Por que parte da esquerda abraça a conservadora Hannah Arendt?

Por Verônica Maria Domingues

Não é segredo para ninguém que uma boa parte da esquerda no Brasil é ligada ao trotskismo, seja de forma direta por meio daqueles que reivindicam a figura de Trotsky, ou de forma indireta em que o indivíduo propaga ideias do trotskysmo sem mesmo estar a par desse debate. Essas origens da esquerda brasileira influenciam diretamente na ampla aceitação da produção da filósofa alemã em nosso espectro político. Falo isso porque é característico de um trotskysmo pedante – pois, veja bem, o problema não é o camarada Trotsky nem mesmo os militantes que se reivindicam trotskystas, mas sim as práticas políticas abertamente anticomunistas que algumas organizações e indivíduos que dizem falar por Trotsky cometem deliberadamente – buscar sempre um acerto de contas com o dito “stalinismo” e essa revanche totalmente egóica, moral e pessoal faz com que indivíduos e organizações se apaixonem pelo anticomunismo travestido de crítica ao camarada Stalin.

Primeiro é preciso colocar alguns panos limpos e dizer que “stalinismo” nada mais é do que uma expressão criada com o objetivo de difamar o socialismo em plena Guerra Fria e que, hoje, é utilizada por parte da esquerda para catalogar toda e qualquer experiência que não seja compatível com um tipo de socialismo puro, irreal e que só existe na cabeça de alguns. “Stalinismo” nunca existiu de fato, pois não se trata de uma corrente específica que trabalha uma própria interpretação do marxismo. Além disso, não foram os supostos devotos de Stalin que criaram o “stalinismo”, reivindicando uma interpretação própria do socialismo e de Marx, na realidade, o termo foi forjado pelo anticomunismo com o único intuito de, em meio a uma guerra de narrativas, pintar a democracia burguesa (do tipo norte-americana) como a única alternativa possível; e nisso, Hannah Arendt está diretamente envolvida.

A Guerra Fria, a CIA e Arendt

Esse subtítulo talvez pareça um pouco conspiracionista, mas é fato que Hannah Arendt foi financiada pela CIA, não só ela, mas muitos outros intelectuais que demonstravam ter um bom potencial anticomunista. No livro Quem Pagou a Conta da historiadora e jornalista britânica Frances Saunders, é explorado justamente essa questão de a agência norte-americana utilizar-se dos escritos de intelectuais influentes para propagandear anticomunismo em todo o Ocidente. Para ser justa, nem todas as pessoas financiadas sabiam, diretamente, que estavam sendo cooptadas pela CIA; na realidade, a autora diz que é difícil saber quem de fato “assinava um contrato com a CIA” e quem apenas era divulgado pela mesma sem ter conhecimento. Porém, muitos desses intelectuais ficavam hospedados em hotéis de luxo “quanto tempo fosse necessário”, tudo na conta do governo americano, para que escrevessem seus livros, artigos e publicações e disso, todos eles sabiam, afinal, alguém pagava a conta da estadia, e se não era eles mesmos, era quem os convidou.

A CIA tinha um certo receio em financiar diretamente os intelectuais, o medo era que essa “guerra cultural” fosse descoberta e que todo o seu plano fosse por água abaixo. Por isso, então, a Agência Central de Inteligência estadunidense, procurava impulsionar os escritores e demais artistas sem que eles mesmos soubessem, na maioria das vezes.

O trabalho que a CIA tinha de “financiamento” consistia em comprar diversos exemplares dos intelectuais, em alguns dos casos mais de 50 mil, para então revendê-los ou até mesmo distribuí-los (muitas das vezes em escolas). O intuito é que nenhum exemplar se perdesse, não fosse vendido ou, mais especificamente, deixasse de ser lido. No caso específico da Arendt, a autora viajava por várias partes dos EUA e, como o título do livro mesmo sugere, quem pagava a conta era o governo dos Estados Unidos, e disso ela sabia. O que talvez não soubesse é que diversos livros seus foram comprados pela CIA e distribuídos em escolas, ou ainda que várias de suas publicações em revistas renomadas não aconteciam pelo seu “mérito”, mas porque tratavam-se de periódicos secretamente bancados pela agência que impulsionava somente os autores que eram interessantes para os Estados Unidos.

Autores influentes nos espaços acadêmicos não se construíram intelectualmente por pura coincidência, mérito ou sorte; na realidade, o fato de conhecermos poucos autores revolucionários e cultuarmos coletivamente autores medíocres é porque eles foram financiados e o seu sucesso foi totalmente forjado por interesses e objetivos ideológicos.

O trabalho que a CIA fazia era sorrateiro, impulsionava a carreira de diversos intelectuais nos bastidores, de uma forma que os mesmos, por vezes, achavam que tinham alcançado fama, sucesso e credibilidade por conta própria; enquanto, paralelamente, sabotavam a carreira de tantos outros que não eram favoráveis à ideologia hegemônica, como, por exemplo, o autor chileno Pablo Neruda, que foi impedido de ganhar diversos prêmios, como o Nobel da Literatura que ganharia em 1964.

O que a CIA ganhava com isso não é difícil de imaginar, pois em plena Guerra Fria, travar uma guerra ideológica contra a URSS era um objetivo fundamental de toda a política externa e interna dos Estados Unidos, política essa que surtiu efeito, pois conforme as décadas do século XX se passavam, mais a intelectualidade de esquerda abandonava o marxismo e o comunismo. Se a esquerda antes era hegemonicamente marxista, hoje sabemos que o trabalho árduo e constante da CIA em derrotar as ideias comunistas, funcionou. A pós-modernidade, portanto, não ganhou forças nos anos 80 e 90 somente por fatores políticos como a derrubada da URSS e do muro de Berlim, mas também por uma longa investida de décadas da CIA para que a esquerda não fosse mais dominada pelo pensamento marxista.

A autora do livro Quem Pagou a Conta comenta que a CIA não pretendia fazer um grande trabalho de massas nessas investidas sorrateiras aos intelectuais; isso Hollywood já fazia muito bem com seus filmes super famosos em que o vilão era sempre um soviético. Também não queria pregar a missa para já convertidos, por isso, não investia em autores de direita totalmente pró Estados Unidos, pois esses já faziam um bom trabalho em manter convictos aqueles norte-americanos obcecados pelo próprio país.

Por isso, a CIA, ironicamente, investiu em intelectuais que apesar de anticomunistas, também fizessem, às vezes, leves críticas aos Estados Unidos. A CIA não via problemas em financiar quem fazia críticas inofensivas à “terra da liberdade”, pois como eram inofensivas não atrapalhavam em nada o andamento dos seus objetivos, muito pelo contrário, até corroborava com a narrativa forjada de que se tratavam de intelectuais “neutros” ou até mesmo “progressistas”. Por isso, ao tentar defender Hannah Arendt, utilizar o argumento de que uma vez na vida, ali e aqui, ela criticou os Estados Unidos, não é válido, pois críticas inofensivas não atrapalham os objetivos do capital, muito pelo contrário, até são utilizadas por eles.

Um exemplo atual disso, é quando mulheres, negros e LGBTs criticam o capital por terem poucas figuras “representativas” e as marcas se apropriam dessa crítica e a incorporam, colocando negros, mulheres e LGBTs em posições de destaque. Com isso, fazem com que a crítica não os destrua, mas, pelo contrário, as fortaleça, mostrando que são “abertos a críticas” e dispostos a mudar, reforçando uma lógica de que não são os inimigos. Da mesma forma, no passado, quando a CIA investia em intelectuais que faziam críticas inofensivas aos EUA, mostravam que o “país da liberdade”, diferentemente da URSS (segundo a narrativa deles), não censurava seus opositores e os deixava livres para criticá-los; tudo isso como cortina de fumaça enquanto perseguiam, torturavam e assassinavam os verdadeiros opositores.

Retornando por fim ao tempo presente, novamente, a esquerda inofensiva é constantemente incorporada pelo capital e não tem nada de contraditório e estranho nisso. Não à toa figuras do PT, PDT e PSOL são financiadas por grandes corporações, e guiados a atuar assassinando a esquerda marxista, para então se tornarem hegemônicos dentro do espectro político. Esta esquerda não radical é utilizada para a aniquilação do pensamento marxista, que este sim, é incontrolável pelo capitalismo e prejudicial ao mesmo. As grandes corporações sabem que é impossível eliminar a esquerda por completo, ainda mais em um país tão desigual onde as injustiças constantemente são escancaradas e, por isso, tentam moldá-la de uma forma que torne-se cada dia mais inofensiva.

Volto agora a Guerra Fria norte-americana e as reais intenções da CIA, que eram mostrar para a esquerda que existe uma alternativa dentro desse espectro político que não era nem pró Estados Unidos e nem comunista, a denominada “esquerda não marxista”. O que por vezes acreditamos é que neste período histórico a dicotomia entre Estados Unidos e URSS era extremamente limitante e todos tinham que buscar escolher um lado, porém, a realidade não era exatamente desse jeito. Já existam aqueles que se colocavam contrários a ambos e buscavam uma alternativa menos “radicalizada”, o “centro” não é um fenômeno dos dias atuais, mas é, sem dúvidas, um fenômeno financiado pelo liberalismo desde a época da Guerra Fria.

A CIA, assim como as grandes corporações brasileiras atuais, sabia que não podia eliminar de forma absoluta todo um espectro político, ainda mais porque os Estados Unidos viviam imersos em contradições, feriam liberdades constantemente, oprimiam completamente o povo negro seja pela segregação direta nos estados sulistas ou por todo o racismo estrutural e institucional no país inteiro. Essas injustiças que o povo sentia na pele, despertavam neles um sentimento genuíno de esquerda, ou pelo menos um sentimento de dúvida com a dita “liberdade americana”. O que a CIA pretendia, portanto, era organizar a esquerda de uma forma que ela se tornasse controlável e até mesmo inofensiva, e o marxismo representava o oposto. Não à toa, enquanto incentivava o crescimento dessa esquerda, aniquilava completamente a esquerda marxista dentro do país, pois como sabemos o Partido Comunista dos Estados Unidos foi um dos mais perseguidos e foi, praticamente, extinguido; assim como o Partido dos Panteras Negras (também marxista-leninista) que foi amplamente perseguido.

Ao eliminar fisicamente a esquerda marxista do país, era preciso garantir que ela ideologicamente também fosse massacrada e é preciso sempre lembrar que o marxismo não foi perdendo campo por meras coincidências, a esquerda hippie, pós-moderna ganhava força porque era intencional, a CIA queria que eles ganhassem força e se tornassem hegemônicos na esquerda. O assassinato do marxismo no Ocidente não foi culpa dele mesmo, como muitos insinuam ao dizer que o marxismo nunca foi próximo do povo, dos negros, das mulheres e da pauta LGBT e isso possivelmente tenha sido uma das causas do fracasso. Muito pelo contrário, a aproximação dessas pautas com o movimento hippie, por exemplo, não foi algo natural, mas sim um casamento totalmente forjado pela CIA. A esquerda marxista sempre esteve comprometida com os debates antipatriarcais e anticoloniais e o afastamento dela com o povo foi algo arquitetado, uma vez que o casamento entre comunismo e a classe trabalhadora é uma arma letal ao capitalismo protegido pelos EUA.

Se você duvida de mim e da autora Frances Saunders, alegando que somos comunistas intencionadas a difamar a Hannah Arendt – algo que Frances sem dúvida não o é e eu de fato sou – o livro da jornalista e historiadora repercutiu mundialmente, tanto é que se não acredita em mim, alguns portais de informação tipicamente liberais aqui do Brasil divulgaram esse livro (inclusive citando o nome da Hannah Arendt na reportagem). E eu não acho que a Folha de São Paulo nem o Estadão sejam de esquerda, na verdade ninguém racionalmente pensa isso, apenas pessoas mal-intencionadas como o Bolsonaro, que cá tenho minhas dúvidas se de fato acha ou apenas aponta isso propositalmente.

Apesar de Frances ter argumentado que a CIA investia em intelectuais que pareciam ser minimamente progressistas, me parece que a agência também promovia autores conservadores e liberais travestidos de “neutros”. Essa, é uma interpretação minha, que pode vir a explicar porque autores como Hannah Arendt também foram promovidos nessa mesma leva. Para mim, parece que a CIA também tinha o interesse de infiltrar dentro da esquerda intelectuais liberais e conservadores sem que a esquerda percebesse que, ao reproduzir o pensamento destes indivíduos, estava reproduzindo puro liberalismo. Digo isso porque Hannah Arendt não fazia parte da esquerda anticomunista, Arendt era de direita e se encaixaria naquele padrão atual brasileiro de “liberal na economia e conservadora nos costumes”. Acontece que pessoas como a filosofa alemã eram extremamente interessantes para os Estados Unidos e suas intenções, isso porque era possível infiltrar ideias completamente liberais dentro do cerne esquerdista travestida de concepções “universais”, “democráticas” ou então “sem espectro político”.

Obviamente os escritos de Hannah Arendt, assim como tudo nessa vida, possuem um viés ideológico, mas o jeito que ela escreve sua obra, possibilita essa transformação de seus escritos em “universais” e “não ideológicos”. Melhor dizendo, Arendt intencionalmente quis que seus conceitos parecessem neutros e que se tratassem de uma defesa universal da democracia, pois isso faria com que eles fossem mais facilmente aceitos e amplamente divulgados.

Para CIA, a neutralidade era ainda melhor que o progressismo, pois ele se torna, de certa maneira, incontestável. Ora, se a democracia é um bem universal, quem em sã consciência irá se propor a criticá-la? Somente um ditador em potencial, não é mesmo? E é exatamente sobre isso que se trata a obra de Hannah Arendt: sobre universalização de conceitos para que seja impossível criticá-la. Se a democracia não é burguesa, mas sim universal e representa o antagonismo personificado das ditaduras, logo, quem a crítica é um apoiador de ditaduras.

Hannah Arendt se fez difícil de encaixar em espectros ideológicos e é, inclusive, por isso, que grande parte da esquerda a abraça com convicção de que se trata de uma progressista nata. Mas, posso provar que fez isso de forma completamente intencional, e não porque de fato suas análises são dúbias e é um direito de cada um interpretá-la como bem entender.

Conservadora, liberal ou progressista? Classificando a neutralidade.

Muitos tentam encaixar Arendt na esquerda, tal qual uma criança tenta encaixar um círculo em um triângulo naqueles brinquedos cheios de formatos geométricos. Mas, antes de consolidá-la aqui como conservadora, talvez seria interessante ler o que a própria Hannah dizia sobre ela.

Separei aqui um trecho de uma reportagem sobre a biografia da filósofa alemã, publicada na Folha:

“Um amigo perguntou certa vez a Hannah Arendt o que ela era, afinal. Uma conservadora? Uma liberal? ‘Não sei’, disse ela. ‘Eu realmente não sei e nunca soube. Você sabe que a esquerda pensa que eu sou conservadora, e os conservadores às vezes pensam que eu sou da esquerda. Devo dizer que eu não poderia preocupar-me menos. Não penso que as verdadeiras questões deste século receberão qualquer espécie de esclarecimento dessa maneira”

Bom, uma espécie de piada que se popularizou nos últimos tempos – e se popularizou justamente por tratar-se de uma verdade – nos conta que toda pessoa neutra ou que tenta se manter sem ideologia é uma pessoa de direita com medo de dizer. Porém, mais do que isso, o que Arendt falou sobre si própria revela completamente o quanto seu trabalho intelectual caminha na direção de uma despolitização propriamente dita de quem tenta universalizar as coisas. Vou ser mais didática: há uma tentativa equivocada de certos agentes políticos em despolitizar, universalizar e tirar a ideologia de algumas coisas. Não é difícil encontrar algum progressista falando algo como “a democracia não é um valor de direita e nem de esquerda, mas deve ser defendido por todos nós, independente do lado político”. Quando Arendt coloca que as questões fundamentais do século XX não serão resolvidas através dos espectros políticos, o que eu concluo é que, justamente, ela parte do princípio de que algumas coisas devem ser universais e não devem tentar ser ideologizadas, o que é uma completa mentira.

1. Sobre o conceito “universal” de democracia:

Ora, a democracia é sim um valor com ideologia, pois não existe nada que seja neutro nesse mundo. Tentar universalizar conceitos é esquecer de fazer uma análise da totalidade e, pior, é esquecer ou ignorar que a sociedade é dividida em classes antagônicas e, portanto, dividida também em divergentes interesses. A questão é que, nesse embate, historicamente, a classe burguesa está ganhando e quem ganha o jogo dita as regras dele. O que isso significa? Significa que enquanto classe dominante a burguesia não controla somente o Estado, mas as ideias dominantes, a educação, a pedagogia e até mesmo a linguagem. Se a burguesia é quem ganhou, é a ideologia que a favorece que será hegemônica e que fará parte do imaginário do dito “senso comum”. A grande questão em torno do “senso comum” é que, na maioria das vezes, ele não se apresenta como tal, mas sim como o “natural”.

Veja bem, poucas pessoas param para refletir que palavras, e suas interpretações, não são naturais, mas revelam interesses e também ideologias. A ideologia dominante não vai dizer que os conceitos de democracia, ditadura e revolução que aprendemos carregam um viés ideológico, mas sim vai apresentá-las como universais, como meras palavras, quando na verdade a linguagem também carrega ideologia. O problema disso é que como estamos acostumados com a linguagem tipicamente burguesa, temos dificuldade de aceitar e compreender a linguagem tipicamente revolucionária, por exemplo.

Todo mundo sabe o que é uma democracia no sentido burguês, é votar e eleger representantes, mas vai explicar democracia no sentido revolucionário, é bem difícil, pois já estamos viciados na conceituação burguesa de democracia. O grande problema é que as noções liberais não chegam até nós com rótulos, mas sim como uma verdade universal e absoluta.

Quando se vence uma luta entre as classes se ganha o direito de guiar o pensamento hegemônico, ou seja, é permitido que se crie a ideologia que vai ser ensinada a todos desde o primeiro dia do nascimento e, portanto, perpetuada como uma não ideologia, mas sim como uma verdade.

Chega a ser ingênuo da parte de alguns acreditar que existam conceitos universais e neutros que não carregam nenhuma ideologia. A tentativa desse pensamento despolitizante é nos fazer acreditar que podem existir projetos, pensamentos e conceitos que a direita e a esquerda, em conjunto, podem defender; pois tratam-se de assuntos que superam a ideologia e que são comuns a todos os seres humanos. É como se existissem valores universais dos quais toda a humanidade tem o dever de defender; a democracia é um conceito que tenta se passar por isso.

Arendt, portanto, quando comenta não se importar em ser de esquerda ou de direita, colabora com esse pensamento de que há noções, e estas seriam as necessárias e corretas, que extrapolam a política e que devem ser defendidas por qualquer pessoa boa, independente do posicionamento político.

Por exemplo, quando tenta-se construir uma “frente ampla” extremamente abrangente que inclua todos os partidos de esquerda e mais partidos de direita como PSDB, o que se pensa é que é preciso construir uma frente democrática em que diferentes partidos, de esquerda e até mesmo de direita, consigam concordar em um ideal em comum: a defesa da democracia. O que esse tipo de ideia ignora, porém, é justamente que o conceito de democracia não é universal e abstrato e que diferentes ideologias defendem diferentes democracias. Assim como, obviamente, diferentes partidos também não têm como defender um mesmo projeto de democracia.

Não existe uma única democracia em absoluto, existem várias democracias e o problema em universalizar o conceito é que esse ato mascara o tom político que cada tipo de democracia carrega. Democracias carregam sufixos como “popular” ou “burguesa” e esses complementos são extremamente importantes para demonstrar-nos a quem essa democracia serve. Pode parecer redundante afirmar que uma democracia é popular, pois, para muitos, a definição de democracia em si é a inclusão total do povo, mas a realidade é bem diferente.

Sim, pode parecer insano, mas o aparato democrático (aquele mesmo que diz que todos são iguais, que possuem os mesmos direitos e deveres) é utilizado com diferentes finalidades nas diferentes democracias.

Quando a democracia é do tipo burguesa, por exemplo, isso significa que todo o aparato democrático, como o mecanismo dos votos, por exemplo, servirá à classe burguesa. Por isso, não é incomum que quando em uma votação o resultado não é favorável à burguesia, ocorra um golpe, mesmo em plena democracia funcionando, para que o candidato eleito seja substituído por alguém que agrade a classe burguesa. Os golpes institucionais não ferem o princípio da democracia, como alguns pensam, eles só evidenciam a quem aquela democracia serve e isso não podemos nos esquecer jamais.

O que eu quero dizer é que a democracia burguesa, utiliza-se dos aparatos democráticos para servir a burguesia, logo, toda a estrutura dessa democracia é utilizada para manter a burguesia no poder. Não à toa a estrutura da nossa democracia, por exemplo, está sempre mudando, e ela muda conforme o jogo para que nunca deixe de ser benéfica à burguesia. Alguns acham estranho que a democracia brasileira mude tanto, se remende, se altere e se contradiga; isso porque estes acreditam que a democracia é universal e não deve se alterar conforme os interesses. Mas, se soubessem desde o princípio que a democracia brasileira carrega o sufixo “burguesa”, entenderiam porque ela muda tanto conforme a conjuntura.

A democracia burguesa utiliza os aparatos democráticos para manter o poder da burguesia. Um exemplo? Esse tipo de democracia representativa que temos é uma boa maneira de manter a burguesia no poder, uma vez que a estrutura representativa é insuficiente para defender os interesses do mesmo, e todos os mecanismos democráticos que existem funcionam muito bem para manter a classe dominante onde está. E, não coincidentemente, democracias burguesas que entram em colapsos e que se tornam insuficientes para defender os interesses da burguesia, transformam-se em ditaduras.

Aliás, não é incomum que se transformem em ditaduras as democracias de tipo burguês nas quais a prioridade é servir à classe dominante; se o domínio da classe está em risco, por exemplo, a democracia é descartada para que outra forma política mais dura possa manter os dominantes no poder.

Uma democracia popular, por exemplo, demonstra que essa democracia está a serviço dos interesses do povo e que todo aparato democrático estruturar-se-á para defender e proteger os direitos da população.

Uma democracia, portanto, não deve ser analisada sob uma ótica moral que a rotulará como algo necessariamente bom, democracias podem ser ruins ou boas, depende da ideologia por trás e do norte político que elas têm. Da mesma forma que ditaduras não podem significar o antagonismo completo da democracia numa visão dicotômica, não podem ser vistas como essencialmente a personificação do “mal”. Ditaduras são um recurso político que servem para afirmar a dominância de uma classe sobre a outra.

Quando a democracia do tipo burguês entra em colapso, por exemplo, e torna-se insuficiente para defender os interesses burgueses, ela desagua em uma ditadura (também burguesa) que estará ali para reafirmar a dominação dos burgueses de forma mais violenta. Por exemplo, quando o capitalismo entra em uma de suas já esperadas crises, a classe burguesa quer manter seu lucro e seu modo de vida intactos; porém, teoricamente, em uma crise toda a nação sai prejudicada e a burguesia, para manter sua taxa de lucro exatamente a mesma (ou até maior) e não se enfraquecer perante uma crise correndo o risco de perder dominância, apoia uma ditadura que arrancará todos os direitos dos pobres, espremendo assim o elo mais fraco até a última gota, para que a classe dominante continue mantendo o mesmo estilo de vida e poder ainda que perante uma crise.

Veja, isso é o que acontece no Brasil de agora, por exemplo. Estamos vivendo uma crise econômica em nosso país intensa e duradoura, e nesses momentos de crise possivelmente pelo baixo poder de consumo dos trabalhadores e demais outros fatores, o lucro dos burgueses não seria tão alto em uma democracia comum. Para que o burguês continue lucrando como antes, mesmo durante uma crise econômica, é preciso que o outro lado (leia-se os trabalhadores) seja muito mais explorado (ou seja, trabalhem por mais horas, trabalhem sem décimo terceiro) para que o dinheiro que era de direito deles, passe a ir para a conta do burguês que assim não terá nenhum “prejuízo”. Não é de se estranhar, então, que as elites de um país apoiem ditaduras (sejam elas daquelas evidentes como a ditadura militar, ou aquelas que acontecem em pleno exercício da democracia burguesa, como a que estamos vivendo com Bolsonaro) em períodos de crise. Chega a ser ingênuo pensamentos como o de Jessé de Souza de que a nossa elite é atrasada e por isso é conservadora e apoia ditaduras; ora, as elites de todos os países, sejam elas derivadas de aristocracias ou do tipo “esclarecidas” oriundas do Iluminismo, apoiam ditaduras burguesas que nada mais são que um recurso político que manterá a taxa de lucro intacta e, principalmente, manterá a classe dominante no poder.
Quando a classe trabalhadora está organizada e com um grande potencial revolucionário ou quando a burguesia sente ameaças e sofre alguns pequenos arranhões, a ditadura é utilizada como um recurso mais eficiente de manutenção de poder. Se a democracia burguesa criou contradições demais e abriu brechas para que a classe trabalhadora se sentisse no direito de escolher seus caminhos, é papel da democracia que serve a classe dominante, convocar sua amiga ditadura para reafirmar quem é que manda. Por isso, inclusive, é tão comum ver golpes institucionais que para muitos não parecerão golpes, pois como eu disse, a democracia burguesa se utiliza de todo aparato democrático para defender os interesses da classe dominante, e nesses aparatos está incluso até a própria violação desses mesmos aparatos.

Por outro lado, quando a classe oprimida está finalmente organizada e consciente, pronta para fazer uma revolução, para afirmar que é a nova mandante do jogo, precisará também utilizar-se do recurso político da ditadura, mas dessa vez, uma ditadura do proletariado. Se a ditadura burguesa (e esta pode se encaixar a militar e tantas outras) serve para reafirmar o poder da classe já então dominante, a ditadura do proletariado serve para revolucionar o jogo e colocar no poder uma nova classe.

A ditadura do proletariado é necessária para alcançar uma nova sociedade, isso porque a classe antes dominante não entregará o poder de bom grado, forçando a classe trabalhadora a impor seus interesses. A diferença é que ditaduras burguesas são a imposição de uma minoria sobre uma maioria esmagadora e por isso são tão injustas; enquanto a ditadura do proletariado é a ditadura da imensa maioria sob uma minoria antirrevolucionária que impede que a sociedade alcance a igualdade.

Se acreditarmos que a democracia é sempre boa e a ditadura é sempre algo ruim, concluiremos que a ditadura do proletariado é um algo indesejado e que a democracia burguesa é superior a ela. Logo, concluiremos aquilo que liberais (à direita e à esquerda) não se cansam de repetir: “que a democracia não é perfeita, mas é o maior bem que conquistamos e a melhor forma de sistema que existe”. Ou seja, esse tipo de perspectiva invariavelmente moralista, nos impede de imaginar um mundo para além da democracia burguesa, colocando-a como a única alternativa possível, o que não é real.

2. Por que a universalização de conceitos é benéfica a intelectuais como Arendt?

Não é tão difícil assim responder a esta pergunta, pois se existem conceitos universais que abrangem a existência do “bem” e do “mal”, se existem conceitos e abstrações que devem ser defendidos pelos dois lados do espectro político, pois há noções que serão boas independentemente se vieram da direita ou da esquerda (como a democracia); existem também conceitos e abstrações que são ruins de “ambos os lados” (como a ditadura). Sendo assim, diante desse universo dicotômico e maniqueísta, fica difícil contestar as análises de Hannah Arendt sem parecer um apoiador de ditaduras sanguinárias, pois a autora se colocou numa posição muito confortável de estar sempre certa e do lado do “bem”. Quando ela fala que está além das concepções políticas de “esquerda” e “direita” e que não se importa com tais noções, ela se coloca na posição (falsa) de quem vai defender o certo independente do espectro político do qual ele venha, para ela então, o bem não é uma questão ideológica, ele simplesmente existe e precisa ser defendido e quem não o defende (seja de esquerda ou de direita) está errado.

Não à toa, Arendt compara Hitler e Stalin, categorizando ambos como extremos opostos que possuem similaridades. Com esse argumento ela se coloca numa posição muito confortável de pessoa “neutra” que não defenderia alguém tão horrível como Hitler só por ser de direita e muito menos alguém “tenebroso” como Stalin por ser de esquerda.

Ora, não é à toa, também, que hoje em dia enfrentamos as mais severas críticas quando defendemos experiências socialistas que foram rotuladas pela ideologia dominante como “ditaduras sanguinárias”. Quem em sã consciência defenderia ditaduras? Ou melhor, quem em sã consciência defenderia um Hitler invertido? Aliás, esse é o grande triunfo em utilizar uma figura tão amplamente detestada como Hitler em comparações ao inimigo, quando você iguala alguém a Hitler, fica difícil defender esse alguém sem parecer um “louco”.

Esse é o grande problema dessas teorias que tentam igualar os “dois extremos”, elas acabam por completo com qualquer percepção classista e minimamente revolucionária que os indivíduos possam vir a desenvolver, pois sentem-se acuados em fazer isso. Uma ditadura fascista – que não esqueçamos, se desenvolve a partir da degeneração da democracia burguesa e existe com a função de proteger a classe dominante durante uma crise – não é nem um pouco parecida com uma ditadura do proletariado. Na verdade, é importante dizer que os espectros políticos não são um círculo em que os dois “extremos” se encontram por sua semelhança; talvez, os espectros políticos estejam colocados em uma linha reta em que o começo é a extrema esquerda e o fim é a extrema direita, justamente porque são diametralmente opostos.

Mais do que isso, essa análise é completamente errada e rasa, justamente porque coloca a existência de um possível “centro” em que independentemente do lado (direita ou esquerda) existe uma neutralidade pautada pela defesa correta dos direitos humanos, da democracia e de tudo que é “bom”. Não existe essa neutralidade, nem mesmo no centro onde as pessoas tentam se colocar como isentas. O que existe nesse “meio termo” que Hannah Arendt descreve como sendo o “ideal” é a democracia burguesa e o liberalismo. E ao concluir isso, pensa-se que o nazismo e o fascismo foram desvios morais e não políticos. Ou seja, ao invés de entender que a extrema direita trata-se apenas da defesa mais bruta da classe burguesa e dos seus interesses, uma defesa que a direita “não-extrema” também já faz; conclui-se que trata-se de um desvio moral e ético que pode acontecer em ambos os lados, quase como se fosse um defeito de personalidade e não uma consequência política e econômica. Quando interepreta-se o centro como o “normal” ou o “desejável”, conclui-se que os extremos são desvios morais e despolitiza-se suas ações e práticas. É uma boa forma de isentar a burguesia da culpa que carrega na criação de ditaduras e uma ótima maneira de ignorar todas as razões políticas que levam uma experiência socialista a tornar seu Estado forte como forma de proteção (como por exemplo os ataques imperialistas, reacionários e etc).

O nazifascismo não é um desvio moral, foi um recurso político utilizado pela Itália e Alemanha em crises. Não é uma aberração inexplicável, mas sim a potencialização da violência da classe dominante para com a classe dominada, violência essa que já existia, só foi potencializada, como disse.

Com isso, não quero isentar o nazifascismo de toda a sua culpa pelas atrocidades que cometeu. Mas, ter um julgamento estritamente moral sobre os fenômenos nos atrapalha em enxergar a realidade e, mais, nos atrapalha em entender que o verdadeiro inimigo é de classe, e não supostos “extremos” que são aberrações morais.

Se o nazifascimo, ou qualquer outra ditadura de direita, são a potencialização da violência que já existe sob a democracia burguesa; do que se trata então as “ditaduras” de esquerda? Como disse anteriormente, trata-se da violência revolucionária apropriada pela classe trabalhadora para a ascensão ao poder. Tendo chegado ao poder, esta classe expropriará os meios de produção, distribuirá terras, renda e tudo que antes era um privilégio burguês. Porém, a retirada da burguesia do poder não é tarefa simples, até porque a burguesia é uma classe, e como classe não existe em um único país, mas em vários. Então, por exemplo, quando um país consegue fazer sua própria revolução e aniquila sua própria burguesia, os burgueses de todos os outros países tentam derrubar aquela experiência de forma incansável. A luta contra a burguesia não acaba quando fuzila-se os proprietários de terras daquele país, pois a burguesia não acaba nos limites da fronteira. A guerra contra a burguesia, aliás, também se dá no campo ideológico e, por isso, é preciso existir a ditadura do proletariado, para impedir que ideias burguesas continuem proliferando mesmo depois da morte dos burgueses locais. As ideias não morrem quando a classe que as fabricou desaparece, e elas, justamente por terem sido perpetuadas como “verdades” e não como ideias, continuarão atormentando a revolução. As forças antirrevolucionárias existirão após uma revolução e para lidar com elas é necessário utilizar-se do recurso político da ditadura.

3. Hannah Arendt, uma conservadora confirmada:

Se a filósofa não fazia questão de se definir, seus escritos tratam de defini-la e nos permitem confirmar que ela é uma conservadora sem sombra de dúvidas.

Antes de mais nada, precisamos entender qual é o real significado de ser um conservador para além das nossas concepções atuais. Basicamente, um conservador é aquele que rejeita as mudanças radicais da sociedade, para ele, os costumes e todo os “bens” que a humanidade conquistou devem ser preservados e as mudanças devem ser extremamente lentas e gradativas. Por isso, um conservador é, fundamentalmente, um antirrevolucionário e completamente um apoiador do capitalismo. Isso porque sabemos que o capitalismo só será vencido com mudanças radicais na estrutura que exigem, portanto, um processo revolucionário; sendo assim, se o conservador se coloca contra toda e qualquer revolução e contra mudanças estruturais, logo, ele se coloca como um defensor da estrutura vigente.

Não é incomum, portanto, ver conservadores negarem que são racistas, homofóbicos e machistas; o que eles alegam é que não possuem preconceitos, apenas que são contrários às imposições “radicais” destes grupos oprimidos e que as mudanças nos costumes precisam ser gradativas, pois é preciso respeitar àqueles que não estão acostumados com tais mudanças e para que as transformações sejam aceitas então para toda a sociedade, é preciso que elas aconteçam de forma lenta para que não “ofendam” ninguém.

É aí que está a grande questão: Hannah Arendt em seu artigo Reflexões sobre o Little Rock, em que escreve sobre o caso histórico de uma menina negra que é matriculada em uma escola antes segregada e frequentada apenas por crianças brancas e precisa sair de lá escoltada pela polícia, uma vez que os pais das crianças brancas não aceitavam a presença da menina na escola e estavam a agredindo verbal e fisicamente; deixa explícito sua mentalidade conservadora, pois inúmeras vezes culpa a luta antirracista por “forçar” a presença de negros em lugares antes só frequentado por brancos, e não a estrutura em si por ser racista.

Vamos às palavras dela, então:

“Concordaria que o governo tem uma participação na educação de meu filho na medida em que essa criança deve crescer e se tornar cidadã, mas negaria que o governo tenha o direito de me dizer em que companhia o meu filho deva receber a sua instrução. Os direitos de os pais decidirem essas questões para os filhos até eles se tornarem adultos só são questionados pelas ditaduras”

Aqui o pensamento dela claramente evidencia um posicionamento tipicamente liberal em defesa da “liberdade de expressão” ou então do “direito à privacidade”. Ao falar sobre a decisão do governo de dessegregar a escola em questão, permitindo a matricula de uma menina negra, ela diz que o governo não tem direito de decidir com quem o suposto filho dela deveria se socializar e que, portanto, a atitude de rejeição dos pais à criança negra não é uma atitude condenável, mas sim um direito deles de exercer o seu livre pensamento. Pior, ela termina a frase dizendo que o direito dos pais decidirem o que querem pros filhos só são questionados por ditaduras e que, portanto, faz parte de uma democracia deixar que seus cidadãos livremente exerçam suas expressões e pensamentos, ainda que se tratem de racismo explícito. Sem mencionar que Arendt demonstra ter a visão de que os filhos são propriedade privada e que não é papel da sociedade como um todo educá-los, mas sim apenas dos “donos”.

É difícil imaginar um progressista típico defendendo esse tipo de análise. Mais que isso, não é difícil entender que o posicionamento dela é totalmente irracional, incoerente e mal argumentado, o que me faz pensar que ela não defende tal coisa por acreditar de fato nos direitos humanos, mas sim porque instrumentaliza todos os seus escritos em uma defesa absoluta da democracia burguesa norte-americana.

Um liberal de esquerda que verdadeiramente acredita nos direitos humanos argumentaria dizendo que a liberdade de expressão possui um limite e esse limite aparece quando a liberdade de um está ferindo a liberdade do outro (nesse caso a liberdade da menina negra estudar naquela escola). Não é o caso de Arendt, que defende o uso irrestrito das liberdades individuais, pois, assim, fica mais fácil de defender a democracia norte-americana em qualquer hipótese.

Por que eu afirmo isso? Bom, na mesma época em que Hannah Arendt escreve As Origens do Totalitarismo (1951) categorizando como totalitários apenas a Alemanha Nazista e a URSS “stalinista”, os Estados Unidos da América viviam uma política de segregação racial aprovada e regida pelo Estado através das leis. Arendt escreveu pouquíssimas, e totalmente leves, críticas sobre essas políticas dos Estados Unidos, mas nada que o país não pudesse usar como uma exibição do tipo “viu, nós somos democráticos e toleramos críticas”. Hannah Arendt não achava totalitário e nem ao menos antidemocrático a política segregacionista dos Estados Unidos. Para defender tal posicionamento, ela precisava estar ao lado daqueles que defendem as liberdades individuais irrestritas em qualquer hipótese, só assim talvez fizesse sentido apoiar a democracia norte-americana.

Mas isso soa um tanto quanto engraçado para quem se colocou nem ao lado da esquerda e nem da direita, mas sim do que “é certo”, ao lado dos direitos humanos. Ela, a criadora da frase “a essência dos direitos humanos é o direito a ter direitos”, não parece ter se importado tanto com o direito da população negra estadunidense. Mais do que isso, ela que faz análises políticas moralistas, alegando indiretamente a existência do “bem” e do “mal”, independente do espectro político, estranhamente não considerou maligna a política dos Estados Unidos de excluir negros de espaços públicos e oferecer aos brancos os melhores espaços dentro do país. Ora, se o bem ou o mal existe independente dos lados, por que Hannah Arendt não se prontificou a ficar do lado “certo” de toda essa situação, por que Arendt não ficou ao lado dos direitos humanos? Talvez porque não fosse esse o verdadeiro ponto dela.

As Origens do Totalitarismo foi escrito no auge da Guerra Fria, onde o nazismo já tinha sido completamente derrotado e Hitler já estava morto; o inimigo para os Estados Unidos então era somente um, a URSS. Se Hitler e o nazismo já estavam derrotados e seriam lembrados eternamente como, respectivamente, uma experiência horrível e como o pior homem da terra, qual a finalidade então de escrever um livro que falasse sobre ele e Stalin? A finalidade é muito simples, As Origens do Totalitarismo não foi escrito como forma de alerta, mas sim pensado e idealizado como um material capaz de destruir a URSS em todo o ocidente, esse era o único objetivo do livro e isso fica extremamente claro.

Hitler e o nazismo não são objetos de estudo do livro, e muito menos sujeitos; são utilizados como adjetivo, pois não há nada pior no mundo do que ser comparado a Hitler. O III Reich neste livro é utilizado único e exclusivamente para destruir a reputação de Stalin e isso fica muito evidente quando Hannah Arendt, diversas vezes, demonstra não ter o mínimo rigor científico em suas análises.

Hannah Arendt, judia alemã que saiu do país de origem em pleno nazismo porque corria de fato perigo ao continuar lá, se coloca numa posição de razão completa por causa de sua origem histórica. Por ser judia e alemã, muitos acreditam que tudo que ela fala sobre o nazismo está coberto de razão, afinal ela o viveu. Acontece que vivência nunca foi e nunca será ciência. Se fosse assim, aquele homem com mais de 60 anos, tipicamente reacionário que diz que a ditadura militar brasileira era um tempo bom, estaria coberto de razão, afinal, ele a viveu.

Hannah Arendt demonstra diversas vezes durante o livro não saber muito sobre o nazismo e suas origens. Tudo que ela tenta fazer é dar a entender que ditaduras “totalitárias” nascem de pessoas corrompidas pelo poder (em ambos os lados) e essa seria a única explicação. Não tem base econômica, política e muito menos histórica no que diz, o livro trata-se simplesmente da opinião dela.

Isso ficou muito evidente para mim quando ela ao falar sobre o anarquista Bakunin, dá a entender que ele era um “autoritário em potencial”, pois, segundo ela, todo revolucionário torna-se no dia seguinte à revolução um autoritário. Parece irônico, mas de fato ela chamou o homem que vivia brigando com os comunistas por denunciar um suposto autoritarismo nos mesmos, de um autoritário em potencial – que segundo ela só não era autoritário porque ainda não tinha consolidado uma revolução. Veja, não há rigor cientifico nessa afirmação, trata-se apenas de uma futurologia barata em que ela afirma de pé junto que todo revolucionário sempre será autoritário, mesmo que ela não tenha como prever os resultados de nenhuma revolução que ainda não aconteceu. Ou seja, isso é meramente a opinião dela, não é realmente uma análise que partiu de um método cientifico.

Acontece que não se precisa de método cientifico quando você já tem um objetivo muito claro e único, destruir a reputação de revolucionários e experiências socialistas, em especial a URSS. Veja bem que com o exemplo do Bakunin fica claro que o objetivo maior era, obviamente, jogar na lata do lixo a maior experiência socialista da época; porém, ela também tinha objetivos menores de demonstrar que qualquer revolucionário (marxista ou anarquista) estava errado.

Se ainda não se convenceu de que ela é uma conservadora, tenho um outro exemplo do mesmo artigo que ela escreveu:

“A ideia de que se pode mudar o mundo educando as crianças no espírito do futuro tem sido uma das marcas registradas das utopias políticas desde a Antiguidade. O problema com essa ideia tem sido sempre o mesmo: só pode dar certo se as crianças são realmente separadas de seus pais e criadas em instituições do Estado, ou doutrinadas na escola de tal modo que acabam se virando contra os próprios pais. É o que acontece nas tiranias. Por outro lado, se as autoridades públicas não estão dispostas a inferir as consequências de suas esperanças e premissas vagas, todo o experimento educacional acaba, na melhor das hipóteses, sem resultados, enquanto, no pior dos casos, irrita e antagoniza tanto os pais como os filhos, que sentem estar sendo privados de alguns direitos essenciais”.

Aqui temos um combo de conservadorismo. Primeiro, não tem nada mais conservador do que dizer que as escolas e o Estado têm o interesse em doutrinar as crianças na escola. Segundo, coloca a escola e a tentativa da instituição de acabar com a dessegregação matriculando alunos negros como as grandes culpadas pelo caso de racismo e por toda a repercussão. Veja bem, segundo ela a culpa não é dos racistas em si ou da estrutura racial, mas sim da escola que não respeitou a liberdade dos pais brancos de serem racistas e educar seus filhos de forma igualmente racista; de forma que estavam “forçando” algo ao ponto do que a escola ensinou entrar em conflito com ensino dos pais e, logicamente, como uma boa conservadora, a família é que tem razão e não a escola.

Para tornar todo esse trecho ainda pior, ela afirma sem base nenhuma que tiranias fazem isso, se utilizam da escola para colocar as crianças contra os pais. Com base em que ela fala isso, com base em que experiência? Que tirania fez isso? Se eu me lembro bem, ela define várias outras experiências como tiranas, não somente a experiência de Hitler e Stalin (os únicos totalitários, mas não os únicos ditadores e tiranos, segundo ela). Para ela, por exemplo, Mussolini era um tirano, mas ele jamais fez com que as escolas ensinassem o oposto do que os pais ensinavam para as crianças. Na verdade, o que essas ditaduras de extrema direita fazem é pegar a ideologia dominante (já tipicamente ensinada em sala de aula) e potencializá-la para algo ainda mais violento. O racismo, por exemplo, não foi inventado por Mussolini e aposto que antes dele já era ensinado em sala de aula, o que ele fez foi possivelmente cercear ainda mais as possibilidades de os alunos discordarem disso, que já eram escassas. Portanto, não estava opondo as crianças aos pais, muito provavelmente estava fazendo com que as escolas ensinassem às crianças tudo aquilo que grande parte dos pais já achava, só que de uma forma mais militarizada e rigorosa, apenas.

Se ainda não se convenceu de que Arendt culpabiliza a escola e a luta antirracista pelo episódio histórico e lastimável, temos aqui mais dois trechos:

“Mas nos obriga a advogar que a intervenção do governo seja guiada pela cautela e moderação em vez de pela impaciência e medidas imprudentes. Desde a decisão da Suprema Corte de impor a dessegregação nas escolas públicas, a situação geral no Sul tem se deteriorado”

“Forçar os pais a mandar os filhos para uma escola integrada contra a sua vontade significa privá-los de direitos que claramente lhes pertencem em todas as sociedades livres – o direito privado sobre seus filhos e o direito social à livre associação. Quanto às crianças, a integração forçada significa um conflito muito sério entre a casa e a escola, entre a sua vida privada e a social, e embora esses conflitos sejam comuns na vida adulta, não se pode esperar que as crianças saibam lidar com esses problemas, e assim não se deveria expô-las a eles”

Talvez você não considere esses trechos suficientes para provar que ela é conservadora e é um direito seu achar que são trechos descontextualizados ou de um possível deslize dela. Acontece que, então, se considerarmos ela uma progressista, é ainda pior, porque isso evidencia que o liberalismo de esquerda é extremamente similar ao liberalismo de direita e serve única e exclusivamente às estruturas vigentes de uma sociedade. Porque sim, essa é a definição do liberalismo em sua essência, é a ideologia em favor da classe burguesa! E toda ideologia que colabora com a permanência das estruturas burguesas, esteja ela com uma roupagem de esquerda ou de direita, é liberal.

Os famosos comparativos entre Hitler e Stalin.

Talvez, o maior motivo de fama das análises de Arendt é o comparativo entre Hitler e Stalin. Esse é um dos grandes motivos pelo qual a sua obra é tão referenciada e querida, até mesmo por boa parte da esquerda (afinal, uma vasta gama desse espectro político ainda busca um acerto de contas com a figura de Stalin).

Aqui, porém, não pretendo desmascarar cada um desses comparativos isoladamente, primeiro porque gastaria boa parte deste artigo e segundo porque melhor do que analisar cada uma das comparações, é entender como elas se originam e como Arendt as utiliza.

Uma das razões pelas quais Hannah Arendt justifica classificar como totalitário apenas Hitler e Stalin (excluindo dessa categoria uma vasta gama de ditadores) seria que apenas os dois quiseram “totalizar” as respectivas sociedades das quais comandavam e com isso ela quer dizer que os dois é quem demonstravam o maior interesse em “homogeneizar” completamente os indivíduos eliminando as diferenças. Se for assim, para mim Mussolini também se encaixaria nesse aspecto, mas para Arendt não.

Dentre todas as problemáticas dessa comparação, existe uma que para mim é fundamental, que é a interpretação do que é possivelmente “totalitário”. Para isso, vou pegar dois trechos que Hannah escreveu ainda no mesmo artigo sobre a escola norte-americana:

“Assim como o governo tem de assegurar que a discriminação social nunca cerceie a igualdade política, deve também salvaguardar os direitos de toda pessoa de agir como quiser dentro das quatro paredes da sua casa. No momento em que a discriminação social é legalmente imposta, torna-se perseguição, e muitos estados sulistas têm sido culpados desse crime. No momento em que a discriminação social é legalmente abolida, a liberdade da sociedade é violada, e o perigo é que o tratamento irrefletido da questão dos direitos civis pelo governo federal resulte numa violação desse tipo. O governo não pode tomar legitimamente nenhum passo contra a discriminação social, porque o governo só pode agir em nome da igualdade – um princípio que não existe na esfera social”

“Esse limite só é atingido quando são eliminados os extremos das desigualdades da condição econômica e educacional, mas nessa conjuntura surge invariavelmente um ponto crítico, bem conhecido dos estudiosos da história: quanto mais iguais as pessoas se tornam em todos os aspectos, e quanto mais igualdade permeia toda a textura da sociedade, mais as diferenças provocarão ressentimento, mais evidentes se tornarão aqueles que são visivelmente e por natureza diferentes dos outros”

No primeiro trecho Hannah Arendt trabalha com a ideia de que é impossível existir igualdade na esfera social e pra quem conhece um pouco mais dos textos dela, sabe que esse pensamento deriva da concepção de que os seres humanos são diferentes e tentar igualá-los é violentar as suas liberdades e as suas próprias diferenças. Pensamento também, tipicamente conservador.

No segundo trecho, além de seguir o mesmo raciocínio, Arendt demonstra novamente que não possui nenhum rigor científico para escrever as asneiras que escreve, ela diz que todos os estudiosos da história sabem que quanto mais iguais as pessoas se tornam e quanto mais igualdade existe nas sociedades, mais as diferenças ficam evidentes e mais ressentimentos existem. Ora, de que história esta mulher está falando? Com qual base histórica ela afirma que quanto mais iguais os indivíduos se tornam mais acirradas ficam as diferenças? Bom, eu sei de que história esta senhora se refere, da história dominante, da história hegemônica que é propagada pelo liberalismo. É impossível ler uma autora que considera que quanto mais iguais as sociedades se tornam mais acirradas as diferenças ficam (provocando violências e etc) e interpretá-la como sendo de esquerda. Para mim é tão óbvio que ela deixa bem claro que qualquer tentativa de trazer mais igualdade ao povo falhará. Para mim é tão claro o quão conservador são essas proposições, o quão antirrevolucionárias são que chega a ser inacreditável que alguém leia essa mulher e a considere progressista.

Tudo bem, você podia considerar que ela não era uma revolucionária, mas até mesmo o progressismo mais barato, vagabundo e reformista busca deixar a sociedade cada vez mais igual, coisa que a autora se demonstrou completamente contra, pois segundo ela isso viola as liberdades de uma sociedade.

Não se engane, não pense que Arendt defende o “direito de ser diferente” de cada um. Na realidade, é muito fácil perceber que para ela todo coletivo tem um potencial totalitário porque “fere” os princípios individuais. Então não, Arendt não seria uma defensora da luta LGBT, feminista e do movimento negro, muito pelo contrário, chamaria estes grupos de totalizadores que apagam as diferenças entre os indivíduos tentando “forçadamente” homogeneizar grupos. Não à toa, Arendt foi uma ferrenha crítica dos movimentos sociais, dizia não ver sentido no feminismo e criticava duramente o movimento negro, sempre sendo racista ao falar que “eles eram muito radicais, que exageravam muito”, sempre numa perspectiva de “negros raivosos”. Ou também, sempre na perspectiva de que os movimentos sociais estavam “exagerando muito” e que isso poderia causar um mal estar na sociedade, sempre culpando as mulheres por quando sofriam machismo e os negros por quando sofriam episódios racistas.

A negação de toda e qualquer coletividade, portanto, demonstra um liberalismo imenso da parte dela, um individualismo sem precedentes, reacionário e que não compreende a importância da coletividade em um mundo dividido em classes. Mas, é exatamente nesse o ponto em que eu queria chegar, Hannah Arendt, por ser completamente anticientífica ignora a existência REAL e CONCRETA das classes sociais em todos os seus escritos.

1. A negação das classes sociais:

Ainda dentro dessa ideia de que Stalin e Hitler são totalitários porque tentavam produzir sociedades homogêneas sem nenhuma diferença entre os indivíduos, Arendt desconsidera um fator primordial na análise dela: a existência de classes sociais.

Por mais que Hitler de fato tentasse homogeneizar os alemães quando se tratava de raça, ele nunca quis tornar a sociedade alemã uma sociedade igualitária, isso porque Hitler nunca falou em extinguir as classes sociais, por exemplo. Uma das coisas fundamentais que torna o nazismo de direita, é que nunca foi pensado a abolição da propriedade privada e a extinção da classe burguesa; o que Hitler idealizava era uma sociedade em que ricos e pobres convivessem harmoniosamente em prol da nação alemã, pois todos ali eram da mesma raça, tinham o mesmo sangue e pertenciam à mesma nação, logo, fazia sentido para ele que todos torcessem e trabalhassem por uma mesma causa, no caso, a Alemanha.

Para Hitler era totalmente aceitável que a sociedade continuasse hierarquizada em classes sociais, na realidade, ele abominava qualquer ideia de extinção de classes, pois para ele estas eram ideais marxistas e ele discordava em completo e absoluto das teorias de Marx.

Quando Hitler falava em igualar a sociedade, estava falando apenas de deixar os indivíduos que ele considerava “racialmente ideais” em uma sociedade racialmente igual, mas que socialmente se manteria hierarquizada.

Stalin e toda a experiência socialista, por outro lado, baseando-se no marxismo, buscavam a conquista da igualdade social não pela eliminação de toda e qualquer diferença racial, mas pela extinção daquilo que materialmente produzia as diferenças, a existência das classes sociais.

Então, dizer que ambos (Hitler e Stalin) buscavam homogeneizar a sociedade tornando ela completamente igualitária é uma mentira deslavada, pois Hitler buscava mascarar a existência das classes sociais, promovendo um sentimento ufanista e racista de igualdade nos alemães arianos; enquanto Stalin e a URSS de fato buscavam aniquilar as diferenças sociais, sem acabar com as diferenças subjetivas e individuais do cidadãos. Aliás, dentro da URSS existiam mais de 15 raças e trata-se de uma mentira deslavada dizer que Stalin era um antissemita ou ainda que promoveu massacre contra qualquer etnia.

2. E as diferenças?

Analisar duas figuras políticas somente pelas semelhanças me parece um tanto quanto anticientífico, pois as diferenças são também primordiais nessa análise. Veja bem, Hitler era um exímio defensor dos direitos animais, isso quer dizer que todo político que também defende o direito dos bichos se iguala ao nazista? Acho que não e isso porque as diferenças também importam na hora de fazer uma análise. Na realidade, é muito fácil igualar qualquer pessoa a outro indivíduo, pois as pessoas possuem mais semelhanças entre elas do que diferenças, já que somos indivíduos de uma mesma espécie e, portanto, compartilhamos de várias semelhanças comportamentais e sociais. Portanto, se eu quisesse podia encontrar facilmente semelhanças entre mim e Hitler, entre você e Hitler, enfim…

Obviamente, Arendt elenca semelhanças estritamente políticas entre Stalin e Hitler, mas ainda assim esvaziadas de sentido, uma vez que pontua as semelhanças sem pontuar as diferenças. Mais do que isso, até mesmo as semelhanças devem ser analisadas sob a ótica da diferença, e não simplesmente descontextualizadas para provar um ponto fictício de igualdade.

Por exemplo, sim, tanto no regime nazista quando no regime socialista da URSS existia um Partido Único, mas isso não torna as duas automaticamente experiências iguais, pois é preciso analisar quais objetivos buscavam-se alcançar com a instrumentalização desse recurso político que pode ser usado por diferentes finalidades. Ou seja, é preciso encontrar diferenças dentro da própria semelhança para fazer uma análise rigorosa e minimamente decente.

Novamente, apelo para o abandono de visões moralistas, pois a existência de um único partido não necessariamente é uma cosia ruim, mas um recurso político que pode ser utilizado para reforçar uma violência (como o caso nazista) ou para libertar uma classe de suas amarras (caso da URSS).

O Partido Único no caso da Alemanha Nazista tinha de fato todo aquele uso ditatorial que conhecemos. Nenhum outro partido poderia existir na Alemanha, pois não era permitido discordar politicamente de Hitler enquanto o mesmo e os nazistas tentavam implementar um novo projeto eugenista de sociedade.

Agora, e o Partido Único da URSS, qual era o uso político dele? Veja bem, em uma democracia burguesa onde existe uma pluralidade de partidos, é muito comum que as pessoas tenham uma certa dificuldade para enxergar o real problema. Sendo assim, é comum que quando as coisas estão dando errado alguém culpe o partido que está no poder e não o sistema em si. No nosso país isso aconteceu muito, tudo era culpa do PT e assim que esse partido saísse do poder executivo tudo estaria magicamente resolvido. Quando existe um único partido, porém, é como se ele e o “sistema” fossem um só e a partir do momento em que ele não está de acordo com o desejado para o povo, a população rapidamente notará os problemas deste, sem cortinas de fumaça. Isso faz com que a relação de cobrança do povo para com o Estado Socialista seja muito mais direta e eficiente.

A função do partido na URSS era completamente diferente. Se a função do partido fosse a mesma que se tem nas democracias burguesas, de fato ter apenas um partido seria algo ruim e antidemocrático; no entanto, a URSS tinha democracia direta e, portanto, não precisava que os cidadãos fossem representados por políticos partidários eleitos para isso, eles mesmos eram ativos politicamente de uma forma que é difícil conceber para quem vive na democracia burguesa.

Portanto, a função do partido é muito mais ser o sistema em si do que ser a única escolha possível do povo. Se existe apenas um único partido e ele é de certa forma a unificação da vontade do povo, se esse partido começa a agir de forma autoritária e incongruente com a vontade da população, ficará muito mais fácil para as pessoas perceberem que aquele sistema está falhando, uma vez que não existe um outro partido para culpar ou para acreditar que a estrutura vai melhorar caso exista essa alternância de poder.

Não é como se a existência de um único partido impedisse as pessoas de pensar livremente e ter suas próprias ideais que divirjam do partido, isso elas faziam diariamente em seu exercício cotidiano de atividade política dentro dos Soviets. A questão é que em uma sociedade que visa o coletivo, seria um pouco incoerente permitir que os trabalhadores se dividissem em diferentes partidos com diferentes estratégias norteadoras, uma vez que é muito óbvio que um país todo unificado por uma mesma causa tem muito mais chances de se desenvolver.

Isso não quer dizer que a população precisasse obedecer cegamente às deliberações do Partido para os rumos do país, pelo contrário, significa que a população decidirá em conjunto qual é esse rumo, em unidade. A única questão é que ao invés de a cada vez que houver discordância entra as pessoas, criar um novo partido com uma nova perspectiva, promovendo então a dissolução da classe em blocos; quando houvesse as discordâncias pessoais, o indivíduo, pensando no coletivo, suprimiria seus anseios individuais em detrimento da opinião coletiva. Quando os indivíduos não concordam com a decisão da MAIORIA da população, eles optam por aderir aquela deliberação, pois o coletivo é mais importante do que sua opinião pessoal. Na realidade, isso nem é muito diferente do que acontece numa democracia burguesa, se pararmos para analisar. Quantas vezes votamos no candidato x, mas a maioria da população votou no candidato y e somos obrigados a aceitar a deliberação da maioria? Não sei porque isso se parece com o fim do mundo numa democracia direta.

A democracia burguesa e suas estruturas nos cegam e fazem a gente acreditar que quanto mais partidos existam mais democracia temos, quando na verdade, ainda que tenhamos uma vasta pluralidade de partidos, a democracia representativa é limitante por si só. Você elege aquele candidato que acredita ter mais a ver com suas causas, mas não há nada que o impeça de quando eleito defender as causas completamente opostas pelas quais ele foi colocado em seu cargo.

Na democracia soviética não somente os deputados eleitos eram encarregados de pensar e fazer política, mas todo cidadão é incorporado em um grupo político de atuação, seja do seu bairro, ou do local onde estuda, ou onde trabalha e etc.

A alternância de poder não é sinônimo de democracia, na realidade, interpretamos democracia como simplesmente eleger pessoas, mas isso é simplificar a palavra. Democracia, na própria etimologia da palavra, prevê a igualdade e qualquer país que esteja promovendo a igualdade entre os cidadãos é infinitamente mais democrático do que qualquer país que troque seu presidente a cada 4 anos.

Um país como a Coreia Popular em que o líder está governando há alguns anos, é infinitamente mais democrático do que o Brasil que está trocando seus presidentes. Isso porque o povo brasileiro pode até acreditar que o que quer é Bolsonaro e essa foi a vontade do povo, afinal a nação o elegeu. Mas, na realidade, o que toda e qualquer pessoa quer é pão, paz e terra. Inclusive, as pessoas não votam no Bolsonaro em si, elas votam nas promessas que ele faz e na crença de que ele promoveria moradia, paz e comida na mesa de todos. Esse tipo de coisa pode variar, mas na figura específica de Bolsonaro acreditava-se num maior número de empregos (fator diretamente ligado a comida e a casa) e numa diminuição da violência (fator diretamente ligado a paz).

Não à toa diferentes políticos sempre prometem similares coisas como a geração de emprego e a diminuição da violência, pois mesmo com os diferentes pensamentos, o povo sempre quer fundamentalmente as mesmas coisas, ter onde morar, ter o que comer e ter paz para viver. Ainda que a população tenha votado em Bolsonaro, o anseio das pessoas não é pela figura dele em si, mas sim as promessas. Bolsonaro é a vontade aparente, promovida por uma alienação, mas não é a verdade real e essencial da classe. Bolsonaro é a personificação de parte da vontade popular de um povo totalmente diverso, mas que ainda assim deseja essencialmente as mesmas coisas.

Eu afirmo sem medo de errar que todo o povo, independente se de esquerda ou de direita, quer as mesmas coisas em sua essência; isso porque eu sei que a sociedade é dividida em classes e toda uma mesma classe (a trabalhadora) anseia a mesma coisa. Óbvio, a ideologia dominante impede que a classe tome sua consciência e compreenda que pessoas da mesma classe defendem interesses em comuns, ainda que de maneiras diferentes. Ora, parte da classe votou em Bolsonaro, mas ainda assim essa fração da classe queria a mesma coisa que a outra fração que votou em Haddad (comida, lar e paz); só talvez estivesse afastada da consciência de classe por causa do trabalho cultural hegemônico que o capital faz.

Obviamente, Bolsonaro se apresenta como antagônico a essas vontades, então se analisarmos de forma mais minuciosa, ele não está atendendo a vontade do povo (emprego, comida, casa e paz); e se ele não está atendendo a vontade e a escolha do povo, tecnicamente ele está agindo de forma antidemocrática. Ainda que democraticamente ele tenha sido escolhido, quando ele não promove os anseios mais fundamentais do povo e, principalmente, não promove igualdade (princípio básico da democracia) ele também está sendo antidemocrático, se analisarmos o conceito de democracia por uma visão não liberal.

Por isso, uma sociedade que mantém o mesmo governante durante anos, mas que promove moradia para todos, comida para todos, igualdade e paz é infinitamente mais democrática do que um país imerso na desigualdade, mas que alterna seus presidentes periodicamente.

3. A violação das liberdades democráticas.

Sim, um país como a Coreia Popular ou como a URSS constantemente violam as liberdades democráticas. Porém, isso acontece porque quem definiu quais são essas liberdades fundamentais foi a burguesia. Se quem escolheu a definição de ditador e ditadura foi a burguesia, não é de se estranhar que todos os países socialistas vão se encaixar perfeitamente nessas definições.

Suponhamos que eu tenha um inimigo, o meu vizinho, e eu acredito que o que ele faz com a grama dele é totalmente errado, que ele não deveria apará-la diariamente e sim deixá-la crescer. Um dia, porém, na disputa do meu condomínio eu venci e fui eleita síndica e, logo após a minha vitória, eu decido que a definição de um bom jardim é com o mato enorme e quem apara a grama diariamente é um violador dessa nova regra.

Eu venci o jogo e, portanto, eu criei as regras; mas não é porque eu dei as definições que elas sejam as corretas e mais coerentes e que meu vizinho seja uma má pessoa por estar violando essas regras que eu mesma criei.

A mesma coisa se aplica para os países socialistas, quem ganhou a disputa ideológica foi a burguesia e por isso, não é de se estranhar que ela defina como ditador exatamente o que os socialistas são, uma vez que eles são seus inimigos. E não é de se estranhar também que a definição de democracia e liberdade se encaixe como uma luva no comportamento tipicamente burguês, uma vez que eles mesmos cunharam essa definição que obviamente é benéfica ao tipo de governo que eles exercem.

Então sim, partindo de uma análise liberal, Stalin violou diversas liberdades democráticas; mas partindo de uma perspectiva revolucionária, todos os presidentes ocidentais violam as liberdades democráticas quando não promovem igualdade social e deixam as pessoas morrerem de fome.

Precisamos urgentemente parar de acreditar que as definições liberais sobre liberdade, democracia e ditadura são soberanas, verdadeiras e neutras. Porque se acreditamos na universalidade desses conceitos, aí sim, ficaremos horrorizados com as experiências socialistas já que elas então se encaixam como antidemocráticas. Porém, se compreendermos que essas noções são forjadas e são completamente ideológicas, fica fácil de entender que os países socialistas são rotulados como ditadura porque a burguesia assim o quer. Se meu inimigo faz as regras do jogo e eu não me adequo àquelas regras, isso não significa que eu esteja agindo de forma errada e que eu seja uma má pessoa, significa apenas que eu perdi a disputa e não estou fazendo as regras do jogo.

4. Stalin e Hitler, ambos tinham um inimigo em comum.

Essa parte eu achei cômica até, chega a dar pena de uma análise tão rasa. Segundo Arendt, tanto Hitler quanto Stalin tinham inimigos em comum que norteavam todo o andamento da nação e, pra ela, isso já era suficiente para igualá-los completamente.

Mais uma vez, o problema aqui é que Arendt ignora completamente a existência das classes sociais. Ora, óbvio que toda a classe trabalhadora terá um inimigo em comum, a classe burguesa. Como ela espera que em uma sociedade dividida em classes a classe dominada não tenha um inimigo em comum? Se uma classe inteira possui um mesmo responsável por todas as mazelas que enfrentamos, é óbvio que teremos este denominador em comum como adversário.

Sim, Stalin tinha um inimigo em comum com toda a URSS, este era a burguesia, o imperialismo e as forças reacionárias. Arendt se limita tanto a uma visão liberal que enxerga nas consequências o problema, e não na raiz, isso faz com que a visão dela seja extremamente limitada.

Na perspectiva tipicamente liberal os problemas aparentes são o próprio problema em si e eles se autoconstroem. Por exemplo, a violência, para esse tipo de interpretação é o problema em si, e não uma consequência e, portanto, ela por si própria precisa ser combatida. Não à toa as políticas liberais de combate a violência costumam ser completamente idealistas, como se os violentos e criminosos surgissem pura e simplesmente porque são maus e se matarmos ou prendermos essas pessoas a violência acabará.

Para um marxista, porém, é fácil analisar que a violência não é o problema em si, mas consequência de um problema muito maior que é a desigualdade social, desigualdade essa que é promovida pela verdadeira raiz do problema, a propriedade privada dos meios de produção. Portanto, não travaremos lutas vazias contra a violência em si, mas sim travaremos uma luta contra a raiz do problema, que é a divisão da sociedade.

Quando os liberais acreditam que os problemas não possuem ligação entre si numa mesma raiz e que podem ser combatidos de maneira isolada, de fato seus problemas são pontuais e eles não possuem um inimigo em comum. Mas nós, que partimos de uma análise CIENTÍFICA da totalidade, sabemos que se queremos acabar com as mazelas da sociedade, precisamos sim ter um inimigo em comum e precisamos centrar sim nossas forças para acabar com a raiz de todos os problemas.

Até onde eu saiba, porém, a burguesia não é uma raça e muito menos é natural em nossa história, não se trata de uma cultura e muito menos de algo subjetivo. O que eu quero dizer com isso? Quero dizer que Hitler escolheu seus inimigos baseado na raça (judeus e negros), sendo a primeira delas de caráter religioso e a segunda de caráter natural e imutável.

Escolher seu inimigo baseado em sua escolha religiosa, condição histórica ou raça é algo totalmente desprezível e mais desprezível ainda é tentar comparar isso ao fato de a classe trabalhadora ter como inimiga a classe burguesa.

Negros e judeus nascem negros e judeus e travar uma luta contra eles pura e simplesmente por eles terem nascido assim é de uma atrocidade sem tamanho. A burguesia, porém, não é uma raça, não é uma condição natural, mas sim uma classe econômica historicamente forjada e construída na exploração de outros indivíduos.

Talvez para um liberal travar a luta contra a burguesia e contra judeus e negros seja similar, pois para estes os problemas do mundo surgem coincidentemente e não são causados pela desigualdade promovida pela classe burguesa. Isso porque para eles não são os burgueses que causam os problemas do mundo, então seria injusto persegui-los. Mas para um marxista, munido de toda a ciência do método, é tão óbvio que combater o opressor (aquele que cria as condições do oprimido) é tão diferente de combater minorias historicamente oprimidas como os judeus e os negros.

O melhor argumento contra a Hannah Arendt pode ser encontrado nos próprios escritos dela.

Ao analisar As Origens do Totalitarismo, observamos uma Arendt completamente moralista e sem nenhum método científico para fazer suas análises. Porém, se lermos outro livro dela o Eichmann em Jerusalém, veremos uma Arendt completamente diferente, com mais rigor científico e muito menos moralismo.

Adolf Eichmann em 1960 foi julgado em Jerusalém pelos crimes que havia cometido enquanto membro do Partido Nazista. Hannah Arendt, estava ali para cobrir o julgamento pela New York Times e a série de reportagens que fez sobre o ocorrido se tornou um livro posteriormente.

Neste livro Arendt poderia ter se deixado levar por uma análise moralista do caso e mais que isso, dicotômica e maniqueísta. Poderia simplesmente condenar Eichmann como um monstro como todos ali faziam, concluindo que ele fez o que fez por ser uma má pessoa e não haveria nenhuma outra explicação para isso.

Porém, o que Arendt fez foi justamente o contrário, ela demonstrou que o Estado nazista alemão tinha tanta burocracia e tantos funcionários que muitos deles sequer sabiam o que estavam fazendo de forma totalmente explícita. A divisão do trabalho era tão mecânica que muitos cidadãos alemães poderiam estar lavando o carro que mais tarde levaria milhares de judeus para um campo de concentração, por exemplo, sem ao menos saber que estavam fazendo isso.

Com isso, Arendt cunha o termo “banalidade do mal”, em que a maldade é completamente banalizada pelo Estado e passa a se tornar cotidiano dos cidadãos ali presentes. É como se a maldade deixasse de ter o teor moralista e funcionasse como aparato do Estado. Para ela, em outras situações, sem um Estado totalmente burocrata e autoritário, atos que seriam vistos como cruéis e imperdoáveis, eram vistos como rotina. Sendo assim, Arendt conclui que não necessariamente Eichmann era um monstro cruel, mas sim um homem que estava cumprindo ordens dentro de um sistema completamente hierarquizado em uma sociedade cujo os valores de moralidade e bondade eram exatamente ser um cidadão e funcionário obediente. Talvez para Eichman ele não fosse um cara ruim, mas um “cidadão de bem” que fazia tudo da forma mais correta e boa possível segundo os valores próprios de “bondade” daquela sociedade. Se para nós, então, os valores de bondade e destreza são totalmente antagônicos às práticas da Alemanha Nazista; nos valores próprios forjados por aquela sociedade, talvez estas atitudes fossem as mais valorosas.

Hitler e os demais nazistas não eram frutos isolados, monstros terríveis que chegaram ao poder por coincidência, mas sim o reflexo de uma sociedade adoecida que criou as condições exatas para que pessoas como eles existissem.

Ao analisar que os seres humanos não são misteriosamente maus, mas sim frutos da sociedade, Arendt faz uma análise crítica e abandona o moralismo característico de As Origens do Totalitarismo.

Hitler que antes era o adjetivo para todas as maldades humanas, um grande monstro apenas comparável com Stalin, agora passa a ser analisado como um produto social, como síntese de seu meio.

Não parece estranho que a mesma autora que 10 anos antes tenha utilizado Hitler como um mero adjetivo negativo, o tenha, não perdoado, mas compreendido? Óbvio que podemos considerar um amadurecimento intelectual da mesma, porém ela continuou na década de 60 vociferando contra qualquer luta coletiva e radical, como por exemplo, a luta do Partido dos Panteras Negras, da qual Hannah Arendt não fazia a mínima questão de respeitar. O que descarta, portanto, a possível mudança em seu pensamento.

Arendt conseguiu compreender que os valores não são universais, mas forjados conforme cada sociedade e que, portanto, homens que são considerados pessoas horríveis em nossa sociedade, poderiam ser considerados pessoas corretas e valorosas em uma outra sociedade cujo valores são diferentes. Porém, quando analisa a URSS, faz questão de universalizar valores e de rotular a experiência socialista de antidemocrática, sem ao menos demonstrar que os valores de democracia eram diferentes. Não faz questão nenhuma de mostrar ao leitor que os homens que para a sociedade Ocidental imersa no liberalismo eram considerados verdadeiros monstros antidemocráticos, podiam ser para a sua própria sociedade, com valores diferentes, o homem mais democrático e justo.

Hannah Arendt conseguiu compreender o nazismo sob uma ótica não moralista e sem sombra de dúvidas compreendia a democracia americana e suas injustiças sem nunca fazer um julgamento condenável, nunca disse que a democracia norte-americana era boa ou ruim, apenas tinha comportamentos “necessários” como ela mesma dizia. No caso ainda do artigo que ela escreveu sobre a escola Little Rock, ela chega a falar que a segregação nos Estados Unidos é algo completamente ruim, porém fala que as decisões que a nação tomava sobre essas políticas eram “necessárias”. Parece, portanto, compreender a existência do “mal necessário” quando é para defender aquilo que ela acredita; mas jamais compreendeu o uso da violência, por exemplo, por grupos marginalizados como os negros norte-americanos, aí tratava-se simplesmente de selvageria e barbárie. Também nunca fez questão de entender, sem moralizar, o uso do Partido Único e de outros aspectos que Arendt condenava como horrorosos.
Consegue compreender a decisão de escolher priorizar a liberdade de expressão do que o direito humano básico dos negros que os Estados Unidos fez; e toma essa decisão como meramente política. Hannah Arendt mesmo, em suas próprias palavras, fala que o que aconteceu na escola Little Rock foi um embate essencialmente político. Não moralizou, não julgou um lado como mau e condecorou um outro como bom, analisou apenas como meras escolhas políticas. Porém, quando se trata da URSS, não pode interpretar como decisões políticas, mas sim decisões morais entre o bem e o mal. Me parece ficar evidente que ela tinha intenções políticas em difamar deliberadamente a maior potência socialista, pois, por vezes, parece que nem ela acredita nessa defesa moralista e anti-científica das coisas.

As análises morais sobre acontecimentos políticos prejudicam o entendimento correto de fenômenos históricos. Se, por exemplo, escolhemos analisar a Revolução Cubana por um aspecto somente moralizante, olharemos a narrativa de forma crua, veremos que os revolucionários cubanos mataram algumas pessoas e logo os condenaremos como violentos, bárbaros e a experiência como ruim. Porém, se deixarmos de lado o moralismo barato e anti-científico e analisarmos a história por aspectos políticos, econômicos e totalizantes, compreenderemos que a violência é um recurso político necessário quando existem elites no poder, elites essas que são responsáveis pelas mazelas de todo o restante da sociedade.

Me irrita quem enxerga e analisa a história como quem enxerga um conto de fadas. Apenas lê a narrativa da forma como ela é, olhando os fatos históricos em sequência e já se acha apto a opinar sobre a experiência. A sequência cronológica não nos diz muita coisa, é preciso entender o debate filosófico por trás de cada escolha, por exemplo, é preciso compreender as decisões políticas e é por isso, inclusive, que cada vez mais os historiadores estão deixando de fazer uma história crítica, porque abandonam a ciência política, a filosofia, a sociologia e analisam a história da forma mais seca, como se ela fosse uma narrativa linear tal qual um conto de fadas.

Aliás, nem mesmo sobre o conto de fadas temos elementos suficientes para tirarmos nossas conclusões. E se por um acaso a chapeuzinho vermelho e a vovózinha fossem donas de grandes propriedades que estavam roubando as terras de todos os animais da floresta e o lobo mau apenas se tratasse de um revolucionário que mataria as duas para libertar todos os animais explorados? É preciso saber quem escreveu aquela história, pois conhecer quem narra a história é tão essencial quanto conhecer a história em si.

É sobre isso, é sobre moralizar histórias, moralizar narrativas sem entender as questões totalizantes por trás, sem entender a correlação de forças, sem entender, previamente, quem são os agentes envolvidos naquela história, de que classe social eles são e etc. Se a luta entre as classes foi vencida pela burguesia é ela quem narrará a história da forma que a favorece, e, por isso, precisamos fazer um resgate histórico da nossa própria história enquanto classe.

Apenas dizer, pessoa X foi violenta com pessoa Y é insuficiente para tirarmos conclusões corretas. Da mesma forma que apenas dizer que Che Guevara matou pessoas é insuficiente para condenarmos ele, uma vez que não sabemos quem são essas pessoas, o que elas faziam e etc.

Por que a esquerda gosta de Hannah Arendt, então?

Bom, é esse o título deste artigo, e após ter destrinchado melhor todos os pontos acima, posso explicar o porquê dessa medíocre intelectual e cidadã liberal ser tão amada por boa parte da esquerda.

A primeira questão é que Hannah Arendt nunca elogiou a burguesia diretamente, talvez, isso seja suficiente para que alguns esquerdistas a interpretem como automaticamente de esquerda. Porém, é preciso lembrar que ela não parte de uma análise classista da sociedade e, portanto, ela não acredita que a sociedade seja dividida em classes; logo, ela não acredita na existência de uma separação material entre as elites e os trabalhadores e só porque ela nunca elogiou diretamente a burguesia, não quer dizer que ela não defenda abertamente a estrutura burguesa; a questão é somente que ela não admite a existência da divisão social entre classes e, por isso, nunca fez elogios abertos a classe social dominante, uma vez que para ela isso tudo trata-se de uma balela marxista.

Aliás, devemos sempre ter o pé atrás com possíveis intelectuais de “esquerda” que fazem todo tipo de malabarismo para não falar sobre burguesia e classes sociais. Inventam os mais diversos termos como “medievalismo”, “obscurantismo” e “discurso de ódio”, para evitar dar nome aos bois, para evitar de dizer que a sociedade se encontra como está por causa da classe dominante.

Porém, sem sombra de dúvidas, o que leva uma boa parte da esquerda a abraçar Hannah Arendt é o acerto de contas que certos setores dessa esquerda pretendem fazer. Muitos trotskystas ainda não superaram o debate Stalin x Trotsky que deveria ter sido deixado lá na URSS da década de 20/30; com essas feridas ainda abertas, parece que estes comunistas sentem mais necessidade de provar que o “stalinismo” estava errado do que a própria burguesia e o liberalismo. Vejo muitos trotskistas se desgastando em esforços para derrotar o stalinismo, esforços esses que por vezes não fazem para derrotar o liberalismo, por exemplo, que deveria ser uma prioridade.

Isso porque ao adentrar nesse mundo de destruição completa do stalinismo, muitos desses trotskystas caem facilmente no conto liberal e ao invés de fazerem suas próprias críticas ao Stalin, se utilizam de críticas reacionárias e liberais à figura e à URSS, fazendo, assim coro com a reação.

Não é à toa que algumas organizações trotskistas e, principalmente, os acadêmicos que reivindicam Trotsky, estão cada vez mais reproduzindo liberalismo sem perceber e incluo nesse balaio, os escritos de Hannah Arendt.

Hanna Arendt não se dispôs a fazer uma crítica ao Stalin porque ele era horrível e ela toda bondosa enxergava isso; ela fez isso porque ele era a personificação do inimigo central dos Estados Unidos daquela época, e teria proferido tais palavras e tais julgamentos para qualquer outra pessoa que estivesse em seu lugar, inclusive o próprio Trotsky se ele tivesse sido o escolhido para assumir o cargo de secretário geral.

A esquerda trotskista que abraça Hannah Arendt só porque ela fala mal de Stalin, não percebe que durante este abraço Arendt apunhala o indivíduo trotskista com duas facas enormes. Não se trata de um discurso antistalinista, mas de um discurso anticomunista e até mesmo antirrevolucionário. Arendt dedicou suas críticas ao Stalin, mas de forma alguma apoiaria Trotsky, uma vez que ela se mostra contraria a qualquer ideia de coletivo e condenou todas as revoluções que ocorreram, em exceção única a norte-americana. Sim, Hannah Arendt condena a Revolução Russa, condena Lênin e também a Trotsky.

Alguns trotskistas interpretam Arendt como sendo uma deles, talvez? Pois ela não é, e não pouparia esforços para criticar duramente Trotsky se assim precisasse e só não o criticou porque Stalin, por estar na posição em que estava, foi escolhido como o inimigo dos EUA. É preciso entender que se trata de uma disputa ideológica e o liberalismo está ganhando quando concordamos com os argumentos deles.

O inimigo do meu inimigo não é e não deve ser necessariamente meu amigo, trotskystas, pois o inimigo de Stalin era os Estados Unidos da América, o liberalismo, a segregação racial e etc; e então eu pergunto, é com esse tipo de pessoa que vocês querem andar? Pois, não, o inimigo de Stalin não era a “democracia”, o “bem” e a “liberdade” como Arendt quer fazer parecer ser, o inimigo da URSS era o projeto de sociedade desigual dos Estados Unidos e o capitalismo como um todo.

Não há problema nenhum em criticar Stalin, ao contrário do que vocês dizem, mas o mínimo que eu espero é que vocês formulem suas próprias críticas, críticas comunistas de perspectiva marxista, calcadas através do método materialista histórico e dialético. Muito me envergonha ver comunistas reproduzirem as críticas liberais ao comunismo, e acreditarem cegamente que aquelas críticas são apenas à figura de Stalin, e não ao socialismo como um todo.

Todas essas críticas liberais são completamente infundadas, anti-científicas, antimaterialistas, moralistas e completamente acríticas. Nós como comunistas devemos nos policiar para jamais fazer coro com a reação e jamais concordarmos com o inimigo somente porque ele disse algo ruim sobre uma figura política do mesmo espectro que o nosso do qual nós não gostamos. A essência do marxismo é se opor a todo esse idealismo e ao anti-cientificismo, e os argumentos de Hannah Arendt são a síntese de tudo isso.

Da mesma forma, quando a reação difama Trotsky, o retrata como louco, sanguinário só por ele ser um revolucionário, não devemos de forma alguma concordar, independente de nossas discordâncias com o camarada. Podemos formular nossas próprias críticas sobre Trotsky e Stalin, mas jamais reproduzir as críticas liberais a eles; isso porque quando fazemos isso abrimos brecha para que o pensamento liberal adentre o nosso espectro político de forma sorrateira, e quando piscamos, de repente, o liberalismo se torna completamente hegemônico dentro das nossas trincheiras.

É isso que percebo ter acontecido com Hannah Arendt, que permitiram entrar dentro de nossas trincheiras por uma certa “raivinha” pessoal que alguns tinham com Stalin; porém, quando vimos, passamos a usar suas análises de totalitarismo para julgar toda experiência emancipatória, como a Venezuela por exemplo. Depois, passamos a acreditar em um conceito universal de democracia, abandonando o conceito revolucionário sobre a palavra, e, de repente, estamos defendendo presidentes abertamente fascistas no Ocidente, e rechaçando líderes socialistas no Oriente. Essa foi a consequência de deixar o pensamento Arendtiano adentrar o nosso espectro.

Chega a ser patético ver anarquistas e trotskistas defendendo as análises de Hannah Arendt, pois parece que não conseguem enxergar um palmo a sua frente além do aparente. Superficialmente parece uma crítica à Hitler e à Stalin, mas basta ter uma análise um pouco mais crítica para perceber que é uma propaganda antirrevolucionária explicita, que respinga em trotskistas, anarquistas e qualquer tipo de socialista existente.
Porém, devemos compreender que nem todos que defendem os escritos de Hannah Arendt fazem isso por um rancor a Stalin. Há aqueles que não se dizem trotskistas e que talvez nem estejam a par do debate Stalin e Trotsky e simplesmente não se importem com isso. Aqueles que simplesmente se definem como democráticos e que estão do lado da democracia independente de qualquer coisa.

Estes, que são de uma esquerda herança do fim da ditadura em que a direita foi calcada como aquela que é antidemocrática, golpista e apoiadora de ditaduras e, logo, a esquerda ficou sendo aquela que legitimamente e genuinamente defende a democracia. Sendo assim, para algumas pessoas de esquerda qualquer pessoa que defenda a democracia é um aliado e, automaticamente, defender a democracia se tornou uma característica tipicamente de esquerda para aqueles que ainda analisam essas categorias pela perspectiva histórica unicamente brasileira. Com isso, não só Hannah Arendt, mas diversas outras pessoas um tanto quanto duvidosas e completamente liberais, são abraçadas pela esquerda só porque falam e escrevem análises superficiais sobre a defesa da democracia. Novamente, estes esquerdistas não se perguntam qual democracia é esta e ignoram completamente a existência das classes sociais, da luta entre elas e do debate ideológico, obviamente.

Existem aqueles que a defendem de forma completamente ingênua e porque de fato acreditam naquilo que ela fala; afinal, o poder da ideologia dominante é imenso e faz com que muitos defendam a democracia burguesa de forma cega não por serem liberais convictos, mas porque acreditam estar fazendo o que é certo de fato.

A influencia de Hannah Arendt no pensamento político de esquerda.

O problema é que, por ingenuidade ou não, a propagação do pensamento liberal por Hannah Arendt é um mal que assola a esquerda, tanto no meio intelectual quanto nas ações políticas. O PT, por exemplo, foi fundado ao final da ditadura militar brasileira e banhou-se completamente nos ideais arendtianos para consolidar o partido. No fim do século XX, a esquerda marxista estava cada vez mais enfraquecida e a URSS já tinha passado por diversos ataques constantes, o que fazia com que a esquerda de fato passasse a acreditar no liberalismo e abandonasse as experiências socialistas. O PT, nasce nesse meio, em que a esquerda está traumatizada com ditadura militar, mas que também acredita nos horrores ditos sobre a URSS e, portanto, funda-se no mito de que os extremos são ruins e, portanto, levanta-se com o “ditadura nem de direita (a militar que aqui ainda ocorria), mas também nem de esquerda (a possível ditadura da URSS)”.

Esse pensamento político é extremamente comum dentro da esquerda brasileira, ainda mais comum quando falamos da esquerda acadêmica, que simplesmente venera Hannah Arendt e é quase impossível você cursar um curso de humanidades em uma instituição pública e não se deparar com os escritos dela.

O problema é que essas ideias no aspecto político nos travam completamente, pois nos limitam à democracia burguesa, fazendo a gente acreditar que ela é o único caminho possível e que qualquer coisa que fuja disso é errado, totalitário e ditatorial. Academicamente, isso faz com que historiadores, cientistas políticos, sociólogos e etc contribuam para a perpetuação do falseamento da história e da perspectiva liberal sobre a mesma.

Além disso, essa insistência pedante em “igualar os dois lados”, apenas afirmando que são dois lados de uma mesma moeda, projeta bizarrices ainda maiores como alegações de que o nazismo é de esquerda. Ora, se é possível encontrar tantas semelhanças, como a própria Arendt pontua, então porque não dizer logo que são do mesmo espectro político? De fato, a filosofa alemã nunca afirmou que Hitler era de esquerda, mas ao apontar muito mais para as semelhanças (de forma descontextualizada) e simplesmente ignorar as diferenças, ela colabora para que pessoas analisem essas semelhanças e concluam que é mais viável dizer que eles estavam do mesmo lado.

Agora me pergunto, por que Hannah Arendt é tão influente? Ou melhor, me pergunto será que todas essas defesas cegas à democracia burguesa e toda essa rejeição às experiências socialistas e todo esse perpetuamento das análises liberais dentro da própria esquerda são culpa da Arendt, ou melhor, todos esses pensamentos perpetuados pela esquerda têm em sua raiz um viés Arendtiano?

Bom, isso é difícil de analisar sem cair em opiniões infundadas, ou em meros achismos. A realidade é que grande parte do liberalismo propaga o que Arendt propagou, pois promover um ódio “aos dois lados” é benéfico a quem se coloca no centro (mesmo sem estar). O liberalismo se coloca no centro porque estamos presos em um sistema capitalista e, por estamos presos nele, ideologicamente é imposto a nós que o que vivemos é o “normal” e tudo que foge dele é estranho.

O problema é que normalmente a esquerda consegue identificar a despolitização completa nesses discursos liberais de “nem esquerda e nem direita”, e sabem muito bem que isso normalmente é uma propaganda tipicamente liberal. No entanto, essa mesma esquerda que zomba disso, cai igual um patinho nos escritos de Arendt que pregam, basicamente, a mesma coisa, só que com uma roupagem um pouco mais progressista, talvez. Por isso, ainda que o liberalismo como um todo diga o que Arendt diz, Arendt conseguiu penetrar nas trincheiras da esquerda, disfarçada de uma aliada, como poucos outros liberais conseguiram, e, por isso, acredito que a influência dela sob a esquerda seja maior do que qualquer outro liberal.

Por fim, acredito que Arendt continua sendo influente no pensamento político contemporâneo por uma razão bem simples, porque ela foi financiada pela CIA e porque seus escritos foram propositalmente impulsionados. Com isso, quero dizer que ela não coincidentemente entrou para a história como uma intelectual influente, mas sua influência foi forjada e a CIA jogou seus escritos goela abaixo da esquerda não marxista ocidental dos anos 50 e 60. Essa esquerda, cresceu, e passou a escrever seus próprios escritos, mas ainda sobre influência do pensamento Arendtiano, que então, passou a ser reproduzido dentro da esquerda.

Todo financiamento busca um objetivo, basicamente financia-se alguém esperando resultados, e os resultados desse dinheiro investido em comprar livros da Arendt, distribuir nas escolas e fazer revistas influentes a publicarem, aparecem até hoje. É difícil quantificar os resultados do financiamento de ideais, porém, o que se sabe é que todo financiamento gera resultados e, ainda que não tenhamos o número exato de pessoas que foram influenciadas por ela, não devemos menosprezar o trabalho da CIA, que venceu a guerra ideológica na Guerra Fria.

Nunca nos esqueçamos que Arendt foi financiada, se ela sabia que era ou não isso é outra história, mas sua influência foi forjada e por isso ela continua influente até hoje. Não esqueçamos disso também, porque se a esquerda se coloca contra o Imperialismo e contra os Estados Unidos como um todo não podemos gostar de uma senhora que foi forjada pela CIA em meio a uma guerra ideológica Devemos nos lembrar que é incoerente nos colocarmos contra as políticas de interferência no pensamento livre que os Estados Unidos promovem, mas ao mesmo tempo gostar de uma senhora que foi financiada pela política mais ideológica e capitalista já existente, e que é a personificação da interferência imperialista no pensamento dos indivíduos latino americanos.

Compartilhe:

Posts recentes

Mais lidos

16 comentários em “Por que parte da esquerda abraça a conservadora Hannah Arendt?”

  1. Perspectiva: A esquerda trotskista abraça a crítica anti-comunista de Hannah Arendt por causa de sua celeuma com Stalin.
    Realidade: Depois de um texto exaustivo, não conseguiu citar um ÚNICO autor trotskista que sustente sua tese.
    Show de horror e desonestidade intelectual a gente vê por aqui.

    Responder
    • Na sua perspectiva, o que seriam as acusações que trotskystas tem feito aos defensores do legado de Stalin recentemente, os chamando de “neostalinistas”?

      Responder
      • Excelente, Jefferson, e estou lendo esses comentários 1a e meio depois e o digníssimo crítico Pedro Toledo nada de responder. Acho que ficaremos sem resposta… #spoiler: porque não tem! Os trotskystas de hoje criticam o legado de Stalin com os argumentos de Arendt ou convergentes com ela – é um fato.

        Responder
  2. Muito bom artigo. Gostaria apenas de fazer uma observação. A democracia não é um conceito universal porque pertence à ideia de dominação das sociedades de classes, domínio da minoria pela maioria. As diferentes formas de sociedade e de Estado, e as respectivas classes formatam esse conceito conforme seus interesses, que em si tem o mesmo sentido, a ideia de dominação de um agrupamento humano sobre outro. Por isso que Lênin diz que no socialismo a sociedade é democrática apenas para os trabalhadores, mas tem o sentido de ser uma ditadura para a burguesia, portanto, ditadura e democracia são conceitos que, no fundo, são opostos que se transformam simultaneamente um no outro. Entender a dialética dos contrários é aqui condição indispensável para entender o fenômeno ( A Revolução Proletária e o Renegado Kautsky).

    Responder
  3. Senti falta de referências bibliográficas e documentos históricos. Foi uma boa contrapartida à defesa de Arendt, visto que ela tem um ar bem moralista, além de utilizar documentos falsos em seus escritos. Há, no texto, algumas inconsistências gramaticais que, com uma boa revisão, deixariam o texto melhor.

    Responder
  4. Bom dia, gostaria de parabenizar pelo texto e sugerir uma correção:

    “Arendt conseguiu compreender que os valores não são universais, MAIS forjados conforme(…)” – trocou o “mas” por “mais”

    Obrigado

    Responder
  5. A charlatã Hannah Arendt, valendo-se exclusivamente do critério da “autoridade”, um dos princípios da propaganda nazista de Goebbels, em seu lixo “As Origens do Totalitarismo”, escrito por encomenda da CIA, “faz referência aos documentos dos arquivos de Smolensk, “capturado (e nunca devolvido às autoridades russas) pelos norte-americanos no rescaldo da Segunda Guerra” (MACHAQUEIRO, 2017: 77), publicados em 1958 por Merle Fainsod, que lhe serviram de pretensa base empírica para colocar no mesmo tipo ideal ou categoria “totalitarismo”, o regime soviético e o nazismo. Mas a referida autora não apresenta nenhum dos documentos citados, limitando-se apenas a informar que, embora sua quantidade seja de “200 mil páginas” intactas, referentes ao período de 1917-1938, “não contêm indicação alguma do número de vítimas nem quaisquer outros dados estatísticos vitais” (Ibidem) – o que revela a inexistência de qualquer base empírica em seu “modelo analítico do totalitarismo” (MACHAQUEIRO, Ibidem). OISIOVICI, P. O vento da História redime Stálin, 2020.
    Uma antissemita, amante de um nazista nomeado reitor por Hitler, com quem manteve relação por toda sua vida, financiada a peso de ouro pela CIA com verbas do Plano Marshall para, utilizando-se de um maniqueísmo grosseiro e de falsificação histórica, apresentar o fenômeno sugerido como exclusivo do século XX, encaixando artificialmente numa mesma categoria nazismo e comunismo, sem a mínima base empírica e colocá-la na cabeça dos imbecis diplomados, incapazes de raciocínio autônomo, aquilo que é de interesse do imperialismo. Uma charlatã bem a altura e gosto da pseudo esquerda e dos pseudo comunistas.

    Responder
  6. Sobre o essencialismo burguês de Arendt: No livro Origens do totalitarismo, Arendt (2004a) já conceituava os problemas advindos do princípio regulador de que todos somos iguais perante a lei. Para ela, a ideia de igualdade universal entre os homens, cunhada pela Revolução Francesa em 1789 – e que foi decisiva para a formação do conceito de Estado-nação na Europa –, foi uma das “mais incertas especulações da humanidade moderna”. Para Arendt, quanto mais uma nação se aproxima da igualdade de condições, mais difícil se torna desvencilhar-se da inevitável explicação a respeito das diferenças entre as pessoas e os grupos (o que, a princípio, não é positivo nem negativo, mas poderia criar uma situação de conflito). Os grupos de iguais tendem a se fechar em relação aos outros e aprimorar suas diferenças. Para Arendt (2004a), “sempre que a igualdade se torna um fato social, sem nenhum padrão de sua mensuração ou análise explicativa”, são diminuídas as chances “de que se torne princípio regulador de organização política, na qual pessoas têm direitos iguais, mesmo que difiram entre si em outros aspectos” (p. 76).

    Responder
  7. Q texto aloprado, a autora desse ensaio claramente desconhece o método hermenêutico pra lidar com textos filosóficos e sua devida importância, poucas vezes vi um texto com tanta conspiração ao estilo da pior tradição conspiratória americana. Faz uma suspensão dos teus pré conceitos sobre a autora em questão e se dedica a ler uma obra se quer antes de fazer uma crítica. Muita verborragia pra quem não passou se quer na frete de uma obra de Harendt

    Responder
  8. A CIA, uma danadinha que financiava escritores que pudessem dar munição ao anticomunismo. A antiga KGB, sim, não cooptava ninguém! Que coisa mais linda!

    Responder

Deixe um comentário