Por Inês Maia
A descoberta do fenômeno quântico reestruturou retroativamente todo o passado conceitual das ciências, tornando kitsch qualquer proposta de salvá-la por categorias fixas dadas de antemão. As diversas interpretações de suas teorias e fórmulas nos mostram o quão problemático é o problema do Real.
Duas cenas para introdução do assunto:
Cena 1
Há um interessante trecho na famosa Vida de Galileu de Brecht em que, acossado pelos doutores da filosofia, Galileu precisa provar com sua luneta que a terra se move. A cena é patética e poderosa. Para ter seu experimento ratificado, Galileu só precisa que olhem pela luneta, no entanto, os doutores se recusam a fazer isso. Tal gesto traz consigo duas implicações:
Por um lado, superficialmente, indica a resistência de mudança nas posições tradicionais que evanescem se acaso obtermos o resultado negativo ao que está posto. Isso evidencia uma certa resistência aos desdobramentos científicos que retroativamente reinscrevem o passado dando-lhe nova significância e sentido conceitual no presente. Um caso exemplar é a resistência do pensamento marxista que, independente da filiação seitaria [2], se desenvolve graças as inúmeras negações às interpretações pressupostas.
O resultado é uma nova abordagem que reestrutura toda significação anterior, abrindo um novo viés interpretativo no presente. Por isso, há um elemento kitsch na proposta da doxa marxista, sobretudo partidária, em se manter ideologicamente atado ao marxismo do século XX sem fazer o exercício crítico do próprio Marx.
Por outro lado, essa mesma cena de Brecht nos revela o núcleo dos elementos concernentes ao marxismo de sua época e a crença, até então, sadia na revolução copernicana. Basta um olhar e verás a verdade que se expressa no movimento “concreto” dos corpos. Há nisso um idealismo da má-infinitude que Hegel abarca de saída na Fenomenologia que está ligado à percepção e, não obstante, paira nas ciências – sobretudo neurociência[3] – nos dias de hoje. O resultado da percepção é o entendimento e este último descobre que não há nada no conceito que não seja a si mesmo. Por isso, podemos perguntar: que é o olhar na luneta?
Naturalmente, esse olhar não é subjetivo: não se trata simplesmente de um Eu que olha e percebe; ao contrário estamos aqui com um vazio, uma reestruturação cuja gênese não pode ser posta numa determinada realidade e, sim, num plano conceitual atrelado transcendentalmente as condições de possibilidade desse olhar. O olhar é olhado: essa fórmula implica que o vazio é uma espécie de condição formal da visão de absolutamente tudo. É patente que aí o simbólico introduz a falta-de-ser no Real como dizia Lacan. Isso implica uma questão irônica interessante: quem poderia garantir que o teólogo ao olhar pela luneta veria de fato a terra se mexendo?
Cena 2
Em Black Sails, recente seriado sobre piratas na Netflix, temos uma verdadeira Verklären (transfiguração) hegeliana do passado. Há uma releitura interessante sobre o temível capitão Flint. No seriado ele comete “crime de sodomia” na época das navegações comerciais; o choque entre a figura masculina padrão (homem forte com cara de mal e pirata) e a descoberta de sua homoafetividade só pode ser uma retrospecção no presente que redesenha todo o passado [4]. Essa leitura de Flint como homossexual só pode ser feita do ponto de vista histórico em que as abordagens sobre esse tema já esteja se suprassumindo.
Nós, que como hegelianos somos (os verdadeiros) materialistas dialéticos, sabemos que a noção de retroatividade – isto é, a mudança do passado a partir da sua contemplação do presente – demonstra que o conjunto de razões (passadas dadas) nunca é completo o suficiente, posto que as razões passadas são retroativamente ativadas pelo que é, dentro da ordem linear, seu efeito.
Esses dois exemplos acima servem para demonstrar como a efetividade não é algo que possa se agarrar com as mãos. Marx quando se deparou com o valor sabia de sua fantasmagoria e por isso pensa o fetichismo como algo miraculoso. O significado disso, apesar de ser anuviado pela doxa marxista, é claro: toda realidade é transcendentalmente constituída. A realidade ou o real é a lacuna que separa as perspectivas e que, para lembrar Hegel, desvanece e se reconstitui a partir do nível simbólico.
A mecânica quântica
A noção comum sobre Kant é que ele vislumbrou na mecânica newtoniana uma ciência sintética a priori, estruturada sobre certezas intuitivas constitutivas da realidade. Não importa a coisa em si neste ponto, o importante é que o fundamento racional dos enunciados científicos estava assegurado pela universalidade das intuições a priori, tanto da estética, quanto da analítica transcendental. O profundo enraizamento dos conceitos que foram questionados na mecânica quântica pode ser observado em sua vertiginosa figura, quando nos damos conta de que estamos falando do fundamento último da Realidade, de toda Realidade. Os questionamentos pertinentes à mecânica quântica ultrapassam, portanto, o universo da Física em muito podendo nos apontar nossos dogmatismos irrefletidos.
Mas e se subvertermos essa interpretação? Penso que Kant – que não é nenhum cachorro morto – traz grandes ensinamento com o seu idealismo transcendental ao nos demonstrar que é o ato da síntese transcendental que organiza as impressões sensoriais da realidade objetiva. Kant em sua construção da diferença entre o pensamento e a experiência – por sua vez a diferença entre a coisa em si e a coisa como objeto da experiência[5] – detectou haver uma condição de possibilidade, uma categoria a priori de espaço e tempo cujo os juízos analíticos/explicativos fazem uma análise geral sem separá-lo ou designá-lo, como parte de um todo. Porém, são os juízos sintéticos, através do conceito, que nos demonstra a lacuna, entre aquilo que é, e a coisa como objeto da consciência.
A lição posta por Kant resvala na seguinte hipótese: é a ação da percepção que fixa as oscilações das ondas quânticas[6]. A própria realidade do movimento geral é categorial ou transcendentalmente constituída. Por outro lado, é Hegel quem tenta superar o aspecto formal do pensamento kantiano – essa lacuna irredutível que separa a coisa em si e a coisa como objeto da experiência – ao explorar a mediação de ambas e demonstrar o conhecimento objetivo como uma aparência reificada.
Tomemos os dois filósofos alemães como antagonicamente complementares para o entendimento dos fenômenos quânticos e adentremos assim as veredas da interpretação de Copenhague.
A mecânica quântica, enquanto um ramo da Física, ou apresenta a falta de solidez sobre a qual nosso conhecimento sobre o mundo está sustentado, ou o nosso conhecimento sobre o mundo está sustentando justamente na lacuna existente entre Real e simbólico? É fato que a “mágica” previsão com que fomos presenteados pela visão newtoniana parece-nos agora uma lembrança infantil, singela, delicada e falsa. Em outras palavras a descoberta do fenômeno quântico reestruturou retroativamente todo o passado conceitual das ciências, tornando kitsch qualquer proposta de salvá-la por categorias fixas dadas de antemão. Aqui é mais ou menos como se o capitão Flint – descrito acima – tentasse se tornar macho-alfa.
Não poderia haver pior lugar para um ataque tão definitivo ao nosso conhecimento, a ciência exemplar. As diversas interpretações de suas teorias e fórmulas nos mostram o quão problemático é o problema do Real. Se a Física não puder ser mais exemplo de como vislumbrar a natureza, o que poderemos dizer das demais pretensas ciências? Com que autoridade poderemos nos arrogar a posse de uma teoria irrevogável, incriticável? Com que autoridade poderemos dizer que assim é a natureza? Os fatos? O mundo?
A visão dura que deixamos para trás, ou deveríamos, nos oferece termos confortáveis que não se parecem com símbolos, mas com manifestações de entidades irrevogáveis e universais. A trajetória é um elemento constitutivo da descrição física de qualquer objeto, seja ele da magnitude que for. Sua natureza é única e clara, sendo o elemento dotado das características corpusculares, ou uma relação ondulatória com um meio.
Os resultados inesperados da mecânica quântica, no entanto, nos esbofeteiam os sonhos baconianos de domínio completo da natureza, ao mesmo tempo em que permite novos e catastróficos pesadelos. Mas, o pesadelo inicial se inscreve na impossibilidade de perfazer a maior habilidade que a ciência nos proporcionou, ver a natureza e descrevê-la em sua realidade.
É mister que no objeto quântico – objeto do tamanho ou menor que um átomo – quando medimos uma grandeza relevante para determinar sua trajetória interferimos na medida de outra grandeza. Por exemplo, ao se medir o momento – a velocidade vezes a massa de um objeto quântico – não conseguimos medir a posição desse objeto. Vemos assim que o princípio de incerteza de Heisenberg é totalmente diferente do princípio newtoniano, ou melhor, tal princípio difere frontalmente da natureza da linguagem conceitual clássica.
Como afirma Luiz Ben Hassanal em sua clássica desconhecida dissertação[7]: “Os conceitos da linguagem clássica são incompatíveis com os fenômenos quânticos, o que demanda uma crítica dos conceitos, uma limitação dos conceitos através da análise dos experimentos. As fórmulas de Heisenberg, sob a interpretação da incerteza, seria a evidência da limitação dos conceitos clássicos” (HASSANAL, 2015, p. 109).
Ora, tal ponto é ilustrativo da abordagem, por assim dizer, visionária de Hegel que desde 1807 já advertirá para o problema: “se conhecer é o instrumento para apoderar-se da essência absoluta”, diz Hegel, “logo se suspeita que a aplicação de um instrumento não deixe a Coisa tal como é para si, mas com ele traga conformação e alteração[8]”. A ciência clássica, desde Newton, sempre se arrogou de um instrumento a priori conceitual para interpretar a realidade, instrumento que com o advento da física quântica entrou em colapso.
Claro que aqui temos repetido em outro nível a cena brechtiana em que novamente os cientistas negam esse desdobramento em nome da episteme do establishment (tal como Popper, Einstein, etc.). Uma passagem especialmente ilustrativa deste problema é a polêmica soviética entorno da teoria da complementaridade de Bohr. A comunidade científica soviética, refratária ao idealismo, ou a qualquer coisa que lhe fosse semelhante, compreendia a teoria da complementaridade, especialmente o princípio de incerteza de Heisenberg, como inadequadamente idealista, ao colocar em questão à Realidade, atribuindo-a ares de subjetivismo.
Nikolskii (JAMMER, 1974, p. 444)[9], se tornou partidário da interpretação de Einstein, traduzindo no importante Znamenem Markzisma o artigo “Physics and Reality”. Posteriormente, em 1940, publicou o livro Quantum Process, no qual defende a teoria estatística, considerado como um “antidoto à filosofia da complementaridade” (JAMMER, 1974, p. 444).
Na contramão disso, Blokhintsev publicou um livro-texto para estudantes na linha da interpretação de Heisenberg, Fundamentals of Quantum Mechanics (1949), que considerava que a função de onda representa o conhecimento do homem, em vez do estado do próprio sistema. No entanto, na segunda edição, 1954, Blokhintsev abandonou a abordagem heisenbergeriana e adotou uma postura mais objetivista, realista – sabemos porque fez isso, não é?
Mais ao gosto do establishment soviético, a abordagem estatística, que considera os dados de probabilidade que caracteriza a função de onda como ensembles (conjuntos) que enunciam a distribuição de probabilidade da grandeza posição dos corpúsculos do feixe, foi adotada e tornou-se paradigmática na União Soviética, embora sofresse constantes ataques de físicos soviéticos como Alexandr Fock.
Nos desenvolvimentos mais maduros de sua obra, Blokhintsev, aprofundando sua teoria estatística, define os ensembles como sequências idealmente infinitas de microssistemas idênticos. O interessante desses desenvolvimentos futuros é a adoção das relações de incerteza de Heisenberg como critério para a determinação de ensembles quânticos. Sua visão foi desafiada por Fock, que descrevia os ensembles estatísticos como denotando “algo potencialmente possível […] associados com arranjos experimentais específicos, mas não com os próprios micro-objetos” (JAMMER, 1974, p. 447).
A função de onda, a expressão matemática da superposição de ondas de um objeto quântico, se tornou o bastião interpretativo daqueles apegados ao mecanicismo perdido. Para assegurar a Realidade completa da natureza, apelou-se para a incompletude da própria teoria quântica (vide: “Can Quantum-Mechanical Description of Physical Reality be Considered Complete?”[10] de Einstein), ou para a indeterminação do Real, no sentido mecanicista, da própria natureza (vide: Quantum Theory and the Schism in Physics[11] de Popper).
A relação sacralizada entre homem e natureza, estabelecida sobre uma forçosa manutenção do ideário epistemológico iluminista, é mantida ao estipular o dado probabilístico como resultado de uma natureza ontologicamente indeterminada em si, ou uma incompletude da teoria, enunciando a futura superação deste problema.
Ao analisar os nomes relacionadas à posição conservadora, veremos que soviéticos como Nikolskii e Blokhintsev estão no mesmo lado da trincheira de liberais como Popper, que também prezava pela manutenção de uma interpretação que não questiona o conceito de realidade, criando subterfúgios matemáticos e interpretativos para mantê-lo incólume.
Ora, com todo esse quid pro quó conservador que une cientistas de esferas políticas antagônicas (só muito aparentemente) quais os ensinamentos da maldita física quântica para nós materialistas dialéticos? A melhor resposta sobre esse problema encontra-se em Menos que Nada[12] de Slavoj Žižek (2013, p. 564):
A principal tarefa, portanto, é interpretar essa incompletude (a crise da ciência atual) sem abandonar a noção do Real, ou seja, evitar a leitura subjetivista do fato de que o próprio ato de mediação co-constitui o que ele mede. A versão de Heisenberg da indeterminação (o princípio de incerteza) ainda deixa espaço suficiente não só para salvar o conceito de realidade objetiva independente do observador (se fora do alcance do observador), mas também para determina-lo, para conhecê-lo como é em si […] Bohr argumenta contra essa possibilidade […] a observação só é possível sob a condição de que o efeito de medição seja indeterminável. Ora, o fato de a interação da medida ser indeterminável é fundamental, porque significa que não podemos subtrair o efeito da medição e com isso deduzir as propriedades que a partícula (supostamente) teria antes da medição[13].
Ora, com isso constata-se a atualidade de Hegel e seu método que não atende pelo nome.
NOTAS:
[1] Ines Maia é escritora e doutora desempregada.
[2] Apesar do sectarismo ter um caráter superficialmente negativo. Interpretamos ele de modo adverso aqui. Pensamos a seita como um momento necessário para ressignificação do simbólico, para a própria estruturação do simbólico como ponte de ação no universo abissal do Real. Nos respaldamos aqui sobretudo, no pensamento de Lacan e em suas análises sobre Antígona. Esta última como sectária, excluída do campo simbólico da comunidade, por assim dizer, sacudiu os pilares desse simbólico.
[3] Para Dennet aquilo do qual estou consciente é aquilo que está em minha consciência. Isto é por ele chamado de acesso. Apenas posso estar consciente de algo se já tiver tido acesso a ele. Podemos nomear dois tipos de acesso; o computacional e o público. O primeiro diz respeito à ligação de informações, desse modo, quanto maior a carga de experiência, maior será a capacidade de ligação de informações, porém: “O acesso computacional não tem nada haver diretamente com o acesso da consciência pessoal, pois pode-se mostrar que não temos acesso a muitas coisas as quais as diversas partes de nosso sistema nervoso tem”. O acesso computacional é por assim dizer, o controle exercido das informações. O acesso público, por sua vez, é a instancia disponível das informações, isto é, por isso tem mais haver com acesso pessoal da consciência, pois tem a capacidade de captar os dados e transmiti-los tal como nossa fala – nossa linguagem. Ver DENNET, D. C Brainstorms, Ensaios Filosoficos sobre a Mente e a Psicologia. São Paulo: Ed Unesp, 2006.
[4] Inclusive a aspa em “crime de sodomia” só é possível quando o próprio “crime” foi suprassumido.
[5] Kant, Emmanuel. Critica Da Razão Pura. tradução J. Rodrigues de Merege edit. Discussão acrópolis 2006.
[6] A esse respeito, temos o famoso experimento imaginário, espero, do gato de Schrodinger. A sobreposição de estados quânticos diferentes teria como resultado um gato morto-e-vivo, simultaneamente. Como nos lembra Pessoa (PESSOA Jr., Conceitos de Física Quântica, Livraria da Física, 2006, p. 57), a redução do pacote de ondas, quando um fenômeno com um estado sobreposto é reduzido a um dos estados concorrentes – quando as oscilações quânticas são fixadas, suscita a questão acerca do que causa esse estranho resultado. Ludwig sugere que a amplificação ocorrida na medição causaria a redução, outros, como Wheeler, sugere que é a própria consciência do observador que causa a redução (p.58-9).
[7] Ver em Hassanal. A crise da objetividade, a epistemologia popperiana e o “programa de Heisenberg”.
[8] G. W. F. Hegel. Fenomenologia do espírito $73, p. 63-4.
[9] JAMMER, M., The Philosophy of Quantum Mechanics, John Wiley’s and Sons, Londres, 1974
[10] O artigo de Einstein, publicado em 1935, é uma breve argumentação contra a completude da mecânica quântica, que apresenta como critério de completude que “todo elemento da realidade física deve ter uma contraparte na teoria física” (EINSTEIN, PODOLSKY & ROSEN, “Can Quantum-Mechanical Description of Physical Reality be Considered Complete?”, Physical Review, vol. 47, 15 de maio de 1935, pp. 777-80, p. 777). O artigo termina de maneira profética. “Enquanto nós temos assim mostrado que a função de onda não provê uma descrição completa da realidade física, nós deixamos aberto a questão de se essa descrição existe ou não. Acreditamos, contudo, que tal teoria é possível” (p. 780)
[11] Texto influente de Popper, que aplicou a teoria da propensão na mecânica quântica, sobretudo em sua tese 11 “.. embora partículas e o campo de probabilidades sejam reais, é enganoso falar de uma dualidade entre eles: as partículas são importantes objetos de experimentação; os campos de probabilidade são campos de propensões, e são, como tais, importantes propriedades do arranjo experimental das condições específicas” (POPPER, Quantum Theory and the Schism in Physics, Routledge and Keagan Paul, p. 81)
[12] Žižek, S. Menos que nada: Hegel e a sombra do materialismo dialético. Tradução Rogério Bettoni. São Paulo, Boitempo, 2013.
[13] Aqui unimos a citação da citação (risos). Iniciamos com um trecho de Žižek e terminamos com uma citação dele de Karen Barad, Meeting the Universe Halfway, p. 113.
3 comentários em “A Revolução Quântica e o desespero dos homens de fé”
Com respeito a [13]: se houvesse a maneira de medir sem supor alguém que o fizesse, que medição seria essa? Quando se mede, sempre se compara algo com uma escala e dita escala é arbitrária, parte de uma cultura, assim como quem mede e o que é observado, pois só é observado o que já entrou à cultura. Esse problema não existe ‘como tal’, creio eu, a não ser para os que são afetados pelo idealismo (pró ou contra), creio eu.
Com relação ao Princípio de Incerteza: o vocabulário aceito para definir o problema é estranho. Quando há uma eleição dizemos que a aferição dos resultados colapsa as estatísticas prévias ao escrutínio? Não. Mas é justamente a maneira que se usa para referir a investigação sobre as partículas. Quando Sherlock Holmes dá com a solução de seu caso, ele colapsou a investigação na solução? (Esta última está forçada, mas vá lá…)
Um abraço.
Caro Fernando,
Sua boa crítica não é completamente válida, embora tenha alguma fundamentação na literatura.
1- Há uma diferença entre a medida na Física Clássica e na Física Moderna (Teoria Quântica e Teoria da Relatividade). Na Física Clássica a medida permite prever a trajetória futura com qualquer grau desejável de precisão, basta medir a posição e o momentum (massa vezes velocidade). Já na Física Moderna a medida não permite a previsão.
2- O problema do colapso da função de onda é o seguinte: quando fazemos um experimento, dependendo do arranjo que escolhemos (posição de espelhos, de anteparos, posição e disposição de imãs e detectores) o resultado final poderá ser uma franja de onda (representado matematicamente como uma função de onda). Tal resultado, pelas leis clássicas da ondulatória, indica que o objeto medido não teve uma trajetória, pois se tratava de uma onda, não tendo uma posição discreta em todos instantes entre o início do experimento e a medição. Digamos que em tal arranjo escolhido tem um detector qualquer, desligado, em um dos caminhos possíveis. Se o ligarmos, não mudando mais nada no arranjo, o resultado final muda, transformando-se em uma detecção discreta (corpuscular, não ondulatória) permitindo a retrovisão da trajetória (esse fenômeno é chamado de “colapso da função de onda). PS.: a mudança ocorre imediatamente, independentemente da distância entre o detector no qual ocorreu a mudança (colapso da função de onda) e o detector ligado, o que contraria a proibição da ação à distância (princípio de não-localidade).
3- Como disse antes, sua crítica tem fundamentação na literatura. A interpretação corpuscular da teoria quântica interpreta a função de onda como estatística e, portanto, o colapso seria uma trivialidade matemática. Contudo, essa interpretação não é tão óbvia quanto você sugere e lida com dificuldades, até agora, sem respostas: A interpretação corpuscular não consegue explicar o padrão de interferência, há uma diferença matemática entre uma distribuição estatística (com alto grau de aleatoriedade) e uma franja de interferência, com um padrão característico.
Um abraço
Fernando
Acredito que todos os pressupostos que colou partem da tradição. Na verdade o artigo não viabiliza uma medição sem sujeito, mas na exata interrelação entre sujeito e objeto sem pressupostos aprioristicos, estes sim extremamente idealistas!
Abraço