Feminismo Marxista: A única saída possível

Por Thalita Alves Dias

Esse artigo procura apresentar um pouco da história do feminismo e a origem da opressão sofrida pelas mulheres demonstrando as contradições de sua vertente liberal e que a emancipação feminina dificilmente será alcançada dentro do sistema capitalista e por isso o feminismo marxista se faz necessária.


O movimento feminista não pode ser definido como algo homogêneo, não existe apenas um feminismo dentro desse termo existem diversas vertentes que se baseiam em diferentes teorias para explicar a opressão de gênero e como solucioná-la. A vertente liberal do feminismo é a mais “aceita” socialmente por ter sido incorporada ao sistema capitalista, sem promover uma verdadeira mudança social essa vertente enxerga que pequenas modificações no sistema vigente são o suficiente para alcançar igualdade de gênero, vejamos aqui que essa vertente não promove uma emancipação feminina e sim uma igualdade capitalista.

Para explicar melhor o surgimento e problemáticas do feminismo liberal devemos voltar mais um pouco, ao início do movimento pelo sufrágio feminino. Ao longo da década de 1830 muitas mulheres brancas direcionaram seu olhar para a luta antiescravagista, entretanto mesmo que esse movimento contasse com uma grande contribuição de mulheres trabalhadoras apenas as burguesas apareciam como símbolo do movimento com a ideia de se mostrarem como as salvadoras dos povos “menos civilizados”. Com o trabalho no movimento abolicionista as mulheres tiveram contato com formas de lutar contra a opressão, como escreveu Angela Davis:

“Trabalhando no movimento abolicionista, as mulheres brancas tomaram conhecimento da natureza da opressão humana – e, nesse processo, também aprenderam importantes lições sobre sua própria sujeição. Ao afirmar seu direito de se opor à escravidão, elas protestavam – algumas vezes abertamente, outras de modo implícito – contra sua própria exclusão da arena política. Se ainda não sabiam como apresentar suas reivindicações coletivamente, ao menos podiam defender a causa de um povo que também era oprimido.” (DAVIS, 2016, p.5)

Com a experiência que conquistada na luta abolicionista mulheres burguesas iniciaram organizações para conquistar o que consideravam “libertação” para todas as mulheres, o primeiro direito que reivindicavam era ao voto. Entretanto, ao lutar pelo sufrágio feminino e outros direitos, as mulheres burguesas se colocavam como sofredoras de toda opressão ignorando as relações sociais e raciais ocorridas nas sociedades. As sufragistas brancas não queriam admitir seu privilégio de raça e classe e com isso criaram uma barreira com as mulheres negras proletárias sobre isso escreveu Bell Hooks:

“Inicialmente, o privilégio de classe não estava no debate de mulheres brancas, no movimento de mulheres. Elas queriam projetar uma imagem delas mesmas como vítimas, e isso não poderia ser feito chamando atenção para a classe delas” (HOOKS, 2019, p.104)

Essa separação ficou ainda mais acentuada quando, após a abolição da escravatura, discutia-se conceder a homens negros alfabetizados o direito ao voto e as sufragistas se posicionaram veemente contra tal ato pois não admitam que homens negros recebessem o direito ao voto antes delas, ignorando completamente a ideia de sufrágio universal defendida no início da luta das mulheres. Esse conflito deixou ainda mais claro que mesmo tendo litado contra a escravidão as sufragistas não tinham deixado seu racismo de lado e nem sequer se esforçavam para ver que mulheres brancas burguesas estavam em local de superioridade social em relação a homens negros trabalhadores.

Após conquistarem o sufrágio feminino as mulheres burguesas continuaram lutando por aquilo que consideravam igualdade de gênero, queriam estar no mesmo patamar que seus companheiros do gênero masculino perante a sociedade mesmo que isso significasse explorar o trabalho de mulheres negras e trabalhadoras. Defendendo seus interesses as feministas burguesas continuavam afirmando que eram as sofredoras de todas as formas de opressão e para isso fosse visto como verdade absoluta elas não poderiam de forma alguma reconhecer seus privilégios de raça e classe perante as mulheres negras e trabalhadoras.

Como burguesas essas feministas não promoviam nenhum tipo de ruptura com o sistema capitalista, pelo contrário, defendiam que a igualdade entre homens e mulheres só poderia ser alcançada através do trabalho remunerado, sobre isso escreveu Bell Hooks:

“Como um grupo, participantes brancas não condenaram o capitalismo escolheram definir libertação nos termos do patriarcado capitalista branco, igualando a libertação a conquista de status econômico e poder financeiro como todos os bons capitalistas, elas declararam o trabalho como chave para a libertação” (HOOKS, 2019, p.105)

Essa cooptação do movimento das mulheres pelo sistema capitalista pode ser observada até os dias de hoje com o que chamamos de “feminismo liberal” que não passa de um movimento reformista burguês que não visa a verdadeira emancipação da mulheres negras e brancas da classe trabalhadora. Por ser defendido pela burguesia esse feminismo é homogêneo sendo sempre representado pela mídia como a saída para as opressões sofridas pelas mulheres.

Um feminismo vazio, sem luta organizada ou viés revolucionário nunca representou as mulheres trabalhadoras, no texto “Senhoras e Mulheres” da revolucionária Rosa Luxemburgo é demostrado que os objetivos do movimento feminista burguês estavam completamente desconectados das proletárias e por esse motivo não obteve apoio ostensivo das trabalhadoras:

“[…]Para essas defensoras da “emancipação das mulheres”, o acesso das mulheres às Universidades, andar de bicicleta, a obtenção do direito de voto das mulheres para os parlamentos, ensinar floricultura e trabalhos manuais às meninas, debater sobre o melhor modo de educar as crianças, usar roupas confortáveis etc. tinham e continuam tendo a mesma importância. A senhora burguesa entediada, cansada de seu papel de boneca ou de cozinheira do marido, corre, caprichosa, para todos os lados, em busca do espetáculo que preencha o vazio de sua vida e de sua mente.”

No mesmo texto Rosa também escreve que as mulheres trabalhadoras possuem consciência de que enquanto a burguesia dominar – mesmo que seja uma burguesia composta por mulheres – a verdadeira emancipação feminina nunca será alcançada. A partir dessa compreensão foi possível as mulheres socialistas teorizarem aquilo que chamamos hoje de feminismo marxista, ou classista.

As mulheres trabalhadoras já se organizavam junto com seus companheiros do gênero oposto para lutar por melhores condições de trabalho antes do direito ao voto ser concedido as mulheres. Durante o movimento pelo sufrágio feminino as proletárias não estavam tão preocupadas com a pauta liberal do voto por possuírem problemas de maior urgência, em “Mulheres, raça e classe”, Angela Davis escreve:

“[…] Embora Susan B. Antony e Elizabeth Candy Station tenham persuadido líderes operarias a protestar contra a não conceção do voto às mulheres, a massa de trabalhadoras estava muito mais preocupada com seus problemas imediatos – Salarios, jornadas, condições de trabalho – para lutar por uma causa que parecia imensamente abstrata.” (DAVIS, 2016, p)

O idealismo das feministas liberais não possuía uma solução concreta para o fim da opressão contra as mulheres, ali faltava a verdadeira materialidade de análise da sociedade e uma prática organizada de luta contra a opressão, e é aqui onde a análise marxista se faz necessária.

Em seu livro “A origem da família, da propriedade privada e do Estado”, Engels analisa que o fim da propriedade coletiva e início da propriedade individual e privada se atrela diretamente ao início da ideia de família monogâmica e opressão da mulher no casamento. Com a individualização da propriedade, houve a necessidade de que se garantisse a legitimidade da prole do dono da propriedade para com o intuito de que a herança fosse passada para um filho legitimo após a morte dos pais. Com esses fatores em jogo iniciou-se a obrigatoriedade da monogamia feminina, para que se garantisse quem era o pai das crianças que seriam geradas, entretanto para os homens a poligamia continuou comum.

A partir dessa mudança nas relações sociais as mulheres foram colocadas como propriedade de seu pai até o casamento e após isso do seu marido e em caso de viúves estaria sob guarda de seus filhos e assim o papel feminino foi reduzido a criação dos filhos e cuidados domésticos. Com o passar dos anos essa estrutura se tornou cada vez mais forte e se tornou uma estrutura social que chamamos patriarcado.

Com a revolução industrial foi necessário que as mulheres pobres também começassem a trabalhar nas fabricas em condições insalubres além de manter o cuidado com a casa e as crianças criando assim dupla e até tripla jornada de trabalho. Estando sujeitas a seus maridos em casa e a seus chefes no trabalho as mulheres trabalhadoras sofrem dupla opressão, de gênero e classe e no caso de mulheres não brancas adicionasse também a opressão de raça.

A dupla jornada de trabalho gerou um novo problema para as mulheres trabalhadoras, a falta de condições de criar seus filhos, e isso tornou as tentativas de aborto cada vez mais comum entre a classe trabalhadora. O movimento pelo direito ao aborto nunca pautou as necessidades da população proletária, fala-se muito sobre o direito de escolher ou não engravidar, mas não se fala das mulheres que tem o direito de maternar negado pelas suas condições materiais, como escreveu Angela Davis:

“Quando números grandes de mulheres negras e latinas recorrem a abortos, as histórias não relatam não são tanto sobre o desejo de ficar livres da gravidez, mas sobre condições sociais miseráveis que as levam a desistir de trazer novas vidas ao mundo” (DAVIS, 2016, 207)

Esse são apenas três exemplos de necessidades para a emancipação feminina que não são abordados, ou são mal discutidos, pelo feminismo liberal por não serem de interesse do capital. Por esse motivo as mulheres marxistas entendem que a emancipação feminina nunca será alcançada dentro de uma sociedade capitalista, apenas o socialismo apresenta condições materiais suficientes para a destruição do sistema patriarcal de opressão.

Mesmo sendo de extrema importância a corrente marxista do feminismo não foi bem recebida por homens socialistas que gostariam de manter o seu local de superioridade oferecido pelo patriarcado e por outra correntes feministas que absorvem uma perspectiva pequeno-burguesa do que seria a igualdade de gênero.

“O feminismo marxista nunca teve uma vida fácil. Tem estado sob pressão tanto das críticas ao marxismo por parte das feministas radicais e das feministas pós-estruturalistas, quanto daquela advinda do atraso dos teóricos marxistas em dar a devida atenção à questão da relação entre gênero e capitalismo, e de fornecerem respostas convincentes à tal questão.”  (ARRUZZA, 2017, p. 4)

Todo o incomodo social causado pelo feminismo marxista só demonstra a necessidade de um debate de opressão de gênero pelo olhar das mulheres trabalhadoras e negras que atravessam vários tipos de opressão. A socialização do trabalho doméstico, direitos reprodutivos e o fim da família monogâmica como modelo são fatores indispensáveis para alcançar a emancipação feminina e nenhum desses aspectos são possíveis de se alcançar dentro da sociedade capitalista.

O fim do capitalismo é o único meio possível para alcançar a destruição do patriarcado e construir a emancipação de gênero, experiencias como como a da URSS e Cuba mostram que o socialismo é o único sistema que garante condições materiais para se pautar o fim de todas as opressões.


Referências:

ANÔNIMO. Por uma análise materialista do Gênero. 3ed. Abril cultural: São Paulo,1983

ARRUZZA, Cinzia. Marxismo e feminismo: entre casamentos e divórcios. Lisboa: Edições Combate, 2010.

ARRUZZA, Cinzia. Funcionalista, determinista e reducionista: o feminismo da reprodução social e seus críticos. Cadernos Cemarx, 2017, n. 10, pp. 39-60.

DAVIS, Angela. Mulheres Raça e Classe.1 ed. São Paulo: Boitembo, 2016.

FRIEDRICH, Engels, A origem da família, da propriedade privada e do Estado. São Paulo: Boitempo, 2019.

HOOKS, Bell. E não sou eu uma mulher? Mulheres negras e o feminismo.1 ed. Rio de Janeiro: Rosa dos Tempos, 2019.

JENAINATI, Cathia. Feminismo: um guia gráfico.1ed. Rio de Janeiro. Sextante, 2020

LUXEMBURGO, Rosa. Senhoras e Mulheres. RussiaGazeta Ludowa, n. 48, 16 de junho de 1904, p.1. Disponível em < https://frl.rosalux.org.br/senhoras-e-mulheres/ >.

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