Pesquisa social contemporânea e sensibilidades comunistas

Por Alex Martins Moraes[1]

“O comunismo não é para nós um estado de coisas [Zustand] que deve ser instaurado, um Ideal para o qual a realidade deverá se direcionar. Chamamos de comunismo o movimento real que supera o estado de coisas atual. As condições desse movimento devem ser julgadas segundo a própria realidade efetiva. Resultam dos pressupostos atualmente existentes.”

 Karl Marx e Friedrich Engels


A volta do fantasma

A palavra comunismo está sendo retomada e atualizada em tempos recentes no campo do pensamento filosófico e social. Esta tendência pode soar paradoxal se levarmos em conta sua simultaneidade com o ascenso e o fortalecimento de correntes políticas conservadoras em diversas partes do mundo. Caberia perguntar, então, se não estaríamos diante de mais um indício do desligamento e da incomunicabilidade entre o âmbito universitário e as dinâmicas coletivas mais abrangentes que determinam o semblante de nossa época. Aderir à promessa contida numa palavra que já não figura nos slogans de praticamente nenhum movimento social significativo e que, como se não bastasse, dá nome à força política dirigente da segunda maior potência capitalista do planeta, não seria apenas mais uma proeza do solipsismo intelectual? Afinal, de que estamos falando quando evocamos o comunismo nos dias de hoje? O que este termo aspira a nomear quando ninguém mais se nomeia através dele? Que territórios do pensamento e da ação humana o comunismo pretende iluminar, e a que tipo de propósito ou inquietação sua reabilitação responde? Estas são as questões discutidas na presente intervenção. Procurarei respondê-las tendo em mente uma preocupação propriamente científico-social com a pesquisa empírica e, mais precisamente, com o trabalho de campo de tipo qualitativo. Este último pressupõe o encontro frente a frente com nossos contemporâneos e a formulação, a partir deste encontro, de uma leitura minuciosa e detalhada do devir dos processos coletivos.

Proponho-me a desenvolver uma reflexão metodológica no marco da qual o comunismo será abordado como o nome precário de uma atividade humana que tem seus lugares, seus momentos e sua eventual expressão subjetiva, sendo suscetível, portanto, de acompanhamento investigativo. Contudo, para chegar até este ponto do argumento, precisarei, antes, examinar sumariamente algumas das variações mais visíveis do pensamento contemporâneo em torno da palavra comunismo. Dedicarei a primeira parte do texto a esta tarefa. Em seguida, percorrerei um conjunto de exemplos de como tais variações ressoam, hoje, no terreno dos métodos e das práticas de pesquisa social. Finalmente, tecerei algumas reflexões sobre o que poderíamos conceber como uma renovada ‘sensibilidade comunista’, que se expressa não apenas nas formas mais abstratas da teoria, mas também em tentativas recentes de afirmar a pesquisa empírica como prolongamento – ou enunciador possível – daquele movimento transformador real que anula e supera o status quo.

  1. Comunismo é o nome de quê?

Hoje, mais do que nunca, a hipótese comunista é uma hipótese filosófica. Isto significa que ela persiste e ressoa, torna-se audível e sistematicamente argumentável graças ao trabalho intelectual de homens e mulheres que viveram intensamente a agitação política comunista da segunda metade do século XX e que, atualmente, veem no compromisso de outrora o índice de uma aposta que merece ser esclarecida e atualizada. O comunismo existe, então, enquanto horizonte do pensamento, mas nem por isso podemos ignorar, como aponta Judith Balso, que, em algum momento, ele foi, também, o propósito regulador de uma política. Isto ocorreu, precisamente, na sequência que começa “em 1847 (com a aparição do Manifesto do Partido Comunista) e se consuma entre 1966 e 1968 (entre a Comuna de Xangai na China e a singularidade de Maio e 68 na França)” (Balso, 2010, p. 34). Balso argumenta que a hipótese política do comunismo extraviou-se na medida em que não cumpriu a missão de abolir a dominação capitalista de forma libertadora e positiva, redundando em processos de concentração do poder político e de enfraquecimento da autonomia popular. Contudo, segundo ela, o fracasso do comunismo não deveria nos levar a aceitar a inelutabilidade das formas de dominação e exploração hoje existentes. Longe disso, o desafio consiste em buscar “caminhos renovados para a vontade política de um ‘para todos’” (Idem).

Vale lembrar que, na condição de hipótese política, o comunismo estava ancorado em duas ideias norteadoras: 1) o proletariado seria o agente da transformação social revolucionária e 2) tal transformação exigiria a eliminação da propriedade privada – e do direito burguês – mediante uso do poder de Estado, agora em mãos da nova classe dirigente, organizada em partido. Esta segunda ideia responde a um desdobramento teórico do comunismo que é posterior à Marx e tem sua origem no pensamento de Lênin. Para o líder máximo da Revolução de Outubro, não havia garantias de que o proletariado exerceria sua capacidade revolucionária, salvo se um partido conseguisse canalizá-la adequadamente, definindo suas condições de possibilidade numa dada conjuntura. Tanto na Rússia quanto na China, o partido proletário assumiu o controle das funções administrativas do Estado e procedeu à eliminação da propriedade privada dos meios de produção. No entanto, estas medidas terminaram redundando num impasse, posto que a dominação e a exploração continuaram existindo, em alguns casos segundo padrões análogos aos da sociedade capitalista (assalariamento, remuneração por tempo de trabalho, etc.). Não podemos ignorar, obviamente, que a construção de regimes socialistas se deu no contexto de um sistema mundial hegemonizado por estados capitalistas. Lênin foi consciente de que tanto a manutenção da forma Estado, como a necessidade de organizar o modo de produção socialista numa relação de competição econômica com nações capitalistas rivais seriam uma barreira infranqueável para o desenvolvimento do comunismo na União Soviética[1].

A materialização da perda do vínculo de expressividade entre a classe operária e o Partido-Estado socialista tornou-se dramaticamente visível durante a Revolução Cultural chinesa, ainda que também tenha saltado à vista em outras situações revolucionárias – como o 68 mexicano e francês. Nestas sequências políticas, a hipótese comunista começara a ser enunciada em relação de tensão – ou mesmo de oposição – às políticas do partido que se apresentava como reitor da transição rumo ao comunismo. Desde então, alguns autores afirmam que o comunismo se desgarrou da política. Para Judith Balso, por exemplo, a política “está sozinha”, porque precisou se organizar sem partido e à distância do Estado. De 1990 em diante, a política emancipatória teria, definitivamente, deixado de ser “comunista” porque tal adjetivo permanecera fortemente associado aos partidos e aos estados que sucumbiram em meio aos escombros do Muro de Berlim. O antropólogo Sylvain Lazarus compartilha uma opinião semelhante à de Balso. Para ele, o comunismo como categoria política pereceu, “não possui consistência desde o esmagamento da Comuna de Xangai” (Lazarus, 2009, p.5). “Comunista – prossegue Lazarus – é um atributo de aparelho, Estado-partido ou Partido”. Sendo assim, “se quisermos sustentar uma posição que assuma o presente [e] o contemporâneo”, é necessário afirmar “o perecimento radical da categoria de comunismo, tanto como prescrição política, quanto como suporte da dialética, do materialismo e da contradição antagônica” (Idem, p. 6).

Para Lazarus, assim como para Balso e outros que compartilham seu mesmo campo de interlocução (cf., por exemplo, Bertho, 2003), o comunismo não é, nem precisa ser o nome de uma política contemporânea com vocação emancipatória. A política, atualmente, deveria sair, uma vez mais, em busca de suas próprias categorias e de seus próprios nomes, da mesma forma que a política do comunismo fizera outrora, em seus melhores momentos. É lícito dizer que para estes autores, a (possibilidade de uma) política assume, mesmo carente de adjetivos, o aspecto de uma promessa de emancipação igualitária, que apregoa o exercício da capacidade enunciativa e intelectiva de cada pessoa onde quer que esteja[2]. Entendida nestes termos, uma política existe sempre e quando aparecem prescrições destinadas à intervenção positiva nos ordenamentos sociais estabelecidos: “Se, nesta conjuntura, se constituírem figuras políticas positivas, elas hão de surgir de novas capacidades políticas organizadas”, afirma Balso. Mais adiante, a autora oferece algumas especificações:

“A política está sozinha, mas tem lugares múltiplos, variáveis: lares, bairros, fábricas, escolas… Não apenas porque estes são os lugares da vida das pessoas, mas também porque, a partir destes lugares, devemos enunciar, situação por situação – com outros nomes e normas diferentes dos do Estado –, o que pode ser feito levando em conta o que cada um é, onde quer que esteja (Balso, 2010, p.43 e 45).”

Alain Badiou, por outro lado, sustenta que vale a pena preservar a palavra comunismo para pensar a política e as possibilidades de futuro à disposição do gênero humano. Acompanham-no nesta aposta outros filósofos destacados, como Slavoj Žižek e Antonio Negri. O comunismo de Badiou é fundamentalmente uma Ideia, ou melhor, a sustentação, no plano do pensamento, da possibilidade de outro caminho além do consenso capitalista instalado a nível planetário. Esta Ideia permitiria a organização das resistências contemporâneas em torno de uma decisão política real de futuro incerto, mas verdadeiramente contraditória em relação ao estado atual do mundo. “Como vocês sabem”, comenta Badiou para uma audiência de estudantes universitários nos Estados Unidos, “minha visão consiste em propor a palavra corrupta ‘comunismo’ (…) O nome é só o nome, de forma que estamos autorizados a propor nomes diferentes” (Badiou, 2016, s.p.). No entanto, para Badiou, o campo semântico da palavra “comunismo” possui quatro vantagens nada desprezíveis que deveriam ser bem aproveitadas. Procedo a enumerá-las: 1) “comunismo” nos traz à consciência a certeza do caráter não perene e não necessário da propriedade privada como pivô da organização social; 2) questiona a divisão entre trabalho intelectual e manual e propõe sua progressiva dissolução; 3) afirma a igualdade por sobre a diferença; 4) coloca em xeque a necessidade do Estado como lugar exclusivo de construção das sínteses políticas que valem para todos. Em suma: coletivismo, polimorfismo do trabalho, universalismo concreto e livre associação.

Trata-se de quatro princípios originais a partir dos quais poderíamos avaliar os programas políticos existentes e empreender novos esforços de composição coletiva. A manutenção desses princípios é pensada, nos termos de Badiou, como um procedimento de verdade fiel às consequências de alguns acontecimentos pretéritos – a Revolução Haitiana, a Comuna de Paris, a Revolução de Outubro, a Revolução Cultural. Trata-se de um procedimento que nos prepara subjetivamente para os acontecimentos que virão: “uma Ideia é sempre a afirmação de que uma nova verdade é historicamente possível” (Badiou, 2009, p. 29). Porque algo aconteceu, devemos sustentá-lo subjetivamente e, por esta mesma razão, podemos esperar o advento de novos acontecimentos. Reter a Ideia de comunismo é dar-se a si mesmo a possibilidade de enunciar uma singularidade na “linguagem impura” do atual Estado de coisas (o uso ambíguo da palavra estado é proposital): “é necessário que o símbolo ofereça, imaginariamente, seu apoio à evasão criadora do real” (Badiou, 2010, p. 29). A vida cotidiana não gera, por si mesma, alternativas ao status quo, mesmo quando está saturada de contradição e antagonismo. São necessárias, na perspectiva badiouana, ideias e palavras que sinalizem o devir da conflitividade e da resistência por fora dos quadros institucionais disponíveis. Só assim, voluntariamente – mas em posterioridade a algum acontecimento –, é possível instalar no mundo outro espaço subjetivo, isto é, outro curso de ação que revele, na política, a verdade do que até então não existia politicamente. Arrisco-me a dizer que Lazarus, Balso e inclusive Žižek estariam basicamente de acordo sobre estas questões, ainda de divirjam no tocante à qualidade dos poderes suscetíveis de mobilização à hora de realizar positivamente a política emancipadora[3]. De fato, Žižek oferece uma definição do ato político que, ao passo que ajuda a esclarecer a postura de Badiou, também evidencia os matizes mais intensamente lacanianos de sua própria concepção dos processos de subjetivação revolucionários: “(…) um acontecimento é o objet petit a, enquanto que a nominação é novo significante que estabelece o que Rimbaud denominou ‘nova ordem’, a nova legibilidade da situação baseada numa decisão” (Žižek, 2011 [1999], p. 152). Grifo meu.

No concernente à realização do comunismo, Antonio Negri adota uma postura diferente das que vim sumarizando até aqui. Para Negri, o comunismo já estaria em curso enquanto movimento real e afirmativo que, em cada uma das suas expressões contemporâneas – greves, revoltas, tumultos, êxodo, pirataria, etc. –, personifica a virtualidade do novo poder da multidão: “a multidão é uma totalidade de desejos e trajetórias de resistência, luta e poder constituinte (…) [e] [o] comunismo é possível porque já existe nesta transição, não como um fim, mas como uma condição” (Negri, 2010, p. 164). Grifos meus. Esta afirmação é importante porque ilumina a particular interpretação que faz Negri da ideia marxiana do comunismo como “movimento real”. De acordo com o filósofo italiano, o comunismo é a “condição” existente de uma transição em direção a novas formas de proliferação das potencialidades produtivas imanentes à cooperação social. Em Negri, o comunismo não se apresenta como dinâmica negativa que, enraizada nas premissas existentes, força a superação, em sentido dialético, do estado de coisas vigente. Ao contrário, o comunismo negriano é primordialmente afirmativo, não se realiza, essencialmente, na negação do que está dado, mas sim na constituição proliferante de suas próprias instituições.

Para ser breve, poderia dizer que a tensão entre Negri e os demais autores evocados anteriormente radica no ponto onde eles identificam a possibilidade do comunismo. Para Balso, Lazarus, Badiou e Žižek a interrupção do estado atual das coisas assenta, grosso modo, em uma operação subjetiva relativamente voluntária e organizada, que prescreve no mundo certa reconfiguração real cuja forma de/na existência é o antagonismo e a separação. Negri, por sua vez, identifica na multidão um poder unívoco, de natureza comunista, que precisa ser afirmado dentro e contra o poder constituído do Estado e do capital. O primeiro grupo de autores não vê nas tendências expansivas do desenvolvimento capitalista nenhum devir emancipatório necessário. Sem dúvidas, para eles, os vetores transformacionais são imanentes ao mundo, mas sob condição de negarem a ordem existente e responderem a princípios diferenciadores radicais. Nas contundentes palavras de Lazarus, “a hipótese do prescritivo designa o caráter próprio e singular da política (…) É o prescritivo que produz a singularidade”. Para que haja uma política diferente, deve haver, também, um pensamento singular que “opera separações nas quais tem lugar uma prescrição” (Lazarus, 1996, p.33). A prescrição, “em seu aspecto subjetivado, designa que o que virá é da ordem do possível, e não uma determinação completa ou uma contingência absoluta” (Idem, p. 6). A política, neste tipo de perspectiva, em vez de afirmar e exceder tendências existentes, interrompe-as, separa-se delas e inaugura, assim, uma nova sequência prática e subjetiva no coração de certa conjuntura pretensamente unívoca.

No enfoque de Negri, por outro lado, a singularidade do processo emancipatório é uma virtualidade intrínseca à ontologia da própria multidão. Para ele, a “teleologia materialista” reconhece que “os dispositivos construtivos de ordem e de diferença produzem, agora, aquilo que apenas uma força ideal de inovação e uma potência prática de liberdade são capazes de produzir: um alfabeto interno de novas formas de vida, de novos desejos e de novas potências de luta” (Negri, 2016, p. 196). Benjamin Noys pondera – a meu ver, acertadamente – que a teoria de Negri, pelo menos em suas expressões mais recentes, minimiza a negatividade e “nos leva a um impasse, tanto em termos de lugares como de agências de intervenção” (Noys, 2010, p. 118). Esta intuição é relevante para um trabalho que se propõe a pensar os desdobramentos da hipótese comunista no terreno da pesquisa social, razão pela qual será necessário destrinchá-la com um pouco mais de atenção.

De acordo com Negri, a ordem capitalista já não consegue suturar a relação entre capital constante e capital variável, principalmente quando se trata da mobilização do trabalho imaterial em geral e do trabalho cognitivo em particular. Estas formas de cooperação social constituem, “perante a exploração, um simples acúmulo de resíduo valorizador (do capital constante)”, sem deixarem de representar, apesar disso, uma “alternativa de expressão e de desenvolvimento” que conferiria à multidão um potencial específico, não homólogo à configuração do poder capitalista (Negri, 2010, p. 96). Sendo assim, a negação do capital não definiria o momento constitutivo do movimento do comunismo, mas sim seu fim esperado, sua culminação na “democracia absoluta” spinoziana. O devir do comunismo seria concomitante à reprodução do capital, razão pela qual tudo que o proletariado pós-fordista faz está sob o signo de uma “ontologia positiva” que precisa ser posta em prática através da luta e da “imaginação constituinte”. O corpo “endividado, midiatizado, securitizado, representado” também “se indigna, se rebela, se organiza e luta” (Negri, 2010, p. 145), perfazendo, nesta deriva entre as duas formas de sua “existência antitética”, o caminho de uma transformação “virtualmente revolucionária” no campo de imanência circunscrito pela subsunção total. O clamor ontológico do trabalhador social é, por conseguinte, coextensivo às modulações capitalistas, de forma que, como sinaliza Noys, não possuímos qualquer critério para distinguir entre estas últimas e o poder coletivo da multidão (Noys, 2010, p. 122). Salvo, poderíamos acrescentar, se recorrêssemos a um “telos materialista” segundo o qual “a atividade humana tende (…) à construção de um mundo no qual se possa viver livremente e construir a felicidade” (Negri, 2010, p. 163). Grifo meu.

A objeção de Noys se insere num complexo debate sobre o papel da negatividade na definição da agência humana emancipatória. Tal debate excede largamente os propósitos desta reflexão. Ao evocá-lo, gostaria apenas de indicar que um dos grandes desafios colocados à pesquisa empírica, consiste em enunciar teloi mais concretos e corporizados. Prescindindo de garantias filosóficas a priori, a pesquisa social prefere indagar pelos processos de subjetivação que mediam, em lugares e momentos específicos, a entrada – ou a possibilidade de irrupção – do novo no mundo.

  1. Rastrear as promessas e inconsistências do mundo social

A partir deste tópico, revisarei algumas propostas metodológicas e estilos de abordagem que repercutem, no terreno da pesquisa social, certas inquietações e hipóteses que o debate sobre “comunismo” colocou ao pensamento filosófico das últimas décadas. Começo minha revisão recuperando os trabalhos Pieter de Vries. Seus estudos sociológicos poderiam ser lidos como uma tentativa de indagar pelas inconsistências, tensões e prefigurações utópicas subjacentes à sedimentação e ao ordenamento das coletividades humanas. Na exposição que segue, pretendo enfatizar sumariamente as orientações teóricas fundamentais do enfoque analítico de Pieter de Vries, razão pela qual só recorrerei na medida do necessário a uma apresentação mais detalhada de seu trabalho de campo. A mesma estratégia será aplicada na revisão de todos os autores recuperados nos tópicos subsequentes.

Em seus estudos sobre comunidade e desenvolvimento nos Andes peruanos, de Vries se propõe a evidenciar o potencial utópico contido na adesão das coletividades humanas à promessa modernizadora do desenvolvimento. Para de Vries, as ações desenvolvimentistas – ou seja, a extensão das promessas de progresso, prosperidade e igualdade às populações do Terceiro Mundo – engendram modos de vida que Frantz Fanon denominaria “traumáticos”. Não se trata apenas da imposição de um regime discursivo ancorado na expansão de certo poderio econômico, mas também de uma afetação existencial verdadeiramente cruel, direta e divisória. Parafraseando Fanon, o autor argumenta que “o homem de cor somente poderá se libertar da violência quando enfrentar o trauma, ou seja, quando gerar uma contra-violência” (de Vries, 2010, p. 5). Afetado por uma dupla consciência, o sujeito colonizado – e, de forma análoga, o sujeito do desenvolvimento – deseja a ocidentalização ao mesmo tempo em que também percebe o quanto tal aspiração é ilegítima, pois sua alteridade em relação ao Ocidente tende a permanecer imutável apesar de tudo o que faça. A particularidade deste sujeito traumatizado consiste, então, em que, nele, ganha corpo uma alteridade que já não existe enquanto forma de vida alternativa e completa, mas sim como indício persistente de certa violência inicial que delata a arbitrariedade da ordem vigente.

“Não seria válido – indaga de Vries – afirmar que os sujeitos pós-coloniais carregam uma dívida histórica contraída com seus antepassados que, por sua vez, clamam por justiça?” (de Vries, 2010, p.7). Este tom, que deixa transparecer matizes zizekianos, badiouanos e benjaminianos, ressurge em vários dos seus intentos de apresentar uma imagem conflitiva do tempo presente, carregada de tensões potencialmente subversivas. Assim, por exemplo, de Vries sugere que, para seus interlocutores na comunidade andina de Usibamba, o “desenvolvimento” significa “uma promessa que nunca chegou” (de Vries, 2010, p.11): os usibambinos continuam, de alguma maneira, aferrados à proposta de reforma agrária radical esgrimida pelo governo de seu país nos anos setenta. Tal obstinação os tornou refratários aos discursos mais recentes sobre desenvolvimento alternativo ou participativo. Para eles, o desenvolvimento deve ser concebido, num sentido literal, como a construção dos meios e a obtenção dos recursos necessários ao incremento da produção agrícola. Desenvolvimento é, ao fim e ao cabo, sinônimo de “obritas” (obrinhas): construção de estradas, sistemas de irrigação, disponibilização de tecnologias e insumos agrícolas que, mesmo tendo sido alguma vez prometidos, nunca se tornaram acessíveis na escala adequada. A “promessa do desenvolvimento” fundamenta a necessidade da “comunidade”. A origem da comunidade reside, portanto, na cumplicidade fundacional dos camponeses pobres com o exército peruano para garantir uma reestruturação agrária radical, capaz de democratizar o acesso à terra e assegurar a melhoria generalizada das condições de vida no meio rural.

No entanto, a comunidade “virtual”, baseada na promessa utópica do desenvolvimento, está em tensão permanente com a comunidade “atual”, onde a escassez se sobrepõe à abundância, as regras igualitárias são transgredidas em favor de comuneros[4] mais poderosos e as lideranças políticas locais são acusadas de manejo inadequado dos recursos econômicos disponíveis. Na comunidade “atual”, o “virtual” coexiste com os interesses pessoais e familiares de cada comunero, convertendo a vida cotidiana numa experiência eivada de fraturas e contradições. Não há funcionalidade entre os dois registros de comunidade coexistentes – o “virtual” e o “atual”. Pelo contrário, estamos diante de um impasse autêntico que, por sua vez, oferece um vislumbre do “real” da comunidade, isto é, de sua “impossibilidade constitutiva”: “a comunidade só pode se reproduzir radicalizando-se ou reinventando-se”. Este movimento de radicalização e reinvenção depende exatamente daquele sujeito que, mesmo interior à comunidade, não possui nela nenhuma existência política (cf. de Vries, 2007). Tal sujeito potencial estaria personificado na figura dos não “comuneros”: integrantes da comunidade que, privados do acesso à terra por diversas razões, precisam conciliar variados tipos de trabalho – agrícolas e não agrícolas – para conseguir subsistir e sustentar suas famílias. Os não “comuneros” devem seguir as regras da comunidade, mas não participam de suas instâncias deliberativas. Para de Vries (2015), a eventual irrupção política dos não “comuneros” revelaria a inconsistência da comunidade e, ao mesmo tempo, atualizaria suas premissas utópicas, dando um novo e radical impulso àquela promessa de inclusão e desenvolvimento que é simultaneamente representada e traída pelas instituições comunitárias “atuais”.

Mais recentemente, Pieter de Vries (2016) utilizou um modelo semelhante ao aplicado nos Andes peruanos para pensar a (des)articulação dos movimentos comunitários de Recife (Brasil) com as políticas governamentais de melhoramento urbano promovidas pela administração municipal do Partido dos Trabalhadores. Tais políticas, argumenta o autor, deveriam ser lidas não como a extensão de um aparelho de governo destinado a controlar as populações, mas sim como uma tentativa de sintetizar o desejo de pertencimento das pessoas com a vontade de poder das agências governamentais. “Esta síntese, no entanto, é impossível, dada a natureza inconsistente da situação urbana” (de Vries, 2016, p. 792). A cidade de Recife “está enraizada em inconsistências que se expressam no que os planejadores e formuladores de políticas públicas denominam a cidade informal, composta por uma multiplicidade de assentamentos informais também chamados de favelas” (Idem, p. 802).

A favela é uma dimensão do espaço urbano que participa residualmente da situação de governabilidade proporcionada pelos mecanismos institucionais de distribuição dos recursos públicos municipais. No Recife, o setor governável da favela é conhecido como “comunidade” e está circunscrito por uma rede de serviços e sistemas de participação popular que devem garantir o usufruto do espaço e dos recursos urbanos por parte da população local. No território da comunidade podem existir, entretanto, “multiplicidades” favelizadas que (ainda) não contam para os esquemas classificatórios do Estado e que permanecem à espera de seleção, colonização e inclusão mediante certos procedimentos de natureza burocrática. Além desses dois domínios – o da comunidade e o da favela –, também existem “sujeitos” cuja incorporação à situação de governo é descartada a priori pelo Estado. Trata-se da “parte dos que não têm parte”: aquelas pessoas declaradas “inelegíveis” de antemão pelo léxico oficial e, por conseguinte, inassimiláveis ao diagrama de governo. Este é o caso das populações “marginais”, que se deslocam constantemente de favela em favela e têm dificuldades para comprovar residência estável ou conservar documentos de identificação.

A variação do gradiente de consistência revelado pelas estratégias de administração do território urbano indicaria a impossibilidade definitiva de “suturar a brecha entre inclusão e pertencimento” (de Vries, 2016, p. 804). Para de Vries, o governo de populações supõe sempre um múltiplo inexistente (“inelegível”) que, mesmo arrolado nas contagens do poder, nunca aparece efetivamente. Nos termos de Badiou, estaríamos falando de um múltiplo cujo grau de aparição é mínimo. Entretanto, mesmo ali onde não deveria haver nada, algo eventualmente pode ocorrer: um ser pode decidir existir por si mesmo, o que equivale a dizer que é capaz de auto-nomizar-se (cf. Badiou, 2008 [2006], p. 403). Em Recife, isto teria ocorrido nos anos oitenta, quando os habitantes da cidade inconsistente empreenderam seu percurso de pertencimento ao mundo urbano através de multitudinárias ocupações de terrenos devolutos. Se bem tais mobilizações – sustentadas por um complexo agenciamento que incluiu diversos movimentos sociais – foram sendo paulatinamente recuperadas por diferentes estratégias de governamentalização, a verdade da qual elas deram evidência continua vigente. A verdade da cidade, explica de Vries, “é que sua história é a história dos pobres” (de Vries, 2016, p.806). A irrupção dos pobres na política terá, sempre, o poder de desestabilizar e esvaziar todas as representações vigentes a respeito do que eles merecem ou estão autorizados a fazer e desejar.

  1. Pensar as modulações da política emancipatória no registro do possível

Operando num marco teórico-político semelhante ao de Pieter de Vries, Michael Neocosmos se propõe a mapear modos alternativos de pensamento e produção de possíveis mais além das formas de participação política referendadas pela figura do “cidadão”. Neocosmos dialoga com Sylvain Lazarus – que foi mencionado no segundo tópico e será revisado mais adiante – para delinear um pensamento da política distanciado do Estado. Este pensamento parte do axioma lazariano segundo o qual a política é plural e diz respeito, fundamentalmente, a diferentes prescrições que inserem o possível no elemento do dado. Para Neocosmos, a política não se restringe à “sociedade civil”, o que implica dizer que ela nem sempre está em relação com os mecanismos estatais hegemônicos de diagnóstico e contenção das carências populares. “Numa perspectiva emancipatória – define Neocosmos – a cidadania não diz respeito a sujeitos que pedem direitos ao Estado, mas sim a pessoas pensantes que se tornam agentes através de seu engajamento com a política na condição de militantes/ativistas, e não [como] políticos” (Neocosmos, 2007, p.11). Esta não é uma definição apriorística. Longe disso, baseia-se no estudo comparativo dos “modos históricos da política” no continente africano, desde as lutas de libertação nacional de meados do século XX até tempos mais recentes, quando, segundo o autor, tornaram-se visíveis novas modulações da política emancipatória.

As expressões hegemônicas das lutas de libertação nacional (NLS, na sigla em inglês) organizaram o clamor anti-colonial num registro nacionalista que desembocaria, rapidamente, na conformação de estados nacionais modernizadores. A nova burocracia destes estados pós-coloniais se arrogaria a tarefa de lidar com a “questão social” (pobreza, desigualdade, etc.) seguindo a cartilha do desenvolvimento. Na África do Sul, o Congresso Nacional Africano (partido político que liderou a luta contra o apartheid) teria seguido basicamente o modelo das NLS, operando, desde muito cedo, como um proto-Estado no exílio que, logo, se encarregaria de administrar a política nacional. Contudo, nos últimos anos do apartheid, mais especificamente entre 1984 e 1986, a irrupção dos moradores das townships no enfrentamento do regime imposto pelo Partido Nacional teria constituído o lampejo de um novo modo da política.

Concretamente, as lutas anti-apartheid de meados dos anos oitenta propiciaram a aparição de uma forma política inédita, irredutível ao mero espelhamento do Estado colonial: “aquela resistência, bem como a cultura que dela emanou, obteve sua inspiração diretamente da luta das pessoas (…) pelo controle político do seu entorno sócio-econômico (…)” (Neocosmos, 2007, p. 32). As condições políticas dessa resistência – ausência de partido, organização baseada no território, cidadania ativa, prestação de contas por parte das lideranças, etc. – são descritas com detalhe pelo autor em diferentes lugares (cf. Neocosmos, 1998; 2007). Para os fins deste artigo, interessa-me, apenas, reter algumas preocupações basilares que guiam sua atividade investigativa.

Neocosmos está interessado em avaliar a possibilidade de uma “democracia popular” levando em conta as características do “modo da política” colocado em marcha entre 1984 e 1986, quando “o pensamento da atividade e da prática política não estava modelado segundo uma tentativa de entrar no domínio subjetivo das políticas do Estado” (Neocosmos, 2007, p. 43). A importância de reter o acontecido na sequência 1984-1986 reside, para Neocosmos, no fato de que a emancipação não decorre apenas do desenvolvimento do capitalismo, mas também da fidelidade a certos eventos nos quais os problemas do mundo e as formas de resolvê-los são radicalmente recolocados, na esteira de (razões) políticas singulares.

Abordar a política como um pensamento específico evita seu rebaixamento à lógica das táticas e estratégias e impede, portanto, que sua validade seja julgada exclusivamente nos termos dos resultados que seus protagonistas conseguiram alcançar no tocante à sensibilização do aparelho administrativo estatal. Quando uma política existe, a questão já não reside, apenas, em avaliar seus resultados ou em tentar explicá-la de acordo com a extração social dos seus protagonistas, mas também em buscar formas para se engajar com seu pensamento. Desta possibilidade de engajamento depende a existência de uma ciência social que não seja “moribunda”, isto é, que transcenda a prática meramente descritiva em direção ao acompanhamento político e intelectual daquilo que pode ser; daquilo que aponta à reorganização do real (cf. Neocosmos, 2009). Tais inclinações políticas e teóricas devem muito ao pensamento de Sylvain Lazarus, principalmente no que diz respeito à diferenciação operada por este último entre um protocolo de pesquisa orientado pelo registro do “existente” e outro orientado pelo registro do “possível”. Na continuação, quero me deter, exclusivamente, sobre este aspecto da sua vasta reflexão epistemológica.

Lazarus propõe que a intelectualidade das pessoas não é derivação ou reflexo de “algo” já estabelecido por outra intelectualidade (científica, burocrática, sociológica, estatística, etc.), mas ramificação de um real que irrompe no pensamento e se transforma sob seu influxo. A função do pensamento não consiste em fixar ou representar objetos, mas sim em empreender um movimento instituinte, que coloca o mundo, tal como ele é, face a face com sua própria e inapelável abertura. Daí que Lazarus goste de dizer que “o pensamento é relação do real não objetal”. Partindo dessa premissa, Lazarus propõe que comecemos a pesquisa social diretamente no campo aberto pela subjetivação de uma conjuntura, e que permaneçamos ali até o final. Este campo se chama “situação”. Um possível é, então, situação da conjuntura. A conjuntura, no sentido inverso, seria algo assim como o estado da situação. Pode-se escolher entre pensar a partir do estado da situação ou a partir da situação da conjuntura. O primeiro caminho leva à ciência social descritiva, ao pensamento do que é, do que está e, poderíamos acrescentar, do que já foi. O segundo caminho nos leva a acompanhar o conhecimento prescritivo das pessoas e, portanto, o “possível” nele contido. Um dos caminhos, esclarece Lazarus,

“propõe apreender o agora tendo em vista o existente (l’étant) e o outro sustenta que, no seu espaço de intelectualidade próprio, o que dá acesso ao “agora existente” (il y a maintenant) se elucida abordando o agora como conjunção de possíveis. O possível é, então, o que caracteriza a situação, o que assenta sua intelectualidade. O conhecimento de uma situação, para as pessoas, se apreende pela identificação dos seus possíveis. O possível não é da ordem do porvir, ele é da ordem do que existe (de ce qu’il y a)” (Lazarus, 2001, p. 395).”

A detecção de possíveis, ou seja, de prescrições que caracterizam a abertura de uma situação, não garante nenhuma utilidade à pesquisa social. Só “uma política” poderia oferecer tal garantia. Explico: a crítica imanente das “conjunturas” através do acompanhamento empírico das “situações” (subjetivações) consiste, simplesmente, em identificar e enunciar um possível, nada mais. A respeito, Lazarus comenta que “empreender uma boa análise da situação certamente já é complexo, mas a organização da política é o que decidimos fazer” com as prescrições que encontramos no mundo (Lazarus, 2009, p. 216). “As prescrições são os lugares de atribuição do que é necessário fazer se quisermos praticar uma política em interioridade” (Idem), isto é, uma política que não esteja baseada numa intelectualidade secundária, mas sim no movimento – ou relação – do real aberto pela singularidade do pensamento das pessoas. Desenvolvendo esta postura, Alain Bertho, amigo de Lazarus, afirma que a política é a “subjetividade de um antagonismo, potencialmente portadora de novas normas de organização” (Bertho, 2006, p.4). Pesquisá-la exige, portanto, estar disposto a construir “terrenos”, mas nunca “objetos”. A forma de pesquisa mais adequada para tal tarefa é “uma pesquisa-ação ou pesquisa participante, dado que sem partilhar a ação sobre a situação, o enunciado da subjetividade dessa situação permanecerá inacessível para nós” (Idem, p.9). Relatarei, em seguida, como intuições semelhantes a estas foram postas em prática pelo Colectivo Situaciones, sob a alcunha da “militancia de investigación”.

  1. Militancia de investigación

Ao longo da primeira década dos anos 2000, o Colectivo Situaciones[5] praticou uma “militancia de investigación”[6] que guarda relações com a postura preconizada por Bertho e Lazarus no concernente à pesquisa social. Para o Colectivo Situaciones, pensar é uma “atividade de risco”: “não consiste em produzir representações para os objetos, mas em assumir a dimensão teórica presente em cada situação. Não se trata, tampouco, de produzir uma conjetura final sobre um processo ainda em movimento, mas de intervir em discussões atuais no calor dos fatos” (Colectivo Situaciones, 2002, p.10). Fortemente inspirada pela perspectiva de Antonio Negri, a aposta metodológica do Coletivo Situaciones não deixa, contudo, de guardar afinidades com Alain Badiou, para quem o ato de pensar não remete à busca de uma representação fidedigna para os corpos, mas sim ao querer participar da organização presente de uma nova vida subjetiva, cujo corpo está em processo de constituição[7]. As “situações” são o lugar privilegiado para esse tipo de exercício, dado que nelas se conforma a realidade de novas potências políticas. É nas situações que as palavras, literalmente, ganham corpo, posto que são chamadas a participar da enunciação de antagonismos concretos e mal-estares compartilhados.

Nas acepções mais convencionais da pesquisa social, as pessoas são encaradas como seres que representam uns aos outros, e ao mundo ao seu redor, recorrendo a repertórios mais ou menos vastos de categorias e diacríticos. Nestas circunstâncias, o cientista social estaria incumbido de mapear as representações existentes – todas elas válidas – para, ato seguido, ponderar sobre sua (in)comensurabilidade e determinar que estilos de vida, ou experiências coletivas, elas refletem e determinam. Deste modo, torna-se possível saber, por exemplo, como os “setores populares” se relacionam com “a justiça”, “a burocracia”, “a polícia”, “os partidos políticos” e vice-versa. Cada “representação” possui seus respectivos lugares e condicionamentos históricos, geográficos, econômicos, culturais, geracionais, etc: trata-se, certamente, de uma forma de percepção circunscrita e limitada que o cientista social saberá mesurar adequadamente para conseguir estabelecer sua verdadeira abrangência e pertinência. A análise cuidadosa dessas representações variáveis e coexistentes nos ajuda a compreender porque as coisas são como são, tornando o mundo social um pouco mais plausível e, quem sabe, melhor administrável se algum político sensível estiver interessado em ler nossos trabalhos.

O Colectivo Situaciones prefere abordar as coisas de outro ângulo. Para elxs, a tarefa de conceitualização é uma tarefa compartilhada. Não existe divisão do trabalho entre, por um lado, informantes que representam o mundo e, por outro lado, pesquisadores que definem o pensamento das pessoas como se fossem representações disto ou daquilo. O pensamento pertence a todos, assim como a capacidade de conceitualizar. Neste registro, os espaços de pesquisa são zonas “para a criação de uma realidade que não marcha rumo a um conceito, mas que requer uma produção conceitual para se fortalecer e se tornar visível” (Colectivo Situaciones, 2009, p. 164). As palavras das pessoas não são circunscritas, aqui, à esfera da representação, mas, ao contrário, são tomadas como parte de um esforço intelectivo capaz de inaugurar dinâmicas de experimentação com as formas e a ordem do mundo. Analisando as proposições do Colectivo Situaciones, Bruno Bosteels avalia que, para elxs, “saber” e “pensar” são momentos diferentes: “enquanto o saber relaciona os acontecimentos com a existência prévia de um objeto, classe ou ideia como garantia externa e fonte de autoridade, o pensar opera de maneira imanente sobre a base de potencialidades que estão, já, trabalhando a partir da própria situação” (Bosteels, 2016, p. 297).

Naturalmente, a tendência de colocar o “saber” em detrimento do “pensar” não demorou muito para ser criticada nos corredores da academia. Numa entrevista com Arturo Escobar, o antropólogo argentino Alejandro Grimson sugeriu que o livro Hipótesis 891[8], publicado pelo Colectivo Situaciones em colaboração com o Movimiento de Trabajadores Desempleados de Solano, no calor da crise de 2001, refletia “mais o que eles [Situaciones] queriam do que o que queriam os moradores e trabalhadores desempregados [da cidade] de Solano” (Grimson, 2011[2008]). Perante esta acusação, o coletivo sentiu necessidade de esclarecer as condições de sua práxis intelectual. Depois de explicar que os critérios de validação das suas pesquisas não são os mesmos que se aplicam ao conhecimento acadêmico, Situaciones especificou os dois procedimentos que estão amalgamados na ideia de “militancia de investigación”: “nos propusemos a recuperar o pensamento das situações (pesquisa) da esterilização engendrada pela falta de envolvimento político (academia); e, ao mesmo tempo, [procuramos] recriar o compromisso existencial (militante) em torno de processos de reflexão sempre imanentes” (Colectivo Situaciones, 2011 [2009], p. 300).

Às vezes, reconhece o Colectivo, o praticante da “militancia de investigación” corre o risco de assentar seus próprios desejos e ilusões naquelas “porções da realidade” que pareceriam confirmá-los. Quando as “pensabilidades” perdem suas “porções da realidade” é lícito, sem dúvidas, que cada organização política – e não necessariamente a academia – avalie o que aconteceu, tendo em vista suas próprias esperanças e horizontes programáticos. No entanto, se depois de terminada a crise de 2001, a hipótese que afirmava a possibilidade de uma mudança social impulsionada por um “contra-poder transversal” perdeu seus lugares de enunciação mais visíveis, isso não quer dizer que seja necessário declinar dela. Pelo menos não se “continuamos pensando revolução, mesmo depois de sua derrota” e, por isso mesmo, “vemos seus efeitos em todos os lugares”: “trata-se de efeitos proliferantes que, algumas vezes, reconhecemos de modo direto e, outras vezes, vislumbramos de maneira invertida, como nos sonhos” (Idem, p. 303).

Considerações finais: pesquisa social e ‘sensibilidade comunista’

Na filosofia o comunismo existe, hoje, em dois registros: como o nome de uma Ideia ou, alternativamente, como a definição da natureza de um movimento inerente à ontologia da multidão. Na primeira acepção, comunismo faz referência aos acontecimentos políticos que, desde o século XX – ou, inclusive, desde muito antes – expuseram aos olhos de todos a não necessidade das formas de poder e ordenamento definitórias do estado atual do mundo – propriedade privada, Estado, divisão do trabalho, absolutismo das diferenças. Já na segunda acepção, a palavra comunismo define a tendência da multidão pós-fordista de assumir o controle da cooperação social parasitada pelo capitalismo. Quanto aos autores que descartam a palavra comunismo, eles parecem, ainda assim, referendar aquela possibilidade de disrupção política e auto-determinação radical que os movimentos comunistas atualizaram, à seu modo, durante boa parte do século XX. No terreno da pesquisa social, todas estas noções se refratam em diferentes tentativas de diagnóstico empírico dos pontos de ruptura, inconsistência e esgotamento inerentes aos regimes vigentes de poder e exploração. Sem deixar de reconhecer as particularidades dos enfoques revisados ao longo texto, finalizarei minha intervenção argumentado que poderíamos pensá-los como expressões de certa “sensibilidade comunista”. Isto porque, apesar de ostentarem diferenças mais ou menos marcadas entre si, cada um deles procura problematizar as relações de poder a partir de seus pontos de fissura, desvanecimento e abertura. O resultado dessa opção teórico-política e metodológica é a composição de uma imagem tensa do mundo; imagem na qual a narrativa da ordem cede lugar à afirmação da sua impossibilidade intrínseca, e as pessoas deixam de ser “representadoras” da realidade para se tornarem protagonistas e porta-vozes dos novos possíveis imanentes a ela.

N’A Ideologia Alemã, podemos adivinhar os rudimentos deste tipo de procedimento crítico quando Marx e Engels argumentam que a “a massa dos homens, quer dizer, o proletariado” não vive de “representações”: “se essa massa alguma vez teve alguma representação teórica, como, por exemplo, a religião, tais representações já se encontram há muito tempo dissolvidas pelas circunstâncias” (Marx; Engels, 2007, p.45).  Não é que a religião tenha sido dissolvida por uma experiência prática que demonstrou serem absurdos seus predicados, mas sim que, do ponto de vista de quem vive as circunstâncias, não há representação, salvo sob a forma de sua contínua dissolução. As “representações” são exauridas pelos processos coletivos que elas tendiam a exaurir, razão pela qual, se adotarmos a perspectiva das “circunstâncias” – e de quem as vive –, já não podemos falar de representações, mas sim da “consciência” de “indivíduos práticos, atuantes” que vivem o mundo e estão submetidos aos poderes e relações que o configuram (Idem, p.94). Tais relações consistem, então, em verdadeiras experimentações da consciência que fazem multiplicar formas diversas, e eventualmente antagônicas, de engajamento no mundo. León Rozitchner resume bem esta perspectiva quando observa, num comentário ao argumento d’A Ideologia Alemã, que “uma relação na consciência é uma conexão concreta, (…) mas para o indivíduo isolado, para o indivíduo que só a pensa, uma relação, diz Marx, é uma ideia” (Rozitchner, 2015, p. 125). A postura marxiana é a oposta: uma ideia é uma relação.

Quando, por exemplo, Pieter de Vries encara o “desenvolvimento” como uma promessa que adquire prolongamentos utópicos, ele está justamente sinalizando esse movimento pelo qual certo regime de representação se dissolve numa relação que “reencontra na realidade a sugestão de uma nova ordem, que está inscrita nela como um possível que deve ser criado pelo trabalho” (Idem, p. 122). Lembremos que o trabalho não é outra coisa senão a ação teleológica do homem no mundo; ação que, instruída sem dúvidas pelas ideias, perscruta os meandros do real em busca de concretização e, deste modo, termina engendrando a novidade e a transformação. Para Michael Neocosmos e Sylvain Lazarus, o desafio que se coloca é, precisamente, pensar a política em tal registro, o que implica acompanhá-la não como representação, mas sim “em interioridade”, enquanto agenciamento efetivo do real que prescreve novos possíveis no seio da vida em comum. O Colectivo Situaciones, por sua vez, empreende com veemência uma política dos encontros e da fabulação compartilhada, que procura converter a “militancia de investigación” em atividade de pensamento propícia para a composição de afinidades disruptivas.

Se existe uma renovada sensibilidade comunista no terreno da pesquisa social, ela poderia ser descrita como a retomada investigativa da hipótese de que a mudança radical é uma possibilidade latente nas configurações atuais do poder. Tal hipótese é suscetível de ser testada sempre e quando, parafraseando Michel de Certeau, algo se desacomoda no cotidiano e surge uma brecha “que separa o representado das suas representações, os membros de uma sociedade e as modalidades concretas de sua associação” (de Certeau, 1996, p. 36). Nesse lugar, onde eventualmente as pessoas “tomam a palavra” mais além da capacidade expressiva dos aparelhos de poder, é possível exercer a crítica radical e imanente das estruturas, indicando aquilo que irremediavelmente lhes falta, a saber: “a adesão e a participação dos submetidos” (Idem). Empreender uma crítica dessa natureza diz respeito, como já colocou Sylvain Lazarus, ao domínio da liberdade e da decisão própria. O certo, no entanto, é que desse tipo de escolha resulta não só a qualidade do nosso compromisso intelectual, mas também os usos concretos que a tarefa de pesquisa poderá assumir no mundo.


[1] Antropólogo. Integrante do Grupo de Estudos em Antropologia Crítica (GEAC). Agradeço os comentários enviados por Pieter de Vries durante o processo de elaboração da presente intervenção.

[2] Devo estas ponderações a Pieter de Vries.

[3]Jacques Rancière (2010) e Étienne Balibar (2010) se inclinam por proposições semelhantes.

[4]Enquanto Lazarus, Balso e Badiou especulam sobre a possibilidade de uma subtração ao poder de Estado, Žižek defende a necessidade de usá-lo num sentido transformador.

[5] Comunero é o membro efetivo de uma comunidade camponesa no Peru. Para receber o estatuto de comunero, um indivíduo precisa contemplar diversos requisitos, estabelecidos tanto pela Lei Geral de Comunidades Camponesas como pelos estatutos específicos de cada comunidade.

[6]O Colectivo Situaciones praticou a “militancia de investigación” em vários lugares (cf., por exemplo, Colectivo Situaciones; MTD-Solano, 2002 e Colectivo Situaciones, 2008) e refletiu sobre ela em algumas oportunidades (Colectivo Situaciones, 2004). Além disso, elxs dialogaram e escreveram em colaboração com vários grupos dedicados a invenção teórica, ao ativismo e a pesquisa social (¿Quién Habla?, Universidad Trashumante, Precarias a la Deriva, Mujeres Creando, Iconoclasistas, etc.). Sua rede de interlocutores abrange intelectuais e militantes de vários países, entre elxs Antonio Negri, Paolo Virno, Franco Berardi, Suely Rolnik, Raquel Guitiérrez Aguilar e Silvia Rivera Cusicanqui.  Atualmente, novos espaços de pesquisa e escrita coletiva, como Juguetes Perdidos, parecem, de certa maneira e com seu próprio estilo, atualizar apostas semelhantes às do Colectivo Situaciones.

[7] O termo poderia ser traduzido como “militância de pesquisa”, que é um pouco diferente de “pesquisa militante”. A militância de pesquisa antepõe a tarefa militante à prática da investigação, condicionando esta última ao imperativo de construção do compromisso e do engajamento político: através da pesquisa podemos compor um engajamento militante. Na “pesquisa militante”, por outro lado, a pesquisa pode servir aos propósitos de uma militância, sem ser, necessariamente a condição para que a própria militância se estabeleça.

[8]Ver Badiou, 2008, p. 561.

[9] Ver Colectivo Situaciones, 2002.


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