O ultraliberalismo enquanto categoria conceitual

Por João Elter Borges Miranda

“O ultraliberalismo enquanto categoria traz elementos mais precisos para conceituar a série de correntes que se formam ao longo do século XX. Tais correntes são, tradicionalmente, denominadas de neoliberais.”

O termo “neoliberal” é bastante controverso e escorregadio e está distante de possuir status de uma categoria conceitual precisa e sistematizada. Francisco de Oliveira colocará que o termo está aquém da tragédia. “De nada nos serve agredir a realidade: neoliberalismo, neocolonialismo são termos aquém da tragédia” (OLIVEIRA, 2006, p. 247). Pierre Salama apontará que “não sabemos ainda precisar com exatidão o que é o neoliberalismo, que acabou se tornando uma categoria muito difusa. Se por um lado é claro que conhecemos os seus efeitos, em termos analíticos ele se tornou num conceito muito escorregadio” (SALAMA, 2000, p. 139). E Virgínia Fontes afirmará que neoliberalismo possuí caráter descritivo e viés de denúncia dos antagonismos sociais provocados pelo capitalismo, porém, não propicia vislumbrar os aspectos similarmente capitalistas no pós-guerra. Por isso, a historiadora reivindica a sua categoria de capitali-imperialismo, a qual abarca transformações tanto no âmbito da estrutura, quanto da superestrutura (FONTES, 2010, p. 154).

Segundo Rodrigo Castelo, o termo neoliberalismo “demonstrou uma vitalidade invejável nos anos 1990 a partir da luta ideológica travada pela esquerda contra a chamada globalização capitalista. Com ele, os críticos das mutações gestadas nos últimos 30-40 anos conseguiram demonstrar, com alguma dose de eficácia, os efeitos econômicos, políticos e sociais mais danosos para as classes subalternas”. Por isso, muitos intelectuais da classe dominante “negaram a pecha, taxando seus críticos de antiquados, ultrapassados, anacrônicos, que não teriam percebido os ventos inevitáveis da mudança no mundo moderno, ou pós-industrial” (CASTELO, 2011, p. 240).

O termo neoliberalismo ganhou, assim, uma série de facetas no conjunto de análises do pensamento social crítico. No presente trabalho, reivindicamos a categoria ultraliberalismo, ao invés de neoliberalismo. A escolha pelo prefixo ultra, ao invés de “neo”, se dá por dois fatores.

O primeiro é porque o prefixo “neo” possuí origem grega, significando novo, o que indica localização temporal. Por isso, optamos por não adotar a noção de neoliberalismo, pois, concordando com a historiadora Virgínia Fontes, esta noção, ainda que também possa ser adotada para denunciar a série de medidas político-econômicas e ideológicas, “tem como núcleo o contraste fundamental com o período anterior, considerado por muitos como ‘áureo’”, de caráter keynesianista ou de Estado de Bem-estar Social. O problema é que, ao apontar essa suposta inflexão e descontinuação entre ambos períodos, isto é, entre o período do pós-guerra (1945-1975), a chamada “era do ouro”[i], e o pós crise estrutural do capital (1975-), a noção de neoliberalismo “reduz a percepção do conteúdo similarmente capitalista e imperialista que liga os dois períodos, assim como apaga a discrepância que predominara entre a existência da população trabalhadora nacional nos países imperialistas e nos demais” (FONTES, 2010, p. 154), colocando que o período pós crise estrutural, no qual se vê a constituição da hegemonia da agenda ultraliberal, trata-se de uma “nova era”[ii].

 O segundo fator que nos leva a adotar o prefixo “ultra” é que “neo” indica, também, novos elementos constituintes no que concerne ao conteúdo da agenda neoliberal. Contudo, para além de novos elementos, o que se vê de fato é uma radicalização dos preceitos do liberalismo clássico. O entendimento aqui é de que o prefixo “ultra” seria o mais adequado porque indica tais transformações qualitativas, realizadas no sentido de aprofundamento em várias escalas do capitalismo.

O chamado ultraliberalismo se trata de transformações qualitativas em relação ao liberalismo, entretanto, não no sentido de constituição de uma nova razão do mundo, mas sim para perpetuar a velha ordem e razão burguesa, solidificando-a em patamares ainda mais regressivos de expropriação e exploração da classe trabalhadora. Ou seja, ainda que se possa ver uma radicalização do liberalismo, concordamos com a historiadora Virgínia Fontes que aponta que não se vê, contudo, transformações qualitativas nos “pressupostos da subsunção real do trabalho no capital tais como estudados por Marx”, ainda que tenha ocorrido a expansão quantitativa e internacionalizada (FONTES, 2005, p. 92).

O entendimento aqui, portanto, é que ocorreram transformações qualitativas no âmbito dos preceitos ideológicos, no plano das ideologias, denominado aqui genericamente de ultraliberalismo – e que isto propiciou o aprofundamento em várias escalas do capitalismo, especialmente a partir da crise estrutural do capital. Este aprofundamento através de novas formas de expropriação e exploração da classe trabalhadora, mas, os elementos que definem o capital como uma relação social de subordinação desta classe em relação a burguesa não foram alterados.

Tais transformações qualitativas que permeiam o ultraliberalismo podem ser evidenciadas ao realizarmos uma comparação entre os autores do chamado liberalismo clássico com aqueles do ultraliberalismo. São várias correntes que vão se formando a partir do século XVIII, sendo Adam Smith o pensador mais famoso, e que tem o seu ideário radicalizado ao longo do século XX, constituindo uma série de correntes que, por sua vez, compõe o que denominamos de ultraliberalismo, ao invés de neoliberalismo.

Do liberalismo clássico ao ultraliberalismo

O liberalismo clássico vai ascender, sobretudo, no século XVIII, por conta da resistência, lenta e tenaz, da burguesia em relação ao Antigo Regime, que contrariava os interesses burgueses, assim como a visão de mundo burguesa. Mas, é somente com as revoluções burguesas, com destaque para Revolução Francesa, que o liberalismo alcança na classe burguesa maior hegemonia. A crítica marxiana aponta que, com essas transformações provenientes da primeira revolução industrial, a economia política burguesa adotará como pressuposto a postulação que interpreta as relações sociais capitalistas como naturais ou eternas, entendendo-as como “configuração última e absoluta da produção social”, e a concepção ética individualista das pessoas.

Desde 1848, a produção capitalista tem crescido rapidamente na Alemanha, e já ostentava hoje seus frutos enganadores. Mas, para os nossos especialistas, o destino continuou adverso. Enquanto podiam tratar de Economia Política de modo descomprometido, faltavam as relações econômicas modernas à realidade alemã. Assim que essas relações vieram à luz, isso ocrreu sob circunstâncias que não mais permitiam o seu estudo descompromissado na perspectiva burguesa. À medida que é burguesa, ou seja, ao invés de compreender a ordem capitalista como um estágio historicamente transitório de evolução, a encara como configuração última e absoluta da produção social, a Economia Política só pode permanecer como ciência enquanto a luta de classes permanecer latente ou só se manifestar em episódios isolados (MARX, 1988, p. 22).

A perspectiva burguesa por possuir atrelado à análise o seu projeto é, assim, ideológica. É nesse contexto que o liberalismo se torna hegemônico por oferecer os recursos analíticos para a economia política burguesa, privilegiando a esfera privada, em relação a pública, e deixando bem demarcado o espaço de cada uma. Torna-se hegemônica também por justificar a propriedade privada, o lucro e a exploração da classe trabalhadora pela classe burguesa. Categorias conceituais como Estado mínimo e livre-mercado são originam-se no liberalismo clássico, que dão fundamento ao primado da “igualdade perante a lei”, o qual, por sua vez, norteou a constituição dos Estados de Direito burguês no século XIX.

As crises do final do século XIX e XX, com destaque para a de 1929, colocará em declínio o liberalismo clássico, originando uma reação que constituirá o chamado novo liberalismo, o qual interpreta a liberdade individual como objetivo central, entendendo que a falta de liberdade está calcada na falta de emprego e direitos básicos, como saúde, educação, etc, enquanto que o liberalismo clássico interpreta que a falta de liberdade está na compulsão e na coação nas relações entre os indivíduos em sociedade. Para o novo liberalismo, ou liberalismo moderno, a falta daqueles direitos básicos pode ser tão prejudicial quanto a inexistência de meios para aplacar a compulsão e a coação. Um grupo de intelectuais, na Inglaterra, na virada do século XVIII e início do século XX, com destaque para T. H. Green (1836-1882) e L. T. Hobhouse (1864-1929), apontaram que a liberdade individual e a sua defesa deveriam estar acompanhadas da existência de um Estado social, intervindo no que concerne as questões de ordem social, propiciando assim a livre iniciativa. Na década de 1930, em especial, o social liberalismo avança no formato de um novo interlocutor, John Maynard Keynes (1883-1946), economista britânico cujas ideias tiveram grande popularidade em países de capitalismo avançado, principalmente, nas décadas de 1950 e 1960, constituindo Estados de Bem-estar Social.

Com a crise do pós-guerra de 1975, o pensamento keynesiano perderá espaço para o chamado ultraliberalismo, tradicionalmente denominado de neoliberalismo. No seu balanço do neoliberalismo, Perry Anderson apontará que as origens do pensamento “ultaliberal” data do pós-guerra. Os primeiros fundamentos nasceram na região da Europa e da América do Norte. Tem como texto de origem a obra “O Caminho da Servidão”, de Friedrich Hayek, escrito já em 1944. No livro, Hayek ataca “qualquer limitação dos mecanismos de mercado por parte do Estado, denunciadas como uma ameaça letal à liberdade, não somente econômica, mas também política”. Três anos mais tarde, em 1947, Hayek convocou aqueles que partilhavam dos seus ideais para uma reunião na pequena estação de Mont Pèlerin, na Suíça. Nela estiveram nomes como Milton Friedman, Karl Popper, Lionel Robbins, Ludwig Von Mises, Walter Eupken, Walter Lipman, Michael Polanyi, Salvador de Madariaga, entre outros. Juntos formaram a Sociedade de Mont Pèlerin, a qual, de forma dedicada e organizada, com reuniões internacionais a cada dois anos, estabeleceu como propósitos combater o avanço do socialismo e o New Deal norte-americano e o Estado de bem-estar europeu, além de qualquer solidarismo reinante e keynesianista (ANDERSON, 1995, p. 09.).

Fica popularmente conhecido como “neoliberalismo” esse arcabouçou programático e teórico político-econômico que se formou para combater o Estado de bem-estar social, a partir da ressignificação das ideias derivadas do capitalismo laissez-faire[iii], expressão símbolo do liberalismo, segundo o qual o mercado deve funcionar livremente sob a égide da mão-invisível. Mas, como dito anteriormente, no presente trabalho reivindicamos a categoria de “ultraliberalismo”, pois a consideramos mais precisa.

O entendimento aqui é de que a Sociedade de Mont Pelerin teve o papel de dar maior organicidade e propagação a um conjunto de princípios teóricos, ideológicos, político-econômicos, que já vinham muito antes sendo forjados, constituindo correntes teóricas que, em seu conjunto, denominamos de ultraliberais.

A noção de ultraliberalismo seria uma espécie de subcategoria, reivindicada em uma análise que busca a reflexão da totalidade das transformações capitalistas. O método da totalidade busca abarcar as transformações e características do que se dá no âmbito da estrutura e da superestrutura. Vemos isso em análises como a de Vladimir Ilich Ulianov Lênin (1870-1924), que fundamentou a categoria de imperialismo e capital monopolista. Vemos isso, mais recentemente, em marxistas como a historiadora Virgínia Fontes que, a partir de Lênin e outros pensadores, fundamentou a categoria de capital-imperialismo. Ultraliberalismo, neste sentido, seria uma subcategoria, abarcando o conjunto de preceitos ideológicos e formas de ver o mundo fermentados por intelectuais a serviço do capital. Temos conhecimento que, não raro, a adoção de subcategorias no que concerne ao pensamento de direita pode mais dificultar e confundir a análise, do que de fato propiciar um entendimento aprofundado, lúcido e fundamentado. Tendo em vista isto, no presente subtópico iremos abordar, rapidamente, um conjunto de correntes e ideias que compõe o ultraliberalismo.

Tais correntes se diferenciam a partir, dentre outros critérios, dos princípios epistemológicos e metodológicos de interpretação da realidade histórico-social e proposição ideológica de programas político-econômicos – o que dificulta realizarmos uma espécie de “arqueologia” ou genealogia do pensamento liberal e ultraliberal, pois exigiria a leitura de uma série de autores, principalmente, do século XVIII ao XX. Tal análise comparativa (e comparar autores de diferentes épocas é sempre um procedimento metodológico arriscado) se daria, assim, entre pensadores do chamado liberalismo clássico, do século XVI ao XIX, e pensadores do que aqui denominamos de ultraliberalismo, do século XX. Além do estudo crítico e comparativo, para tal fundamentação da hipótese no sentido de constituição de tese seria necessária uma análise dos próprios autores, de suas trajetórias, abarcando o contexto em que pensaram o que pensaram.

Em suma, entendemos que o ultraliberalismo se trata de uma ofensiva da classe burguesa e seus aliados, fermentada e propagada pelos seus intelectuais orgânicos, contra a classe trabalhadora, em reação ao avanço do socialismo na URSS e também em reação ao avanço do modelo fordista-keynesiano, de constituição de Estados de Bem-estar Social nos países centrais. O ultraliberalismo, diante da crise estrutural, passa a ser implementado sistematicamente em vários países do globo, pelos Estados, sob pressão e ação dos mercados e dos organismos multilaterais do capital, com destaque para o Banco Mundial, o FMI e a ONU; e sob a pressão de uma série de aparelhos privados de hegemonia criados diretamente ou não pela burguesia. Para lograr êxito na afirmação e aplicação enquanto programas político-econômicos nos governos, a agenda ultraliberal foi implementada pela burguesia através de ferramentas de formação de consenso, com destaque para a mídia corporativa e, não raro, através da coerção, por meio do terrorismo de Estado, criminalização das organizações da classe trabalhadora (partidos, sindicatos, movimentos sociais), xenofobia, racismo, dentre outros meios de dominação e coerção. Vale ressaltar, ainda, que a falência da contrarreforma ultraliberal abre o terreno para a saída fascista, que significa, em primazia, o aprofundamento e radicalização do que já é terrivelmente radical e violenta para nós – os de baixo.

Apesar das dificuldades epistemológicas, identificamos que as maiores influências literárias do liberalismo clássico incluem autores tais como: John Locke, Frédéric Bastiat, David Hume, Alexis de Tocqueville, Adam Smith, David Ricardo. Enquanto que do ultraliberalismo poderíamos citar os seguintes: Rose Wilder Lane, Lysander Spooner, Milton Friedman, David Friedman, Ayn Rand, James McGill Buchana Jr., Friedrich Von Hayek, Ludwig Von Mises, Hans-Hermann Hoppe, Murray Rothbard e Walter Block. No que concerne as escolas e correntes ultraliberais, formaram-se no século XX, dentre outras, as seguintes: Escola Austríaca, Ordoliberalismo alemão, Escola de Chicago, Nova Escola Institucional, Economia Novo Clássico, Social Liberalismo e Libertarianismo.

Existem outras correntes, mas, consideramos que estas são as mais importantes por conta da capacidade de propagação de suas ideias nos meios intelectuais, assim como nos programas político-econômicos dos governos, especialmente aqueles formados a partir da crise estrutural do capital, a qual abordaremos a seguir. No fluxograma abaixo, procuramos evidenciar parte da série de correntes ultraliberais que se formam no século XX.

Fluxograma

Elaboração própria.

Como dito anteriormente, a partir do liberalismo clássico uma série de autores formaram novas correntes, no sentido de radicalização do mesmo. Essas escolas possuem, algumas mais, outras menos, interconexões. Exemplo disso é Milton Friedman, considerado o principal nome da Escola de Chicago, foi profundamente influenciado por Hayek, da Escola Austríaca. Friedman disse, sobre Hayek, que “sua influência tem sido tremenda”. O fluxograma acima não evidencia as interconexões entre as correntes.

Elementos em comum entre as correntes ultraliberais

Vale ressaltar que as diferentes correntes abordadas apontam que o ultraliberalismo indica uma ofensiva burguesa que toma a forma de um projeto histórico-social que não se limita ao campo econômico, apesar de estar sob o imperativo da reprodução ampliada do capitalismo – e que é disseminado em larga escala especialmente após a crise estrutural do capital. Ultraliberalismo é, por isso, um termo mais preciso para designar um conjunto amplo de propostas político-econômicas, a partir de um liberalismo acentuado, radicalizado, implementado diante da crise estrutural do capital, na era da globalização financeira, com implicações em todos os setores da vida humana. Trata-se, ainda, de um conjunto de princípios epistemológicos, com desdobramentos ideológicos, que são forjados em reação ao avanço da implementação do keynesianismo e dos Estados de Bem-estar Sociais, apesar dessa implementação se dar a partir de uma das correntes ultraliberais, o Social-liberalismo, nos países de capitalismo avançado, assim como uma reação ao avanço da União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS).

Apesar de haver diferentes correntes no ultraliberalismo, identificamos que todas partem de princípios epistemológicos comuns, com desdobramentos político-econômicos e ideólogos. No que concerne aos desdobramentos político-econômicos, poderíamos citar os seguintes, a partir de Francisco Fonseca:

[…] precedência da esfera privada (o indivíduo livre no mercado) sobre a esfera pública; máxima desestatização da economia, privatizando-se todas as empresas sob controle do Estado; desproteção aos capitais nacionais, que deveriam competir livremente com seus congêneres estrangeiros; desmontagem do Estado de Bem-Estar Social, pois concebido (e estigmatizado) como ineficaz, ineficiente, perdulário, injusto/autoritário (por transferir aos mais pobres parcelas de renda dos mais ricos ou bem-sucedidos, que assim o seriam, estes, por seus próprios méritos), e indutor de comportamentos que não valorizariam o mérito e o esforço pessoais; forte pressão pela quebra do pacto corporativo entre Capital e Trabalho, em nome da liberdade de escolha individual e da soberania do consumidor; desregulamentação e desregulação da produção, da circulação dos bens e serviços, do mercado financeiro e das relações de trabalho; ênfase nas virtudes do livre-mercado, em dois sentidos: como instrumento prodigioso, por aumentar a riqueza, gerando em consequência uma natural distribuição de renda, em razão do aumento da produtividade; e como único mecanismo possível de refletir os preços reais dos produtos e serviços, possibilitando aos indivíduos o exercício de cálculos em relação à atividade econômica; concepção de liberdade como liberdade de mercado, isto é, ausência de empecilhos à relação Capital/Trabalho e à livre realização dos fatores produtivos; concepção negativa da liberdade, isto é, caracterizada como ausência de constrangimentos (que não apenas os imprescindíveis à vida em sociedade) e interferências da esfera pública em relação à esfera privada; aceitação da democracia apenas e tão-somente se possibilitadora do mercado livre e da liberdade individual; concepção de que a sociedade deve oferecer a cada indivíduo (nos aspecto fiscal e quanto a eventuais equipamentos públicos) apenas e tão-somente o quanto este contribuíra para ela. Trata-se da inversão do lema socialista, pois valoriza-se a desigualdade,  que, dessa forma, deve refletir méritos distintos; hipervalorização do sistema jurídico (nomocracia), estruturante e avalista de uma sociedade (contratual) composta por indivíduos autônomos em suas ações em virtude de seus interesses; crença de que o Estado interventor é, intrinsecamente, produtor de muitas crises: fiscal, burocrática, de produtividade, entre outras; daí as demandas pelas ‘reformas do Estado orientadas para o mercado’ e pela defesa da diminuição de impostos e dos gastos governamentais; ênfase nas mínimas, porém importantes, funções do Estado, que deveria ter os seguintes papéis: garantir a ordem e a paz; garantir a propriedade privada; garantir os contratos livremente elaborados entre os indivíduos; garantir o ‘livre-mercado”, por meio da proibição de práticas anticoncorrenciais e da elaboração de ‘normas gerais e abstratas’; desregulamentar, desregular e flexibilizar os mercados (financeiro, produtivo e de trabalho) (FONSENCA, 2005, p. 60-61).

Em resumo, então, poderíamos destacar que as ideias-chave desenvolvidas pelos intelectuais ultraliberais são: defesa do ideário do livre-mercado, da livre-iniciativa e a crença no laissez-faire (auto regulação do mercado), gestão empresarial do Estado (ou defesa da inexistência do Estado), flexibilização das leis trabalhistas, privatizações, desregulamentação financeira, defesa maximizada da propriedade privada. E acrescentar que também são esferas da pauta da agenda ultraliberal o aumento do encarceramento como política penal e o pagamento religioso da dívida pública, dentre outras proposições. São, em resumo, a agenda ultraliberal, ou, ainda, a agenda de contrarreformas da ofensiva burguesa.

A principal origem desses desdobramentos político-econômicos está nos princípios epistemológicos, isto é, no procedimento teórico-metodológico de abordagem, estudo e reflexão da realidade, dos quais partem as correntes ultraliberais. Identificamos que esse conjunto de correntes partem do pressuposto de que a sociedade é uma “associação ou agregado de indivíduos” cujo único conectivo é o mercado. Pressuposto este que não é novidade dos ultraliberais, mas é herdado do liberalismo clássico, mais especificamente, de sua ética individualista e naturalista. Contudo, o desdobramento desse pressuposto é a primazia do mercado e está o âmago da radicalização ultraliberal.

O desdobramento disto é, por exemplo, de que um determinado bem ou serviço só tem valor para seu consumidor direto. Neste sentido, somente este consumidor direto é quem deve assumir os custos do uso deste bem ou serviço. Tendo em vista que o Estado, no caso do Brasil, por exemplo, tem como primazia na constituição federal oferecer educação pública para toda a sociedade brasileira, aquela ou aquele que opta por não usufruir diretamente dela, buscando a educação oferecida pelos setores privados, deve, na linha do pensamento ultraliberal, ser ressarcido pela fração de seus impostos que vai para aquele serviço. Como o Estado não realiza este “reembolso”, entendem que o mesmo é incapaz de reunir e processar informação dispersa com eficiência, sendo o único instrumento capaz disso o mercado, que o faz, supostamente, de forma espontânea, através de uma ordem que emerge da competividade.

O mercado é um termo que carece de uma maior precisão conceitual, mas, concordando com o assistente social Rodrigo Castelo, o mercado não seria, na óptica ultraliberal, o espaço de troca e alocação de recursos, mas sim uma instituição social e econômica de alocação de recursos que se caracteriza pela ausência de um mecanismo centralizador e planificador da produção, da distribuição e do consumo das mercadorias. “De acordo com a anarquia da produção, a concorrência adquiriria um papel central e acabaria por exercer, por vias não-convencionais, o papel de uma instância permissivamente reguladora” (CASTELO, 2011, p. 15).

 A competividade, assim, é o telos da relação entre indivíduos na perspectiva ultraliberal. Interpretam isto como uma condição a priori da condição não só humana, mas como de ser vivo. Disto emerge o chamado “darwinismo social”, o qual aponta que são os mais fortes na sociedade que sobrevivem – e que devem sobreviver. O mercado, assim, comportaria um equilíbrio “que aliaria eficiência e bem-estar social, respeitada a condição de que a mão invisível do mercado operasse livremente”. No curto prazo, haveria desigualdades sociais, mas, “a mão invisível do mercado geraria o bem-estar geral a partir do casamento do interesse individual egoísta com o interesse coletivo” (CASTELO, 2011, p. 15). Por isso, a ação Estatal, no sentido de reparar os antagonismos sociais não tem importância, sequer a menor a relevância. É na ação individual, competitiva, que deve emergir a ordem. E esta ação se dá no mercado. Algumas correntes chegam a apontar a ação estatal, mas sempre no sentido de permitir esta competividade.

Para esta abordagem, então, a única coisa que importa é de que os agentes econômicos possam (ou seja, tenham a liberdade para tal) oferecer um determinado serviço ou bem ao menor valor possível. Para tanto, precisam guerrear entre si, e aquele que sobreviver a isso é quem estará mais apto para oferecer o melhor serviço ou bem. Para esta abordagem, o consumidor direto deve poder (ou seja, deve ter a liberdade para tanto) de escolher entre este ou aquele serviço ou bem.

 Este princípio epistemológico comum às correntes ultraliberais impede que os intelectuais que o fomenta e o propaga compreendam que na sociedade possa haver efeitos sociais complexos. Ao partirem do pressuposto de que a única complexidade é o mercado, simplesmente, estão impedidos de compreenderem a complexidade inerente a inter-relação e conexão a qual estamos submetidos enquanto sociedade. Por estarmos conectados, o que fazemos têm consequências reais e imediatas a quem está a nossa volta, assim como indiretas em todo o restante da sociedade, do planeta. Diante disso, é um benefício para toda a sociedade que as pessoas recebam do Estado, por exemplo, educação pública de qualidade. Contudo, entender a sociedade como um agregado de indivíduos gera um ponto-cego, impedindo que os intelectuais ultraliberais percebam os efeitos indiretos e as vantagens coletivas advindas de uma grande quantidade de pessoas terem direito ao acesso a um determinado bem ou serviço financiado, via Estado, pelo conjunto do todo da sociedade.

Talvez isto tenha ficado bastante evidente em meio a pandemia causada pelo novo corona vírus em 2020. Numa situação gravíssima como a que estamos na atualidade submetidos, os intelectuais ultraliberais, como Paulo Guedes, são incapazes de compreenderem que a quarentena só tem resultado efetivo se for suficientemente grande. Ao invés disso, fica esbaforindo o direito individual de ir e vir, em detrimento do interesse comum de aplacar o avanço da contaminação. Enquanto milhares de pessoas caem sob a progressão da hecatombe, defensores caninos do capital como Guedes e Jair Bolsonaro, no Brasil, seguem colocando os interesses individuais do grande capital acima do interesse coletivo da sociedade brasileira de não morrer.  

Além dessa consequência imediata, as análises ultraliberais têm, historicamente, como desdobramentos preceitos político-econômicos, apontados anteriormente, em que o mercado é o espaço de realização da liberdade, sendo necessário, para tanto, a reconfiguração do Estado, através de privatizações, por exemplo. O que, por sua vez, não significa a redução do Estado (para a maioria das correntes), mas sim a reconfiguração do mesmo a partir desses preceitos de defesa do indivíduo, de seus predicados supostos, da concorrência, de sua propriedade privada dos meios de produção e de sua liberdade a priori de escolher, ou, noutras palavras, concorrer (liberdade esta conquistada através da não intervenção estatal na economia, propiciando a auto regulação do mercado, auto regulação esta que emerge, espontaneamente, através da concorrência).

A auto regulação do mercado, na perspectiva ultraliberal, advém da própria característica da sociedade pensada enquanto associação de indivíduos. Ao entender a sociedade dessa maneira, o todo é o resultado da soma das partes orientadas por uma ordem que se dá espontaneamente no mercado. As normas e regras devem, a priori, resultar do conjunto de ações individuais no interior do mercado. E o Estado não deve, por isso, interferir nessa ordem sus generis. A interferência do Estado através, por exemplo, da regulação do mercado, é interpretada como uma gaiola de aço rígido, limitadora, aplacadora, que desrespeita e impede tal condição humana. Uma ordem social só deve se efetivar, portanto, espontaneamente, ao passo que quaisquer medidas ou pretensões de planificação ou pacto social, qualquer forma de decisão coletiva, não teriam espaço, sequer a menor importância. O papel do Estado assume diferentes proporções de acordo com a corrente. Pode assumir um papel maior, através, por exemplo, da justiça e da polícia, assim como determinadas correntes podem definir a completa inexistência do Estado, como é o caso dos anarcocapitalistas.

Além da resultante político-econômica, essa velha razão do mundo que optamos no presente trabalho subcategorizar como ultraliberal, tem como consequência a constituição de procedimentos teórico-metodológicos que têm como ponto em comum o pressuposto de que a sociedade é um agregado de indivíduos, e que se desdobram em análises que a tudo particularizam e a tudo podem entender como “verdade”. Refiro-me a um conjunto de correntes que chegam com a aparência de novidade, mas que não passam de novas roupagens para velhas ideias, que eliminam o racionalismo, o marxismo, a verdade – e que, assim, podem não promover abertamente uma apologia do capitalismo, mas que, sutilmente, constituem uma série de concepções e teses sobre o mundo que não o incomoda.

Considerações finais

Diante do fato de os preceitos epistemológicos ultraliberais impossibilitarem que os seus formuladores compreendam fenômenos complexos, constituindo uma cegueira intelectual, tais preceitos podem até ser considerados epistemológicos enquanto abordagem do real, mas não ontológicos enquanto reflexão do real em si. Ainda assim, para os ultraliberais, o ultraliberalismo é um pensamento da complexidade social, ao passo que noções como “justiça social” são resultado de análises primitivas incapazes conceberem ordens que emergem espontaneamente através do mercado.

O conjunto de políticas ultraliberais, advogando em favor de políticas de liberalização econômica extensas, como as privatizações, austeridade fiscal, desregulamentação, livre-comércio, corte de despesas governamentais a fim de reforçar o papel do setor privado, foram, implementadas de forma sistemática e desigual em vários países após a crise do pós-guerra, em 1975. Esse momento de inflexão, que o filósofo húngaro István Mészáros identifica como uma crise estrutural, é considerada a primeira grande recessão econômica desde a Segunda Guerra Mundial, quando o mundo capitalista caiu numa profunda e longa recessão, combinado com altas taxas de inflação e baixas taxas de crescimento (CASTELO, 2011).

Podemos demarcar que é com Pinochet (1973) no Chile, Thatcher (1979) na Inglaterra e Reagan (1980) nos Estados Unidos que é iniciado a aplicação da agenda ultraliberal de forma sistemática. Foram estes os primeiros governos que promoveram um profundo e sistemático processo de implementação da agenda ultraliberal, promovendo a retirada de direitos históricos e arduamente conquistados pelo conjunto da classe trabalhadora. Através disso, promovem a intensificação da flexibilização e da precarização das condições de trabalho, estabelecendo relações pautadas pela subcontratação, emprego temporário e parcial, atividades autônomas etc. Atendem, assim, a agenda ultraliberal (HARVEY, 2014).

Na América Latina, a agenda ultraliberal, foi aplicada na década de 1980 com maior força na Argentina, Bolívia, México e Venezuela. No Brasil, diante da resistência da classe trabalhadora em um complexo quadro nacional de lutas, “formou-se um bloco de resistência relativamente eficiente”, de modo que a aplicação da agenda ultraliberal no país sofreu retardo, só conseguindo “se estabelecer tardiamente no país nos anos 1990 com a cooptação de setores da social-democracia (PSDB), auxiliados por conservadores (o então PFL, hoje DEM) e até mesmo ex-comunistas (PPS, ex-PCB)” (CASTELO, 2011, p. 246).

Ainda se perpetuará no Brasil a partir de diferentes abordagens. No que concerne ao Estado em sentido ampliado, foram constituídas desde o processo de redemocratização uma série de aparelhos privados de hegemonia, os quais terão o papel de não só propagar a agenda e os preceitos ultraliberais, como também reconfigurar o Estado a partir do mesmo. Exemplo de correntes seriam o Instituto Liberal, Instituto de Estudos Empresariais, dentre outros. No que concerne ao Estado em sentido restrito, a partir do segundo mandato do governo de Fernando Henrique Cardoso, o ultraliberalismo paulatinamente assumirá a configuração Social Liberal, porém, será nos governos petistas que essa corrente ultraliberal vai atingir uma qualidade superior em governos autodeclarados de esquerda. A hegemonia ultraliberal atingiu qualidade superior nos governos petistas, para Maciel, através da combinação “de uma política favorável ao grande capital com políticas sociais compensatórias que conferem ao governo enorme apoio popular”, o que se deu, concomitantemente, com a cooptação de “grande parte dos movimentos socais e suas organizações”, acompanhada da fragmentação e do isolamento político da esquerda socialista (MACIEL, 2010, p. 121). Após o golpe de 2016, a partir do governo Temer, cuja política econômica foi não só continuada, como também intensificada no governo Bolsonaro, se vê uma retomada do ultraliberalismo a partir de outras configurações, no sentido ainda mais “puro” do mesmo, distanciando-se, assim, do ultraliberalismo em sua configuração social liberal.

Portanto, diante da crise estrutural, o avanço e o alargamento do capital não deixam de ocorrer, sustentando-se no agravamento das contradições entre a relação de domínio do capital sobre o trabalho, tendo a agenda ultraliberal um grande papel fundamental enquanto política econômica regressiva de retirada de direitos históricos e arduamente conquistados pela classe trabalhadora. E o conjunto de correntes ultraliberais serão a velha razão burguesa sob nova roupagem, implementada de diferentes maneiras diante da crise para a manutenção de sua hegemonia e margens de lucro.


Referências

ANDERSON, Perry. Balanço do neoliberalismo. In: SADER, Emir & GENTILI, Pablo (orgs.) Pós-neoliberalismo: as políticas sociais e o Estado democrático. Rio de Janeiro: Paz e Terra, pp. 09-23, 1995.

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COELHO NETO, Eurelino Teixeira. Uma esquerda para o capital: o transformismo dos grupos dirigentes do PT (1979-1998). Feira de Santana, BA: UEFS Editora; São Paulo, SP: Xamã, 2012.

FIGUEIRÊDO, Lízia de. O papel do Estado para Adam Smith. 1 ed, Belo Horizonte: Universidade Federal de Minas gerais, 1997.

FONSENCA, Francisco César Pinto da. O consenso forjado: a grande imprensa e a formação da agenda ultraliberal no Brasil. São Paulo: Editora Hicitec, 2005.

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HARVEY, David. Condição pós-moderna: uma pesquisa sobre as origens da mudança cultural. 25. ed. São Paulo: Loyola, 2014.

HOBSBAWM, Eric J. Era dos extremos: o breve século X: 1914-1991. São Paulo: Companhia das Letras, 1995.

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FONTES, V. O Brasil e o capital imperialismo. Teoria e história. Rio de Janeiro: EPSJV/UFRJ, 2010.


[i] Denominado por Hobsbawm (1995) como “Era de Ouro”, esse período anterior sobre o qual Fontes se refere também é conhecido como “trinta anos gloriosos”. Trata-se de um fenômeno que ficou restrito, em grande medida, a países da América do Norte e do oeste europeu, principalmente entre 1945 e 1975, em que o avanço dos processos de controle sócio metabólico das contradições que permeiam as relações de produção enseja no boom dos investimentos nos países de “capitalismo avançado”, promovendo reformas sociais, constituindo o Estado de Bem-estar Social em um grupo pequeno de países – em especial, da Europa Ocidental –, durante aquele determinado período de tempo. Portanto, esse boom permitiu a implementação do chamado Estado de bem-estar social, que estabelece que todo o indivíduo deve ter acesso a um conjunto de bens e serviços, oferecidos diretamente pelo Estado, ou garantido indiretamente por meio do seu poder de regulação e organização social, política, econômica e sociocultural. Tais promoções se dão não só no que tange à economia, como também na formação de uma cultura histórica que leve as pessoas a apoiarem e a defenderem esse sistema. Assim, quaisquer rebeliões, greves, manifestações, são imediatamente absorvidas pelo Estado burguês através de projetos de intervenções progressistas que, supostamente, atenderiam às pautas reivindicadas, mas que, na realidade, promovem a manutenção do status quo. A incontestável crise estrutural do capital da década de 1970 faz cair por terra o modelo fordista-keynesiano de desenvolvimento capitalista implementado em larga escala nos países ricos entre as décadas de 1940 e 1960, em que se viu aspectos do ideário ultraliberal do Social Liberalismo constituírem Estados de Bem-estar Social. Acima de tudo, essa crise estrutural faz emergir uma nova temporalidade histórica do processo civilizatório, permeada por um conjunto de processos que configuram a fenomenologia do sistema capitalista global em seus “trinta anos perversos” (1980-2010).

[ii] Aliás, o discurso no sentido de convencer e conquistar as consciências para a tese de que vivemos uma nova era é, concordando com Coelho, “um dos campos de construção permanente da hegemonia burguesa contemporânea. Dependendo do contexto, o nome da era nova pode variar significativamente, desde a ‘sociedade pós-industrial de Daniel Bell até a ‘modernidade’ de Fernando Collor, no Brasil, ou globalização” COELHO NETO, 2012, p. 280).

[iii] A expressão laissez-faire advém do francês e simboliza o chamado liberalismo econômico, a qual entende que o capitalismo deve funcionar de acordo com o mercado, livremente, sem os subsídios do Estado, muito menos outros tipos de interferências. O Estado deve, nessa concepção, limitar-se a estabelecer regulamentos que protegem a propriedade privada dos meios de produção, a qual está nas mãos da burguesia. Literalmente, a expressão em língua francesa laissez faire, laissez aller, laissez passer, significa “deixai fazer, deixai ir, deixai passar”. Os fundamentos do laissez-faire baseiam-se na liberdade do indivíduo, entendendo-o como uma unidade básica da sociedade e esta, por sua vez, entendida como a associação dos indivíduos. Adam Smith aponta que a natureza é permeada pelo cosmos, uma ordem física naturalmente harmoniosa e autorregulada. As corporações, que compõe o Estado, devem por isso serem constantemente vigiadas de forma minuciosa devido à tendência de elas romperem com essa tal ordem espontânea inerente à natureza (FIGUEIRÊDO, 1997).

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