Por Gabriel Zaffari
Esse texto propõe para a militância comunista uma introdução teórica as questões sobre política monetária. Fortalecendo a capacidade de ação comunista na luta de classes para problemas que envolvem juros, câmbio, inflação e rentismo. Remando contra a maré do senso-comum, juros altos nem sepre é vitória do rentismo, há situações em que os comunistas devem, inclusive, lutar por juros maiores – e no contexto brasileiro, em que grande parte dos bens-salários são importados, esse contrassenso seja plausível.
“(…) o crédito oferece ao capitalista individual, ou àquele que passa por tal, uma disposição, dentro de certes limites, absoluta de capital alheio e propriedade alheia e, em consequência, de trabalho alheio. Disposição sobre o capital social, não próprio, dá-lhe disposição sobre trabalho social. O próprio capital, que se possui realmente ou na opinião pública, passa a ser a base para superestrutura do crédito. (…) Todos os padrões de medida, todas as bases explicativas ainda mais ou menos justificadas nos limites do modo de produção capitalista desaparecem aqui. O que o comerciante atacadista especulador arrisca é propriedade social, não dele. Do mesmo modo torna-se a absurda a frase sobre a origem do capital, a partir da poupança, pois aquela demanda justamente que outros devem poupar para ele” (pg. 314-317, Marx 2017)
Sempre que o Banco Central altera a taxa de juros SELIC há dentro das palavras de ordem comuns de que isso representaria uma vitória do rentismo sobre a classe trabalhadora. A depender do interlocutor, isso também se estenderia a uma vitória do rentismo sobre a classe capitalista industrial.
Mas, afinal, quem ganha e quem perde com os juros (SELIC) altos? E, ainda mais importante, quem queremos que ganhe e perca com os juros altos?
Condições de Vitória para os Rentistas
Iniciamos pelo ponto de vista dos inimigos aventados – os rentistas. Na crítica da economia política, deve-se diferenciar dois tipos de “rendas”: i) aquela proveniente de empréstimos direcionados para o consumo produtivo; ii) as rendas típicas (o rentismo propriamente), o qual é uma extensão do primeiro, mas cuja qualidade é distinta: trata-se de qualquer ganho monetário sem relação direta com a produção.
A relação social expressa no primeiro tipo é da relação entre os capitais industriais e o capital portador de juros [que não é rentista!], em que o ganho monetário é originado pela capacidade de um alienar seu próprio capital a outro a um preço (os juros). O juro é antessala do rentismo e do capital fictício (e do monopólio). Pois, ele escamoteia o fato de que a riqueza é nada mais que fruto da exploração do trabalho alheio e dá a impressão de que a riqueza emana do próprio dinheiro, como se imbuído de uma propriedade mágica. Assim, contratos, papéis e títulos se apresentam como capazes de gerar mais-valor.
É importante notar que na configuração monetária moderna, os bancos podem emprestar dinheiro sem a necessidade de dinheiro prévio[1]. Devido à institucionalidade financeira vigente, somente os bancos com aprovação do Banco Central podem criar crédito do puro ar. A riqueza que o banco se apropria (valor e mais-valor) é mediante ao pagamento dos juros do valor que foi adiantado. Esses juros são pagos em última instância ou pelo dinheiro ganho com a venda de mercadorias ou do patrimônio do burguês que contraiu o empréstimo, caso esse não consiga usar o crédito de forma produtiva. Isso vale para empréstimos dados para trabalhadores. Dependerá do seu salário e, no limite, da venda de patrimônio (casa própria, carro, eletrodomésticos etc.).
O segundo tipo de “renda”, que é o rentismo propriamente dito, tem como relação social o rentismo. Trata-se de qualquer ganho monetário que não provenha da produção de valor e mais-valor. Inclui-se aqui, portanto, locatários de imóveis, arrendatários de máquinas, monopolistas, e proprietários fundiários. No entanto, é importante notar que existe ainda uma mercadoria útil para o capital industrial – para produzir se necessita de terras, de máquinas, de certos componentes especiais. Mas, a renda desses agentes é simplesmente pela alienação de uma propriedade e não da exploração da força de trabalho.
Mas qual pode ser o valor de algo que não seja fruto do trabalho? Para isso, o conceito de juros se torna relevante. Da mesma forma que o preço de um título de dívida é calculado trazendo a valor presente os ganhos de juros futuros até o vencimento do ativo, o preço de uma terra é estimado trazendo a valor presente os ganhos de aluguel. Vê-se que o juros facilita a compreensão de que o valor de troca pode existir sem valor propriamente dito.
Um caso especial e importante é referente aos capitais fictícios. Ganhos de especulação sobre ações, contratos futuros, derivativos, entre outros ativos. Aqui se inclui a dívida pública, pois o endividamento e o gasto público não geram valor e mais-valor (diretamente). O pagamento de juros da dívida pública majoritariamente é feito em títulos cuja taxa o Banco Central controla diretamente (ainda que indiretamente afeta a taxa de títulos de longo prazo).
Suponhamos que todos rentistas não acumulam capital industrial. E que todos os capitalistas industriais (isto é todos capitalistas que se envolvem na produção de mercadorias) não tenham nenhuma forma de capital portador de juros ou fictício.[2]
Nem todo rentista especula de forma igual. Assim, se há um aumento da taxa de juros SELIC, há um aumento da remuneração para rentistas que estão comprados nesses títulos públicos. Aqueles que antes vinham ganhos em dividendos como mais proveitosos que ganhos de juros da dívida pública terão que escolher entre reter outros ativos financeiros ou vendê-las ao mercado.
Se a decisão da venda for num momento em que os preços dos ativos financeiros estão suficientemente baixos, o efeito pode ser que eles precisem recuperar essa perda de ganhos monetários nessa nova empreitada. E isso vai depender por quanto tempo eles poderão manter-se no título comprado (que rende esse juros maior) e se os juros se manterão nesse patamar. Se, por exemplo, os juros depois de um certo tempo retornarem a um patamar ainda mais baixo, ainda haverão que lidar com a decisão entre reter o título, ou vendê-lo e partir para outro ativo que talvez achem mais proveitoso.
Em outras palavras, os ganhos e perdas dos rentistas dependerão (e muito) de como estes estavam inicialmente alocados nos ativos financeiros e como ao longo do tempo será gerido a taxa de juros. Se a taxa de juros apresentar uma contínua tendência de crescimento e a um patamar suficientemente elevado, a tendência é que em média o rentismo se dirija cada vez mais para os títulos da dívida pública e a partir de um certo ponto, todos ganharão mais em média.
Condições de Vitória para os Capitalistas Industriais
Os capitalistas necessitam de crédito para expandir sua produção e realizar seus desejos de acumulação. Mas nem todos se endividam igualmente.
Existem créditos que são de curto prazo e de longo prazo. Com taxas pré-fixadas (no momento da tomada do crédito) e taxas pós-fixadas (cujo juros variarão a depender de alguma regra relacionada a algum indicador econômico).
Dessa forma, algumas dessas linhas crédito terão relação mais ou menos direta com a variação da taxa SELIC a depender do prazo do empréstimo e do tipo de taxa. Um capitalista que contraiu um empréstimo cuja taxa varia com a SELIC, terá de pagar mais juros, ou cedendo parte dos lucros, ou acumulando mais, ou, no limite, criando caixa a partir da venda de patrimônio[3].
Como a variação na acumulação depende fundamentalmente da demanda agregada, que depende de gastos fora da renda corrente – crédito do consumidor, gastos em P&D, investimento em construção civil, exportações e gastos do governo (SERRANO, 1995) -, variações na taxa Selic podem não afetar a taxa de acumulação.
Se supormos uma economia fechada, sem monopólios, que todo o empréstimo seja fixado à SELIC, os trabalhadores não usam crédito e o BACEN mantêm a taxa de câmbio fixa, o efeito é uma distribuição de lucros do capital industrial para o capital portador de juros. Veremos posteriormente as condições que a variação no juros afetam a taxa de acumulação.
Mais concretamente, sabemos que existem várias modalidades de empréstimos que nem sempre variam pari passu com a SELIC. Ou seja, para que o efeito do aumento da taxa básica redistribua os lucros empresariais para o capital portador de juros, ele deve ser suficientemente elevado e persistente.
Isto se dá mesmo em situações em que, por exemplo, os empréstimos de longo prazo não variarem sua taxa de juros, pois durante as operações de uma firma, existem diversas situações em que há a necessidade de tomada de crédito de prazos menores, para resolver problemas de estoque ou de giro de capital.
Como a quantidade de empréstimo e o juros dependem do quanto os bancos acham que seu prestamista será bom pagador, as empresas que operam sobre margens pequenas terão dificuldades em conseguir novas concessões de crédito.
Dessa forma, se a demanda agregada subir, essas empresas podem não conseguir o total de fluxo de crédito esperado e empresas maiores, com mais patrimônio, ou com custos menores conseguirão abocanhar uma maior fatia do mercado (KALECKI, 1983). Em situações de perturbação econômica, as empresas pequenas terão que dar garantias ou vender seu patrimônio aos bancos ou aos terceiros para pagar suas dívidas.
Portanto, o aumento dos juros tende a elevar a concentração de capital industrial a depender do grau de diferença produtiva, da escala da produção e dos ativos acumulados entre as unidades produtivas. Ainda que não afete diretamente as taxas de acumulação.
Condições de Vitória para os Trabalhadores
Os trabalhadores gastam o que não ganham (SERRANO, 2009). Isto é, contraem dívidas para manter o mínimo de subsistência ou algum bem-estar. Mas nem todos se endividam igualmente.
De forma similar ao caso do capital industrial, mais uma vez, os empréstimos tomados vão ter relação com a Selic a depender do prazo do empréstimo e do tipo de taxa. Ou seja, se supormos que todo crédito tomado pela classe trabalhadora varia com a SELIC, estes se verão direcionados a trabalharem mais horas, colocaram mais pessoas da família a trabalhar, procurar um segundo emprego, reduzir gastos pessoais ou ainda vender algum patrimônio.
Se o caso em que o empréstimo vinculado a SELIC for o predominante, podemos retomar a proposição de quais situações alterações SELIC mudam a taxa de acumulação via duas formas.
Na primeira, temos que se o aumento dos juros não altera a capacidade de concessão de crédito posterior (imaginemos que o governo conceda crédito público mesmo que projete menor capacidade de pagamento), então haverá uma redução do consumo dos trabalhadores. Tal situação trata-se em jargão macroeconômico como uma mudança em nível do produto bruto, mas não da taxa de acumulação. Isto é, de um ano para outro, veremos uma queda no produto, mas a taxa de acumulação continuará dependendo dos gastos fora da renda. Isso é o mesmo que dizer que a taxa de lucro sobe, mas a fatia abocanhada pelo rentismo é maior e menor é o lucro empresarial.
Na segunda, se a concessão de crédito se tornar continuamente mais difícil, pois os bancos estimam que cada vez menos os trabalhadores terão condição de honrar seus pagamentos, então teremos uma redução dos gastos fora da renda corrente e, portanto, uma redução na taxa dos gastos autônomos e, como consequência, na taxa de acumulação.
No entanto, somos uma economia aberta
A taxa de juros básica afeta a taxa de câmbio. A taxa de câmbio depende da diferença entre os juros brasileiros e o juros estrangeiro (especialmente dos EUA e da Europa) e de um componente de risco sistêmico.
Se a SELIC subir mais que a taxa de juros internacional e que o risco sistêmico, o resultado será uma elevação do valor do dólar. Por exemplo, entre jan/2022 e nov/2022, as elevações do juros resultaram na valorização do câmbio, isto é, reduziram o custo do dólar em reais.
A valorização do real tem impacto direto sobre o custo de importação das mercadorias e até mesmo do preço interno de algumas mercadorias cujos mercados atrelam o preço internacional para o mercado interno (como é o caso da Petrobrás e de grande parte dos alimentos agrícolas).
Se a maior parte dos bens-salários são importados ou produzidos por mercadorias que são produzidas por outras mercadorias importadas, então uma valorização do real causa um aumento do salário real. Ou seja, para que a elevação dos juros reduza o salário real, teremos que o efeito da redução do custo da cesta de bens-salários terá que ser menor do que a capacidade de ganho de crédito para consumo.
Para as unidades produtivas, o câmbio afetará os lucros a depender da composição das mercadorias importadas, ou das mercadorias produzidas por outras mercadorias importadas e da composição orgânica do capital.
Se uma indústria utiliza insumos nacionais e exporta mercadorias, o resultado será uma redução nos lucros. Se uma indústria importa insumos e vende internamente, então há um aumento nos lucros. No contexto nacional, uma valorização do real levaria a queda de lucros do agroexportador e da Petrobrás (supondo que continue a seguir a regra de paridade com os preços internacionais). De forma oposta, a valorização aumentaria o lucro de indústrias que vendem internamente.
Para unidades produtivas que possuíam dívidas em moeda estrangeira, a nova taxa de câmbio reduz o grau de endividamento destas empresas e o fluxo de pagamento de juros. O que muda o ritmo de concentração de capital e possibilita a continuidade de novos créditos caso necessários.
Afinal, quem ganha e quem perde com o aumento dos juros?
Do exposto até aqui, podemos então, finalmente apresentar as condições de quem perde e quem ganha o aumento dos juros.
Do rentismo: dependerá da composição dos ativos financeiros (se o juros subir, mais ganhos se mais alocados em ativos que variam com a SELIC) e do quanto alocados em ativos em moedas estrangeira (se o juros subir, mais perdas se mais alocados em ativos financeiros atrelados ao dólar, via valorização do real pelo mecanismo do câmbio). Assim, se o juros subir, para que estes ganhem mais, dependerá se o efeito do ganho dos títulos for maior que os prejuízos em outros ativos como ações e ativos em moedas estrangeiras.
Do capital industrial: dependerá da composição da dívida (se o juros subir mais perdas se mais alocados em ativos vinculados a SELIC), da composição dos bens importados (se o juros subir mais ganhos devido a redução de custos pelo mecanismo do câmbio), da composição dos bens exportados (se o juros subir mais perdas devido a redução da receita pelo mecanismo do câmbio). Se as empresas forem majoritariamente exportadoras, usem insumos internos e tomem crédito vinculado à SELIC, então um aumento dos juros reduz o lucro empresarial.
Da classe trabalhadora: dependerá da composição da dívida, se a cesta de bens é importada ou exportada, das regulamentações para a liberação de crédito. Se supormos que o efeito do câmbio for mais relevante do que o efeito sobre os juros, então temos uma situação em que o aumento da taxa de juros melhora as condições de compra da classe trabalhadora.
E como queremos que os trabalhadores ganhem?
Existem duas bandas de ação possíveis relacionadas a gestão da política monetária. A primeira é tática. Dado a institucionalidade burguesa da gestão econômica, as mudanças da taxa de juras são favoráveis a classe trabalhadora, no sentido de gerar mais empregos e aumentar seu poder de compra, a depender do exposto. É tarefa dos agitadores comunistas, portanto, conhecer a concretude empírica para daí derivar algum tipo de tática que pressione as autoridades monetárias a agirem a seu favor.
Na situação atual, a taxa de câmbio já se estabilizou. Seria tentador subir os juros para valorizar o real. No entanto, o nível de endividamento das famílias e das empresas cresceu substancialmente. Para certos níveis de alteração da taxa de juros, podemos ter que o efeito líquido seja queda do poder de compra e redução do emprego. Dessa forma, aparece que a melhor forma de reverter a situação é usar os bancos públicos Caixa e Banco do Brasil para renegociar as dívidas que os trabalhadores e unidades produtivas obtiveram no período anterior e após uma nova situação de endividamento com juros menos sufocantes, daí poderá ser interessante a valorização do real.
Uma mistura de teoria, empiria e práxis, portanto, são o ponto de partida para a agitação em relação a isso. Sempre pontuando que em todo lugar a taxa de juros é uma variável distributiva. Que, a sua gestão, sempre busca atender o interesse de alguém. Seja ela uma classe inteira, ou uma fração desta. Que devemos primeiro, saber a situação empírica, conhecer os parâmetros, retornar a boa e velha teoria, sentir a temperatura política e direcionar a ação política. Não se pode repetir simplesmente que o “rentismo” vence sempre que o juros sobe. Essa posição monotemática, é antes de tudo, um apelo a inconsequência teórica.
Um outro ponto pode ser brevemente comentado. A relação diretamente inversa entre juros e acumulação é típico não do marxismo, mas do neoclassicismo vulgar e de algumas correntes keynesianas. Se aceitamos uma teoria do valor que não seja a marginalista – a teoria do valor de Marx -, o corolário é que o juros não determina o investimento.
Quanto a estratégia, pontua-se que, para Marx, o crédito é já uma contradição em movimento do capitalismo, uma forma de direcionar a produção sem seu equivalente em trabalho. Assim, a dívida pública, o crédito e o monopólio, são as possíveis antessalas do socialismo (como até Lenin já postulou!). No entanto, uma proposta para um horizonte de longo prazo que envolva a questão do rentismo, do monopólio e do juros, deverá ser postergada para um outro momento. O que se pode dizer por enquanto, é que o crédito e a dívida são formas de comandar a economia e são usadas nas economias planejadas. A criação de um Banco Popular, que detém o monopólio sobre as operações financeiras, é uma forma de remover já grande parte da autonomia capitalista sobre a produção. E, transfere, a decisão produtiva dos fantasmas dos mecanismos econômicos para o âmbito da disputa política direta.
Referências.
KALECKI, M. Teoria da Dinâmica Econômica. São Paulo: Abril, 1983. (Os Economistas)
LENIN, V. Imperialismo, estágio superior do capitalismo. Expressão Popular, 2012.
MARX, Karl. O Capital: crítica da economia política, Livro III: O processo global da produção capitalista. São Paulo: Boitempo, 2017
SERRANO, F. Los trabajadores gastan lo que no ganan – Kalecki y la economía Americana de los años 2000. Revista Circus, set. 2009.
SERRANO, F. Long Period Effective Demand and the Sraffian Supermultiplier, Contributions to Political Economy, 1995.
Notas
[1] Isto não significa que seja trivial abrir-se um banco e emprestar dinheiro ex-nihilo para obter lucro. Para se tornar um banqueiro, deve-se ter uma quantidade considerável de riqueza prévia, pois toda estrutura operativa precisa ser comprada e estruturada a fim de atender os requerimentos legais do estado burguês. Ainda que no capitalismo financista a expansão do crédito se faça do puro ar (ex-nihilo), a produção e apropriação de mais-valor persiste.
[2] Que desde Lenin em Imperialismo (2012) sabemos que o capital industrial e o portador de juro se funde no capital financeiro em nada altera aqui a análise. A separação de papéis busca somente facilitar o caráter pedagógico dos mecanismos. Não só isso, mas em Marx não existe o capitalista rentista ou o capitalista industrialista, trata-se de momentos de relações dentro do próprio capital em que ele se estranha entre seus movimentos dentro de seu circuito.
[3]Há ainda uma quarta opção — o capitalista pode passar o custo dos juros para o preço final das mercadorias. Se esse tiver monopólio suficiente sobre o mercado que atua, essa transmissão é mais plausível. No entanto, ao longo do tempo, novos entrantes podem pressionar o preço para baixo ao passo que não sofrem com pagamentos de parcelas de juros maiores e, portanto, podem manter uma maior lucratividade
Imaginemos uma empresa produtora de garrafas, a Garrafas S.A. Durante a operação, há momentos em que não há dinheiro em caixa, seja porque houve demora de entrega num ponto de venda, falha técnica em alguma máquina, ou qualquer problema na entrega das mercadorias. Há custos operacionais (folha de pagamento, fornecimento de luz) que necessitam ser pagos. Portanto, o proprietário da fábrica toma um empréstimo pós-fixado à SELIC com o objetivo de cobrir essa falta de fluxo.
Posteriormente, a operação volta a ocorrer normalmente e o capitalista vê sua parcela de lucros reduzir. Como ele é o principal produtor de garrafas e a rescisão de seus contratos de fornecimento apresenta multas muito agressivas, ele pode passar esse novo custo de juros para o preço final. Essa situação, no entanto, é temporária. Um produtor de vidros abre seu jornal sobre Negócios e lá lê sobre o sucesso da Garrafas S.A. Após estimar o custo da operação, percebe que pode ter uma taxa de lucro satisfatório com um preço menor que a o Garrafas S.A. Assim, inverte capital para produção de garrafas, criando a Envasilhados S.A. Após um certo período, a Envasilhados S.A consegue reter parte da clientela do Garrafas S.A. A última, por fim, acaba cedendo e baixando seu preço para estancar as perdas.
Mas vejamos aqui mesmo nessa situação em que o juros subiu e o Garrafas S.A. conseguiu aumentar o seu preço apenas temporariamente, há efeitos duradouros no fluxo de riqueza da economia. Se as garrafas são bens importantes na cesta de consumo dos trabalhadores, estes terão que abrir mão de consumir um outro produto não essencial (como idas ao cinema, restaurantes, livros) ou na próxima negociação salarial, argumentarão que precisarão de um aumento para fechar a diferença.
Sobre o autor
Gabriel Zaffari é Militante da UJC-RS e Mestrando em Economia na Università degli Studi Roma Tre e na Sorbonne Université.