Uma chance para o ecossocialismo

Por Peter Boyl e Pip Hinman, via Socialist Alliance, traduzido por Luiza Cardeal

Se há algo que as mais recentes e inesperadas queimadas tem provado aos australianos, e a todos que acompanham com o horror esses últimos acontecimentos, é de que a emergência climática não é um problema do futuro: é algo imediato que já se mostra catastrófico. As metas internacionais para a redução da emissão de gases de efeito estufa não são suficientes, pois o mundo já está a caminho de aumentar sua temperatura entre 2 a 3º Celsius, se comparado com a média da época pré-industrial. O aumento de 0,5º Celsius já é desastroso.


A média de temperatura deve aumentar para níveis jamais vistos nos últimos milhões de anos numa velocidade na qual os sistemas da Terra não poderão se adaptar. O planeta já passou por vários momentos cruciais que mudaram irreversivelmente os ciclos de vida.

Então o que nos impede enquanto sociedade de tomar as medidas necessárias?

O capitalismo é um impedimento para uma resposta global contra a emergência climática. A classe capitalista, junto aos governantes que a sustentam, priorizam o lucro corporativo a todo custo e, consequentemente, ameaçam a sobrevivência humana, assim como milhões de animais e plantas.

A concentração da riqueza chegou num nível inédito. Em 2019, os 2.153 bilionários do mundo tinham o equivalente à riqueza de 4,6 bilhões de pessoas juntas. Essa grande fortuna, agindo como capital, aproveita da maior parte dos benefícios do crescimento econômico, enquanto a maioria sofre as consequências, como a pobreza, guerra e ecocídio.

Os bilionários estão constantemente corrompendo os governos. Consequentemente, há um entrave no combate à emergência climática e acúmulo de lixo, além de uma dificuldade em frear a exploração infinita de recursos naturais finitos.

Com o pouco tempo que nos resta para uma ação radical a fim de prevenir uma mudança climática catastrófica, precisamos acabar com a insustentável concentração de riqueza, construída a partir da expropriação de terras e exploração do trabalho.

É hora de expropriar os expropriadores.

Isso pode até soar como uma posição ideológica, mas é, na realidade, uma posição prática.

A sociedade não pode mais enfrentar a situação sem desafiar o capitalismo, como o cenário australiano nos adverte.

Uma pesquisa realizada no dia 9 de janeiro por um instituto progressista da Austrália mostrou que antes das queimadas, 66% dos entrevistados acreditavam que o país “estava passando por uma emergência ambiental causada pela mudança climática e deveria tomar medidas em relação a isso”. Foi também observado que 63% acreditavam que os governos “deveriam mobilizar toda a população para enfrentar a mudança climática, assim como foi feito durante as guerras mundiais”.

Estes são alguns dos principais passos que uma sociedade unida deve seguir para enfrentar a emergência climática:

  • Estatizar o setor energético para podermos transitar para uma matriz energética 100% renovável em 10 anos, garantindo os empregos;
  • Assegurar o transporte público gratuito, contínuo e acessível;
  • Garantir terra e água para os povos indígenas;
  • Incentivar o cultivo sustentável e o reflorestamento;
  • Acabar com a privatização e monopólico dos recursos hídricos;
  • Acabar com a emissão de gases de efeito estufa e transitar para uma energia limpa até 2030. Além disso, já que acabar com a emissão de gases com efeito de estufa até 2050 não irá parar o aquecimento, os países ricos, como a Austrália, devem assumir a liderança;
  • Aumentar a eficiência energética e trabalhar em busca do desperdício zero.

Os principais partidos dizem aceitar a realidade dada pela crise climática (assim como fazem tardiamente as grandes empresas de petróleo), entretanto, esses mesmos partidos estão impedindo a rápida transição para uma energia 100% renovável. Tais partidos ainda insistem em manter ou até mesmo melhorar a posição da Austrália como a terceira maior exportadora de petróleo, uma vez que continuam apoiando a abertura de novas minas de carvão e gás. Só esse motivo já é o suficiente para transferir o setor energético para a responsabilidade pública.

O setor de transporte é o terceiro maior responsável pela emissão de gases na Austrália, além de ser a área que mais cresce na emissão de gases de efeito estufa. Por isso, deve-se urgentemente afastar o controle dos transportes dos capitalistas e associá-lo ao domínio da sociedade. No entanto, o governo federal e estadual está apostando em projetos multimilionários de rodovias em comunidades que resistem a tais mudanças, como o caso da rodovia WestConnex no estado australiano Nova Gales do Sul. Além disso, o governo está privatizando e cortando os gastos com o transporte público.

Os oportunistas que estão privatizando cada vez mais os recursos híbridos escassos australianos precisam também ser expropriados.

Qualquer plano sério que queira lidar com a emergência climática precisa tirar os recursos fundamentais das mãos das corporações e concedê-las à sociedade. Para tanto, é essencial a democratização da economia. As soluções precisam ser ecossocialistas, ao invés do tal do “capitalismo verde”.

Coletivizar os recursos e garantir que a sociedade trabalhe com a natureza requer uma mudança de poder e a construção de novas instituições democráticas.

É preciso de participação democrática no qual a maioria das pessoas decida sobre os rumos da sociedade. Atualmente, a atuação popular está limitada ao voto, que ocorre entre três e cinco anos, e é facilmente manipulada pelos bilionários.

Nossa sociedade possui os meios para a mudança ou a vontade de construir um novo sistema de poder popular?

Podemos esperar certo otimismo a partir da reação de tantas comunidades e voluntários em relação às queimadas mais recentes, enquanto os governos se recusaram a agir adequadamente.

Por outro lado, a confiança pública pode crescer à medida em que se constroem o maior e mais amplo movimento climático que prevê as mudanças que tanto precisamos. Movimentos de base e de organização social podem ser os novos modelos de instituições de poder popular.

Nesse processo, muitos podem começar a questionar o sistema capitalista e a enxergar uma lógica no ecossocialismo.

Ecossocialistas devem também aprender com países pioneiros em transformações revolucionárias, como Cuba, que lidera os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), proposto pela ONU. Cuba desenvolveu uma resposta contra as emergências coletivas para minimizar os estragos dos furacões.

Ecossocialistas também podem aprender com a Revolução de Rojava no nordeste Síria, a qual teve como princípios fundamentais a ecologia e a libertação das mulheres,  juntamente com o confederalismo democrático e a autonomia.

Devemos também aprender com as experiências negativas sob regimes burocráticos e despóticos que se autodenominavam “comunistas”.

Dar uma chance para o ecossocialismo não é só uma questão moral. Agora se tornou uma necessidade prática urgente num mundo repleto de ecocídio. Sabemos que um mundo ecologicamente balanceado é impossível sob o capitalismo.

Por fim, o ecossocialismo não é uma certeza, mas é uma possibilidade. Já o resto depende do que vamos decidir coletivamente.


Sobre os autores

[Peter Boyle e Pip Hinman são membros do partido Socialist Alliance National Executive ]

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