Por Vladimir Lenin, traduzido por Victor Hugo Arona, via Marxists.org, originalmente publicado no jornal Rabochaya Pravda, n. 3, em 16 de julho de 1913.
Lenin tece uma breve crítica aos Cadetes (Partido Democrata-Constitucionalista) e, mais especificamente, às declarações separatistas de Mikhail Mogilyansky no jornal Rech. Então, pontua elementos importantes sobre a posição dos marxistas frente à questão da autodeterminação dos povos.
Há um bom tempo se fala na imprensa e na tribuna da Duma (no pronunciamento do social-democrata Petrovsky[1], por exemplo) sobre a absoluta indecência, o caráter reacionário e a insolência das declarações feitas por certos Cadetes[2] influentes (liderados por sr. Struve[3]), no que se refere à questão ucraniana. Há poucos dias atrás, nos deparamos com um artigo no Rech, o órgão oficial do Partido Democrata-Constitucionalista, escrito por um dos seus colaboradores habituais, sr. Mikhail Mogilyansky, artigo este que não deve ser ignorado.
Esse artigo é uma verdadeira importunação chauvinista dos ucranianos por “separatismo”. “Aventureirismo irresponsável”, “delírio político”, “uma aventura política” – são algumas das expressões que preenchem o artigo do sr. Mikhail Mogilyansky, um discípulo do Novoye Vremya[4] da mais pura água que se esconde sob o manto da “democracia”! Porém, o Partido “Democrata”-Constitucionalista descaradamente fornece cobertura para esse artigo, publica-o com simpatia e, a partir de seu silêncio, aprova tal chauvinismo descarado.
O próprio sr. Mikhail Mogilyansky aponta que no Congresso de Estudantes de Toda a Ucrânia, em Lviv, alguns social-democratas ucranianos, emigrantes da Rússia, também se colocaram contra o slogan da independência política da Ucrânia; falaram contra o social-democrata Dontsov[5], que propôs a resolução de “uma Ucrânia independente”, que foi adotada pelo congresso pela maioria dos presentes contra dois. Segue-se, portanto, que não há dúvida de que todos os sociais-democratas concordam com Dontsov. Mas os sociais-democratas disputaram o tema com Dontsov, apresentaram seus próprios argumentos, discutiram o assunto na mesma plataforma e tentaram convencer o mesmo público.
Mikhail Mogilyansky perdeu todo o senso de elementar decência política quando lançou sua injúria grosseira extraída do léxico das Centenas Negras contra Dontsov e contra todo o congresso de estudantes ucranianos, sabendo muito bem que era impossível para seus oponentes refutar as opiniões do Rech, que era impossível para eles falar ao público russo a partir da mesma plataforma e com a mesma determinação, abertura e liberdade.
São democratas lamentáveis, nossos Cadetes! E aqueles que toleram, sem um protesto violento, tais ofensivas dos cadetes também são democratas lamentáveis. Os marxistas nunca permitirão ser atraídos por slogans nacionalistas, sejam eles grã-russos, poloneses, judeus, ucranianos ou qualquer outro. Tampouco os marxistas esquecem o dever fundamental de qualquer democrata de lutar contra qualquer perseguição de qualquer nação pelo “separatismo”, o dever de lutar pelo reconhecimento da igualdade plena e incondicional das nações e seu direito à autodeterminação.
Visões podem diferir sobre qual deve ser essa autodeterminação, do ponto de vista do proletariado, em cada caso individual. Pode-se e deve-se disputar com social-nacionalistas como Dontsov, mas a perseguição ordinária por “separatismo”, a perseguição de pessoas que são incapazes de se defender, é o próprio limite da falta de vergonha por parte de nossos cadetes.
[1] O deputado bolchevique Grigori Petrovsky falou na sessão da Duma Estatal em 20 de maio (2 de junho) de 1913, durante o debate sobre os orçamentos do Ministério do Interior. O discurso foi elaborado por Lenin. Em uma carta datada de 18 de abril (1º de maio), enviada por Nadejda Krupskaya de Cracóvia a São Petersburgo por instruções de Lenin, ela disse que todo esforço deve ser feito para entregar o discurso na íntegra devido à sua importância excepcional. O manuscrito do rascunho não foi encontrado. [Nota do Texto]
[2] Os Cadetes, também chamados de Partido Democrata-Constitucionalista, foi um partido formado em 1905, que tinha como principal objetivo a transformação do regime czarista em uma monarquia constitucional. Foi o principal partido da burguesia monárquica liberal e em seguida, da burguesia imperialista russa. Durante a I Guerra, apoiou as políticas expansionistas russas e, durante a Revolução de Fevereiro, esteve ao lado dos mencheviques. [Nota do Tradutor]
[3] Peter Struve foi o representante principal do chamado “marxismo legal”, se aproveitando da obra de Marx para apresentar ideias conciliadoras e oportunistas. Rompe com os marxistas e se alia aos liberais, sendo chefe da revista Osvobojdénie e dirigente dos Cadetes. Lutou ativamente contra os bolcheviques, sendo duramente criticado por Lenin. [Nota do Tradutor]
[4] Jornal diário que inicialmente possuía tendências liberais, mas tornou-se representante da nobreza e da burocracia reacionária. A partir de 1905, transforma-se em um órgão do grupo paramilitar de orientação czarista – marcado pelo ultranacionalismo, antissemitismo e xenofobia – Centenas Negras. [Nota do Tradutor]
[5] Dmitro Dontsov (1883-1973) foi um escritor nacionalista ucraniano que foi, por um tempo, filiado ao Partido Social-Democrata dos Trabalhadores Ucranianos (PSDTU). [Nota do Tradutor]