O centenário do movimento comunista internacional: balanço e perspectivas

Do Comitê Central do Partido Comunista Grego (KKE), via PCB

Publicamos a declaração proferida pelos camaradas do KKE, no centenário da Grande Revolução Socialista de Outubro. Destacamos a contribuição não apenas por lançar luz sobre questões de grande importância prática e teórica; mas por se tratar de contribuição orgânica do movimento comunista internacional, expressão de um balanço coletivo e autocrítico, com capacidade de apontar os caminhos para a práxis em patamar superior. “As armas da crítica não podem, de fato, substituir a crítica das armas; a força material tem de ser deposta por força material, mas a teoria também se converte em força material uma vez que se apossa das pessoas”.

Fundado em 1918, o KKE atravessou uma dura perseguição no combate ao nazi-fascismo, e acumulou aprendizados indispensáveis ao movimento comunista internacional, o qual se esforça para reorganizar à altura das tarefas revolucionárias de nosso século.

Desde 2014, sua votação ultrapassa a marca dos 300 mil votos (5%).


O Comitê Central do KKE homenageia o centenário da Grande Revolução Socialista de Outubro. Homenageia o acontecimento transcendental do século XX que demonstrou que o capitalismo não é invencível, que podemos construir uma sociedade com organização superior, sem exploração do homem pelo homem.

A Revolução de Outubro demonstrou a força da luta de classes revolucionária, a força dos explorados e dos oprimidos, quando passam energicamente a primeiro plano e giram a roda da História para adiante, para a direção da libertação social. No tempo histórico, foi a continuação das rebeliões dos escravos, os levantes dos camponeses da Idade Média, as revoluções burguesas e, ao mesmo tempo, significou uma culminância e superação deles, já que pela primeira vez se planejou como objetivo da revolução a abolição da sociedade classista, exploradora. Quarenta e seis anos depois do “assalto ao céu” da heroica Comuna de Paris, a classe operária russa com a Revolução de Outubro, materializou o ideal de milhões de massas trabalhadoras e populares por uma vida melhor.

A Revolução de Outubro demonstrou a validade do pensamento leninista de que a vitória do socialismo é possível em um país ou em um grupo de países, como consequência do desenvolvimento desigual do capitalismo.

A Revolução de Outubro de 1917 foi um acontecimento de importância internacional e histórica. Confirmou a capacidade da classe trabalhadora (como força social que pode e deve dirigir a luta revolucionária por uma sociedade sem exploração, sem insegurança, sem pobreza, sem desemprego e guerras) de cumprir com sua missão histórica. Além disso, confirmou que o cumprimento da missão histórica da classe trabalhadora não se determina pela porcentagem que esta representa na população economicamente ativa, mas pelo fato de que é o portador das novas relações socialistas de produção.

Ao mesmo tempo, a Revolução de Outubro destacou o papel insubstituível da vanguarda política revolucionária, do Partido Comunista, como fator de direção não só da revolução socialista, mas também de toda a luta pela formação, o fortalecimento, a vitória final da nova sociedade comunista.

A chama da Revolução de Outubro conduziu e acelerou a criação de vários Partidos Comunistas, de partidos operários revolucionários de novo tipo, em contraste com os partidos socialdemocratas daquela época, que traíram a classe trabalhadora e a política revolucionária, escolhendo o caminho da integração do movimento trabalhador sob a bandeira da burguesia, bem como o apoio da agressão militar imperialista a custa do jovem estado operário na Rússia.

A vitoriosa Revolução de Outubro foi a continuação de todos os levantes operários anteriores e abriu o caminho para a passagem histórica da humanidade “do reino da necessidade ao reino da liberdade”. Resumindo sua importância histórica, Lenin escreveu:

“Nós começamos a obra. Pouco importa saber quando, em que prazo e em que nação os proletários culminarão esta obra. O essencial é que se rompeu a corrente, que se abriu o caminho, que se indicou a direção”.

Os ensinamentos de Outubro são particularmente importantes hoje, quando a roda da História parece girar para trás, quando o movimento comunista internacional está em condições de crise e de retrocesso, quando as consequências duradouras da contrarrevolução (princípios da década de 1990) reforçam a percepção errônea de muitos trabalhadores de que não existe alternativa ao capitalismo.

O próprio desenvolvimento histórico ajuda a enaltecer a propaganda burguesa de que o caráter do projeto socialista-comunista é o utópico. Nenhum sistema socioeconômico na História da humanidade foi estabelecido de uma vez, com uma trajetória reta de vitórias das forças sociais que foram os portadores do desenvolvimento social. Após o grande levante dos escravos, Espártaco foi crucificado, porém a escravidão foi superada historicamente. Depois da revolução burguesa francesa de 1789, Robespierre foi guilhotinado, porém o feudalismo já não tinha futuro.

A burguesia oculta deliberadamente que precisou aproximadamente de quatro séculos para estabelecer seu poder. Foram necessários vários séculos depois das primeiras revoltas da burguesia no século XIV nas cidades comerciais do Norte da Itália, até as revoluções burguesas dos séculos XVIII e XIX, até que se desenvolvessem as relações capitalistas em um nível satisfatório, para que a burguesia conseguisse impor a plena abolição das relações de produção feudais. As derrotas políticas sofridas pela burguesia naquele período não anulam o fato de que foi historicamente necessário que as relações de produção antiquadas entre os feudais e os escravos fossem substituídas pelas relações burguesas entre o capital e o trabalhador.

Os representantes políticos da burguesia argumentam em vão que o capitalismo é insubstituível, eterno e que a luta de classes revolucionária já não é o propulsor dos sucessos históricos.

Durante décadas, a existência e as conquistas da sociedade socialista, que foi inaugurada pela Revolução de Outubro, demonstraram que é possível uma sociedade sem patrões, sem capitalistas que possuem os meios de produção. Esta conclusão não pode ser refutada pelo fato de que naquele período em particular não conseguiu derrotar definitivamente a propriedade capitalista e o lucro capitalista.

O socialismo continua sendo necessário, atual e realizável

A necessidade e a vigência do socialismo, assim como a possibilidade de abolir a propriedade privada nos meios concentrados de produção, derivam do desenvolvimento capitalista que conduz à concentração da produção. A propriedade capitalista é um freio para o caráter social da produção. A propriedade capitalista cancela a possibilidade de que todos os trabalhadores vivam em melhores condições organizadas a nível social que satisfaçam as necessidades crescentes humanas: que todos tenham trabalho sem o pesadelo do desemprego, que trabalhem menos horas disfrutando uma qualidade de vida melhor e serviços de educação, de saúde e de bem-estar de alto nível, exclusivamente públicos e gratuitos.

No capitalismo, a classe trabalhadora cria estas oportunidades com seu trabalho, que se ampliam com o desenvolvimento das ciências e da tecnologia. No entanto, em uma sociedade onde tudo o que se produz e o modo de produção se determinam sobre a base do lucro privado, capitalista, as necessidades da classe operária e das camadas populares estão suprimidas. A essência do problema radica no fato de que alguns produzem enquanto outros decidem os objetivos e a organização da produção. As crises econômicas cíclicas estão no DNA do capitalismo e se tornam mais profundas e sincronizadas; consequentemente se aumenta bruscamente o desemprego, se expande de novo o trabalho mal remunerado e sem seguridade social, a vida com direitos esmagados, com guerras imperialistas pela partilha do mercado e dos territórios.

Apesar do aumento da produtividade do trabalho, as condições de trabalho e de vida se deterioram em todo o mundo capitalista, inclusive nos Estados capitalistas mais desenvolvidos. Os próprios Estados capitalistas, seus centros de pesquisas, afirmam que se reduzem as receitas dos trabalhadores, enquanto se aumentam os lucros dos capitalistas.

Igualmente aos períodos anteriores de agitação social, hoje em dia um fator decisivo da corrosão da força do velho sistema de exploração são sempre suas contradições internas, a intensificação de suas contradições. Estas contradições oferecem a oportunidade de desenvolver e intensificar a luta de classes e tomar um caráter subversivo. Hoje em dia, na época do capitalismo monopolista, se intensifica a contradição básica do sistema, ou seja, ainda que o trabalho e a produção tenham se socializado a uma escala sem precedentes, a maior parte de seus resultados é levada pelos acionistas dos grupos monopolistas. Trata-se dos grandes acionistas-parasitas da vida econômica que, ainda que sejam desnecessários na organização e na administração da produção, exploram e se aproveitam da classe trabalhadora. Muitas vezes estes acionistas têm ações e levam lucros dos grupos monopolistas sem saber nem sequer onde se localizam ou o que produzem.

Ao mesmo tempo, junto com o domínio dos grupos monopolistas se reforça também a tendência do estancamento relativo. Ou seja, o estancamento em relação às oportunidades e à dinâmica que cria o nível atual de desenvolvimento das forças de produção em relação ao que se podia produzir em termos de quantidade e qualidade, se a sociedade não tivesse como incentivo de produção os lucros. Algumas provas de parasitismo e de estancamento relativo são: a chamada obsolência incorporada aos produtos (a utilização dos conhecimentos científicos para reduzir a duração da vida dos produtos), as restrições na difusão da tecnologia através das chamadas patentes que são propriedade dos grupos empresarias, a desvalorização durante um período de tempo do desenvolvimento dos setores que não geram benefícios suficientes (por exemplo, proteção anti-terremoto), a destruição do meio ambiente devido a sua utilização irracional tendo como incentivo o maior lucro capitalista, os enormes fundos para a investigação científica destinada à proteção de armas e de meios de repressão, etc.

Hoje em dia, a correlação de forças negativa a custa da classe trabalhadora reproduz a impressão (sob o domínio da ideologia burguesa de que o poder e a agressividade do capital são invencíveis. No entanto, não se pode ocultar a podridão do capitalismo e a possibilidade objetiva da abolição da propriedade privada dos meios de produção e de sua socialização pelo poder operário, além de sua utilização com base numa planificação central cujo incentivo será o benefício social.

Toda a História da Revolução de Outubro e os acontecimentos precedentes demonstram que a correlação de forças negativa não é eterna nem imutável.

A criação de condições favoráveis para a derrubada revolucionária

O fato de que se criaram as condições prévias para a construção da sociedade socialista-comunista não significa que isto acontecerá automaticamente. Uma razão importante é o fato de que, diferente das leis da natureza, o desenvolvimento social requer a atividade humana. Neste caso, a luta de classes para a abolição da velha sociedade e a construção da nova sociedade.

A eclosão da revolução socialista (assim como de todas as revoluções sociais na História da humanidade) implica uma situação na qual se enfraquece a capacidade da classe dominante de assimilar, suprimir e sufocar o povo.

Lenin formulou o conceito da situação revolucionária e identificou as características principais objetivas e subjetivas da sociedade na véspera da revolução:

– Os de “cima” (a classe dirigente dos capitalistas) não podem governar e administrar como no passado.

– Os de “baixo” (a classe trabalhadora e as camadas populares não querem viver como no passado.

– Nota-se um crescimento fora do normal da atividade das massas.

Assim, a indigência dos de “baixo” faz crescer sua atividade política, enquanto entre os de “cima” prevalecem a confusão, a fraqueza, as contradições, a indecisão.

A criação de uma situação favorável para a derrubada revolucionária da sociedade capitalista é de caráter objetivo, deriva do aprofundamento brusco de suas contradições.

No entanto, como assinalou Lenin acertadamente, nem toda situação revolucionária desemboca em uma revolução. Nem a reação dos de “baixo” nem a crise dos de “cima” provocarão uma derrubada, a menos que exista um levante revolucionário planificado da classe trabalhadora, dirigido por sua vanguarda consciente.

Dito de outro modo, para que comece a revolução operária se requer a presença da vanguarda política revolucionária, do Partido Comunista, armado com elaborações teóricas e com a predição dos acontecimentos baseada na cosmovisão marxista-leninista, capaz de dirigir o levante revolucionário da classe trabalhadora.

Claro que não é possível prever todos os fatores que podem conduzir a uma situação revolucionária. No entanto, a experiência histórica demonstrou como fatores importantes a manifestação de uma crise capitalista sincronizada, combinada com a eclosão da guerra imperialista.

A primeira revolução operária vitoriosa na Rússia foi o resultado da capacidade da classe trabalhadora, sob a direção de seu partido, de assumir este papel em condições respectivas. Lenin previu acertadamente a possibilidade de uma situação revolucionária na Rússia, a possibilidade de que a Rússia se destacasse como o elo frágil da cadeia imperialista no contexto da I Guerra Mundial Imperialista.

A trajetória dos bolcheviques para a vitória da Revolução de Outubro de 1917

Na Rússia czarista, antes da I Guerra Mundial, ainda que o capitalismo se desenrolasse muito rápido, se mantinham vestígios fortes do antigo Estado autoritário, encabeçado pelo czar. Além disso, existia uma enorme massa de campesinos-pequenos agricul