O que fazer com a mobília?

Por Otávio Augusto de Oliveira Moraes

A casa já vinha com mobília: eram poderosas formas preenchidas por madeira de lei, flora nativa transmutada a machadadas em uma concretude de classe média alta.


O imóvel tinha uma localização media, não era lá uma zona sul, mas muito menos uma zona norte. Era o meio do caminho para tudo, gabava-se o proprietário.

É a casa que faz o homem, mesmo que suspensa nesse porém que é a ausência de propriedade. Nada que o imediato do aluguel não oculte eficientemente.

A cozinha é americana, os panos também e com algum esforço as crianças podem ganhar a mesma feição. Existe uma beleza aberrante em estar sempre a meio caminho de Orlando.

O que estava em negociação não era meramente um refúgio frente à barbárie cotidiana, produto tão típico desse Brasil vulgar que as revistas paulistas tão bem denunciam. É a própria promessa da raça, uma espécie de atualização do sonho bandeirante, ocupar os sertões, civilizar os gentílicos, e por fim ganhar um lugar a mesa da boa sociedade. O problema é que nesses loucos anos dez há demasiada gente que reivindica um lugar nessa mesa, suspeito que irremediavelmente comece a faltar talheres.

O resultado direto dessa massificação, que só tem seu charme lá ao norte do equador, é que as estirpes se tornam matéria um tanto quanto puídas. Tudo se resume em um simulacro de propriedade sob o encarecido formato da posse.

O proprietário antevendo o titubear médio de seus interlocutores aciona a isca ilusória do labor, prosa eficiente entre rufiões. Afirma entender a indisponibilidade pecuniária para que o negocio seja de pronto fechado, o que não é negativo de todo. A mesa já está demasiadamente cheia, o vagar de algumas cadeiras faria mais bem do que mal.

 É nesse momento que o contrato encarna na pele dos aspirantes a inquilino. A posição de lusos do novo mundo mostra-se em uma delicadeza de porcelana. Quando o espelho mostra um bale brutal de cinco séculos no qual a cada passo errado perde-se tudo qualquer movimento ganha uma solenidade única. É preciso assinar o contrato, não importa se para isso for necessário desfazer-se dos papéis perfumados e talvez até de certo sotaque. É bom lembrar que sempre resta o antiquado recurso do espírito, pretensa abstração que sob o signo sofisticado dos diplomas e do bilinguismo promete uma consciência proprietária em um mundo de aluguel.


*Otávio Augusto de Oliveira Moraes é mestrando em Literatura Portuguesa pela PUC Minas, bolsista do CNPQ. E-mail: [email protected]

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