Por Phelippe Petit, via Marianne, traduzido por Daniel Alves Teixeira.
Não é todo dia que um filósofo pega a pluma, ou antes, a palavra, para se colocar como um defensor incondicional dos ensinamentos dos matemáticos. A distância que hoje se cavou entre as disciplinas – notadamente entre as disciplinas literárias e as disciplinas científicas – é tal que é frequente em nossos dias de considerá-la como uma norma. As matemáticas são frequentemente utilizadas na escola como método de seleção. Os matemáticos criativos tem no mundo uma relação aristocrática com sua disciplina. E afora os esforços que fazem alguns vulgarizadores de talento – Cédric Villani, por exemplo -, para valorizar seu trabalho, as matemáticas continuam um continente a parte do pensamento, uma ciência obscura que permanece confinada nos muros das escolas ou universidades, ou aos círculos reservados aos iniciados. Essa situação é um escândalo segundo Alain Badiou, que publicou com Gilles Haéri um pequeno livro, modestamente intitulado: “Elogio das matemáticas”.
Ele deveria inspirar aqueles e aquelas que trabalham atualmente para refundar os programas escolares. Pois isso não é segredo para ninguém, antes de ser filósofo, apreciado ou contestado, Alain Badiou, que é um excelente conferencista, é antes de tudo um pedagogo, transmissor consciente, particularmente atento ao devir da juventude e ao estado de sua saúde intelectual. Sua rejeição da banalização da filosofia – quando essa se transforma em retórica ou é confinadas à um nicho, cedendo à filosofia de gênero: filosofia dos sites de encontro, das séries de TV, do esporte e do que se passa – é equivalente à sua atração pela pedagogia. A tal ponto, que ele finaliza seu elogio por essa proposição que deveria fazer meditar os funcionários públicos da rua Grenelle: “A filosofia continua uma disciplina ameaçada nas últimas classes finais, e as matemáticas uma aborrecida operadora da seleção social. Eh bem, eu proponho o último ano do maternal para as duas: os meninos de cinco anos saberão seguramente fazer bom uso da metafísica do infinito como da teoria dos conjuntos!” Que audácia! E quanto ele nos parece justificado nesse início.
Agora que nós procuramos formar melhor os professores, é urgente se voltar à formação dos formadores. É importante erguer as pontes entre as disciplinas e procurar interessar os alunos por todos os meios. Inicia-los nos jogos da demonstração, ao prazer da prova. Pois o desprezo das matemáticas, ou antes a negação de sua função, tem no mínimo consequências nefastas sobre o conjunto da formação dos alunos. Na França, acentua Badiou, as matemáticas “não fazem parte da cultura ordinária”, então elas deveriam fazer parte integrante da cultura geral, no mesmo título que as belas-artes ou o cinema. Elas deveriam sair do estatuto de simples especialidade e juntar-se às preocupações da vida real, não se separar das possibilidades reflexivas oferecidas pela filosofia. A função das matemáticas, tão fundamentais na formação de todo pensamento, é inseparável segundo Badiou da pesquisa existencial que anima o desejo filosófico.
Isso quer dizer que as matemáticas favorecem uma forma de orientação para a felicidade? Badiou pensa assim. Mas não no sentido de uma satisfação obtida, de um simples contentamento; no sentido de uma segunda visão que lhe seria concedida. Pois “se você compreendeu e alcançou alguma coisa, é que você viu alguma coisa que não havia jamais visto” escreve ele. E depois, como fazer abstração daquilo que constitui nossa época. Se certas noções não tem mais conteúdo real para nós – a noção de substância, por exemplo – outras como o infinito, mudaram completamente de perfil. Se você ignora certos teoremas recentes, “sobres essas novas figuras da infinidade matemática, não vale a pena pronunciar a palavra infinito – ao menos no contexto do pensamento racional”, precisa o filósofo. Isso parece evidente.
Nós encontraremos nesse elogio muitos outros pontos concernentes à natureza própria das matemáticas. Do que elas falam? A que elas se referem? Depende de que elas sejam de orientação formalista ou realista a relação de proximidade e distanciamento que elas mantêm com o real?
Nós encontraremos páginas de acento metafísico onde a felicidade matemática é relacionada ao difícil gozo do universal. Considerações sobre o fato de que a matemática escapa à singularidade das línguas. Os avisos históricos e as evocações de matemáticos célebres. Mesmo as confidências. Mas encontramos ali sobretudo uma vibrante defesa pela transmissão dos saberes, a necessidade de “criar o sentimento de que é interessante”, que ela vale a pena, que todo mundo pode estar interessado pela ideia de resolver os problemas, e que a curiosidade das crianças é a coisa do mundo mais bem partilhada.
Com a condição de não matá-la ou bloqueá-la pelas vãs tagarelices.