Por Vladímir Ilitch Lênin, via marxists.org, traduzido por Konrado Leite
[Escrito aos fins de julho de 1912, publicado no Nevskaya Zvezda Nºs. 18 e 19, de 22 e 29 de Julho de 1912. Assinado como: V. I.)
I
P. B. Axelrod está destinado a ocupar um papel original no desenvolvimento da tendência oportunista entre os marxistas. Sua ideia de um “congresso operário”, por exemplo, causou uma grande agitação. Um certo número de operários foram atraídos e levados por sua propaganda. Mas quanto mais difundida a propaganda e mais próxima a ideia chegava de ser colocada em prática, mais claro ficava o caráter espúrio do plano, que fracassou por si mesmo. A experiência confirmou o que os Bolcheviques haviam apontado mais de uma vez, isto é, que as “ideias” de Axelrod era uma invenção da intelligentsia oportunista, um sonho de como “evitar” da severa luta de classes e da severa luta política.
A exata mesma história agora se repete no que se refere à ideia de uma editora operária e de um jornal operário “não-faccionário”. Qualquer operário de São Petersburgo se lembrará o quanto os liquidacionistas se aproveitaram dessa ideia até muito pouco tempo atrás, como eles seduziram os operários com a ideia de “evitar” toda a luta entre os democratas operários, e o quão cômico foi o ódio deles contra o Zvezda porque ele mostrou que a questão de uma política de trabalho liberal (pense na decisão dos padeiros[2]) não pode ser contornada e que toda a conversa sobre o controle dos operários sobre um jornal não faccionário é pura demagogia.
E agora Axelrod, escrevendo no [jornal] liquidacionista Nevsky Golos Nº 6, fez uma exposição excelente—teve que fazê-la—da demagogia de seus amigos. Demagogia significa promessas generosas que não podem ser cumpridas. As ideias dum amplo congresso trabalhista, de uma editora operária e de um jornal operário não-faccionário são tentadoras. Mas a questão é que essas coisas tentadoras não podem ser obtidas sem primeiramente lutar uma obstinada e difícil luta por liberdade política em geral, pela vitória do marxismo entre os democratas operários, etc. Promessas demagógicas são fáceis de serem feitas. Mas a vida logo mostra que elas não podem ser cumpridas, e expõe o oportunismo dos “sonhos cor-de-rosa”.
No Nevsky Golos Nº 6, Axelrod serve uma quantidade incrível de declamações vazias, afirmando, por exemplo, que ele e seus amigos são “porta-vozes progressistas do Partido”, enquanto seus oponentes são “reacionários”. Claro, Axelrod gosta muito de pensar assim, e os liquidacionistas gostam de publicar o que ele pensa. Mas que conversa fiada isso é! Elogiar a si mesmo por sua atitude “progressista”… Não seria melhor explicar a substância e significado das divergências?
“A ideia de um órgão Social-Democrata não-faccionário (genuinamente Social-Democrata, sem aspas) é utópica no presente e, além do mais, uma utopia que vai objetivamente contra os interesses do desenvolvimento político do Partido e da unificação organizacional do proletariado sob a bandeira da Social-Democracia. Expulse a Natureza pela porta e ela entrará voando pela janela e pelas rachaduras.”
É isso que Axelrod escreve. Essas não são más ideias por si só. São perfeitamente boas a princípio. Elas mostram que os amigos liquidacionistas de Axelrod estão bem errados quando ainda ontem eles estavam divulgando entre a massa dos trabalhadores a própria ideia que Axelrod agora condena. Mas não podemos tratar o esbanjar de promessas irrealizáveis como atitude “progressista”.
“Podemos dizer que não temos facções que tomaram forma organizacionalmente,” escreve Axelrod. “Em vez disso, temos vários círculos e pequenos grupos, dos quais alguns sustentam pontos de vista políticos, táticos e organizacionais mais ou menos definidos, enquanto outros oscilam em várias direções, atrapalhando os primeiros.”
A primeira frase não está inteiramente correta. Axelrod sabe muito bem que há algo que tomou forma totalmente organizacional—tanto quanto isso é possível hoje em dia. Mas a segunda está correta: há muitos grupos pequenos que estão oscilando e atrapalhando os demais. Ao afirmar essa verdade sob a compulsão dos eventos, Axelrod expõe seus amigos novamente. Todos sabem que o que os amigos de Axelrod apenas agora estão demonstrando é a ostensiva “unificação” no papel dos pequenos grupos oscilantes. Não prometem essa “unificação” fictícia de todos os liquidacionistas e oscilantes no mesmo Nevsky Golos Nº 6?
“O ponto focal e principal origem da discórdia,” continua Axelrod, “é, por um lado, a diferença na atitude dos vários círculos do Partido ao novo movimento trabalhista social-democrata aberto [você não deveria dizer ao Partido aberto, estimado P. B. Axelrod? É feio distorcer a essência da divergência!] e, por outro lado, diferenças substanciais por tarefas políticas imediatas e as táticas políticas do movimento social-democrata russo. Os requisições de ambas as categorias estão se tornando questões particularmente candentes e atuais, apenas agora, quando um novo movimento social e político está começando. E é por eles que os social-democratas russos se dividiram em dois campos principais. A questão que surge é se o jornal trabalhista projetado será capaz de assumir uma posição neutra entre esses dois campos opostos, e se tal posição é permitida em princípio. Obviamente não é.”…
Uma conclusão muito correta. Axelrod descascou muito bem não apenas seus amigos que ontem clamavam por um jornal neutro e não-faccional, mas também aqueles que hoje asseguram aos ingênuos de sua “concordância”, “unidade”, “solidariedade”, e por aí vai, com os pequenos grupos neutros.
Há, realmente, dois campos principais. Um deles tomou forma organizacional completa. Suas respostas a todas as questões listadas por Axelrod são bastante formais, precisas e definidas, diferente dos artiguinhos inconstantes e contraditórios de certos escritores. Quanto ao outro campo, isto é, o campo liquidacionista, ao qual Axelrod pertence, esse admitidamente não tomou forma organizacionalmente (o que temos em vez disso são apenas promessas vazias de um partido trabalhista aberto, apenas conversa sobre um sociedades políticas operárias abertas, que são muito menos factíveis do que haver um congresso trabalhista em 1906-07), nem pode ele responder, em termos específicos e precisos, às questões listadas pelo próprio Axelrod (o que temos em vez de respostas específicas são apenas exercícios jornalísticos de Yezhov, Levitsky, Klenov, Chatsky, e outros).
Assim que um grupo operário de editores e jornalistas se decidir a promover um programa específico de ação, a tomar uma posição definida nas questões a respeito, digamos, da campanha eleitoral, a levar adiante dos trabalhadores tarefas e slogans particulares na campanha e se declarar por uma tática particular para os diferentes partidos políticos—assim que, insisto, uma associação editorial decidir dar a sua publicação o caráter de um Órgão essencialmente político proletário, ele será confrontado por essas questões e diferenças polêmicas que preocupam e despedaçam a social-democracia russa. E então pode ser que a própria associação se torne uma nova fonte do mesmo tipo de discórdia, a não ser que seus membros cheguem a um entendimento e um acordo sobre essas questões de antemão.”
Axelrod atinge os liquidacionistas muito corretamente e muito bem. O que a “associação” necessita, Nasha Zarya e Nevsky Golos necessitam ainda mais. Então por que eles não podem chegar a um acordo sobre as questões e diferenças polêmicas? Por que não podem dar respostas precisas pelo menos às questões importantes listadas por Axelrod (a atitude frente os diferentes partidos, as tarefas, os lemas, e as táticas)?
“Médico, cure a si próprio”. Axelrod tão bem explicou aos operários a necessidade de respostas claras e precisas às “questões polêmicas” que os escritores do Nasha Zarya e Nevsky Golos (e, talvez, não apenas do Nevsky Golos) deveriam dar atenção às suas palavras. Não se pode prescindir de respostas precisas e claras às “questões polêmicas”, não se pode limitar-se a artigos—isso seria de fato um pensamento circular. Decisões—precisas, formais, bem-consideradas, e definidas—são necessárias. Afinal de contas, não é por nada que Axelrod fala—e com muita aptidão!—de um programa específico de ação, de tarefas e lemas, etc.
Aliás, a razão pela qual os liquidacionistas são chamados liquidacionistas é que, enquanto eles rejeitam o velho, não oferecem nada de novo. Que um partido aberto é útil e que sociedades políticas abertas são necessárias é algo que todos os liquidacionistas têm insistido em nossos ouvidos. Mas essa conversa deles não é tudo o que é necessário, e quanto à ação, não há evidência disso, absolutamente nenhuma. Não há evidências do que exatamente Axelrod exige dos operários!
No folhetim Nevsky Golos, abaixo da linha divisória, Axelrod deu excelente evidência expondo os liquidacionistas que escrevem acima da linha divisória, na seção editorial do jornal. Leia o folhetim de Axelrod com atenção e você verá que é engano e auto-engano os liquidacionistas gritarem sobre “concordância” em relação a uma plataforma eleitoral, uma plataforma “única”, etc.
“Um Apoiador do Zvezda” já expôs essa enganação no Nevskaya Zvezda Nº 16. Mas a exposição feita por Axelrod vai ainda mais além e é ainda mais valiosa porque ela vem de Axelrod.
Estamos completamente a favor de uma plataforma única—nomeadamente, a que os Bolcheviques e os Mencheviques-pró-Partido adotaram a muito tempo, e estão botando em prática, como “Um Apoiador do Zvezda” justamente aponta. Estamos completamente a favor de uma campanha eleitoral única precisamente nessa plataforma, com base nessas mesmas decisões, de respostas precisas e definidas a todas as “questões polêmicas”.
Ao gritar por “unidade”, os liquidacionistas buscam arrebanhar operários ignorantes com o mero som da palavra. “Unidade” é agradável, “jornais não-faccionais” são ainda mais atrativos! Mas pelo menos leia Axelrod, e ele deixará claro para você que não-faccionalismo é impossível, que é utópico; que há dois campos entre os democratas operários e que esses dois campos são opostos.
E agora? Irão os liquidacionistas de algum modo defender a “plataforma” de modo a esconder suas visões?—uma plataforma diplomática, tal como os burgueses gostam tanto?—,uma plataforma que não fornece nenhuma resposta às “questões polêmicas”, mas está “simples” e “meramente” preocupado com “entrar na Duma”?
Esse seria o auge da falta de princípios. Mas os operários nunca aceitariam isso. Tais plataformas, não importa o quão “abertas”, não podem se sustentar nem por um único dia.
Sim, já tivemos o suficiente dessa auto-enganação. É hora de encararmos a verdade, que desta vez também é plenamente conhecida pelo líder dos liquidacionistas, Axelrod. Se vocês, senhores liquidacionistas, escolherem insistir em uma plataforma “própria” (embora você ainda não tenha apresentado isso, e não acreditamos em plataformas inventadas seis semanas antes das eleições!), se vocês escolherem insistir em táticas “próprias” (embora até agora você não os tenha declarado precisamente, formalmente, de uma maneira condizente com um partido!), então vocês são os únicos culpados. Então são vocês que violam a unidade que já há. Então serão vocês que serão considerados inteiramente responsáveis por essa violação.
Sim, já tivemos o suficiente dessa auto-enganação. Os gritos dos liquidacionistas sobre “unidade” são nada mais que cegueira. Sabendo muito bem que os operários estão contra eles, os liquidacionistas estão igualmente bem informados que sua ação separada lhes traria uma derrota completa e devastadora. É por isso que eles estão dispostos a prometer qualquer coisa desde que sejam eleitos à Duma.
Isso não vai funcionar. Apenas os burgueses se comportam assim. Democratas operários acreditam apenas em programas, decisões, táticas e lemas que foram colocados em prática durante anos antes das eleições e são apenas repetidos pela centésima vez durante as eleições. Quanto àqueles que fazem “plataformas” vazias sem tais decisões, apenas para as eleições, eles não merecem qualquer confiança.
O folhetim de Axelrod é útil como um meio de destruir qualquer auto-enganação, de esclarecer os vários inventores de plataformas “novas”, “abertas” e “comuns”.
II
O encerramento do artigo de Axelrod, sobre o qual ele falou no Nevskaya Zvezda Nº 18, agora apareceu no Nasha Zarya. Tomado como um todo, essa parte final confirmou totalmente nossa avaliação, e podemos simplesmente repetir que o artigo de Axelrod é útil como um meio de destruir toda auto-enganação, de revelar a real natureza do liquidacionismo, de apreciar a pura inanidade do alardeado “não-faccionalismo” de que hoje tanto, e tão inutilmente, se fala em certos setores.
Axelrod bate em Trotsky, que agora está em aliança (será ela estável?) com os liquidacionistas, de maneira particularmente eloquente e convincente. “A união ideológica e organizacional dos elementos progressistas em uma facção independente,” escreve Axelrod, que se diverte chamando os liquidacionistas de progressistas do Partido e chamando-nos de reacionários do Partido, “é—em vista da atual conjuntura—sua obrigação direta e tarefa urgente.” “Nessa situação do Partido, falar de ‘não faccionalismo’ como único remédio significa comportar-se como o avestruz, que enterra a cabeça na areia ao se aproximar o perigo; significa enganar-se a si mesmo e a outros quanto à atual conjuntura entre os social-democratas.” (Nasha Zarya Nº 6, p. 15.)
Pobre Trotsky! É totalmente cruel e indelicado da parte de Axelrod investir contra um verdadeiro amigo dos liquidacionistas e um contribuidor do Nasha Zarya desse modo. O que podemos esperar agora? Irá trotsky lançar um artigo devastador contra o faccionalista Axelrod, ou irá Martov reconciliar o conciliador Trotsky com o facionalista Axelrod colando, como sempre, o que está se despedaçando com uma dúzia de remendos à gesso?
Realmente, como alguém pode falar sério agora do alardeado bloco[1] de Trotsky, e os quase-marxistas letistas e judeus, etc., com Axelrod?
O artigo de Axelrod contém um ponto que merece uma análise séria, nomeadamente, aquele sobre a “Europeização” do nosso movimento social-democrata. Mas antes de chegarmos a esse ponto, é necessário dizer algumas palavras sobre um dos métodos dos liquidacionistas.
Uma página do artigo de Axelrod (16) é uma coleção dos termos de abuso mais fortes, cruéis e seletos contra os anti-liquidacionistas em geral e a este escritor em particular. Não seria necessário responder a esses abusos de maneira alguma (uma pessoa na posição de Axelrod não pode fazer nada além de ultrajar e xingar) apenas para [se ter] evidências documentais que indiquem que alguns usam deliberadamente desse abuso, enquanto outros se sentem constrangidos por ele.
O Sr. Chernov por exemplo, respondendo no [jornal] Zavety[3] ao que Kamenev diz para provar que ele, líder dos Narodniks “de esquerda”, está indo da democracia para o liberalismo, seleciona um monte das expressões mais abusivas dos liquidacionistas e anti-liquidacionistas, se divertindo com isso. O método do Sr. Chernov é tão desprezível que basta apontá-lo e seguir em frente.
Nenhuma luta por princípios travada por grupos dentro do movimento social-democrata em qualquer lugar do mundo conseguiu evitar uma série de conflitos pessoais e organizacionais. Tipos desagradáveis fazem questão de escolher deliberadamente expressões de “conflito”. Mas apenas diletantes nervosos dentro dos “simpatizantes” podem ficar envergonhados com esses conflitos, podem dar de ombros em desespero ou desprezo, como se dissessem “tudo é uma disputa!”. Aqueles que se interessam seriamente pelo movimento da classe trabalhadora sempre aprendem—É possível e necessário aprender, nem que seja estudando o papel histórico dos grandes dirigentes do movimento operário—a distinguir entre o aspecto do “conflito” na luta de idéias, da luta de tendências, e aquele aspecto do qual se tem uma questão de princípios. As pessoas sempre serão pessoas, e nenhum confronto histórico entre as tendências marxistas e anarquistas (Marx e Bakunin), entre os Guesdistas e os Jaurèsistas, entre as tendências Lassalianas e as Eisenachianas, etc., jamais conseguiu ficar sem material de “conflito”, sem “disputas”.
Ainda existe um tipo desagradável de escritores que deliberadamente selecionam “destes antigos dias” montes de acusações e mil e uma desonestidades, etc. Mas há social-democratas sérios que desnudam as raízes ideológicas de suas diferenças, as quais nos rachas de grupos particulares, nas circunstâncias do exílio político, etc., inevitavelmente tomam a forma do conflito na natureza de disputas desesperadas.
Que o leitor não imagine que queremos assustar alguém para que não estude os dados aos quais Axelrod alude – apenas alude – nas passagens mais abusivas de seu artigo. Muito pelo contrário. Convidamos aos que querem saber tudo sobre o movimento social-democrata a estudar esses dados. Estão disponíveis de forma completa no estrangeiro, e incluem não apenas acusações passionais, mas também documentos e evidência de pessoas neutras. Um estudo desses documentos e dessa evidência irá dar uma resposta à pergunta de por que a tentativa de estabelecer uma completa paz entre os liquidacionistas e os anti-liquidacionistas, de Janeiro de 1910, acabou em um fracasso.
Uma das passagens mais interessantes e de fundamental importância no artigo de Axelrod é a seguinte:
“Organizar-se e unir-se como facção é obrigação direta e tarefa urgente dos defensores de uma reforma, ou melhor, [ouça isso!] da revolução, no Partido, já que essa é a única maneira de que poderão cumprir sua tarefa—Europeizar, isto é, mudar radicalmente o caráter do movimento social-democrata russo, tal como tomou forma no período pré-revolucionário e se desenvolveu ainda mais no período revolucionário, e organizá-lo nos mesmos princípios os quais o sistema de partido social-democrata europeu é baseado.”
E assim, os liquidacionistas advocam uma revolução no Partido. Esta declaração excepcionalmente verdadeira de Axelrod é digna de nota, pois a verdade amarga é mais útil do que o engano que “nos eleva”,[4] e mais valiosa do que sofismas e reservas diplomáticas. Tente levar adiante uma revolução no Partido, estimado P. B. Axelrod! Veremos se você e seus amigos terão mais sucesso que aqueles “revolucionários” que à pouco tempo atrás tentaram realizar uma “revolução” (contra a república) em Portugal.[5]
Mas a questão principal na afirmação supracitada é a alardeada “Europeização”, que está sendo falada em todos os tons possíveis por Dan e Martov e Trotsky e Levitsky e todos os liquidacionistas. Ela é um dos principais pontos de seu oportunismo.
“Europeizar, isto é, mudar radicalmente o caráter do movimento social-democrata russo….” Pense sobre essas palavras. O que determina o “caráter” de qualquer movimento social-democrata e de mudanças radicais neles? As condições econômicas e políticas gerais do país em questão, sem dúvida. E não há dúvida que o caráter do movimento social-democratas de um povo pode ser radicalmente mudado apenas se essas condições passarem por mudanças radicais.
Todas essas são verdades muito elementares e indisputáveis. Mas são essas verdades que expõem o erro oportunista de Axelrod! O problema com ele é que ele quer contornar uma luta obstinada e implacável por uma mudança radical nas condições políticas russas, o que ainda não aconteceu, ao sonhar com mudanças radicais no “caráter do movimento social-democrata russo”.
Assim como os Kadets, que prontamente falam de Europeização (os liquidacionistas pegaram emprestado tanto as palavras de ordem quanto as ideias dos Kadets) por meio deste termo vago empurram para o pano de fundo um conceito exato dos fundamentos sólidos da liberdade política e “jogam” na “oposição constitucional”, também os liquidacionistas jogam com a “social-democracia europeia”, embora—no país onde se divertem com seu jogo—ainda não há constituição, como ainda não há base para o “Europeísmo”, e uma luta obstinada ainda está para ser travada por elas.
Um selvagem pelado que veste uma cartola e se imagina a partir de agora ser um europeu pareceria um tanto ridículo. Milyukov, um apoiador da burguesia, parece um destes selvagens quando afirma na Terceira Duma que “temos uma constituição, graças a Deus”, assim como Axelrod, apoiador dos operários, quando veste uma cartola na qual se lê “Eu sou um social-democrata europeu”. Ambos—tanto Milyukov quanto Axelrod—são ridículos em sua ingenuidade. Ambos são oportunistas, pois, ao proferirem frases sonhadoras sobre o “europeísmo”, fogem à difícil e urgente questão de como uma determinada classe, em condições não europeias, deveria atuar em uma luta obstinada para garantir uma base para o Europeísmo.
Axelrod provou com seu artigo que o resultado é a evasão de uma questão vital e urgente por meio de frases sonhadoras. Trotsky preparou um plano perfeitamente Europeu —sim, verdadeiramente e perfeitamente Europeu—de organizar um “comitê de imprensa” como um “órgão de controle coletivo eleito” dos operários para os jornais da classe operária (p. 18 do artigo de Axelrod). Trotsky provavelmente até consultou os “social-democratas Europeus” sobre isso e recebeu sua bênção de presente—uma bênção a qual ele dá grande importância.
E agora o “social-democrata Europeu” Axelrod, depois de esperar cerca de dois meses, durante os quais Trotsky atormentou todos os social-democratas de São Petersburgo com suas cartas sobre “órgãos de controle coletivo eleitos”, fazendo todos rirem, pelo menos se apiedou de Trotsky e lhe explicou que um “comitê de imprensa” não é bom e é impossível, e que o que é necessário é na verdade um “acordo” entre os operários e o [jornal] liquidacionista Zhivoye Dyelo (pp. 18 e 19 do artigo de Axelrod)!!
Esse é um pequeno exemplo, e devemos infelizmente confinar-nos a ele. Mas é um exemplo muito típico. O resultado risível produzido pelo plano “Europeu” de Trotsky de um “comitê de imprensa” também está sendo produzido pelos “planos Europeus de todos os liquidacionistas por um “partido operário aberto” ou “sociedades políticas operárias legais”, por uma “campanha” por “liberdade de associação”, etc.
O único resultado dos planos “Europeus” de Trotsky de um “comitê de imprensa”, um “órgão de controle coletivo eleito” para os jornais da classe operária “de todas as organizações da classe operária que tomaram forma”, etc., é que o jogo legalista de uma “editora operária” ensinou aos operários uma lição especial, de que os liquidacionistas de fato falharam em produzir tanto um “comitê de imprensa” ou uma imprensa operária! Estes são fatos.
O “comitê de imprensa” foi um sonho do intelectual oportunista que, ignorando as difíceis condições não-europeias do movimento da classe operária na Rússia, traçou um esplêndido plano Europeu e aproveitou a ocasião para se gabar de seu “Europeísmo” para todo o mundo.
Esta amarga sorte dos liquidacionistas não é acidental, é inevitável. Assim que seus planos “Europeus” cheguem perto de serem realizados, eles se revelam bolhas de sabão, invenções dos intelectuais oportunistas. Esse foi o caso do congresso trabalhista, do “comitê de imprensa”, da sociedade política operária legal (as pequenas e confusas ressalvas com que Martov busca “resgatar” esse “plano” no [jornal] Nasha Zarya nº 5 não melhoram as coisas em nada) e a campanha pela liberdade de associação.
Os liquidacionistas descrevem como “Europeanismo” as condições nas quais os social-democratas estiveram ativos nos principais países da europa desde 1871, isto é, precisamente no momento em que todo o período histórico das revoluções burguesas havia acabado e quando as bases da liberdade política haviam tomado forma sólida há muito tempo. A “mudança no caráter” do movimento social-democrata nesses países ocorreu, primeiramente, após uma mudança radical nas condições políticas—depois que um sistema constitucional definido havia tomar forma sólida, comparativamente falando; em segundo lugar, essa mudança foi apenas temporária, por um período de tempo definido (que ultimamente se aproxima do fim, como é geralmente reconhecido pelos mais cautelosos social-democratas da Europa).
Nessas condições de um constitucionalismo burguês completamente estabelecido, uma campanha por, digamos, liberdade de associação ou sufrágio universal, e por reformas constitucionais em geral, poderia ser, sob certas circunstâncias, uma campanha da classe operária, uma campanha política real, uma luta real por reformas constitucionais.
Em nosso país, porém, intelectuais oportunistas transplantam os lemas de tais campanhas “Européias” para um solo sem os fundamentos mais elementares do constitucionalismo europeu, na tentativa de contornar a evolução histórica específica que geralmente precede o estabelecimento desses fundamentos.
A diferença entre o reformismo de nosso Axelrod e seus amigos, que posam de “social-democratas Europeus”, e o reformismo de Bissolati, aquele europeu genuíno, é que Bissolati sacrifica os princípios da luta de classes e da teoria e prática marxistas consistentes em prol de reformas que são realmente efetuadas (com certas restrições) pela burguesia liberal realmente dominante. Axelrod, porém, faz o mesmo sacrifício que Bissolati em prol de reformas sobre as quais os liberais impotentes, levianos e sonhadores apenas tagarelam
A burguesia liberal aqui na Rússia se tornará uma força real apenas quando o desenvolvimento do país superar a timidez dos liberais e seus lemas conciliatórios e hesitantes. Foi assim que aconteceu em todos os lugares. Os liberais se tornam uma potência apenas quando a democracia vence apesar dos liberais.
Notas
[1] O artigo de Axelrod é datado de 17 de Maio de 1912, ou cinco meses após a formação solene do bloco Trotskista e liquidacionista para enfrentar os anti-liquidacionistas sob a bandeira do “não-faccionalismo”! —Lenin
[2] Isso se refere à resolução do Conselho do Sindicato dos Padeiros de São Petersburgo a favor da publicação de um diário operário anti-liquidacionista. O Conselho saudou a próxima publicação do Pravda e pediu aos membros que arrecadassem dinheiro para o futuro jornal. Reportagem sobre a resolução foi publicada no Zvezda nº 27, de 8 (21) de Abril de 1912.
[3] Zavety (Preceitos)—um [jornal] mensal de tendência Socialista-Revolucionária, publicado legalmente em São Petersburgo de 1912 a 1914.
[4] A alusão é aos seguintes versos do poema “O Herói” de Alexander Pushkin:
Eu valorizo o engano que nos eleva
Acima de uma miríade de truísmo baixo.
[5] Isso faz referência à rebelião que os monarquistas portugueses lançaram no verão de 1912 para restaurar a monarquia. A rebelião foi derrubada.