Um Grande Partido Marxiano

Por Nikolai Bukharin, via marxists.org, traduzido por Gustavo Fernandes

Por cinco anos o proletariado russo manteve seu poder. E mesmo os adversários do proletariado devem admitir que esse poder está bem estabelecido. É um poder enraizado profundamente no solo russo; ele transforma o povo russo; ele os lidera com pulso de ferro por um caminho árduo e espinhento, cercado de arame farpado e exposto ao fogo inimigo; ele os lidera pelas estepes da fome até a gloriosa vitória da humanidade unida. Como esse milagre foi concretizado, apesar da raiva impotente da mediocridade burguesa?

Indubitavelmente o primeiro fator passível de “culpa” são as circunstâncias históricas sob as quais os batalhões do trabalho, marcados pela labuta, avançaram em uma gloriosa. A História criou circunstâncias extraordinariamente favoráveis para o sucesso da classe trabalhadora russa: uma autocracia cuja infernal organização havia sido destroçada pela guerra, uma fraca burguesia ainda não capaz de empunhar a arma do imperialismo, e suficientemente estúpida a ponto de ter minado o poder do Czarismo durante a guerra. Poderosas massas do campesinato ainda não acordadas para o patriotismo, cheias de ódio passional contra seus lordes proprietários de terra, e almejando possuir as terras que araram. Essas são as circunstâncias que possibilitaram a vitória do proletariado, que o permitiu abrir suas jovens asas e voar alhures.

Mas ainda havia outra causa. A existência de uma tropa de ferro absolutamente devota à revolução; a existência de um partido, sem precedente em toda a história da grande luta de classes. Esse partido tinha passado pela difícil escola de ação ilegal, sua classe havia sido desenvolvida na tensão do conflito, havia ganho e treinado seus camaradas em sofrimento e privação. A própria dificuldade da escola desenvolveu camaradas admiráveis, cuja tarefa era transformar e conquistar o mundo. Para entender como esse partido se formou, vejamos as principais características de seu desenvolvimento.

Primeiro algumas palavras sobre a equipe geral. Nossos oponentes não negam a excelência de nossos líderes. Um dos maiores ideólogos da burguesia alemã, um dos mestres atuais do pensamento alemão, Conde Kayserling, diz em seu livro “Economia, Política, Sabedoria,” que o poder da Rússia Soviética só pode ser explicada pela superioridade de seus homens de estado, que superam consideravelmente aqueles dos países burgueses. Isso por si só não é decisivo. Mas ainda assim é incontestável que esse fato explica muito. Qual é a verdade a esse respeito? O ponto principal é a escolha cautelosa de líderes, uma escolha garantindo a combinação de competência, coesão e absoluta unidade de vontade. Com essas considerações a liderança do partido se formou. A esse respeito o partido deve muito a Lênin. Aquilo que oportunistas de mente fechada chamam de anti-democracia, desejo de conspirar ou ditadura personalista, na realidade é um dos princípios mais importantes da organização. A seleção de um grupo de pessoas que possuam unidade absoluta de pensamento, e dotados da mesma chama revolucionária, esse foi o primeiro pré-requisito para uma ação de sucesso. E esse pré-requisito foi alcançado pelo impiedoso combate contra qualquer desvio do Bolchevismo ortodoxo. Essa forte rejeição a concessões, a constante autocrítica, forjou a liderança tão firmemente que nenhum poder na terra poderia os dividir.

Os elementos mais importantes do partido se agrupavam em torno desses líderes. A estrita disciplina do Bolchevismo, sua coesão de ferro, seu espírito não conciliatório, mesmo durante o período de trabalho conjunto com os Mencheviques, sua absoluta unidade de perspectiva, e sua centralização perfeita – essas são, invariavelmente, as características marcantes do nosso partido. Os camaradas eram cegamente devotos ao partido. “Patriotismo de Partido,” o entusiasmo passional da luta contra todos os outros grupos, seja na oficina, na reunião pública ou na prisão, converteu nosso partido em uma espécie de ordem religiosa revolucionária. Por essa razão o Bolchevismo despertava horror em todos liberais, todos reformistas, todos aqueles tolerantes, vacilantes ou de mente fraca.

O partido demandava trabalho real entre as massas de todos os seus membros, independente das condições e dificuldades. Era especialmente nesse aspecto que surgiram nossas primeiras diferenças com os Mencheviques. Com o objetivo de concretizar nosso propósito, formamos unidades de combate. Estas não eram compostas por bons oradores, intelectuais simpáticos ou criaturas migratórias que cá estão hoje e lá estão amanhã, mas sim por homens prontos para dar tudo pela revolução, para a luta, e para o partido; prontos para enfrentar encarceramento e para lutar nas barricadas, para encarar todas privações e sofrer perseguições constantes. Assim o segundo círculo concêntrico era formado em torno de nosso partido, sua equipe trabalhadora proletária fundamental. Mas nosso partido nunca foi estreitado ou limitado em confins sectários. Deve-se enfatizar energicamente que o partido nunca se considerou um objetivo em si; se via, invariavelmente, como um instrumento para a formação da mente das massas, para unir e liderar as massas. Toda a arte da dialética política consiste em possuir formações coerentes e firmes, não em se tornar em uma seita, manobrando meramente no vazio; consiste em ser um poder de luta móvel, capaz de pôr em prática o aparato de toda a classe, de toda a massa trabalhadora. A história de nosso partido, especialmente durante os anos da revolução, mostra o quão de perto ele seguia as tendências entre as massas. Quem era o mais ativo revolucionário no exército sob o velho sistema, constantemente em perigo de ser martirizado ou assassinado pelos oficiais? Era o Bolchevique. Quem era o mais cansado agitador e organizador? Era o Bolchevique. Ele não perdia qualquer oportunidade de influenciar as massas. Na Duma imperial e no sindicato, na reunião de trabalhadores e no clube de trabalhadores, na escola de Domingo ou na cantina da fábrica, o Bolchevique era encontrado em todos os lugares; o Bolchevique se infiltrava em todos os cantos, de forma que um escritor contemporâneo disse-lhe que ele “funcionava energeticamente.” Nunca lhe doeu “funcionar energeticamente,” a esse Bolchevique.

Devemos ainda chamar atenção para algumas particularidade da política do partido, às quais se deve o crédito do grande sucesso do Partido Comunista Russo. Primeiramente a firme fundação marxiana do partido. Martov não estava errado ao explicar a continuidade da ditadura do proletariado, após a crise na primavera de 1921, pela fala: “O Partido Bolchevique pelo menos foi à escola marxiana”. Isso é verdade. O partido estudou o marxismo por completo. A predeterminação teórica dos eventos, a análise das relações de classe, o cálculo “em milhões” que Lênin aptamente descreveu como a essência da política; tudo isso são, em seu nível mais alto, as características dos líderes de nosso partido. Ao mesmo tempo outra peculiaridade deve ser especialmente enfatizada, aplicável a nosso líder Lênin. Em nossas mãos, o Marxismo nunca se tornaria um dogma morto. É sempre um instrumento prático, não é palavra, mas sim espírito, não é escolástica ou Talmudismo, mas um espírito verdadeiro da dialética Marxista enquanto arma prática e em funcionamento. Possuímos o treinamento marxiano, mas não preconceitos marxianos. Temos um instrumento admirável, e ele está sob nosso controle, não o contrário. E esse Marxismo revolucionário e vivo é realmente capaz de realizar milagres.

Isso explica a extraordinária elasticidade tática do partido. Erros políticos quase invariavelmente surgem quando da aplicação de métodos que são eminentemente aplicáveis sob determinadas circunstâncias, mas danosos em outras. A má compreensão de uma situação concreta é a causa da maioria dos erros políticos. E é exatamente em entender a situação concreta que nosso partido tem excelência. O partido entendeu como exercer a maior das paciências ao lidar com os erros e a ingenuidade das massas. Nós precisamos somente de relembrar os dias seguintes à revolução de Fevereiro, quando nós tivemos paciência de esclarecer tanto, e tivemos que proceder tão cautelosamente para trazer as massas para nosso lado. Mas o partido não mostrou somente sua paciência, mas também sua bravura, determinação e velocidade de ação sem precedentes. Os dias da revolução de Outubro são amplas provas disso. Ao mesmo tempo a história confrontou o partido com um turbilhão. Não havia nada a ser feito além de mergulhar no redemoinho e dele emergir na crista de uma onda gigante. O menor erro teria sido fatal. O que era necessário era ousadia, tenacidade e determinação ilimitada; o partido mergulhou em um vórtex, e emergiu com poder em suas mãos.

O partido se provou capaz de adaptar o caminho à necessidade do momento. Nada pode ser mais instrutivo que sua política, nesse respeito. Se lembramos como o Partido Comunista Russo utilizou o suporte do partido Socialista-Revolucionário, e quão rápido manobrava seu próprio navio, e o navio do Estado, para fora das águas do comunismo de guerra em direção àquelas da nova política econômica [NEP], esses dois exemplos são o suficiente para mostrar a elasticidade tática do partido, que combina o realismo absoluto com uma clara consciência do objetivo final que é progredir continuamente.

Não é possível para a classe trabalhadora, sob a égide do capitalismo, se educar de forma a ser capaz de tomar a liderança da sociedade. Sob a égide do capitalismo a classe trabalhadora é escravizada e oprimida. Para que possa elevar-se, deve-se quebrar a casca capitalista que cobre a sociedade. Ela não pode treinar seus efetivos, provar seus poderes organizacionais e tomar a liderança da sociedade, até o período da ditadura. Durante esse período a classe trabalhadora desenvolve sua natureza real, o escravo é transformado em criador e senhor. Esse trabalho gigante demanda os maiores esforços por parte das massas e de sua vanguarda. Nosso Partido Comunista Russo deve se orgulhar do que conquistou. Ele criou seus generais e seus soldados, suas forças administrativas e governamentais, seus núcleos para cultura e construção econômica. Sua geração mais nova entra diretamente no gigante laboratório do estado Soviético. Depois da assustadora guerra civil, e da fome, a grande Terra Vermelha avança triunfantemente, e os trompetes de sua vitória chamam os trabalhadores de todo o mundo, das colônias escravizadas, para assumir a luta final contra o capital. O inumerável exército dos explorados é dirigido por uma poderosa tropa, com suas cicatrizes, seus estandartes alvejados e cortados por ataques de baionetas. Essa é a tropa que lidera o avanço, o guia e ajudante de todos os outros – é o Partido Comunista da Rússia, a tropa de ferro da revolução proletária.

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Na imagem: Lênin, Bukharin e Zinoviev em reunião da Internacional Comunista.

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