Filosofia e vidas sombrias. Sobre necessidades e alianças

Por Daniel Santos da Silva

Lembro ter ouvido, uma vez, em momento descontraído, que a filosofia tem por objeto o que foi recusado por todas as outras ciências. Dei um gole na cerveja que tinha à mão e sorri, sacando a ignorância premeditada daquela frase, inclusive a reconhecendo, querendo ser provocativa, dispensando cronologias e definições; brinquei sem brincar que por isso mesmo quem a pratica pode conhecer como ninguém as possibilidades das experiências sociais, seus “usos” e necessidades, assim como para nos conhecerem podem olhar nossos lixos, o que descartamos.Esses jogos metafóricos têm seus limites, e geralmente são as esquinas dos botecos “acadêmicos”, onde cremos, muitas vezes – e não sem dose de razão –, ser feito algo da filosofia divertida, lúdica, enquanto cria sentidos sem praticamente finalidade alguma, sem a mínima pretensão de pairar sobre o cotidiano.


Mas posso considerar, de partida, que não há a Filosofia, que suas expressões são tão circunscritas a territórios e tempos que seus ritos variam como os religiosos, adaptados a necessidades bem específicas, que podem ser simplesmente ignoradas por outras religiões. Para quem, senão para quem vive “como” Aristóteles afirmar da filosofia que é mais necessária que a história? Ou quem desejaria filósofxs legislando? Nesse sentido, a existência de certo aparato mental e ritualístico – rezar, caminhar, dialogar, lecionar – tem sua justificativa em sua própria existência conjuntural, fugaz, mas que se pode perpetuar modificado ao sabor das necessidades históricas. Por que a continuidade da filosofia, hoje, mais intensamente que nunca, implica procurar a legitimidade de sua existência e aplicação? O fato de continuar a existir filósofas e filósofos atuando é suficiente para dar sua necessidade? Ou pelo menos sua utilidade? Menosprezar a filosofia é deslegitimar atos filosóficos? Não ser “ciência” a põe do outro lado do abismo, na irrelevância?

Quase foi naturalizada essa ânsia de ver em filosofia uma missão, a qual atravessaria heroica as melhores possibilidades da vida livre – democrática?, autogestionada? – e do pensamento crítico, de respostas em momentos de crise e, não menos, em horas de decepção. Como se o conjunto da história da filosofia fosse uma defesa da capacidade individual e coletiva de se autodeterminar, como se a liberdade, e não a tentativa de controle, fosse sua maior tração. Ainda assim, muitas vezes suas práticas desconstroem suas medidas teóricas, porque carrega consigo uma necessidade que desborda objetos de pesquisa fechados, uma prática que embaça em uma única visão o que é forma e conteúdo. Sem essa aliança com a prática – e é difícil determinar práticas a priori sem ilusão e/ou autoritarismo – a filosofia rende frutos a necessidades mesquinhas, enquanto é cooptada por projetos e programas de respostas fáceis.

Se, como aponta Dussel, a filosofia não é algo dado, pois em  stricto sensu “sería algo ya dominado por una lógica”, as necessidades que acompanham práticas filosóficas são tão flexíveis quanto os encontros que temos e nos dispomos a ter em conjunção a certas e determinadas reflexões. Se há projetos, são por natureza inacabados, em que a filosofia pode ser a maior crítica de si mesma, pois sempre a ponto de cair na invisibilidade prática – o que não preocupa a muitxs arautxs da filosofia. Se, então, a filosofia conjuga a seus termos ideias de liberdade que se dispõem à prática, a consciência “original” do sujeito que filosofa não pode ser hermética, senão trançada de possibilidades que são lances a propósito dos engenhos humanos e do que com eles interage – não propriamente fé ou esperança nas capacidades “humanas”, mas fala e prática atravessadas de perspectivas sobre conflitos, elas mesmas conflitivas.

Que índice de necessidade social apreendemos da filosofia quando xs únicxs que combatem por ela são profissionais da “área”? Mas, enquanto prática que perpassa inclusive a profissão, devemos aguardar que alguma novela ou série de TV desvele a necessidade da filosofia? Em todos os casos, os detalhes de cada trajetória filosófica não são manuseáveis, mas ainda é possível falar em atitudes filosóficas. Nem tão obviamente, mas sim. Como em jogo de luz e sombra, a história de qualquer coisa não se dá ao olhar prontamente – da própria disciplina da História, o que é visto pode ocultar outras perspectivas se não se repõe constantemente as fronteiras do fazer historiográfico, pensado restritamente. Da filosofia, há a necessidade de caminhar pela tensão entre o ir e esperar vir (em todas as dimensões), comunicar-se e ser atravessadx por feixes de ideias que chegam a ser apreendidas, mas são por algum tempo intraduzíveis.

Particularmente, pouco posso trazer à luz das sombras que instigam minha própria atividade filosófica, processual em temporalidades diversas. Mas é apenas isso que faço filosoficamente, e mesmo a atividade acadêmica e professoral são náuseas que se acrescentam a uma vertigem bem maior, de solidão e de companhia: ambas necessárias, a primeira pode ser outro meio de percepção do comum, do que nos sobra para lutar com companhias cada vez mais “inusitadas” – se pudermos ir sacando o peso de tantas separações e ideais missionários que constantemente são paradigmas ilusórios do “agir concretamente”. Certa leveza nos guia necessariamente às sombras, nos faz deixar peles para trás, sem volta; é o que a filosofia pode proporcionar, leveza? Sim, se não a confundimos com exaltação de sentidos e objetivos dados, do cotidiano desentranhado da ética (porque as relações seriam “dadas” e a segurança, dever alheio – nessa lógica, genocídios não nos dizem respeito, não há nada a ser feito…). Portanto, certa leveza é correlativa de certa necessidade, a qual se expressa em tensões que podem ser determinadas.

Parte dessa necessidade vai atrás de entendimento, de causas, enquanto outros vetores produzem novos territórios de ação coletiva (vertentes também tensionadas, não separadas) em cima da necessidade de autogestionar os espaços e os recursos, autodeterminar os corpos e suas extensões. As tensões da filosofia não nos surgem geometricamente, algumas de suas expressões são delineadas simultaneamente ao pôr-se em atividade, por aquilo que “levamos” aos encontros em que a filosofia será feita campo de discussão e de comunicação ou ferramenta auxiliar. Como afirmava Paulo Freire, sobre o deslocar-se promovido pela atividade educativa, existe sempre um ir, e, não menos, um vir, às vezes indiscerníveis, como duas pessoas que caminham longamente uma em direção à outra. Se há convite, é para o inopinado, para o inabitual que convive com hábitos mas não deve neles se transformar. Nesse sentido, não há neutralidade filosófica, há percepções de necessidades complexas que se fazem nos encontros e a partir deles. Esse fazer não somente encontra e produz alianças, é por elas constituído – e nem espera sair ileso.

Então, se falo da leveza, beirando o clichê, essa leveza é tensa. É leve porque assume que não pode ser de outra forma, como resistência fundamental, e, eticamente, felicita-se na descoberta de companhias para a batalha, não no convencimento puro de como se deve lutar. É luta que busca ensombrecer as luminosidades dadas, que quer alianças com as vidas sombrias, substantivas, mesmo que todos os territórios e tempos desse empenho sejam móveis e incertos. Nada se substancializa no mundo, tampouco relações. E não reconhecemos de imediato todas as assinaturas possíveis da vida “filosófica”: como nos meios da exobiologia, podemos pensar em uma “biosfera sombria”,[i] que está ao nosso redor, em nós, mas não é apreensível a partir dos parâmetros limitados da biologia comum – mas o que é na biologia uma especulação, na atividade filosófica é uma necessidade.

Essa procura é parte da atividade filosófica pelo que não se encerra em um fundamento primeiro (ao contrário do que histórias da filosofia tentam empurrar como canônico). Não há uma procura especializada, a atividade se compraz em sua própria abertura à medida que a percepção se renova inalteradamente crítica – que provoca crises em sua própria percepção, não como método, mas como recomeço constante da “pesquisa”, que se nega a estabelecer hierarquias humanas ou não humanas. Para outras crises que nos vêm, sem piedade e sem respeitar nossos calendários e agendas, a ética desvela e também reintroduz sentidos de urgência em cotidianos cujas patologias são tidas como controláveis e, porque não, aceitáveis – até fundamentais, como as que afetam quem se acomoda a genocídios perpetrados diariamente sob diversas formas. Atrás de toda patologia que se normaliza, nesse sentido, há uma insuficiência da ética como combate vital.

Se presa à ânsia do saber objetivo, distinto, creio que a filosofia continua a usar deuses como tapetes – e nenhuma fertilidade se dá no que se quer manter por baixo dos panos, oculto por medo de gente de ter de lidar com variados sentidos do ver, do sentir, do afetar e ser afetadx. Isso é o (não) paradoxo da necessidade de leveza, a qual exerce disciplina sem se tornar uma, na medida em que é capaz de armar sentidos justamente para não ceder a objetivos, para não mirar tudo pela lente da finalidade, tanto mais quando essa finalidade é “humana”. Um ato fundamental filosófico, pois, é proporcionar elementos para que, no que convém, as separações impostas no cotidiano devenham alianças do ponto de vista ético, emparceiramento, se necessário.[ii]

***

Se às vezes se recorre às filosofias em ambiências de crise, essas procuras pontuais não empolgam por si – muitas ansiedades simplesmente jogam fora a temporalidade da reflexão e do diálogo, sem nem resvalar na materialidade de tudo o que permite o pensar. De certa forma, a resistência de que se ocupa a filosofia que vem e vai de sombras existe apesar daquilo a que se resiste, pois nada mais é que um modo de afirmação da vida e da alegria; pensar também é afirmar a existência própria de maneiras singulares. Porém, mais que isso, laços que se apertam ou se fazem por urgências e necessidades, não por ansiedades, têm capacidade de mostrar como são resistência certos movimentos que ultrapassam esta ou aquela crise particular, mesmo que nelas se insiram.  Se é força, então, a reflexão filosófica em suas múltiplas facetas, é algo que se mantém e se movimenta apesar das oposições que surgem, e em ocasiões se move, inclusive, pelas oposições que forçam a envergadura do ser até limites antes inimagináveis.

Essa força tem sua medida, em termos, em sua própria necessidade, quando existe. Sem separar das temporalidade que atravessam miríades de reflexões, os espaços utilizados pela filosofia necessariamente se abrem às sombras, à resistência e à desobrigação de proteger tais espaços com a coerência formal e a erudição, menos ainda com autoridade e imparcialidade. E enquanto se mantém força, a filosofia enverga hoje de modos imprevisíveis até há tempos relativamente recentes, e o que virá permanece invisível mas também modulado pelas resistências que hoje necessitam de intersecções. Assim, conforme a experiência no mundo foi adquirindo consistência constitutiva de nossas consciências, mesmo nas filosofias europeias algumas proximidades e separações práticas e conceituais tidas como básicas às vidas em sociedade passaram a ser revistas constantemente na busca de condições para que prática e conceito escapem à imagem da oposição.

De tal modo, pois, que essa filosofia com vidas sombrias que a alimentam insiste na recusa à dinâmica espaço-temporal das separações e das proximidades forçadas, mesmo que siga distinguindo aspectos e relançando perspectivas plurifacetadas. Recusa não menos a separação entre vida e morte, tanto mais quanto a vida de poucxs se nutre da morte de muitxs – e quando as vidas de muitxs se orientam pela ambição de poucxs. Por isso a insistência em buscar causas, não lineares, e inquirir quais forças transportam o desejo de vida ao deserto em que o comum implica distanciamento e competição, por exemplo; em que a “natureza” ainda se opõe à “humanidade”, em que a ausência se passa por abundância – de mercadorias e informações, mais que nunca. E com as causas, para a ética, vêm ao mesmo tempo apegos afetivos pelas resistências que se opõem à limitação dos desejos às figuras de mercadorias e às fantasias de dominação sobre corpos e ideias.

Pensando, como tantas outras vezes, sobre sentidos de ausência, me veio a lembrança de algumas palavras de Ailton Krenak; a princípio, aquelas com as que afirma, em Ideias para adiar o fim do mundo: “Nosso tempo é especialista em criar ausências: do sentido de viver em sociedade, do próprio sentido da experiência da vida”; com efeito, quanto mais a luz é um artifício, mas a escuridão permanece desconhecida. Na experiência da vida que não se ampara em pilares de ausência, há aspectos que dissolvem qualquer pretensão de uma razão “limpa” e “luminosa” que guie à verdade – sozinhx, escrevendo, ou em meio de gentes, discutindo, toda consideração tem consigo, como expressão, corpos que se afirmam, mas que podem ser acuados de diversas maneiras. Com todas as conturbações, a filosofia pode perguntar: quais critérios determinam o que é necessário à vida? Como promover encontros e alianças que afirmem expansivamente tais necessidades – ou seja, não como básico, mas como constituinte?[iii]

Pouco após o que citei acima, Ailton diz sobre a resistência de seus parentes (o que, a meu ver, resgata e recria termos dessa necessidade e das relações com diferentes perspectivas de mundo): “A gente resistiu expandindo nossa subjetividade, não aceitando essa ideia de que nós somos todos iguais (…) suspender o céu é ampliar nosso horizonte; não o horizonte prospectivo, mas um existencial”; certa experiência, de certa necessidade, pode ser a partilha de certas expressões éticas que implicam incontornavelmente teias de visões que convergem na solidariedade, na sapiência de que somos uma partícula da natureza, cuja infinitude se expressa em infinitas existências singulares. Sendo assim, o infinito nunca pode deixar de se expressar, apenas suas modulações particulares, conforme tenham mais ou menos potência de existir. E concretamente, as potências, sempre singulares, que parecem nos levar ao “conhece-te a ti mesmx”, precisam olhar além, ao “conhece-nos a nós mesmxs”, que é esforço, no mínimo, de resistência à “tentação de se estar só”, como dialogava Freire em Por uma pedagogia da pergunta.

Ao “fim”, todo exercício prático e teórico se pega envolvido nos movimentos de crise, em momentos nos quais não sabemos se nos miramos em tragédias passadas ou nos preparamos para calamidades futuras. Nesse meio tempo, é um tanto estéril perguntar “à filosofia” como se deve lidar com o presente – o que fazer, como agir e quais as últimas linhas éticas e morais que não podem ou devem ser ultrapassadas. Pessoalmente, tenho certeza de que meus olhos ainda não viram nada, mas há sentidos que se mostram cada vez mais evidentes na atualização das lutas, de produção constante que se acelera por necessidades, de comunicação, de solidariedade, de escuta… como quando se enxerga, por trás da caridade interesseira de quem “ajuda” para continuar lucrando, que as alianças que se formam a partir da mútua solidariedade e da comunicação direta e vinculante são as que têm mais feijão para seguirem ativas depois quando se julga não haver mais crise, até que outra venha a exigir outros desdobramentos.

Se mesmo obrigadxs a nos apressarmos, há em atividade perguntas para cada resposta dada e atuação coletiva ante necessidades que isolam; nem precisamos abrir mão de investigações rigorosas, nem transpor cosmogonias e cosmologias para a translucidez dos conceitos habituais, já que as filosofias podem trabalhar com interrogações que são formas de chamamento à natureza (“animada” ou não), fonte de esforço de enlace que convive com recusas e confrontos, irremediavelmente; como consequência, quando se fala de abertura à crítica em tempos de crise, põe-se concretudes de resistências em diversos estratos, os quais implicam fluxos de energia que traçam no espaço e no tempo demandas de corpos que enfrentam desafios – e de mentes que são esses corpos em atividades reflexivas de imagens e vínculos entre as ideias, por mais diferentes que possam parecer e ser. Contornando, muitas vezes, prospectivas de otimismo na natureza humana ou de deveres morais, identifica-se o esforço de não estar só ao movimento de se estar vivo – em que luto contra o que me move a afirmar diferenças e liberdades como privilégios.

Claro que pensar tais fluxos torna política mesmo as filosofias aparentemente alheias ao problema organização social humana – mesmo a lógica mais abstrata ganha sentido pelo que traz de possibilidades comunicativas, caso o traga. Justo porque escapa de forçar tudo pela absorção em sistemas fechados de conceitos e pretensões, que a tornariam exercícios de memória para mentes “isoladas”. Até em nosso horizonte de eventos especulativos, abandonemos ou não o hábito de explicar as coisas através de uma inteligência semelhante à humana, a filosofia requer apego ao risco do procurar, do ir, do abrir-se, do deixar-se; “sinteticamente”, é um exercício de pôr em comum aspectos de nossas singularidades, afirmando-as como constitutivas dos movimentos, nem simples causas nem simples efeitos. Como não é confissão, esse pôr em comum das singularidades não tem forma ou conteúdo definidos, na medida em que cada uma delas já é multitudinária, configuração em que nem indivíduo nem comunidade são escalas finais. Esse trabalho, por não deixar de ser constante afirmação de singularidade, inclui necessariamente conflitos, os quais podem ser instrumentos para os confrontos que se disporão de variadas formas contra o que é antagônico.


[i] Termos forjados em pesquisas que, entre outras ideias, postulam que a vida surgiu mais de uma vez na Terra; até onde sei, a autoria da expressão é de Carol Cleland e Shelley Copley, da Universidade do Colorado. Nas cercanias, vejo o tema em contornos sutis mas concretos, como nota Rafael Haddok-Lobo: “a filosofia precisa se debruçar sobre a singularidade de nossas questões (múltiplas, diversas, plurais) e abandonar as ideias de neutralidade e universalidade que, junto com a colonização, chegam em nossas academias de contrabando. Sem isso, não conseguiremos abandonar seu patamar elitista e ter algum contato real com aquilo que, das ruas, provoca o verdadeiro pensamento (…) aqui é preciso promover o giro a partir daquilo que é, ao mesmo tempo, mais próprio, mais comum, mais banal, mas também mais escondido, mais temido, mais causador de vergonha, que, junto a Rufino e Simas, chamo de macumba” (https://outraspalavras.net/descolonizacoes/por-uma-filosofia-popular-brasileira/); o que é possível porque, então, veem-se “Os terreiros como matrizes e motrizes geradoras de vida que alargam subjetividades, credibilizam outras inscrições e recuperam possibilidades de um mundo outro. (https://revistacult.uol.com.br/home/dossie-filosofia-e-macumba/).

[ii] Adapto usos de Marcos Villela Pereira, “Sobre interdisciplinaridade e diferença”, na Revista Sul-Americana de Filosofia e Educação, n. 22, disponível na rede. Seu entendimento de disciplina se aproxima do que utilizo aqui, enquanto afirma, p. 15: “Na interdisciplinaridade as disciplinas não perdem seu caráter disciplinar, uma vez que permanecem sendo uni-versos de referência limitados por uma zona de imobilidade. É o sujeito quem realiza o trabalho interdisciplinar”, e na p. 17: “A existência da interdisciplinaridade se dá quando se cruzam, numa mesma formação existencial, diferentes planos de referência, pondo em contato diferentes dobras.” Também recordo, meio que soltamente, quando Kropotkin diz: “Não existe nem mesmo pensamento, nem mesmo invenções que não sejam um feito coletivo nascido do passado e do presente”.

[iii] Não é difícil perder de vista as resistências próprias, exercidas cotidianamente, mas “suplantadas” por necessidades outras que passamos a considerar mais vitais, ou pelo menos mais urgentes; se esvaziamos a história própria, singular, de resistências, esvai-se com ela laços fundamentais que se oporiam aos sentidos violentos que nadificam vidas e territórios; Macaé Evaristo, em entrevista à Revista Periferias, crava: “A periferia não é o território apenas da ausência, da falta. É neste lugar que querem nos colocar: aqueles sem família, sem memória e sem história.” Gersem Baniwa testemunha algo que me apraz pôr aqui: “Na minha experiência pessoal, o contato com a filosofia me abriu horizontes de conhecimento para o outro, para a matriz cognitiva e cultural da sociedade ocidental européia e a antropologia me abriu horizontes de compreensão do meu próprio mundo baniwa, aprofundando-o, valorizando-o e vivendo-o com mais intensidade e diminuindo meus próprios pré-conceitos e com isso, ampliando minhas possibilidades de contribuir para o tão necessário diálogo entre culturas, entre civilizações (…) Mas, o que não consigo entender por que isso é apenas privilégio da antropologia e não de outras disciplinas ou áreas do saber”, em “Antropologia indígena: o caminho da descolonização e da autonomia indígena”, disponível na rede.

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