O parlamentarismo e os sovietes

Por Grigori Zinoviev, via marxists.org, traduzido por Catarina Duleba

Carta Circular aos Partidos Afiliados da Internacional Comunista sobre o Parlamentarismo e os Sovietes, enviada pelo camarada presidente do CEIC (Comitê Executivo da Internacional Comunista), Grigori Zinoviev.


Caros camaradas!

A presente fase do movimento revolucionário colocou, juntamente com outras questões, bem nitidamente a questão do parlamentarismo sobre a ordem da discussão do dia. Na França, na América, na Inglaterra e na Alemanha, simultaneamente ao agravamento da luta de classes, todos os elementos revolucionários aderem ao movimento comunista, unindo-se entre si ou coordenando suas ações sob o lema do poder soviético. Os grupos anarco-sindicalistas e os grupos que agora se denominam simplesmente anarquistas estão, portanto, também se unindo à corrente geral. O Comitê Executivo da Internacional Comunista congratula-se com isso da maneira mais cordial.

Na França, o grupo sindicalista do Camarada Pericat forma o coração do Partido Comunista; na América, e também em certa medida na Inglaterra, a luta pelos soviéticos é liderada por organizações como a TIM (Trabalhadores Industriais do Mundo). Esses grupos e tendências sempre se opuseram ativamente aos métodos parlamentares de luta.

Por outro lado, os elementos do Partido Comunista que são derivados dos Partidos Socialistas estão, em sua maior parte, inclinados a reconhecer a ação no parlamento também (o grupo Loriot na França, os membros da PSA [SPA] na América, do Partido Trabalhista Independente na Inglaterra, etc.). Todas essas tendências, que devem ser unidas o mais rápido possível no Partido Comunista, a todo custo exigem táticas uniformes. Consequentemente, a questão deve ser decidida em larga escala e como uma medida geral, e o Comitê Executivo da Internacional Comunista se dirige a todos os partidos afiliados com a presente carta circular, que é especialmente dedicada a essa questão.

O programa unificador universal é, no momento atual, o reconhecimento da luta pela ditadura do proletariado na forma do poder soviético. A história colocou de tal modo a questão de que é justo nesta questão que a linha é traçada entre o proletariado revolucionário e os oportunistas, entre os comunistas e os traidores sociais de todas as marcas. O chamado Centro (Kautsky na Alemanha, Longuet na França, o PTI [Partido Trabalhista Independente] e alguns elementos do PSB [BSP] na Inglaterra, Hillquit na América) é, apesar de seus protestos, uma tendência objetivamente anti-socialista, porque não pode, e não deseja liderar a luta pelo poder Soviético do proletariado.

Pelo contrário, aqueles grupos e partidos que anteriormente rejeitavam qualquer tipo de lutas políticas (por exemplo, alguns grupos anarquistas), ao reconhecer o poder Soviético, a ditadura do proletariado, realmente abandonaram seu velho ponto de vista quanto à ação política, porque eles reconheceram a ideia da tomada do poder pela classe trabalhadora, o poder necessário para a supressão da burguesia oposta. Assim, repetimos, um programa comum para a luta pela ditadura Soviética foi arranjado.

As antigas divisões do movimento operário internacional sobreviveram claramente ao seu tempo. A guerra causou um reagrupamento. Muitos dos anarquistas ou sindicalistas, que rejeitaram o parlamentarismo, se comportaram da mesma maneira desprezível e traiçoeira durante os 5 anos de guerra, assim como os antigos líderes da socialdemocracia, que sempre têm o nome de Marx em seus lábios. A unificação das forças está sendo efetuada de uma maneira nova: algumas são para a revolução proletária, para os Sovietes, para a ditadura, para a ação de massas, até para revoltas armadas – os outros são contra esse plano. Esta é a questão principal de hoje. Este é o principal critério. As novas combinações serão formadas de acordo com esses rótulos, e já estão sendo formadas.

Em que relação o reconhecimento da ideia Soviética se aplica ao parlamentarismo? Neste ponto, há que traçar uma linha divisória entre duas questões que, logicamente, nada têm a ver: a questão do parlamentarismo como forma desejada de organização do Estado e a questão da exploração do parlamentarismo para o desenvolvimento da revolução. Os camaradas costumam confundir essas duas questões, algo que tem um efeito extraordinariamente prejudicial sobre toda a luta prática. Queremos discutir cada uma dessas questões em sua ordem e tirar todas as deduções necessárias.

Qual é a forma da ditadura do proletariado? Nós respondemos: Os Sovietes. Isso foi demonstrado por uma experiência que tem um significado mundial. O poder Soviético pode ser combinado com o parlamentarismo? Não, e mais uma vez, não. É absolutamente incompatível com os parlamentos existentes, porque a máquina parlamentar incorpora o poder concentrado da burguesia. Os deputados, as câmaras de deputados, seus jornais, o sistema de suborno, a conexão secreta dos parlamentares com os líderes dos bancos, a conexão com todo o aparato do Estado burguês – tudo isso são grilhões para a classe trabalhadora. Eles devem estar explodidos.

A máquina governamental da burguesia, consequentemente também os parlamentos burgueses, devem ser quebrados, desfeitos, destruídos e, sobre suas ruínas, deve ser organizado um novo poder, o poder da união da classe trabalhadora, os “parlamentos” dos trabalhadores, isto é, os Sovietes.

Somente os traidores dos trabalhadores podem enganar os trabalhadores com a esperança de uma revolução social “pacífica”, nos moldes das reformas parlamentares. Tais pessoas são os piores inimigos da classe trabalhadora, e uma luta muito impiedosa deve ser travada contra eles; nenhum compromisso com eles é permissível. Portanto, nosso slogan para qualquer país burguês que você escolher é: “Abaixo o Parlamento! Viva o poder Soviético!

Não obstante, uma pessoa pode colocar a questão desta maneira: “Muito bem, você nega o poder dos atuais parlamentos burgueses; então, por que vocês não organizam parlamentos novos e mais democráticos com base em um sufrágio universal real?” Durante a Revolução Socialista, a luta torna-se tão aguda que a classe trabalhadora deve agir rápida e resolutamente, sem permitir que seus inimigos de classe entrem em seu campo de ação, em sua organização de poder. Tais qualidades só são encontradas nos Sovietes de operários, soldados, marinheiros e camponeses, eleitos nas fábricas e lojas, no campo e nos quartéis. Portanto, a questão da forma do poder proletário é exatamente assim. Agora o governo deve ser derrubado. Reis, presidentes, parlamentos, câmaras de deputados, assembleias nacionais – todas essas instituições são nossos inimigos jurados que devem ser destruídos.

Agora assumimos a segunda questão básica: os parlamentos burgueses podem ser plenamente utilizados com o propósito de desenvolver a luta de classes revolucionária? Logicamente, como acabamos de observar, esta questão não está de forma alguma relacionada à primeira questão. Na verdade, uma pessoa certamente pode estar tentando destruir qualquer tipo de organização juntando-se a ela e utilizando-a. Isto também é perfeitamente entendido pelos nossos inimigos de classe quando exploram os partidos socialdemocratas oficiais, os sindicatos e similares para os seus propósitos.

Tomemos o exemplo extremo: os comunistas russos, os bolcheviques, votaram nas eleições para a Assembleia Constituinte. Eles se encontraram em seu salão. Mas eles foram até lá para acabar com essa assembleia em 24 horas e tomar plenamente o poder Soviético. O partido dos bolcheviques também tinha seus representantes na Duma Imperial do Czar. O partido naquela época “reconheceu” a Duma como uma forma de governo ideal, ou pelo menos, suportável? Seria loucura supor isso. Seus representantes foram enviados para que prosseguissem contra o aparato do poder Czarista também daquele lado e contribuíssem para a destruição daquela mesma Duma. Não foi à toa que o governo Czarista condenou os “parlamentares” bolchevistas à prisão por “alta traição”. Os líderes bolcheviques também estavam realizando um trabalho ilegal, embora temporariamente usassem sua “inviolabilidade” para unir as massas para o impulso contra o Czarismo.

Mas a Rússia não foi o único lugar onde esse tipo de atividade “parlamentar” foi realizada. Veja a Alemanha e as atividades de Liebknecht. O camarada assassinado era o tipo perfeito de revolucionário; existia algo então não-revolucionário no fato de que ele, da tribuna do amaldiçoado Landtag Prussiano, convocara os soldados a se levantarem contra a Landtag? Pelo contrário. Aqui também vemos a completa admissibilidade e utilidade de sua exploração da situação. Se Liebknecht não fosse deputado, nunca teria conseguido realizar tal ato; seus discursos não teriam esse eco. O exemplo dos comunistas suecos no parlamento também nos convence disso. Na Suécia, o camarada Hoglund desempenhou e desempenha o mesmo papel que o Liebknecht na Alemanha. Fazendo uso de sua posição como deputado, ele ajuda a destruir o sistema parlamentar burguês; nenhum outro na Suécia fez tanto pela causa da revolução como pela luta contra a guerra como nosso amigo.

Na Bulgária, vemos a mesma coisa. Os comunistas búlgaros exploraram com sucesso a tribuna do parlamento para fins revolucionários. Nas últimas eleições, eles conquistaram cadeiras para 47 deputados. Os camaradas Blagoev, Kirkov, Kolarov e outros líderes do Partido Comunista da Bulgária compreendem como explorar a tribuna parlamentar a serviço da revolução proletária. Tal “trabalho parlamentar” exige peculiar ousadia e um especial espírito revolucionário; os homens lá ocupam posições especialmente perigosas; eles estão colocando minas sob o inimigo enquanto estão no campo do inimigo; eles entram no parlamento com o propósito de colocar essa máquina em suas mãos, a fim de ajudar as massas, atrás dos muros do parlamento, no trabalho de explodi-la.

Somos a favor da manutenção dos parlamentos burgueses “democráticos” como forma de administração do Estado?

Não, em nenhum caso. Nós somos pelos Sovietes.

Sim, estamos diante disso – em consideração de toda uma lista de condições. Sabemos muito bem que, na França, na América e na Inglaterra, tais parlamentares ainda não surgiram das massas dos trabalhadores. Nesses países, até agora observamos uma imagem da traição parlamentar. Mas isso não é prova da incorreção das táticas que consideramos corretas!

É apenas uma questão de haver partidos revolucionários como os bolcheviques ou os Espartaquistas alemães. Se houver tal partido, tudo poderá se tornar bem diferente. É particularmente necessário: (1) que o centro decisivo da luta esteja fora do parlamento (greves, levantes e outros tipos de ação de massa); (2) que as atividades no parlamento sejam combinadas com essa luta; (3) que os deputados também realizem trabalho ilegal; (4) que atuem para o Comitê Central e se submetam às suas ordens; (5) que eles não se acautelem com as formas parlamentares em seus atos (não temam os confrontos diretos com a maioria burguesa, com “diálogo de surdos”, etc.).

A questão de participar da eleição em um determinado momento durante uma dada campanha eleitoral depende de toda uma série de circunstâncias concretas que, em cada país, devem ser particularmente consideradas em cada momento dado. Os bolcheviques russos decidiram boicotar as eleições para a primeira Duma Imperial em 1906. E essas mesmas pessoas foram a favor de participar das eleições da segunda Duma Imperial, quando ficou provado que o poder agrário-burguês ainda governaria na Rússia por muitos anos. No ano de 1918, antes da eleição para a Assembleia Nacional Alemã, uma seção dos Espartaquistas era a favor de participar das eleições, a outra seção era contra. Mas o partido dos Espartaquistas permaneceu um partido comunista unificado.

Em princípio, não podemos renunciar à utilização do parlamentarismo. O partido dos bolcheviques russos declarou na primavera de 1918, no seu 7º Congresso, quando já estava no poder, em uma resolução especial que os comunistas russos, no caso da democracia burguesa na Rússia, através de uma peculiar combinação de circunstâncias, deveriam mais uma vez obter o controle, poderiam ser obrigados a voltar à utilização do parlamentarismo burguês. Espaço para manobras também deve ser permitido a respeito disso.

[O que desejamos especialmente enfatizar é que, em todos os casos, a questão é realmente resolvida fora do parlamento, nas ruas. Agora está claro que greves e revoltas são os únicos métodos decisivos de luta entre trabalho e capital.*] Os principais esforços dos camaradas consistem no trabalho de mobilização das massas; estabelecer o partido, organizar seus próprios grupos nos sindicatos e capturá-los, organizar os Sovietes no curso da luta, liderar a luta de massas, agitar a revolução entre as massas – tudo isso é de primeira linha de importância; ação parlamentar e participação em campanhas eleitorais apenas como uma das ajudas neste trabalho – não mais.

Se isso é verdade – e, sem dúvida, é assim -, é claro que não vale a pena dividir as facções de opiniões diferentes apenas sobre essa questão, agora secundária. A prática da prostituição parlamentar era tão nojenta que mesmo os melhores camaradas têm preconceitos nessa questão. Estes devem ser superados no curso da luta revolucionária. Portanto, apelamos urgentemente a todos os grupos e organizações que estão levando a cabo uma verdadeira luta pelos Sovietes, e os convocamos a unir-nos firmemente, mesmo apesar da falta de acordo sobre essa questão.

Todos aqueles que são a favor dos Sovietes e da ditadura do proletariado se unirão o quão logo possível e formarão um partido comunista unificado.

Com saudações comunistas,

G. Zinoviev,

Presidente do Comitê Executivo da Internacional Comunista.

1º de setembro de 1919


  • Estas duas frases não estão incluídas na versão do documento publicada em 1920, apenas na versão traduzida em 1956.

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