A Convenção Negra

Por Cyril Valentine Briggs, via marxists.org, traduzido por Lauro Abelha

A Segunda Convenção Negra Internacional, realizada no Liberty Hall, em Nova Iorque, durante todo o mês de agosto, foi convocada por Marcus Garvey, Presidente Geral da “Associação Universal para o Progresso Negro e Liga das Comunidades Africanas” (UNIA) e “Presidente Provisório da África”, “Presidente da Black Star Line [empresa de navegação]”, etc., etc.

A convenção foi aberta em meio a uma fanfarra no primeiro dia de agosto. Houve um desfile em Harlem à tarde e um comício de massas no 69º Regimento Arsenal à noite. O diário Metropolitan foi forçado a sentar e noticiar o acontecimento. O barulho da abertura deu conta disso. O Potentado fez o discurso de abertura. O Potentado é o Exmo. Gabriel Johnson, prefeito de Monróvia, Libéria. Ele representa a “Conexão Africana” do Movimento, e por esse favor é pago US$ 500 por mês. Todos os delegados que foram eleitos por suas divisões para representá-las por um período de cinco anos de convenções receberam o posto de deputados e o privilégio de serem tratados como “o Honorável Fulano”. Mais tarde, houve uma Recepção da Grande Corte, na qual os convidados foram “apresentados ao Potentado” e foram criadas ordens de cavaleiros e de damas.

Várias organizações negras corresponderam à convocação e enviaram delegados à convenção. A mais importante delas era a African Blood Brotherhood [ABB, sigla em inglês da “Irmandade de Sangue Africana”], uma organização negra radical que ostentava a lenda “criada para a proteção imediata e a libertação definitiva de negros em toda parte” e que já tinha a acusação de ter organizado e dirigido a legítima defesa de negros nos distúrbios de Tulsa, Oklahoma, em junho de 1921. A presença da delegação da African Blood Brotherhood fez da convenção um caso realmente memorável e de tremenda importância para o mundo radical, pois os delegados da ABB mostraram firmemente suas caras desde o início contra o glamour romântico, “a falsa tolice de heroísmo e titulação” pelas quais Garvey estava tentando substituir as ações construtivas reais.

A delegação da ABB, efetivamente apoiada por sua organização, que emitiu um manifesto na abertura do Congresso e prosseguiu com um boletim semanal e outras publicações, exigiu, entre outras coisas, um programa construtivo para “a orientação da raça negra na luta pela libertação” e sugeriu e agitou perante o congresso a criação de uma federação de organizações negras existentes “para apresentar ao inimigo uma frente unida e formidável”, e a adoção de um programa reivindicando meios “para elevar e proteger as condições de vida do povo negro”, para “acabar com o assassinato em massa de nosso povo e protegê-lo contra as sinistras sociedades secretas de brancos perturbados e combater o sistema de exploração em constante expansão”. Eles exigiram ainda que a Rússia Soviética fosse endossada pelo congresso e os verdadeiros inimigos da raça negra fossem denunciados.

Essas demandas construtivas, efetivamente apresentadas e apoiadas por uma agitação generalizada, tiveram o efeito de uma bomba sobre as autoridades da convenção, todos membros da UNIA, e houve imediatamente um evidente espírito de revolta entre os elementos insatisfeitos da maioria da UNIA. Os delegados da ABB tentaram habilmente dirigir essa revolta, mas evidentemente encontraram dificuldades e forças adversas em operação, pois a revolta nunca foi efetivada. Para conceber a natureza dessas dificuldades e suas causas, deve-se lembrar que não só os delegados da UNIA estavam em grande maioria, mas que entre eles havia muitos que estavam possuídos por uma lealdade cega e acrítica a Marcus Garvey como o “Moisés da Raça Negra”.

O que é o garveyismo? Uma mistura astuta de racialismo, religião e fanatismo nacionalista. É sem dúvida um produto histórico e tem suas raízes na opressão passada do negro. É um dos sinais de seu despertar, o mais barulhento, embora não o mais eficaz, desafio ao mundo branco – para todo o mundo branco, pois o garveyismo vê em todo rosto branco um inimigo per se. Nisto reside uma das principais razões para a amarga oposição que encontrou do trabalhador negro consciente de classe. É um passo à frente de sua escravidão religiosa, na qual o negro era completamente dominado por seus pregadores e subservientemente subscrito à filosofia de entregar tudo a seus exploradores, desde que deixassem para eles o “seu Jesus”. A seção diurna da convenção não revelou o segredo do poder de Garvey sobre a maioria dos delegados e do salão. É apenas nas sessões noturnas informais quando o emocionalismo é despejado sob o ofício do sacerdote especialista de Marcus Garvey que o segredo pode ser descoberto. Essas sessões noturnas foram projetadas para inundar o ambiente com garveyismo e alinhar todos os delegados vacilantes pelo poder absoluto do fanatismo voraz concentrado. Rituais foram cultuados, hinos foram cantados, discursos racialistas ardentes foram feitos, com um acompanhamento quase contínuo de acenar bandeiras (o Vermelho, Preto e Verde da UNIA) e desfile de Legionários uniformizados, enfermeiras da Cruz Negra e outras forças do “Governo da UNIA”.

De início, a agitação da delegação da ABB foi discretamente ignorada pelos oficiais da convenção após o primeiro choque. Mas logo começou a mostrar seu efeito no crescente espírito da revolta, e quando, no 25º dia do Congresso, o terceiro boletim semanal da ABB foi distribuído entre os delegados com uma manchete declarando “Congresso Negro Imobilizado – Muitos Delegados Insatisfeitos com o Fracasso em Produzir Resultados”. A crise da convenção havia chegado!

Quanto aos pecados por omissão, o Boletim afirmava que a convenção “não havia formulado nenhum programa geral para a raça negra e nenhum programa específico para as várias seções da raça negra (os americanos, os da Índia Ocidental, etc.)”, “não havia planejado os meios para a libertação da África e o apoio aos movimentos maometano e etíope, às lutas egípcia e moura, como meios para esse fim”, “não havia dado nenhum passo para elevar e proteger as condições de vida”, “ignorou a sugestão de consolidar a força do negro através de uma federação de organizações negras”, ” recusou-se a condenar os opressores capitalistas do negro”, “falhou em endossar os amigos e aliados naturais da raça negra”, “falhou em protestar contra o estupro e a contínua ocupação do Haiti pelos Estados Unidos”, “falhou em repudiar a ridícula proposição do Sr. Garvey de que os negros podem ser leais às bandeiras das nações que os oprimem e libertar-se dessa opressão ao mesmo tempo, que os negros que vivem sob as bandeiras britânica e francesa podem ser leais a essas bandeiras e ainda assim efetivar a libertação da África do domínio dessas bandeiras.”

Após a distribuição do Boletim no recesso meio-dia, Garvey denunciou a ABB como traidores e agentes bolchevistas, enquanto um de seus capangas apresentou uma resolução pedindo a expulsão dos delegados da ABB da convenção. Na ausência desses delegados, vários delegados da UNIA fizeram objeções à resolução, mas a moção foi aprovada por maioria de votos, com muitas abstenções. Os delegados da ABB foram então declarados expulsos da convenção.

Em resposta à ação da maioria da convenção controlada por Garvey, a ABB levou suas pautas às massas negras por meio de panfletos, novos comunicados na imprensa negra e comícios de massa. Então, a questão fica com um saldo evidentemente a favor da ABB e a popularidade de Marcus Garvey claramente em declínio.


Nota: Publicado no jornal The Toiler [“O Peão”], Nova Iorque, volume IV, nº 190 (1 de outubro de 1921), p. 13-14. Briggs nasceu em 28 de maio de 1887 em Nevis, nas Índias Ocidentais Britânicas [no Caribe]. Chegou aos EUA em 4 de julho de 1905, aos 17 anos. Entrou para a equipe de Amsterdam News [de Nova Iorque] em 1912, primeiro como colunista e depois como editor de esportes e teatro. Escritor editorial daquele jornal em 1914. Fundador da African Blood Brotherhood (Irmandade Sangue Africano), uma “ordem secreta revolucionária”, 1919. Foi membro do Partido Comunista dos EUA. Fundou e editou o The Crusader, jornal da ABB, de setembro de 1918 a 1922. Morreu em 18 de outubro de 1966 de um ataque cardíaco, aos 78 anos.

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