Por Raonna Martins
Em termos de conjuntura política não avançamos muito, atualmente: a coisa está muito, muito! pior. As escolhas são escassas: propõe-se abstinência ou violência para as pessoas que fazem uso de drogas e que vivem em territórios vulnerabilizados. Quero dizer também que existem estudos rigorosos sobre esse tema que sequer são levados em consideração, por isso digo da falta de avanço sobre essa temática. Não há falta de estudos sérios. Há surdez em nossa estruturação política.
Já é falado e sabido por muitos, por tantos, que nem preciso fazer alguma referência para afirmar que o consumo de drogas acompanha a humanidade desde sempre. Seja o vinho de Jesus Cristo, seja o crack do “nóia” (“pandemia” anterior ao COVID).
E de “pandemia em pandemia” se destacam mais os discursos alarmistas do que os discursos de pesquisadores, trabalhadores, profissionais que tem bastante experiência e muita coisa a dizer. Por que escutamos essas pessoas, temos muito a dizer.
Em dez anos de experiência no meu trabalho em territórios vulnerabilizados a droga está presente no discurso das pessoas, nas suas vidas, nos seus segredos, nas suas relações, em seus sonhos. No entanto, mais importante do que a droga, são as circunstâncias em que ela está sendo usada: Existe um uso recreativo, e existe um uso que podemos considerar “problemático” também. Isso vale para todo mundo, vamos simplificar: vale para os ricos e pobres.
Seria muito mais fácil se houvesse a condição de possibilidade de discutirmos, sem tabu, a qualidade de drogas que sabemos que são produzidas, legal e ilegalmente. Isso significa que considero de fundamental importância a perspectiva relacional das drogas. E desconfio seriamente do discurso: “drogas pesadas” e incluo: “contextos pesados”.
E aqui sim temos uma diferença brutal de consumo de drogas por ricos e pobres. Para os ricos, as drogas de melhor qualidade, para os pobres, nem o resto da mistura da mistura de substâncias que muita gente não quer saber. Nem mesmo o atual “presidente” com seu projeto de governo genocida. E antes dele, outros que determinam somente e especialmente a internação compulsória como medida de tratamento, ao invés de se considerar o contexto brasileiro que exigiria, ao menos, uma “moradia compulsória”.
Os motivos que levam alguém a realizar o consumo de drogas é tão singular quanto os sujeitos. No entanto, no Brasil, existe uma questão anterior.
Quando o uso de drogas está impossibilitado de ser discutido, a coisa toda fica muito pior. Não conseguimos ter um controle de qualidade sobre a substância e isso pode colocar muita gente em risco. Não é por acaso que sou (e somos muitos) a favor da descriminalização das drogas e, possivelmente, sua legalização. As circunstâncias em que alguém usa drogas é um elemento de suma importância, não a sua moralização.
Em termos de conjuntura política não avançamos muito, atualmente: a coisa está muito, muito! pior. As escolhas são escassas: propõe-se abstinência ou violência para as pessoas que fazem uso de drogas e que vivem em territórios vulnerabilizados. Quero dizer também que existem estudos rigorosos sobre esse tema que sequer são levados em consideração, por isso digo da falta de avanço sobre essa temática. Não há falta de estudos sérios. Há surdez em nossa estruturação política.
O mais importante, no meu ponto de vista, é incluir a perspectiva relacional das drogas. E no atual momento podemos considerar um aumento do uso, por motivos diversos. Toma-se mais vinho para dar conta de um futuro quando se pensa em tantas incertezas que nos espera ao final disso tudo que estamos experimentando.
Pois não seria diferente nas ruas de São Paulo. O consumo pode aumentar porque, não raro, existe o frio, por exemplo, e para quem está na rua, tomar cachaça, usar crack pode ajudar a passar menos frio. Também nas ruas existem pessoas com medo.
Ora! Não são tempos de onipotência.
Não se preocupe em ter medo.
Quanto mais se escuta sobre as vidas atravessadas pela droga mais ficamos sabendo sobre as pessoas e de um mal estar violento. Mas, usar rivotril ou crack, será uma “escolha” que dependerá da sua classe social.
O que temos feito para enfrentar a questão social das drogas? Nós escutamos. E nessa escuta se abre um leque de possibilidades para pensar as vicissitudes dos consumos. A galera na rua diz “nossa, estamos aqui batendo papo há tanto tempo que esqueci de tomar a barrigudinha” – isso é redução de danos. E é sob essa a perspectiva da redução de danos (para ricos e para pobres) alinhada com uma escuta sensível, atenta e implicada que considero possível tratar disso.
Escuta que está nas ruas, nas redes, e nos equipamentos públicos. Na vida das pessoas, no entanto, o mais grave é não escutar sobre as criativas e inventivas possibilidades que muitos profissionais, pesquisadores, etc. têm realizado diariamente. É esse cinismo que mata, muito mais que a substância droga.