O que é o bolsonarismo e como derrotá-lo

Por Magno Francisco da Silva

A história do fascismo no século XX traz um conjunto de ensinamentos que nos permite compreender o que representa o bolsonarismo. Ainda há quem hesite em caracterizar Bolsonaro e os militantes bolsonaristas como um movimento fascista, classificando-os como “loucos” ou apenas antidemocráticos.  Trata-se de um grave erro de análise, que impede o estabelecimento de uma tática correta contra a face mais reacionária da burguesia e do decadente sistema capitalista.


A primeira questão a ser compreendida é que o fascismo é um fenômeno internacional. Sua origem, no caso, o seu ressurgimento, está totalmente relacionado com a crise do modo de produção capitalista e a desmoralização de suas democracias liberais. A burguesia dos países imperialistas, em consonância com seus sócios de classe dos países com economias dependentes, necessita radicalizar a extração de mais-valia do proletariado mundial para manter as suas elevadas taxas de lucro, apesar do caos constante inerente a natureza do próprio capitalismo, gerando ainda mais desemprego, miséria e deterioração das condições de trabalho.

Descontentamento, revoltas, greves, mobilizações e possibilidades de revoluções decorrem como consequência do enfrentamento da classe trabalhadora contra as medidas de decomposição da sua condição de vida. Em momentos assim, a burguesia tira da manga a carta fascista, forjando governos altamente repressivos e ditatoriais com o objetivo de sufocar qualquer possibilidade de resistência e transformação, estabelecendo por meio da violência uma falsa paz, a garantia dos seus interesses e a sobrevivência do modo de produção capitalista.

Com efeito, essa é a síntese da situação internacional desde 2008, marco da atual crise do modo de produção capitalista. Imersos na decadência social, a população dos mais diversos países vai perdendo a crença na democracia liberal, decorrente da incapacidade dos partidos tradicionais da direita e dos partidos reformistas da esquerda oferecerem saídas plausíveis para a situação de vulnerabilidade da classe trabalhadora.

No caso dos partidos de direita e de seus políticos não se espera absolutamente nada a favor da classe trabalhadora, por isso é tão nefasto o papel desempenhado pela esquerda reformista e sua política de conciliação entre burgueses e proletários, inclusive implementando as medidas de retiradas de direitos dos trabalhadores, fazendo o jogo sujo da burguesia. É importante destacar que essa descrença se estabelece também pela desmoralização derivada do jogo sujo da corrupção, das gorjetas em arapucas que a própria burguesia cria na disputa de suas frações pelo poder.

Esse é o caso do Partido dos Trabalhadores, apesar de governar o Brasil durante 13 anos, em nenhum momento enfrentou a burguesia, muito pelo contrário, se comprometeu a não alterar nada da estrutura econômica do país e do Estado, fez alianças com partidos de direita, fortalecendo-os, adotou uma profunda flexão do seu  programa político, realizou privatizações, cortou investimentos nas áreas sociais para pagar a dívida pública, gerou lucros recordes aos bancos e retirou direitos dos trabalhadores no momento que eles mais necessitavam.

Não bastasse, o PT e outras forças reformistas e liberais, que dirigem as centrais sindicais, levaram a classe trabalhadora a desconfiança ao convocar greves gerais e trair os interesses populares com acordos com a burguesia para que tudo se resolvesse após as eleições de 2018, o que ocasionou derrotas profundas. É o caso da luta contra a Reforma da Previdência. Após astraições das centrais sindicais nas Greves Gerais de 2017, a Reforma foi aprovada em 2019 sem sequer um apito na porta do Congresso Nacional.

Assim, no Brasil e em todos os países onde o fascismo vem ganhando força, apresenta-se essa configuração: caos social, falência da democracia liberal e seus partidos, desmoralização da esquerda reformista.

Esse quadro demonstra que o crescimento do fascismo é resultado da incapacidade conjuntural do proletariado resolver a crise econômica do capitalismo pela conquista do poder. Assim, em que pese a baixa condição de intervenção social dos partidos e movimentos revolucionários no mundo (bem diferente da situação do século XX, que apesar das vacilações apresentava uma esquerda revolucionária mais forte) a burguesia estabelece através do fortalecimento do fascismo contrarrevoluções preventivas.

O bolsonarismo é a expressão atual do fascismo brasileiro. Uma corrente política que encarna a função de cão de guarda dos interesses do capital financeiro e da burguesia imperialista. Trata-se de um instrumento para dar sobrevida ao capitalismo em meio a desintegração do estado liberal e a decadência econômica.

Tal como na trajetória do fascismo no século XX, o bolsonarismo aproveita-se da situação de miséria crescente para adotar um discurso antissistema, fundamenta sua ideologia na tese de que a Nação e o Estado estão acima de todos, ou seja, mascarando os interesses diametralmente opostos entre trabalhadores e patrões, recorrendo a repressão sexual e ratificando os valores da falida família nuclear monogâmica, da sociedade patriarcal e da religião. Dito de outro modo, o bolsonarismo, vende a ideia de que os problemas do país resultam da luta de classes, do liberalismo sexual e da falta de Deus. Numa sociedade onde os valores morais conservadores são constantemente difundidos por intermédio da família e da religião (no último período, com mais força os neopentenconstais), a pavimentação do caminho está feita para que o bolsonarismo adquira um caráter de massas.

Mas o fascismo brasileiro, o bolsonarismo, tem suas particularidades. O discurso nacionalista difundido pelos fascistas das grandes potências econômicas, que tem como meta disfarçar o militarismo e os objetivos imperialistas com a tese da suposta ameaça estrangeira e seus agentes nacionais, é reconfigurado no Brasil para escancarar a submissão aos interesses internacionais do imperialismo estadunidense tanto no plano econômico, como no plano militar.

Bolsonaro e os bolsonaristas afirmam que a nação está ameaçada por um perigo vermelho internacional e a saída é ser completamente submisso aos interesses dos Estados Unidos. Expressão  disso: Bolsonaro, presta continência a bandeira estadunidense, faz acordos que militares que subordinam o exército brasileiro, entregou a base de Alcântara para o comando dos EUA, e coloca o Brasil como bucha de canhão dos interesses de Trump em agredir os países da América Latina, como é o caso da Venezuela.

Esse suposto inimigo internacional que ameaça o Brasil é apresentando na ideologia bolsonarista como uma força difusa que está em todo o lugar. Seria o marxismo cultural, que supostamente teria ocupado as escolas, os meios de comunicação, o Congresso, o Superior Tribunal Federal, a ONU e contaminado a todos que contrariam as teses dos fascistas. Nesse caso, nada de novo, pois nos anos 20 e 30 do século passado, o fascismo inventou a mesma ladainha com o chamado bolchevismo cultural. Cumpre papel importante na retomada ideológica do fascismo, Steve Bannon, o Gobbels da atualidade.

Com esse tipo de mentira, Bolsonaro e os bolsonaristas alimentam o seu discurso radical, defendendo abertamente a implementação de uma Ditadura Militar. Se efetivamente houvesse uma democracia liberal no Brasil, Bolsonaro e os bolsonaristas estariam presos, pois a própria constituição brasileira proíbe a propaganda de regimes ditatoriais. Todavia, como em toda a história do fascismo no século XX, o estado liberal e seus agentes sempre foram complacentes com o fascismo e permitiram o seu desenvolvimento.

Como o Brasil é uma economia dependente do capital internacional, diferente do fascismo que se desenvolve nas principais potências econômicas, o bolsonarismo, que representa o setor mais entreguista da burguesia brasileira, adota um programa econômico de desindustrialização, desnacionalização da economia e radicalização do neoliberalismo, aprofundando a financeirização da economia para agradar os banqueiros.

O bolsonarismo, expressão do fascismo brasileiro, não pode ser subestimado, todavia, também não pode ser superestimado. É verdade que entre 30 a 35 por cento da população identifica-se com Bolsonaro. Porém, isso também indica que entre 65 e 70 por cento estão do lado oposto. Esse é um dado fundamental, pois o bolsonarismo tenta transmitir a imagem que representa a maioria do povo brasileiro e isso definitivamente é falso.

Bolsonaro sabe, apesar de contar com o apoio de generais, da burguesia e de grandes meios de comunicação, que ainda não tem força para implementar um golpe de estado, pois além de não ter a maioria do povo, também tem se revelado incapaz de unificar o campo da direita. Para saciar o potencial violento dos seus seguidores e esconder a sua ineficácia em cumprir suas promessas de campanha, Bolsonaro alimenta a necessidade constante do confronto, provocando disputas por espaço no Estado.

Em apenas 13 meses de governo, cinco ministros já caíram, o último, Luiz Henrique Mandetta, que ocupava o ministério da saúde, apesar de ser um privatista, acabou tendo protagonismo no combate ao Coronavírus, assumindo as recomendações da Organização Mundial da Saúde, por essa razão foi demitido. Uma outra expressão disso é a sua disputa com Rodrigo Maia, presidente da Câmara, pelo posto de maior capacho dos interesses dos banqueiros e da burguesia. Cabe ainda lembrar que mesmo na condição de presidente da República, Bolsonaro foi capaz de perder o controle do Partido Social Liberal, seu antigo partido, ficando sem fundo partidário e vendo se reduzir sua base no Congresso Nacional.

Dessa forma, para tentar ganhar força, conforme toda história do fascismo, Bolsonaro tenta criar seu próprio partido, o Aliança Brasil, que para simbolizar sua política da morte, identifica-se com o número 38. Bolsonaro também sabe que para conseguir êxito político precisa estimular mais e mais a violência dos seus seguidores, não sendo suficiente contar com as forças armadas regulares do Estado. Por conta disso, mantém e aprofunda sua relação com as milícias. O que Bolsonaro quer é estimular a formação agrupamentos paramilitares clandestinos com a finalidade de estabelecer o terror e ir pouco a pouco quebrando a resistência social através da perseguição, da morte e do medo.

Como derrotar o bolsonarismo?

A história ensina que o fascismo não pode ser derrotado com palavras adocicadas e apelos de salvação a democracia liberal. A verdade é que a maioria do povo brasileiro sequer conheceu a democracia liberal, trata-se de uma coisa completamente estranha as populações que moram nas periferias, os mais pobres, onde inexiste o chamado estado democrático de direito. Para a maioria do povo brasileiro, resta apenas a fome, a miséria, o desemprego e a violência da policial.

O liberalismo é o campo fértil do fascismo. Primeiro porque a democracia existe apenas para quem detém o poder econômico, ou seja, para a burguesia, segundo porque toda a estrutura que fundamenta o fascismo está presente nas sociedades liberais, como o aparelho militar, os instrumentos ideológicos de dominação e a estruturação social que promove valores reacionários.

Como estabelecemos, o fascismo se articula internacionalmente, Jair Bolsonaro no Brasil, Donald Trump nos Estados Unidos, Boris Johnson na Inglaterra, Viktor Orbán na Hungria e o ex-comediante Volodymyr Zelensky na Ucrânia, são expressão de um movimento internacional. Por consequência, o fascismo também precisa ser combatido internacionalmente. É um dever dos revolucionários em todo o mundo estabelecer uma ação comum para enfrentar o fascismo.

Para derrotar o bolsonarismo, uma das tarefas mais urgentes e criação dos comitês de autodefesa. Conforme já afirmamos, o fascismo se utiliza da violência miliciana, de agrupamentos paramilitares clandestinos, é preciso criar as condições de enfrentá-los e defender a vida dos lutadores e lutadoras sociais, não podemos permitir que companheiros e companheiras sejam vítimas indefesas dessas bestas assassinas. Todavia, a criação de instrumentos de defesa não pode ser desorganizada, espontânea, ou resultado apenas do heroísmo pessoal. É necessário preparar a defesa organizada da classe, baseada na experiência histórica da luta popular.

A batalha ideológica contra o fascismo também é essencial. É preciso preparar a classe trabalhadora para o combate conta o fascismo. Desse modo, a partir dos interesses mais sentidos do proletariado, estabelecer a educação da classe, seja nas lutas concretas, greves e mobilizações, como na produção de panfletos, cartazes, reuniões, palestras, comícios e artigos na imprensa. Também é necessário ganhar os intelectuais para essa batalha. Todo o espaço precisa ser um espaço de propaganda e agitação das ideias antifascistas, ou seja, de fermentação da derrubada do governo Bolsonaro.

Defender a unidade de todos aqueles que querem derrubar o governo Bolsonaro, por intermédio da formação de Frentes Únicas, que permitam ampliar a defesa dos verdadeiros interesses do país contra a dominação imperialista, do combate ao neoliberalismo, da punição a todos os agentes da infame Ditadura Militar e dos seus propagandistas e em defesa da revogação de todos os direitos dos trabalhadores que foram suprimidos.

Por último e mais importante, radicalizar na propaganda do poder popular e do socialismo. O capitalismo passa pela crise mais profunda de sua história, não existe momento mais propício para defender a revolução dos trabalhadores do que agora. A burguesia sabe que o momento de crise econômica exige saídas radicais, por isso tem escolhido apostar no fascismo para salvar o seu sistema econômico. Assim, não existe tarefa mais imperiosa no campo da esquerda que agitar em cada bairro proletário, em cada fábrica, a revolução popular. A batalha que se coloca no horizonte é de vida ou morte, é preciso temperar o aço para garantir o futuro da humanidade.


* Magno Francisco da Silva é graduado em filosofia e mestre em história social, ativista da Unidade Popular.


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