrar seu ápice revolucionário, isto é, manter o mais baixo possível o fogo da luta de classes.

Também nessa área é impossível para o reformismo na Alemanha o retorno para a posição de antes da guerra, que se expressava na palavra-de-ordem: “A esse sistema nenhum homem e nenhum vintém”. “Esse sistema” tornou-se o mesmo ao qual se associa o reformismo.

As perspectivas futuras do reformismo no solo alemão resultam claramente da perspectiva da luta de classes na Alemanha. Essa perspectiva geral é a revolução proletária. Ela somente é possível se o reformismo desarraigar-se da classe operária, se sua influência for reduzida à insignificância. Dito de modo distinto: se o comunismo ganhar a maioria da classe operária para seus princípios e objetivos, para a ditadura do proletariado e para os conselhos e a maioria dos trabalhadores for por ele liderada. Que papel terá o reformismo no futuro imediato das lutas pelo poder do proletariado, mostra-nos tanto o seu papel nas lutas recentes pelo poder na Alemanha, quanto o papel do menchevismo russo no processo da revolução russa.

Ele se tornará, em primeiro lugar e novamente, o ponto de encontro de todas as forças da contrarrevolução, e se tornará, no final, um apêndice do pólo extremo da contrarrevolução, dos guardas brancos da grande burguesia, dos junker, dos clérigos, de seus generais brancos e pretendentes à coroa.

Essa é a perspectiva do reformismo em geral.

As formas do processo de liquidação do reformismo ninguém pode hoje prever ou predizer em suas particularidades. Apenas é claro que elas podem se tornar variadas e múltiplas, de uma forma que ninguém hoje pode saber, e que a liquidação desse colosso de pés de barro não se dará sem grandes cisões, destruições, etc.

Isso dependerá, por um lado, da marcha concreta das lutas de massa, que conduzem à revolução proletária, e, por outro lado, da tática do partido operário revolucionário, do Partido Comunista, assim como do próprio reformismo.


[1] MARX, Karl. O 18 Brumário e Cartas a Kugelmann, Editora Paz e Terra, tradução revista por Leandro Konder, 1974: Rio de Janeiro, p. 48. O trecho em colchetes foi omitido no original. (Nota da tradução).(retornar ao texto)

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