O amanhã pode ser maior, mas nunca igual

Por Henrique Suricatto

“Do mesmo modo que não se julga o indivíduo pela ideia que de si mesmo faz, tampouco se pode julgar uma tal época de transformações pela consciência que ela tem de si mesma.”
Karl Marx – Contribuição à Crítica da Economia Política

 

13 de Junho de 2013, Centro de São Paulo/SP

Mal se via a extensão completa da manifestação. Era difícil distinguir seu tamanho repetido no meio das colunas de fumaça provocadas pelas bombas de gás lacrimogêneo ou da fumaça preta exalando o chorume dos lixos, amontoados no meio das ruas para erguer frágeis barricadas que pudessem ajudar a ganhar tempo e retardar o avanço da maior repressão policial já vista por uma geração. Nenhuma vitrine era perdoada, nenhum veículo de concessionária ficaria intacto, nenhuma agência bancária seria poupada, nenhum saco de lixo poderia ser deixada para coleta, nenhuma caçamba era menosprezada. Paus, pedras, palites, cones, qualquer coisa poderiam se somar ao existente inventário de bolas de gude, pedras portuguesas, estilingues, “bombas 4”, rojões e alguns escudos improvisados. Não iríamos apanhar de graça, já estávamos fartos de tanta repressão gratuita sem ao menos dar uma chance a si mesmo de se defenderem, sem ao menos dar o troco que fosse possível. Aqueles manifestantes de preto dos pés a cabeça, verdadeiros anônimos a serviço da causa do momento, demonstrava uma abnegação estendida até a defesa daqueles que ao menor sinal da repressão, fugiam agrupados em desespero. Mal sabiam eles que alguns desses manifestantes de preto os conheciam muito bem de outros carnavais, de outras assembleias dos estudantes, de outras frentes de luta, desnudando sua limitações para ser julgada por tudo e por todos que ali estavam nas ruas naquele instante, levando a cabo a resistência até as últimas consequências, não mais em nome de si mesmos, mas daqueles que, ao testemunharem as repressões dos três atos anteriores pela televisão, e tiveram enorme empatia pela reivindicação principal, responderam as convocações virtuais e presenciais, foram às ruas, muitos pela primeira vez em suas vidas e viram, sentiram e testemunharam, com os próprios olhos e ouvidos, que o pacto da redemocratização brasileira tinha começado a desmoronar na Avenida Paulista, tal sintoma mórbido persiste até hoje, 10 anos depois das Jornadas de Junho de 2013.

As 17h de uma quinta-feira, num tempo agradável, mas que ameaçava esfriar, milhares de manifestantes começaram a se aglomerar em frente ao Teatro Municipal no Centro de São Paulo. Antes daquele dia, haviam ocorrido atos contra o aumento do preço  da passagem puxados pelo Movimento Passe Livre (MPL) e por todo o espectro da extrema esquerda paulistana: das legendas partidárias PSOL e PSTU a partidos não legalizados; dos marginais agrupamentos maoístas e trotskistas aos anarquistas suburbanos; das tribos anarcopunks aos independentes profissionais. A grande maioria da vanguarda presente nos atos era composta dos marginalizados, rejeitados e menosprezados agrupamentos da esquerda revolucionária e autonomista, com o MPL incluso, mesmo com seus militantes de maior referência tendo estreitas relações com lideranças do PSOL e do MTST.
O MPL se apresentava como uma organização horizontalista na teoria e discurso, e que abria grande brecha para respaldar todo o radicalismo dos agrupamentos autonomistas e dos marxistas marginalizados nas universidades e nos demais espaços, sejam seus poucos intelectuais docentes e tidos como birutas. Mesmo que boa parte das correntes internas do PSOL fosse mais próxima da atuação pela institucionalidade burguesa parlamentar, a mera crítica ao petismo como forma de dirigir e pautar a luta de classes pela perspectiva da classe trabalhadora no Brasil era jogado de propósito pela esquerda governista na mesma cesta das seitas e grupelhos marxistas. Aqueles que não partilhavam de sua mesma posição, na defesa do governo sem contestações e os criticava a esquerda, fora de seu complexo de entidades dirigidas e influenciadas pelo campo democrático-popular, eram condenados como esquerdistas

As grandes mídias agora estavam cobrindo ao vivo aquelas manifestações, pressionados pela própria audiência que cobrava a descrição genuína dos fatos. Ainda tentava dissuadir a população de somar-se a eles, a despeito de suas reivindicações, estavam limitados, até aquele momento à pauta dos transportes em São Paulo. Em várias outras capitais brasileiras onde havia também reajuste nas passagens, aproveitara-se à contestação nas principais cidades do país para também se mover em torno desta reivindicação. Como grande exemplo dessa tentativa inicial de pautar de forma externa a direção das manifestações, o famoso apresentador da televisão Datena, em seu programa sensacionalista, realizou uma ridícula enquete ao perguntar se mesmo com ”baderna” a população era favorável as manifestações [2]. Para sua indisfarçável decepção, a maioria tinha opinado a favor com grande margem de diferença. O apresentador (que por décadas foi filiado ao PT [3]), assim como a imprensa em geral, os governos em todas as esferas estaduais e municipais, a burguesia e o status quo nacional já sentiam que algo de diferente estava solto no ar, muito mais longe do cheio de chorume das lixeiras queimadas e do gás pimenta despejado na face de pessoas comuns que se somavam nos atos. O cheiro que lhes impregnava era inodoro, invisível, mas extremamente penetrante e marcante, era o cheiro da insurgência popular.

I.

Existe um grande problema ao escrever sobre um fato histórico que você tenha vivido e no qual atuado, mesmo longe de ter sido um protagonista ou qualquer coisa do tipo. É o acerto de contas com um passado em constante movimento. As Jornadas de Junho de 2013 nos parecem um prisioneiro aguardando permanente o veredicto, incapaz de ser reivindicado em sua totalidade, mas impossível de não defendê-lo de alguma forma, fazendo justiça a uma geração inteira de lutadores sociais, ativistas e militantes despertados naquelas semanas.
Misturando as percepções imediatas daqueles dias com a experiência e o acumulo do presente na exposição final, decidi neste ensaio, passar o espírito da época, na percepção de quem a viveu em um teatro de operações privilegiado, mas com plena consciência de sues limites e limitações naqueles tempos, muito fruto da própria idade e formação, afim de ser fiel as próprias reminiscências. Tomo como foco as manifestações de ruas ocorridas em São Paulo no mês de Junho de 2013, como uma humilde contribuição a memória e interpretação deste evento que ainda determina, e muito, a atual conjuntura brasileira. Seu prólogo começa com uma breve passagem sobre o 4º ato contra o aumento convocado pelo MPL, o ápice daquela primeira etapa das manifestações, para logo seguir com uma breve exposição sobre o contexto prévio daquele mês, dos eventos quentes de Junho de 2013 paulistano e suas consequências focando no ápice, nos limites e na superação do esquerdismo como alternativa a estratégia democrático-popular, isto é, ao petismo. Sem deixar de explicar os motivos de quem nele lutou por essa expectativa.

Tempos depois das Jornadas de Junho, Lula, já sentindo ele que sofria, junto ao seu partido, uma grande ofensiva de criminalização de tudo que representavam, afirmou com toda convicção que era um erro achar que tais atos eram democráticos e que, portanto, o Junho de 2013 deveria ser condenado [4]. Ele não fazia mais do que sintetizar a percepção do PT em relação aquelas manifestações, afinal, foram os maiores derrotados.
Eles sabem disso, os analistas burgueses, os cientistas sociais e toda a ciência política brasileira, independentemente de sua ideologia sabem bem que foi o PT o maior derrotado do Junho de 2013. Por isso seu desprezo a quem participou e construiu os atos, por mais que, no início e na maioria das cidades brasileiras, nas massas que aderiram a estas manifestações, quem se manifestava de forma independente e à esquerda tinha grande simpatia e tomava o PT como sua referência política. Na análise deles, e de grande parte até dos analistas de conjuntura da dita esquerda revolucionária, não haviam grandes convulsões na conjuntura nacional que justificasse tamanha insurreição por míseros 20 centavos, e bem menos nos desdobramentos para uma contestação geral aos fundamentos do sistema político institucional, e ao Estado Brasileiro de fato. Vamos procurar levantar alguns fatos da conjuntura internacional e nacional precedentes de forma breve e objetiva para ver que tal tranquilidade se limitava à aparência alienada do cotidiano.

II.

Havia uma crise econômica desencadeada nas principais potências capitalistas. Em suas economias centrais, as primeiras e brutais consequências foram sentidas por sua própria classe trabalhadora. Na Europa, as economias menos favorecidas da União Europeia (UE) pagaram mais que economias principais pela disseminada política de ajuste fiscal, com as reformas da previdência e trabalhista, a precarização geral das relações trabalhistas, o aumento do custo de vida e da carestia, tocadas por governos social-democratas que, na prática, eram governos social-liberais, fazendo suas classes trabalhadoras nacionais e grandes parcelas de suas classes médias pagarem pela sua submissão a tróika FMI-UE-BCE [5].
O PT sempre se inspirou bem mais na social-democracia europeia do que nos partidos de esquerda dos nossos vizinhos sul americanos. Por mais limitações que a primeira “onda rosa” possa ter tido, é inegável que o elemento de participação popular como mecanismo de pressão para aprovar políticas progressistas e levar ao limite seus respectivos programas foi bem mais forte nos nossos vizinhos do que por aqui, onde quase todo o movimento organizado dos trabalhadores, das demais classes e setores oprimidos influenciados por seu programa histórico, foi arrancado de sua radicalidade com seus métodos de luta sendo filtrados para gabinetes e assessorias parlamentares.
Ao que nos interessa, é verdade que certas políticas aprovadas no segundo mandato de Lula, como isenção de impostos, benefícios fiscais e programas de expansão de investimentos públicos, somados a expansão do crédito para pessoas físicas, geraram o retardamento dos efeitos econômicos da crise financeira mundial no Brasil. Tal popularidade pavimentou o trajeto para a sua sucessora, Dilma Rousself, com Lula encerrando seu segundo mandado com altos índices de popularidade e a elegendo em 2010 [6]. Outros fatos que não podem ser menosprezados desta análise são os preços altos das commodities, a consequente balança comercial favorável, a expansão do mercado chinês – nosso maior cliente dos produtos primários e agroexportadores -, recordes na produção de bens primários – nossa principal atividade econômica – e o giro do capital especulativo das principais economias desenvolvidas para outras economias emergentes e dependentes mundo afora em busca de valorização e especulação, sendo o Brasil, na esteira das obras para os grandes eventos esportivos, era desmaiado atraente para esse capital fictício, esse mesmo capital, o grande responsável por gerar a crise de 2008 nos EUA. [7]

Na área doméstica, nosso “pleno emprego”, com baixas taxas de desemprego, era sustentado por empregos de baixa remuneração e qualificação [8], com relativa estabilidade, apesar da maioria destes empregos terem baixa tradição sindical, e como consequência, uma pressão organizada, pioneira em seus setores, para defender aumento dos salários e reivindicação de direitos trabalhistas visando o aumento da renda real [9]. Por outro lado, havia uma grande parcela da população combinando os benefícios sociais de transferência de renda com serviços informais de trabalho como complemento, havendo muita renda em circulação. A parcela que dentro deste contexto social, conseguiu acumular bens duráveis de consumo e aproveitou na facilidade de acesso ao crédito para obter veículos e imóveis, para morar ou usar para obter renda extra em forma de aluguéis, formou a base daquilo que ficou conhecido como a Nova Classe Média Brasileira [10]. Com certeza, muito distante dos padrões de consumo da classe média do Ocidente, mas com melhores condições materiais e de estudo que as gerações locais que as antecederam. Seus filhos poderiam ser dispensados do trabalho para estudar e cursar o ensino superior, obtendo melhores postos de trabalho. A realidade de um consumo de bens de qualidade fazia parte da propaganda do governo federal como demonstração de força da economia brasileira. As expectativas eram altas demais.

Antes de voltar para a análise da conjuntura nacional, cabe aqui passar novamente a conjuntura internacional da época. A crise econômica de 2008 teve como uma de suas causas a então descrita Guerra Ao Terror promovida pelos EUA e OTAN contra o terrorismo internacional, com foco no Oriente Médio e norte da África, responsáveis pelos atentados de 11/9/2001 e alguns outros atentados mundo afora. Ao fim da Guerra Fria, se reafirmando como única superpotência militar, econômica e política do planeta, os EUA sentiam-se a vontade para promover suas concepções de “Democracia e Liberdade” com elevados gastos militares, em intervenções que resultaram em ocupações diretas, como no Iraque e Afeganistão, ou em intervenções pontuais e extra-oficias, levadas a cabo por forças especiais e mercenárias, empregando bombardeios de mísseis de cruzeiros e drones, matando na casa de dezenas de milhares de civis vitimas dessa “Liberdade e Democracia”[11]. O efeito poderoso de sua ideologia hegemônica fez sentir nas reivindicações destes povos no combate a autocracias e ditaduras locais, independentemente se estas eram coniventes com os EUA ou não.  A dita Primavera Árabe realmente teve em sua origem, uma contestação legitima de maiores liberdades democráticas que poderiam beneficiar a luta de classes dos países árabes e no combate a ingerência estrangeira a suas nações. Com vemos hoje, por um lado, regimes alinhados aos EUA foram sustentados, quebrando qualquer ilusão com a concepção de democracia ocidental, enquanto em outros Estados, ganhou contornos de guerra híbrida e guerra de fato, como na intervenção militar da OTAN na Líbia em 2011 e na Guerra Civil Síria que persiste até hoje. Seu efeito colateral mais notável foi a reedição final da Guerra ao Terror no combate ao Daesh (Estado Islâmico) e a intensificação da crise migratória decorrente do caos instalado e agravado nestas nações.
É importante recordar em breve dos eventos da Primavera Árabe, na medida em que esta era relativamente coberta pela imprensa no Ocidente e na América Latina. Na Europa, ela ajudou a dar um impulso e serviu de inspiração para levar massas às ruas em prol de suas próprias particularidades domésticas, e no Brasil, durante as Jornadas de Junho, era usada como comparativo no senso comum dos manifestantes como forma de crítica a uma suposta passividade do brasileiro em não sair às ruas para reivindicar direitos e defender seus interesses [12]. Até pela consciência média do proletariado brasileiro na época, tal crítica de viés moralista não seria algo estranho, se levarmos em conta as referências críticas aos problemas econômicos, políticos e sociais brasileiros antecedentes ao mês.
Em que pese o contexto internacional, os principais motivos do levante de Junho de 2013 estavam fixados nos nossos próprios problemas domésticos.

III.

As tensões sociais existentes (menos intensas se comparadas com hoje), não estavam tão baseadas na sua intensidade em si, mas nas suas perspectivas de superação prometidas por quem se elegeu e baseou todo seu programa histórico em lhes superar. A suposta melhoria das condições de vida dos trabalhadores brasileiros era bem frágil e excessivamente dependente da conjuntura internacional conforme vimos antes. Mas muito mitigadas seus efeitos em políticas de retardamento da crise.
As tensões sociais brasileiras eram manifestadas através da especulação imobiliária, favorecendo grandes corporações imobiliárias e construtoras, e fazia os programas de moradias populares pouco atenderem a demanda real por habitações, de uma população com um número cada vez maior de sem tetos e aluguéis cada vez mais caros, que comprometiam a renda e jogava a população para regiões mais afastadas dos postos de trabalho e de serviços públicos. As obras para a Copa Do Mundo e das Olimpíadas no Rio de Janeiro impulsionavam essa especulação em regiões que antes eram mais acessíveis para a classe trabalhadora e parcelas da classe média. As obras da Copa eram uma grande contradição com as expectativas geradas de melhoria de prestação dos serviços públicos no país. Enquanto se gastava bilhões em estádios de futebol e obras de infra-estrutura atrasadas e mal executadas (com muitas não concluídas até hoje [2023]), a expansão do ensino privado básico e superior e dos planos de saúde privados, em contraste com a precarização do SUS e do ensino básico brasileiro, não só reforçava a noção de inclusão pelo consumo, como piorava o acesso de grandes parcelas de nossa classe a serviços públicos de qualidade. Dentro dessa mesma conjuntura, o “pleno emprego” criava uma situação onde os salários eram pressionados a render mais, nos processos de luta das categorias mais sindicalizadas, e mesmo naquelas que não encontrava amparo em nenhuma entidade sindical a situação era parecida, refletindo em um aumento exponencial das greves reivindicando aumento dos salários e melhorias nas condições de trabalho [13]. Em alguns lugares, de formas mais isoladas e pontuais, a luta de classes neste país nunca deixou de ser quente.
Reintegrações de posse violentas, com destaque para o Pinheirinho de 2012 [14], aumento do encarceiramento da população negra [15] e periférica e da violência policial, intervenções militares que trouxeram o modus operandi das missões da ONU no Haiti, lideradas pelo Brasil, para o Rio de Janeiro [16], a implementação das UPP’s no mesmo Rio de Janeiro, greves estudantis  que acabaram em ampla repressão e criminalização [17] etc. Tudo isso ajudou a forjar as pontas de lanças do que havia de mais radical na esquerda brasileira do início da década de 2010, sendo estes mesmos atores,  grandes responsáveis por resistir e levar a cabo os atos contra o aumento das passagens no caráter necessário para torná-los atos de massas.

Ao contrário do que diz a propaganda petista difundida para as atuais gerações de lutadores, ativistas sociais e militantes de esquerda, não havia toda essa paz. Na verdade, quando houve paz para os trabalhadores no Brasil?
Pode-se argumentar, com razão, que durante seus governos, pautas sociais foram conquistadas e as condições de liberdade de expressão e manifestação política eram melhores, o que foi definitivamente ameaçados a partir de 2013. E que tais atos de repressão e expansão dos ataques aconteciam também nos governos estaduais e municipais, realizados por governantes de centro, da direita e da oposição tucana da época com maior intensidade em estados e municípios governados por petistas e aliados de primeira hora. Logo, não era responsabilidade única e maior dos governos “progressistas” e aliados.
Ah, claro! Com certeza meus companheiros! Mas então vão aqui algumas perguntas:
Se é certo que havia tensão social reprimida e esta era sufocada pelos agentes da política tradicional brasileira a governar os parlamentos e os executivos estaduais e municipais, o que foi feito para politizar a própria base social de apoio durante estes anos de estabilidade para evitar que suas conquistas fossem tão facilmente destruídas em um espaço de tempo tão curto e tão pouca resistência de suas próprias bases sociais e dos trabalhadores organizados?

Se expectativas geradas em torno da melhora do Brasil, promovida e potencializada pelo PT enquanto governo, a iminência da realização dos eventos esportivos se tornaram um parâmetro da correspondência dessas melhorias e uma aceleração dessa pressão pela correspondencia [18]. Antes, os inimigos de nossa classe tentaram canalizar a revolta contra o PT num movimento de massas em vão, ao atribuir suas limitações a uma questão moral , o que ocorre quando estouraram os escândalos de corrupção do Mensalão em 2004/05, e houve anos depois, a punição de alguns dos mais notáveis quadros históricos do PT em 2012 [19]. Como a economia ia bem e não havia tanta expectativa assim de uma melhora rápida dos problemas nacionais, tal crítica ficou reservada aos ressentimentos moralistas da imprensa saudosista do governo Fernando Henrique Cardoso [20], como é a prática dos jornalões O Globo, Folha e Estadão e dos colunistas destes jornais e sua extensão em blog’s, rádios e telejornais, que funcionam como verdadeiros “Orgãos Centrais” do PSDB. Tal crítica a corrupção, feita de forma abstrata e bem focada somente nas gestões petistas, por um lado ajudou a organizar extratos da classe média em torno desta pauta [21], e por outro, o PT pouco fazia aquela altura,  se desvincular dessa imagem de corrupto, não somente pela prática de tolerar corrupção dentro de suas fileiras, mas por ter como aliados no congresso e nos parlamentos estaduais e municipais notáveis corruptos e políticos desprezados pela população como inimigos históricos dos trabalhadores (a exemplo de Maluf, Sarney e Collor), além de uma penca de representantes das políticas regionais em estados onde a corrupção, o superfaturamento e os desvios de verba públicas são legalizados e mantidos mediante a coerção e a repressão direta a quem denuncia. Tudo isso em nome da governabilidade, de mediar com quem de fato representa os interesses da burguesia brasileira e de regular tudo para manter tudo como está. A mobilização popular trocada por acordos de gabinete.
A crítica a corrupção encontrou eco em organizações pequenas da classe média alta, bem financiadas, prontas para que suas reivindicações encontrassem adesão em momento oportuno. Mas até aquela altura, e mesmo pouco tempo depois de 2013, tal pauta não encontraria tanta base de expansão. Isso, até surgir a Operação Lava Jato, levada a cabo por essa mesma pequena burguesia, guiada por interesses da alta burguesia, que tentava se livrar do PT ao ver sua limitação para sustentação da estabilidade política até então.

O que mais impressiona é como o terreno para que essa estrutura se livrasse do PT para salvar o sistema capitalista do nosso país foi preparado com a ajuda do próprio PT, desse mesmo governo. A retórica nacionalista era bastante enfatizada pelos governos petistas, afim de potencializar um clima de entusiasmo para a realização dos grandes eventos esportivos, em especial a Copa do Mundo (afinal, somos o “país do futebol” e na América do Sul, futebol é coisa séria, tendo grande importância para entender a subjetividade de nosso povo e de sua luta de classes). Dentro disso, a exaltação a pátria brasileira e os apelos à unidade realmente encontravam coro em toda a classe política nacional. Por mais que existissem contradições entre os partido burgueses, entre a esquerda do campo democrático-popular no governo, entre o executivo e o legislativo, entre estados e municípios, entre a classe política e o judiciário, entre os três poderes etc. havia ali uma união sagrada onde o sucesso de tais eventos significava o sucesso de todos eles, porque o Brasil estaria “dando certo” na cabeça deles, seus objetivos eleitorais e de manutenção de postos de poder estariam muito bem encaminhados, numa onda de quase ufanismo completo que perpassava desde a propaganda oficial dos governos até as peças publicitárias anunciando que deveríamos sair às ruas para participar da maior arquibancada do Brasil. O evento teste, a extinta Copa das Confederações, com as sedes em Fortaleza, Belo Horizonte, Salvador, Recife, Brasília e Rio de Janeiro aconteceu em Junho de 2013, quando nas manifestações nestas cidades tiveram destaques as críticas ao evento e a copa como um todo.

Havia muita expectativa acumulada, e a frustração é proporcional à expectativa, e frustração gera revolta. Se havia uma grande tensão social, o que pouco é compreendido ou ignorado de propósito é o que de fato levou o aumento das passagens em si e a reação em forma de repressão violenta tornar-se a gota d’água de toda essa convulsão nacional e de uma insurgência espontânea jamais vista. Tomando como objeto geográfico a Grande São Paulo, onde é atribuído o ponto de virada destas manifestações, vamos a sua análise.

IV.

O questionamento que mais se ouvia das esquerdas na época era, porque diabos o aumento das passagens do transporte público – uma mera disputa de regulação de preços de uma mercadoria isolada – provocou uma convulsão social em detrimento de outras reivindicações mais justas e de maior impacto para a população no geral. As forças conservadoras, em sua maioria também estavam sem entender o motivo principal de tamanha revolta.
Os que tentam analisar a questão do transporte público dentro de si mesma estarão condenados ao fracasso, mas quem tenta menosprezá-lo como fator de grande relevância para a revolta também estará fracassando ou sendo desonesto em sua análise. Para entender o porque da pauta das tarifas do transporte ganhar tamanha adesão e repercussão, a análise prévia ajuda a entender a tensão geral, mas sobre a tarifa isolada, as linhas a seguir trabalharão na sustentação da tese.

Como sabemos, nas grandes capitais brasileiras havia um enorme avanço da especulação imobiliária, e a política de “pleno emprego” era sustentada por precários postos de trabalho, onde micro e pequenas empresas, com pouco menos de cinco funcionários, e empresas terceirizadas eram os grandes empregadores. Aumento das tarifas do transporte público para muitas dessas empresas significa maiores filtros na seleção de novos empregados e novos critérios de demissão, já que não era desejável empregar funcionários sujeitos a atrasos na sua vinda ao trabalho por conta de contratempos no transporte público, por este mesmo funcionário residir em regiões afastadas dos seus locais de trabalho e depender mais de uma condução. Isso quando sempre era reafirmado pela propaganda oficial dos municípios que o aumento da passagem poderia ser revertido na melhor da qualidade deste mesmo transporte público, o que não muitas vezes não corresponde à realidade. É comum na grande São Paulo, por exemplo, candidatos a emprego mentirem a seus entrevistadores sobre a real necessidade de ter um vale transporte que contemple o uso de metrô/CPTM integrado aos ônibus, para não encarecer o futuro vale e como consequência, reduzir suas chances de ser empregado. Custa-me a acreditar que nas demais regiões metropolitanas Brasil afora, onde o setor de serviços corresponde ao de maior concentração de vagas e tais postos de trabalho concentram-se em seu centro, a situação não seja parecida para a grande maioria da classe trabalhadora. Os trabalhadores precarizados são dependentes da combinação de salários de seus cônjuges para obter melhores condições de vida. As famílias nas periferias brasileiras precisam ter pelo menos uma fonte segura de renda na casa para conseguir viabilizar a aquisição de bens de consumo permanentes, como eletrodomésticos e veículos, independentemente se essa renda vem de algum programa de transferência de renda, aposentadoria ou emprego CLT, desde que seja estável. Qualquer subida nos preços das mercadorias básicas para suprir suas necessidades implica numa redução no consumo e na qualidade destas mercadorias. Os alimentos e a mudança nos hábitos domésticos de consumo de energia elétrica e água são um bom reflexo dessa redução do poder de compra, assim como o aumento da inadimplência das compras parceladas e dos financiamentos. A passagem do transporte público é o gasto mais incontornável, o fixo, o incapaz de ser burlado para quem depende deste para trabalhar ou precisa cumprir a extensa jornada casa-trabalho-estudo [22]. Com a difusão da integração via cartões, não se pode evitar o pagamento dessas passagens, esse gasto fixo torna-se insustentável para quem depende dele e atinge com maior agressividade os informais que tem a incerteza dos seus ganhos uma realidade constante. A principal base popular da revolta contra o aumento das passagens do transporte público paulistano foram todos esses setores de trabalhadores precarizados formais e informais, na grande parcela dos trabalhadores que atenderam as convocações daquela vanguarda, na maioria, setores da classe média universitária, que saíram às ruas exigindo a redução da passagem. 

Uma crítica muito comum feita pela esquerda do campo democrático-popular sobre os primeiros atos era a ausência da classe trabalhadora organizada, isto é, das centrais sindicais, movimentos sociais e das entidades estudantis como um todo, das uniões municipais e estaduais de estudantes, dos movimentos populares – todos dirigidos por eles é claro! – e qualquer força que estivesse sobre seu guarda-chuva [23]. Ora bolas, exigir formação, organização e disciplina de quem nunca sequer tinha sido convidado a se organizar antes é no mínimo desonesto. Como vimos antes, são setores de baixa ou nula sindicalização, de alta rotatividade e instabilidade em seus empregos, que pulam de emprego em emprego pois os patrões lucram assim para manter a remuneração baixa, e sua qualificação igualmente baixa, para sempre garantir um exército industrial de reserva para toda a economia nacional. São também estes setores que estão mais sujeitos a precarização dos serviços públicos nos seus respectivos locais de moradia e se tornam os mais abnegados lutadores sociais, a erguer a força autônoma de movimentos sociais, e trabalham reivindicações especificas em torno da melhoria de seus territórios. A título de exemplo, o fato de um movimento popular como o MTST conseguir, dentro das esquerdas, a  configurar numa das poucas exceções a entender a dinâmica do Junho de 2013 e usar da mesma para potencializar e angariar vitórias para suas reivindicações, se explica em grande parte pelas camadas populares que aderiram as manifestações a partir de 13 de Junho de 2013, isso ocorre após a vanguarda daquelas primeiras manifestações convoca nas redes e nas ruas, realizando um intenso trabalho de panfletagem, colagem de cartazes e agitação nas redes sociais para que este ato – o 4º da série – tivesse adesão de populares não partidários bem maior que os três primeiros, já altamente criminalizados, reprimidos e sofrendo para não serem isolados e retrocederem como nos anos anteriores, pois desta vez, havia o risco, sério de nunca mais ocorrer essas manifestações tocadas por aquelas lideranças, que estavam sendo criminalizadas e perseguidas até o pescoço [24].
Fez uma grande diferença ter como agitadores aqueles indivíduos que antes apareciam nas câmeras de TV sofrendo repressão, nas portas das estações de trem e terminais rodoviários, recebendo apoio da população, tirando dúvidas sobre o que aconteceu naqueles dias, lhes apontando veículos ativistas como a Mídia Ninja e páginas de suas respectivas organizações para serem acompanhadas e seguidas como fontes de informações confiáveis sobre suas pretensões, para inteirarem do que de fato acontecia naquelas ruas, combinado a presença física com as novas tecnologias de comunicação das redes sociais para fins políticos. A sua reportagem dos fatos ganhava respaldo,  mas faltava saber se tal respaldo se materializaria nas ruas. E a partir disso, depois daquelas repressões dos 3 primeiros atos, lá foram para o 4º ato da série.

V.

O dia 13 tinha chegado, a ansiedade dos veteranos se misturava ao receio dos novatos. Afinal, sempre havia detidos por qualquer motivo. Bastava caminhar um pouco pelo centro de São Paulo para ver enquadros coletivos de homens e mulheres que estivessem supostamente a caminho da manifestação, mesmo que sequer soubessem que haveria uma por ali. As ordens superiores do comando da Polícia Militar pareciam mesmo de intimidação do início ao fim do ato, estava bem claro no enorme efetivo policial presente em torno do Teatro Municipal. A supressa foi à adesão popular, já bem maior do que as caras de sempre presentes nos três atos iniciais e de outros carnavais da esquerda paulistana. Fato de que a maioria eram jovens, mas que por ali trabalharam ou estudavam pelo centro de São Paulo, imediatamente saindo de seus locais de trabalho ou cabulando aula, para somar-se  ao ato, portando cartazes de cartolina com palavras de ordem. Cheios de indignação e revolta, mas dispostos a se manifestar de forma pacífica. Faltou combinar isso com a PM, com seu batalhão de choque e com os veteranos mais radicais daquelas manifestações, estes últimos eram os rejeitados e marginalizados do Movimento Estudantil Universitário, tratados como desprezíveis esquerdistas pelas forças hegemônicas destes. Mesmo que partes de seus programas tivessem identificação direta com o projeto histórico do PT, foram desprezados por essas forças ao atacarem, ora brandos ora duros, o governo presente. A vanguarda dos atos e a retaguarda do MPL paulistano configuravam todas essa forças, variando de determinadas correntes do PSOL aos anarquistas. Eram a esquerda fora do poder, dos acordos de gabinete, dos cargos no 2º e 3º escalões do governo, marginalizados quase sempre das entidades que disputavam, tratados como inconsequentes, agitadores irresponsáveis e meros radicais anacrônicos, onde, num passado não tão distante, a palavra revolução significava para esses setores uma utopia de fato, decretando que Lênin tinha sido superado definitivamente. [25]

Não a toa, foram estes grupos que incorporaram a tática Black Bloc aos atos locais, importando da Europa e dos EUA a tática que combinava a defesa da manifestação, o anonimato, a resistência a repressão policial e a ação direta. Sendo bem coerentes com sua tática e objetivos de defesa do ato e de seus manifestantes, para quem estava nas ruas desde o inicio, os Black Blocs eram tão legítimos de estar ali quanto qualquer um. Compostos na sua vanguarda de veteranos anarquistas e outros lutadores sociais, cuja experiência local remonta ao inicio dos anos 2000, haviam protagonizado lutas contra a ALCA e o aquecimento global, inspirados no estrangeiro pela Batalha de Seattle de 1999, pelo Occupy Wall Street de 2011 e se valendo da tradição de resistência do próprio Brasil, a qual era gestada em novas formas, a exemplo da ocupação do Pinheirinho. É canalha por princípio condenar a tática e seu importante papel de defesa das manifestações. Ganharam rapidamente a adesão de uma juventude comprometida a levar até as últimas consequências as reivindicações, se arriscando na defesa de manifestantes e até de populares que transitavam por aquelas ruas e sofreram na mão da repressão policial, naquela altura atirando para todos os lados, contra qualquer um que estava a sua frente. A extrema violência do batalhão de choque, empregada na repressão de bailes funk e nos estádios de futebol, usada para reintegrações de posse contra ocupações e até em ocupações de reitoria de universidades, dava as caras em pleno centro paulistano, ignorando qualquer apelo de “sem violência” vinda de novatos manifestantes e ingênuos pacifistas.

Se antes, poucos acreditavam que aquela manifestação por uma pauta justa sofria de tamanha repressão, ao irem aos atos, testemunhar e sofrerem na própria pele a veridicidade dos fatos. Estava certo para qualquer um e para todo o mundo político brasileiro que dali para frente a massificação das ruas seria inevitável. Rapidamente, começa um amplo movimento da imprensa e dos governantes (depois que parte de suas equipes de reportagem sofreram diretamente com a repressão generalizada e sua imagem ficar manchada pela defesa anterior da repressão) na disputa daqueles atos, na sua interpretação e nos seus objetivos. A pauta da redução das passagens, enquanto não era concedida, ainda estava em pé como sua principal reivindicação, justamente por ser a pauta única, prioridade e unidade nas forças que levavam a cabo as manifestações desde o inicio, foi de grande importância para que uma palavra de ordem clara e justa para a população conquistou o sucesso da conquista dias depois.
Mas a partir dali, a imprensa, com uma abordagem diferente das manifestações, obrigada a cobrir elas pela repressão ter estourados olhos de seus jornalistas [26], cacetetes e balas de borracha distribuídos a atacado, da condenação dos manifestantes e dos populares a partir de uma cobertura tendenciosa que buscava manipular fatos, e a crescente opinião pública a favor das manifestações, passou a condenar unicamente os atos de vandalismo, os Black Blocs e  quem os tolerava, isto é, a esquerda revolucionária, para um canto de destaque negativo.
O perigo ali estava na necessidade do avanço da consciência dos manifestantes de que os métodos contra a repressão e a  ação direta, para melhor êxito, necessitavam de uma direção mais organizada, a fim de se valer do emprego da violência para conquistar os objetivos políticos.  Nos atos, não raro, mesmo aqueles que não eram adeptos a tática, estavam cobrindo seus rostos, não gostaria de aparecer na Televisão e na interne, e, ao mesmo tempo, estavam dispostos a serem empregado nestas ações mais contundentes como uma segunda linha de defesa da manifestação, desde que tivessem um claro direcionamento. Foi essa necessidade de centralização dos atos que foi pulverizada com a disseminação de um amontoado de reivindicações, algumas delas legítimas para as esquerdas e coerentes com as manifestações desde o inicio, como a crítica a realização da Copa do Mundo, e outras foram inseridas e focadas num abstrato combate a corrupção, se valendo de uma revolta legitima de grande parte da população com a política institucional e com essa mesma corrupção, seu sintoma mais vulgar.
Tanto a direita quanto a extrema esquerda, sabíamos que em São Paulo, quem não botava o pé nas ruas até então apresentando sua organização partidária de forma clara, sem a mediação das entidades que dirigem, era o PT. Se em algumas cidades, o mesmo se fazia presente [27], é bem verdade que isso se limitava a tímidas presenças de determinadas correntes internas deste partido ou mesmo presenças de filiados/militantes individuais que tomavam a liberdade de se apresentar como sendo do PT e defender ali seu programa, seu governo e seu legado. O então secretário geral da presidência de Dilma I e abnegado dirigente petista, Gilberto Carvalho, já nos finais de 2012, conclamava a militância petista a sair às ruas por Lula [28]. E, se entendemos aqui Lula como um projeto político de poder para o país e o Lulismo como o petismo no Governo Federal, este sentia melhor do que qualquer outro petista que a calmaria logo iria acabar e a bomba estouraria no colo do governo Dilma, mais cedo ou mais tarde. A sua tentativa de convencer os embriagados colegas de partido, entusiasmados com a aparente tranquilidade da conjuntura brasileira e com a proximidade dos eventos desportivos, foi em vão e somente teve resposta quando a crise instalada contra todo o sistema político nacional estava começando a atacar com maior força o próprio PT. A ordem, logo após 13 de Junho, foi colocar todo o aparato militante petista [29] nas ruas para a próxima manifestação, marcada para o dia 17, segunda-feira.

VI.

Quis que neste mesmo dia 17, no 5º ato contra o aumento, que alguns agrupamentos do PT e a direita saíssem juntos nas ruas, com uma enorme massa de manifestantes primários presentes, uma verdadeira arena em disputa. Todo o potencial político a ser explorado daquela massa nos parece pouco compreendida no calor do momento pelas vanguardas ali presentes, fruto de suas próprias limitações, que anos mais tarde, ficariam bem visíveis para si mesmas. Em que pese toda a agitação dos meios hegemônicos de comunicação convocando a população a “sair para as ruas com responsabilidade”, em torno de “pautas justas”, “pelos vintes centavos, mas não somente por eles”, a condenação do PT até pouco tempo antes das manifestações e até a sua participação direta na repressão, por seu governo em cidades e estados que administrava e ocorreram atos, não era assim de tão fácil tolerância pela massa veterana radical das manifestações passadas. Tanto assim foi, que na concentração do Largo da Batata, setores ligados a juventude do PT decidiram concentrar seu bloco a parte do bloco encabeçado pelo MPL e outras forças de esquerda [30]. Cercados de populares que até então acompanhavam as manifestações pela TV, foram escrachados da manifestação, sendo obrigado a omitir seus símbolos e bandeiras e até mesmo sair em fuga para não sofrer agressões daqueles já agitados pela retórica da direita. Tampouco encontrava muita simpatia vinda dos setores mais radicalizados da esquerda, cansados do desprezo que estes dirigentes e arrogantes petistas tinham com eles, e provaram ali que sua atitude arrogante “de tomar de volta as ruas de volta para si” não daria certo, pois elas já não pertenciam a mais ninguém, nem mesmo ao MPL [31]. A Lição foi assimilada em parte, e resolveram no dia 20, no ato posterior a redução das passagens, ficarem mais próximos do bloco da esquerda revolucionária e ali permaneceram.

Enquanto a tarifa não reduzia em São Paulo, essa reivindicação permaneceu a principal. A nova leva de manifestantes ali presentes estava protestando agora por qualquer coisa, para qualquer objetivo, se isso fosse entendido como a mudança geral do país. Pautas como o fim da PEC 37, programas de combate a corrupção e outras cinco panacéias [32] que mal se sabia o porquê estavam sendo reivindicadas, já estavam na boca do povo e eram defendidas com muita contundência por gente que até ali andava junto aos vermelhos e aos vestidos de preto, alem de já empunharem cartazes que traziam coisas como a defesa de Joaquim Barbosa [33] para a presidência, a saída de Renan Calheiros da presidência do congresso e leis de combate a corrupção.
Fato é que a jornada da semana interrupta de manifestações teve seu ápice no dia 18, Terça, onde a radicalização definitiva foi levada a cabo como uma contra resposta dos autonomistas às condenações aos “atos de vandalismo” pelos governos e imprensa, como forma de demonstrar a tudo e a todos que aquela tática, a serviço de uma pauta justa e legitimada pela massa, poderia realizar a conquista da reivindicação. Mas Alckmin, astuto, sentindo os ventos da referência política dos atos migrarem da extrema esquerda para a direita e vendo que até ali havia um jogo duplo do petismo [34] de, ao mesmo tempo condenar os atos e de alguma forma os cooptar para a defesa do seu governo, lança um poderoso ardil que provocou a segunda virada nas manifestações. Praticamente retira a Policia Militar do centro de São Paulo, larga a responsabilidade para a GCM de Haddad, que fica com o ônus de defender o prédio da prefeitura e enfrentar os manifestantes que desejavam invadi-la e atear fogo em tudo que estivesse em sua frente. O centro foi tomado por saques e depredações e aos olhos de muitos presentes e dos expectadores na TV e internet, a violência dos manifestantes tornou-se inválida. Toda a justificativa de responder os atos com ação direta perde sustentação do ponto de vista popular e os adeptos da manifestação pacífica e das reivindicações para além dos 20 centavos deslocam-se em massa para a Av. Paulista, em paz e largam a anarquia do centro para a esquerda revolucionária, o MPL e os Black Blocs, muito bem explorado pela cobertura midiática. [35]
No dia seguinte, a tarifa é reduzida na capital paulista, em pronunciamento conjunto do governador do estado com o prefeito da capital, logo após a partida do Brasil na Copa das Confederações. A principal reivindicação é atendida, o que dava legitimidade ao MPL, a reivindicação da tarifa zero, mote do último ato central do MPL, agora tinha de ser disputada em protagonismo com outras reivindicações. O dia 20, quinta, foi o resultado final do ardil preparado pela burguesia.

VII.

Nos atos anteriores, bandeiras de estados e municípios, lixeiras, entulhos, e, em alguns lugares, até mesmo ônibus e agências bancárias eram incendiados pelo povo. Na Batalha da Paulista [36] de 20 de Junho de 2013, o que estava sendo queimado eram bandeiras de sindicatos e entidades estudantis, de partidos e organizações políticas da esquerda, sendo o PT a sua preferida. Se antes, a PM era a principal protagonista da repressão, naquele dia, agrupamentos de extrema direita, com uma retaguarda de populares revoltados com partidos políticos, e levados pela palavra de ordem de “sem partido” até as últimas consequências, assediavam e atacavam o bloco das forças petistas, que logo foram se proteger junto a esquerda revolucionária. O próprio MPL, abrindo mão de conduzir a marcha, saiu em defesa da esquerda, e, ao contrário do que tanto se difamou por ai, veteranos da tática Black Bloc se somaram a defesa e compram briga com autênticos fascistas, já ali presentes e confortáveis nas ruas. O movimento de sair às ruas em defesa do governo federal e de buscar colocar as manifestações sob sua influência, ocorreu com a perspectiva de acharem que as ruas ainda  lhes pertenciam e de resgatar uma memória, já ali em 2013, remota dos processos de luta da redemocratização [37], demonstrava seu completo equivoco e fracasso. E a esquerda revolucionária, na sua incapacidade de levar a cabo uma estratégia política independente dos petistas, apanhadas de supressa pelos eventos, estava quase igualmente perdida. E a classe trabalhadora como um todo, mal saberia reagir em bloco quando havia passado décadas desmobilizada, despolitizada e desconvidada a defender nas bases, de fato o projeto político que um dia foi seu.
A partir dali, as coisas estavam perdidas. Prosseguir convocando as manifestações sem ter a hegemonia da pauta não parecia adequado ao MPL, já com sua suposta autoridade e legitimação apagada por todo aquele mar de reivindicações. A decisão de sair às ruas, quando nem mesmo a direita poderia sustentar manifestações por muito tempo e no mesmo ritmo de atos por conta da sua divisão e confusão, deu espaço, para que no último respiro do próprio Junho de 2013, na sexta-feira, dia 21, qualquer um pudesse reivindicar o que quisesse, desde a expansão dos direitos LGBTQIAP+ a intervenção militar. Saíram às ruas para nunca mais sair delas, mesmo em menor número, mesmo pelo menor motivo, mas sempre tentando de alguma forma, resgatar o ambiente daquelas semanas que abriram a presente conjuntura nacional. Cidades tiveram suas primeiras manifestações de rua do século, uma silenciosa greve espontânea era levada a cabo por trabalhadores próximo aos locais de manifestação, os quais paravam seus locais de trabalho desejando “realizar algo pelo Brasil”. O Brasil inteiro tentava dar a sua contribuição ao que estava acontecendo. De todas as convocações para as ruas, uma propaganda de televisão expressava bem a subjetividade de cada um ali nos atos: o gigante acordou! [38]

VIII.

Amanha vai ser maior! Amanha vai ser maior!
É o que gritávamos depois de cada ato encerrado. Mais que uma palavra de ordem, era uma expectativa que deveria ser correspondida por quem ali estava, como obrigação imposta a cada manifestante ou grupo presente. Nesta tentativa de tornar o amanhã maior, as tentativas posteriores de “repetir” o Junho de 2013 por parte da vanguarda dos atos iniciais soaram como ecos daquele mês, todas elas tentaram responder: o que poderíamos aproveitar para o nosso campo daquelas jornadas? Nesta penúltima parte vou me deter no ápice e queda da estratégia esquerdista.

O sabor da vitória é algo bem limitado quando se trata de luta de classes. Ela sempre tem a iminência de ser revertida. Mas quando se conquista a vitória em torno da reivindicação principal, o sentimento de orgulho e certa redenção cristã tomam conta do sujeito, principalmente se estes mesmos grupos ou indivíduos sofreram toda a condenação de sua participação nas manifestações e nas ações diretas, e poucas vitórias colhiam no passado, sendo alvo de posições e comentário que os ridicularizada diante de todos.
O lado positivo da vitória nos traz isso, segurança, confiança e determinação para seguir adiante. Mas também traz algumas armadilhas. Se para os indivíduos, é requisitado que o ego seja controlado diante da vitória, para organizações e agrupamentos políticos, é necessária cautela em dobro para não jogar fora a vitória conquistada. O MPL parece que sentiu isso no dia seguinte, ao tentar levar adiante sua reivindicação principal e ver essa ser diluída no mar de pautas existentes, precisando realizar sua retirada dos grandes atos e focar num rearranjo de forças e em pautas focalizadas dos transportes, cumprindo seu papel de movimento social em torno da reivindicação principal. O mesmo MPL faria uma aparição externa de pompa em Outubro de 2013 [39], reivindicando a tarifa zero e logo depois, ao celebrar um ano da redução da passagem em 2014, com direito a repressão, ônibus incendiados e destruição de patrimônio de luxo, porém, a tentativa derradeira de repetir a fórmula foi colocada a prova em Janeiro de 2015.

Estava tudo ali, a pauta era novamente contra o aumento das passagens, desta vez, o reajuste era bem maior – R$3,50 em São Paulo, as forças presentes eram as mesmas, com o adicional do “reforço” das entidades estudantis dirigidas pelo campo Democrático Popular (UNE, UEE,UBES, UMES etc.) formando a frente de luta contra o aumento. E claro, os autonomistas, anarquistas prontos para aplicar novamente a tática Black Bloc a serviço da reivindicação, mais experimentados dos atos de 2014, com destaque as mobilizações contra a Copa. Contudo, os inimigos de classe pareceram melhor e mais rápido assimilar as lições do processo da luta de classes do que nós mesmos, e o risco dos nossos inimigos e adversários conseguir tirar as lições e compreender a estratégia e as táticas empregadas por nós melhor do que nós mesmos, as chances de derrota do nosso campo eram bem maiores.
O roteiro não fugia. Havia repressão tanto durante a marcha quanto depois. Havia a mesma forma de decidir a direção do ato, como os jograis – aquela “criativa” forma de decidir um trajeto. Havia também ali a criminalização de manifestantes, a divulgação nas redes e até os inimigos políticos eram iguais. Na aparência, tudo parecia exatamente igual, era tão igual, que nos perguntávamos se tudo aquilo não soava como uma paródia, uma “forcação de barra”, para gerar os mesmos fatores políticos e fazer com que a atmosfera de junho de 2013 regressasse em plenas férias escolares de verão.
Observem bem. O passe livre para estudantes havia sido estabelecido e decretado na primeira semana de Janeiro, anunciado em todos os canais possíveis [40]. O principal público vanguardista de Junho 2013 e também presente em Janeiro de 2015 era composto das camadas médias militantes do Movimento Estudantil universitário, estendido de forma menor para secundaristas, ou seja, os principais beneficiários. Se a politização e centralização de suas organizações lhes convocava para os atos e isso bastava também para colocar nas ruas algumas centenas de independentes e ativistas, o mesmo não valia para todo o restante do corpo estudantil paulistano, de férias, beneficiado por não precisar pagar para ir até o local de estudo e usar (na época) a mesma passagem para se deslocar ao trabalho. As entidades estudantis atribuíam a si de forma isolada a vitória da conquista do passe livre estudantil. Por mais justo se afirme que realmente tal reivindicação contava em suas entidades há anos, quem a tornou um debate público contundente foram o MPL, e todos aqueles setores marginalizados dentro do ME e movimentos sociais em diferentes graus. A presença do ME organizado nestas conquistas é uma participação mínima e fragmentada em outras cidades do Brasil, confirmando a exceção a regra.
A pressão das ruas aliadas pelo respaldo da classe trabalhadora não organizada se provou mais eficiente do que acordos de gabinetes e tramites burocráticos. O principal pano de fundo geral para que a luta de 2015 não tivesse o êxito de 2013 era bem simples, mas derivado de fatores bem complexos: a crise econômica tinha chegado de vez ao Brasil e reivindicar a redução de valor de uma única mercadoria isolada em detrimento de uma série de aumentos do custo de vida mais graves aos olhos da classe e do aumento do desemprego, a legitimidade da reivindicação em si não poderia mais ser a justificativa isolada para trazer novamente o povo as ruas. A população encontrava-se alienada demais em outros ataques cotidianos.
Esses atos foram tão parodiados de 2013 que, nos anos seguintes, os protestos contra o aumento das passagens não repetiram a paródia de 2015, mas regressaram para as características anteriores de 2013, passando a ser mais uma data a enfeitar o glorioso calendário de lutas e mobilizações da lógica de calendário da esquerda brasileira. 

Na ciência militar, não se repetem todas as manobras e táticas empregadas numa batalha igual às empregadas em outra, o terreno muda, as forças aliadas e inimigas mudam, seu adversário estudou a fundo a sua derrota passada e se preparou bem para não repetir e lhe superar na próxima.  No contexto das manifestações, o MPL foi confiado ao seu movimento o protagonismo de ocasião. Foi todo um contexto político e social a permitir que fossem conduzidos a um papel de protagonismo que dificilmente teriam por si próprios. Não foram as discussões acadêmicas, os assuntos recorrentes da política brasileira ou petições de outras forças de esquerda que lhes colocaram a dar entrevistas em importantes programas de televisão e fez com que fossem ouvidos com tanta atenção por quem desesperadamente tentava compreender um movimento que nem o próprio MPL era capaz de formular de forma suficiente para tomar decisões mais avançadas, mas foi a própria pressão das ruas que os colocou lá. O sucesso de uma luta lhes colocou em posição de destaque e se o MPL superestimou as próprias forças, isso não se pode afirmar com certeza até aqui, mas que cumpriu um protagonismo de ocasião e depois disso nunca mais teve o destaque necessário até para suas pautas do trabalho de base cotidiano, cabe aqui pontuar.

Colocar em prática o que foi interpretado e assimilado de Junho de 2013 é bem mais ilustrativo para expor seus avanços e limites do que formular o que compreendeu de fato. Nestes anos imediatos a 2013, as forças identificadas inicialmente como esquerdistas foram o laboratório do que deu certo e errado nestas assimilações.
Vimos um pouco o MPL, logo voltaremos a ele. Agora vamos observar os autonomistas e anarquistas, núcleo duro da tática Black Bloc. Na teoria é uma tática, sem direção e sem necessidade de se organizar de forma permanente. No Brasil, acabou se comportando mais como um grupo autônomo, cuja defesa de cada um, num espírito de camaradagem, acabou estreitando relações e o senso de responsabilidade em manter as ruas quentes se sustentava até sobre total isolamento e repressão como nas ações de Julho/Agosto de 2013 [41], onde os adeptos da tática saíram sozinhos e nunca chegando a mais de uma centena de manifestantes, realizando ações que pareciam mais arrastões, pelo fato de sequer haver manifestação maior ali presente. Era a tática tentando provar para si e para todo mundo que eram necessários e justos, com o retorno ao protagonismo, no grito dos excluídos naquele 7 de Setembro, na tentativa do MPL de pautar a tarifa zero em Outubro e seu emprego no primeiro semestre de 2014, nas manifestações contra a Copa do Mundo. Como se não existisse já, na proximidade do evento e na criminalização e perseguição direta aos adeptos dessa tática a sofisticação da repressão e das detenções, aliada a uma paranóia cada vez mais crescente nas fileiras dos autonomistas, reforçadas pelas infiltrações nos atos, a dita tática P2, colocava o anonimato contra eles mesmos.
Nos anos seguintes, o autonomismo esquerdista foi dispensado sobre a necessidade maior de empregar uma luta mais organizada de forma permanente, mais racional, e alem das circunstancias de mobilização e de emprego de ações mais radicais precisam ser melhor trabalhadas diante do avanço das novas tecnologias de comunicação e dos problemas gerais da classe trabalhadora brasileira. Os autonomistas e anarquistas, honrados em suas intenções, sempre dependeram do espontaneismo das ruas para crescer e se reafirmar,estando, então, sempre ocultando suas limitações e aguardando capturar o legítimo espírito rebelde da juventude para reafirmar novamente sua obsoleta existência ideológica. Mas sempre podemos esperar isso destes grupos, pelo menos são mais francos e honestos em suas pretensões do que os marxistas vulgares aglomerados em grupos, que projetam em si mesmos um tamanho e importância histórica que não existem.

Diante do dilema, as forças da esquerda revolucionária cumpriram um papel muito aquém do que era exigido, por aquela conjuntura e de onde suas forças poderiam chegar, oscilando da completa capitulação ao petismo à sua negação absoluta. Sem tornar tal parte do ensaio uma grande análise de conjuntura sobre os últimos 10 anos (para isso, precisaria trabalhar num livro à parte), sabe-se hoje que, quem interpretou Junho de 2013 de forma totalmente entusiasmada e esquerdista acabou sendo atropelado pelas próprias contradições, expondo seus limites e inconsequências de seus programas políticos e saindo muito menores em força e expressão que um dia tiveram. A legenda partidária morenista PSTU nos aparece como o melhor exemplo, apostando tudo nas Jornadas de Junho, e baseando nelas sua nova linha [42], realmente acreditando que “o Brasil passava por uma situação pré-revolucionária (sic!)” e decretou que “todos deveriam sair do governo”. Tal linha estava amparada, e externamente radicalizado cada vez mais por seitas trotskistas a circular sobre sua órbita, prontas para ver essa posição ser sustentada até o limite, de provocar um grande racha em suas fileiras (como de fato aconteceu no rompimento do grupo que hoje faz parte do PSOL, o Resistência), perder sindicatos e militantes, liquidar quase toda a sua juventude e ser legado a um papel muito menor que ocupava na esquerda brasileira antes de 2013. O PSTU foi totalmente descaracterizado de suas características originais com todas essas seitas trotskistas, urubuzando os espólios do seu partido e falando em nome deste, não defendendo de fato seu programa histórico e suas origens. Triste fase de quem sempre procurou negar por negar o PT, provando que na essência não difere muito dele!

As consequências para aqueles dentro da esquerda brasileira que apostaram alto em suas interpretações e tentar repetir um 2013 para conquistar um protagonismo, custaram fracassos atrás de fracassos ao se amparar apenas em suas organizações e não em demandas reprimidas reais de setores da classe trabalhadora, impedidos de se valer do Junho de 2013 para colocar suas reivindicações em evidência, sabendo que tal êxito para tais reivindicações dependia de um protagonismo, que só poderia ser conquistado num trabalho de base e formação fosse realizado para dar vazão a as demandas de 2013 dentro de seus próprios espaços de atuação. Quem olhou para fora e para as necessidades materiais da classe com franqueza, conseguiu colher vitórias.
O MPL ainda existe em muitas cidades do Brasil, cumprindo seu papel de coletivo a serviço da pauta dos transportes. Houveram em São Paulo, uma série de saídas [43] de alguns militantes, cujas críticas centrais estavam na incoerência da afirmação de um grupo horizontalizado não ser mais horizontal, mas sim, hierarquizado, organizado e com instancias internas de responsabilidades e deliberações, nada de diferente do esperado quando uma organização atinge um grau de inserção na classe, exigindo uma divisão mais complexa e racional do trabalho militante.
A necessidade de abarcar outros setores de nossa classe impõe a necessidade de organização partidária. Logo, foi superarada a forma organizativa original do MPL dentro do MPL, enterrando de vez para essa geração de lutadores conscientes, qualquer ilusão com o autonomismo como uma ferramenta de organização necessária para a realidade da luta de classes. Ali também tinha uma crítica velada ao esquerdismo que tanto os influenciava, mas não se atirava a água do banho com a criança dentro. Os métodos de fomentar a radicalidade estavam muito bem preservados na cultura destes veteranos militantes, que trataram de usar esses conhecimentos para dar vazão a um destes setores impedidos de serem protagonistas em 2013 por força circunstâncias da época e com uma enorme competência. Um dos primeiros contemplados por essa experiência prática destes círculos diretamente ligados ao MPL foi o movimento secundarista paulista.

Longe dos holofotes e com certo anonimato de seus principais articuladores, a necessidade de dar vazão a demandas de transporte nas periferias paulistanas colocava o MPL em trabalho prático direto com os setores oprimidos e marginalizados da nossa classe. Aquilo que Ruy Braga chama de Precariado [44], isto é, o proletariado não fabril e pouco identificado com a luta sindicalista e habituado à dinâmica de movimentos sociais, encontrava simpatia e respeito por aquele movimento, que ostentava em seu currículo uma enorme vitória recente, o que gerava confiança para levar outras demandas daquelas comunidades com igual urgência, combinada a uma rede de articulação externa poderosa. O movimento secundarista, assim como uma série de grupos sociais incapazes de ter protagonismo em Junho de 2013 de forma isolada, trabalhou bem em formação e organização dessa juventude sedenta por revolta e pouco compromissada com as antigas e falhas organizações das entidades estudantis até ali. Por baixo dos radares das entidades estudantis secundaristas, de forma paciente e contundente, a radicalização daquela juventude foi trabalhada e alguns métodos típicos do ME universitário estavam sendo aplicados aos secundaristas. A oportunidade de colocar em prática essa radicalidade organizada surgiu ao final de 2015 com o anúncio de fechamento de escolas por parte do governo Alckmin, que teve como resposta as ocupações de escolas, os trancamentos de avenidas com aulas relâmpagos”, que tiveram como resposta a repressão policial, com agressões de menores de idade de forma deliberada em plena luz do dia. Bater nos filhos da classe trabalhadora por quererem estudar e permanecer nas escolas é por si só antipopular até a raiz e não havia por parte da própria burguesia e dos governantes, outra forma de lutar senão levar a cabo a repressão até o desgaste dos secundaristas e seus apoiadores. Membros do Grupo Autônomo Secundarista (GAS) e seu boletim agitativo “O Mal Educado” tinha enorme respaldo junto a juventude secundarista, mas se fazia necessário realizar uma ampla mobilização unificada dos secundaristas através de um mecanismo centralizador de deliberação coletiva, o que bateu de frente com seus princípios autonomistas e fizeram que fosse sendo ocultados pelo aparelho tradicional das entidades estudantis, que ao mesmo tempo que cumpriam seu papel de bombeiros da luta de classes, eram igualmente pressionados para agir com igual radicalidade por quem adentrou e confiou a estas entidades a solução do impasse da ausência de comando unificado nas ocupações secundaristas. O consenso entre os autonomistas e as entidades do campo democrático-popular dirigentes das entidades estudantis era sobre reverter o fechamento das escolas, manter as ocupações, prosseguir com as “aulas relâmpago” e com as manifestações pela manhã e atacar o governo estadual tucano. Os secundaristas mobilizados agora usavam o critério de que, em seu método de organização, trariam a vitória. Ao conquistarem a derrota do governo tucano, na derrubada do seu secretário de educação e na desistência do fechamento de escolas, os secundaristas impuseram ao PSDB paulista em dois meses, uma derrota que o Sindicato dos professores não conseguira em mais de 20 anos! [45]
Muito pouco foi formulado a respeito dessa disputa de comandos estudantis e  da rivalidade de dois métodos de organização, que entravam em choque um com outro e cuja vitória só foi possibilitada pela base radicalizada dos secundaristas ter arrancando iniciativas de ambos os lados. O que acabou prevalecendo foi a eficiência dos bem organizados instrumentos tradicionais das entidades estudantis, renovados por essa radicalidade sedenta, que agora exigia um método de organização prévio, para diante de ataques, não mais se lançar as ruas de qualquer forma e sustentar ocupações ate o limite se não contar com foco concreto no objetivo e do necessário apoio popular. Em que pese o trabalho inicial de agitação, formação e articulação dos autonomistas, quando se tratava de bater de frente com a eficiente máquina estatal, a mediação das entidades estudantis provou-se mais eficiente, expondo ali os limites do esquerdismo. Parte do movimento secundarista, agora mais politizado e com suas lideranças aos poucos cooptadas para organizações de juventude partidárias, constatou ao longo dos anos após essa experiência das ocupações secundaristas paulistas e a posterior onda de ocupações nacionais contra a reforma do ensino médio, que o esquerdismo merecia um reconhecimento de sua radicalidade, as vezes,  necessária quando os tempos exigem, mas diante da eficiente repressão e necessidade de formação e organização permanente prévia e posterior as grandes convulsões conjunturais, esses movimentos regressaram para a marginalidade a medida que a luta de classes no Brasil voltava a ficar mais complexa e intensa, quando até mesmo o bloco hegemônico da esquerda brasileira estava sendo atropelado pela reação burguesa. Não à toa, foram as juventudes independentes a saírem às ruas em defesa do governo Dilma e protestar contra o Impeachment nas suas datas principais, sofrendo repressão nos atos, e muito pouco articulados e organizados pelo próprio PT e demais organizações próximas.
De todas as organizações de esquerda, sejam partidos, movimentos sociais e outras entidades do tipo, nenhum movimento popular soube interpretar melhor os métodos das Jornadas de Junho e dele extrair lições úteis para mobilização em torno de suas bandeiras do que o Movimento dos Trabalhadores Sem Teto, o MTST.

A luta por moradia tem enorme respaldo nos setores da classe trabalhadores pouco ou nada sindicalizados, a ocupar os postos de trabalho assalariados formais e informais mais instáveis e entre aqueles que usam sua força de trabalho para prestar serviços ou vender mercadorias como ambulantes. Esses mesmos setores, são a principal base popular afetada pelos reajustes das passagens do transporte urbano, jogados a radicalidade e após as Jornadas de Junho, ficaram ansiosos por se organizarem em torno das demandas de seus próprios locais de moradia. As associações de moradores são os instrumentos locais mais avançados de organização espontânea, e o território substitui os locais de trabalho como elemento de unidade. A ausência de renda estável os joga em moradias precárias, afastadas dos postos de trabalho e dos serviços públicos, sem saneamento e os coage a realizar ocupações na esperança de se livrar do aluguel e conquistar um imóvel.
O MTST já realizava, bem antes de 2013, ações de ocupação e manifestações bem contundentes Brasil afora, com destaque em São Paulo [46]. Sua composição de base e lideranças tinha muito mais conhecimento e respaldo da base que os universitários esquerdistas. A presença popular em suas manifestações por si só era um elemento de legitimidade em suas reivindicações, gente recém mobilizada e pronta para se colocar a serviço pelo movimento, sendo disciplinadas em tarefas complexas.
A preparação de coordenadores de blocos de ocupação dispostos a executar tarefas de organização, no emprego das assembléias gerais para repassar as justificativas políticas de seus métodos de bloqueio de ruas e avenidas e o uso de marchas para pressionar os governos a lhes dar prioridade em programas de habitação foram excelentes métodos de mobilização, potencializados pelas energias de junho de 2013, em como combinar a revolta e indignação dos trabalhadores não habituados antes, com mobilizações organizadas, com sua demanda por moradia. Podemos, em outro momento, dissecar os métodos e a linha política do MTST e mesmo suas contradições e limites de atuação [47], mas não podemos negar que este movimento, ao se apropriar bem de alguns métodos das Jornadas de Junho, condena de vez qualquer interpretação rasteira e medíocre de condenar por completo as Jornadas e atribuir a ela de forma canalha a responsabilidade pelo ressurgimento da extrema direita e do fascismo no Brasil.[48]

Os exemplos, aqui expostos antes, foram para demonstrar que a correta assimilação das Jornadas de Junho de 2013 pela esquerda combativa e radical, não se limitando a esquerda revolucionária, ajudou na conquista de vitórias para nossa classe, a politizar e qualificar quadros dirigentes e até mesmo, a erguer novas lideranças em torno de pautas antes confinadas nas discussões acadêmicas e nos gabinetes parlamentares, antes de ganhar as ruas e as redes sociais para nunca mais sair delas. Se antes, as pautas acerca das opressões limitava-se a pequenos círculos e as mediações parlamentares de esquerda, jornadas feministas [49] pelo direito ao aborto legal e o feminicídio, a ênfase maior nos debates da criminalização da LGBTFobia e contra a maginalização e violência que a comunidade sofre, entraram de vez no debate público para nunca mais saírem, seja na sua qualidade e no avanço da organização em torno delas, ou na sua deturpação por parte dos nossos inimigos de classe, com sua agenda reacionária. O movimento negro, sempre presente, teve um ganho de protagonismo muito necessário para questionar e expor a hipocrisia da esquerda brasileira [50]
Mesmo o movimento sindical, desperto pela radicalidade das ruas, pressionou as estruturas internas de centrais sindicais, por vezes atropelando direções pelegas, e as obrigando a serem bem mais participativos e presentes nas bases. Greves como a dos Garis no RJ em 2014 [51] e muitas greves selvagens, colocaram a classe dominante na defensiva, com o número de greves tendo permanecido alto até a Reforma Trabalhista de 2017, sem antes, neste ano, ocorrer a maior greve geral da história do país ter sido colocada em prática [52]. Todos os setores da classe trabalhadora, de uma forma ou de outra, procuraram dar seu contributo a radicalidade despertada pelo Junho de 2013, fazendo justiça ao que melhor a esquerda entregou a partir daquelas Jornadas. As ondas de Junho exigiram a movimentação de toda a esquerda brasileira, sobretudo do maior derrotado daquelas jornadas.

IX.

Ricardo Antunes, no livreto O que é sindicalismo, fez em uma nota de rodapé a melhor síntese sobre o esquerdismo, com base na obra de Lênin, O esquerdismo, doença infantil do comunismo. Segue nota completa:

O termo ‘esquerdismo’ é utilizado por Lênin para caracterizar o ‘revolucionarismo pequeno-burguês, parecido com o anarquismo ou que aderiu dele alguma coisa, afastando-se, em tudo que é essencial, das condições e exigências de uma consequente luta de classes do proletariado’. A não atuação dentro de sindicatos e dos parlamentos foi violentamente criticada por Lênin e entendida como uma forma de manifestação do ‘esquerdismo”. [53]

Tomando o conceito de esquerdismo como foi muito bem resumido na nota citada anteriormente. O objetivo de todo o ensaio até aqui é demonstrar aos comunistas e à atual geração de lutadores sociais, militantes, ativistas e independentes que o esquerdismo é incapaz de superar o petismo e muito menos de servir como alternativa real para nossa classe. Se não temos o direito de condenar o esquerdismo por ser consequente com suas próprias expectativas, é justamente por levar sua estratégia até o limite que este demonstrou aos olhos de toda a vanguarda da esquerda brasileira a sua limitação, mediocridade e necessidade de superação para não condenar uma geração quase inteira de lutadores despertos pelo Junho de 2013, à frustração, revolta, indignação e descrédito com a esquerda como um todo. Sabemos que a extrema direita sequestrou bastante a revolta contra o petismo a seu favor, e colheu as maiores vitórias nos cinco anos posteriores imediatos de 2013, ao explorar cada estelionato eleitoral e limitação do PT, sendo amparada por toda maquina da imprensa ao seu serviço [54]. Talvez, com a exceção evidente da pandemia do Coronavírus de 2020/22, podemos estabelecer uma relação direta de Junho de 2013 com todos os eventos políticos notáveis da política brasileira até hoje: Operação Lava Jato, reeleição de Dilma, o Ajuste Fiscal, o avanço da Lava Jato e manifestações contra a corrupção tomando o PT como principal alvo, a abertura do processo de impeachment de Dilma, sua cassação e a posse de Temer, o retorno dos militares ao protagonismo político [55], a extensão da crítica ao sistema político brasileiro ao principal adversário eleitoral do PT ate então [PSDB], sua superação pela extrema-direita, cada vez mais personificada em Jair Bolsonaro, eleito presidente em 2018 e a prisão de Lula no decorrer do processo da Lava Jato. 

É claro que o PT, em sua maioria, tem ódio e revolta contra as consequências que 2013, teve para seu partido, suas figuras públicas e seu principal líder. Afinal, o que foi colocado em questionamento naquelas jornadas é a limitação do estado democrático de direito e da democracia parlamentar brasileira, ou seja: todo o processo de redemocratização, consolidado na constituição de 1988 foi colocado a prova, ao mesmo tempo que seus princípios nunca foram levados a cabo pela própria classe política que redigiu este documento, delegando ao Partido dos Trabalhadores, ao longo do tempo, a responsabilidade de principal guardião e a legenda partidária a melhor personificar a defesa da constituição brasileira. Uma grande ironia, já que o PT votou contra a constituição de 1988, julgando que a mesma poderia ter sido mais radical. [56]
Não querendo aqui fugir e ser excessivamente abrangente na abordagem histórica, mas como ficou muito bem demonstrado nas eleições presidenciais de 2022, restou ao PT e ao terceiro mandato de Lula, a responsabilidade de defender o pacto político estatal da redemocratização brasileira. Porém, tal pacto, foi descartado antes pela burguesia, desejando sua superação para manter seu poder [57] e hegemonia sobre o estado brasileiro, com o grande auxilio daqueles que sempre foram o último argumento nacional de sustentação do Estado brasileiro, os militares.
A extrema direita bolsonarista foi a mais oportuna força política gerada pela reação para combater o movimento independente dos trabalhadores, mas não era a ideal na visão da burguesia. Primeiro, pelo fato que a crítica inicial da burguesia, através de sua imprensa, ao PT e seu apoio a Lava Jato, parecia muito mais voltada a subsidiar a classe política tradicional adversária do petismo nas eleições, desejando o retorno do PSDB ao governo federal. Não esperavam que a crítica da Operação Lava Jato, comprovada depois dos vazamentos de mensagem da “Vaza-Jato” respingasse também nestes veículos de comunicação e nos seus partidos preferidos, muito bem explorados pela extrema direita, cada vez mais se apropriando das críticas ao PT e a tudo que o legitimasse, incluindo aí os fundamentos e o pacto da redemocratização pós ditadura militar. A unidade das forças conservadoras e reacionárias, dos oportunistas do establishment brasileiro e de toda a burguesia nacional em torno de Bolsonaro em 2018 estava mais convergente no antipetismo do que em convergências entre os atores, como focou bem provado ao longo do governo Bolsonaro/Mourão.
Não raro, como se tentasse de forma ridícula se amparar em armas alheias, dos inimigos de nossa classe, para combater os nossos adversários petistas, setores do PSOL [58], o PSTU e algumas esquerdas se ampararam na Operação Lava Jato como forma de condenar o PT e tentar daí extrair algum ganho político favorável a suas reivindicações e organizações, coerente com a sua interpretação de Junho de 2013. Só se salvou disso quem tinha cargo no congresso e influencia em outros setores de nossa classe, mas o passado e a internet estão ai para recordar mesmo quem nunca revisa o próprio passado e auto-criticar a posição equivocada.

O esquerdismo foi a primeira tentativa de superar o petismo pós 2013 pela esquerda. Se há méritos em determinadas iniciativas e ações, conforme vimos antes, por outro lado, foram pontuais e de pouca duração, carecendo de um instrumento mais qualificado de unificação das variadas frentes de luta em uma estratégia e programa. Mas quando vão propor a sua superação ou o que fazer com essa crítica, demonstram sua fragilidade e limitação, senão sua completa incompetência de lhes superar e é sobre premissas corretas que conclusões equivocadas são tomadas. Isso frustra alguns destes esquerdistas, e levados até ali por muito tempo em uma lógica tarefista, se escorando em poucas referencias políticas de indivíduos plenamente confortáveis em serem analistas da luta de classes, agitadores inconsequentes e serem dessas seitas de limitados militantes.
Incapazes de dar conta da complexidade da vida e da luta de classes, todo sectário prova que é um vacilante. Não raro, acontece o giro de 180º em suas posições, de esquerdistas, viram petistas, procuram se redimir de suas inconsequências e veem todas suas competências organizativas e capacidades de formulação, antes reprimidas por tais seitas com seu pensamento estreito, empregadas na luta política mediada pelo Partido Dos Trabalhadores, na manutenção da burocracia e da preservação da hegemonia petista sobre a esquerda brasileira. Agindo como verdadeiros renegados.

Os últimos 5 anos sobre governo de Temer e Bolsonaro, agravados pela pandemia, criou a conjuntura perfeita para o regresso do protagonismo lulista, ao ver que ele era a última tábua de salvação do pacto político da constituição de 1988 no que há de mais avançado. O que isso coloca então, para a dita esquerda revolucionária? Fica um questionamento válido para futuras análises e programas práticos de intervenção na realidade. Como as esquerdas são amplas e diversas demais, o foco aqui de responsabilização agora vai cair sobre os comunistas, a quem cabe superar a ordem social vigente.

Os comunistas encontravam-se em reconstrução mínima, mas estavam plenamente convictos que a sua sobrevivência estava amparada em sua tradição política anterior, hegemônica na esquerda anterior ao golpe de 1964, isto é, numa esquerda de caráter insurrecional, onde levantes eram comuns e deles extraia-se as mais duradouras conquistas e avanços da classe trabalhadora até hoje existentes no Brasil. Não parece, mas reconhecer legitimidade nos Black Blocs era para poucos e muito menos declarar isso como candidato a presidência [59]. Era seu tamanho e esquecimento pela grande maioria da população, que acabou lhes jogando entre os esquerdistas, acabaram tirando excelentes lições disso e prometeram entregar organização, programa, estratégia e táticas necessárias para que insurreições estivessem na ordem do dia, que não fossemos mais apanhados de supressa por levantes espontâneos e trabalhar duro em formação para compreender a nossa realidade e transformá-la. Elementos necessários para garantir a nossa independência de classe e bater de frete com qualidade com o petismo e toda essa social democracia tardia, que despreparou e desarmou a nossa classe frente a ofensiva burguesa. Essas responsabilidades não podem fugir pelo peso de sua presença histórica, a lhes fazer sombra até hoje, por mais que os petistas tinham feito esforços cínicos para dizer que a luta de classes no Brasil só começou na ditadura militar.

X.

O esquecimento é uma excelente ferramenta para ocultar erros e limitações. Garante que as novas gerações ou os grupos não presentes naqueles eventos tomem a sua posição como legítima e, quando você se torna vítima daqueles processos, é bem mais confortável realizar qualquer balanço crítico aberto sobre seus erros passados, suas limitações ou mesmo expor francamente a qualidade de suas posições do passado. A origem etimológica da palavra verdade significa não esquecimento [60] e esquecer de propósito lhes coloca numa posição de mentirosos, a mais alta traição que uma organização que se diz a serviço da classe trabalhadora pode cometer. O esquecimento pode ser operado de duas formas.
A primeira é simplesmente ocultar suas posições passadas, eliminar as notas de consulta pública, realizar desagravo público a quem os acusa de esquecimento proposital. Tudo isso em nome de “princípios” que não passam de purismo sectário e dogmático. Acusando a realidade de não corresponder com suas posições, mas agora conhecidos por essas mesmas posições limitadas, os esquerdistas tratam de se acostumar com a saída de militantes, contentam-se em ser analistas da luta de classes e meros malditos provocadores, sabendo que suas linhas apenas são lidas por pequeninos círculos. Como engenheiros de obras prontas, aguardam a próxima greve, as próximas jornadas de manifestação e a próxima calourada de estudantes para apanhar ingênuos simpatizantes da esquerda, indignados e revoltados para repetir o ciclo do esquerdismo marginal. Desde que não sejam incomodados pelo próprio passado, estarão lá confortáveis em seu canto. E ninguém vai se dar ao trabalho de incomodá-los se são pequenos diante de um outro esquecimento, este sim, mais perigoso e nocivo para a luta de classes e para o movimento organizado dos trabalhadores brasileiros.

A eficiência do petismo em anular um adversário tão fraco nas esquerdas quanto o esquerdismo e a necessidade de garantir a própria sobrevivência diante da reação burguesa, serviu de bode expiatório para renovar suas fileiras em sua última e atual terreno de sustentação de seu projeto político. Começou com a condenação do Junho de 2013 dentro de suas bases populares, onde exerce influência direta, aguardou o início das eleições, após o resultado desastroso da Copa do Mundo dentro e fora dos gramados [61] para promover um verdadeiro extelionato eleitoral, a retórica de uma “guinada à esquerda” como forma de reviver para suas bases populares e para a recém juventude despertada pelas Jornadas de Junho da necessidade de continuar liderando a esquerda brasileira frente aos inimigos de nossa classe, no caso, ainda encabeçado eleitoralmente pelo PSDB. Mas aquelas eleições de 2014 mudaram de substancia e forma, quis que a burguesia decide, cada vez mais dizer para o PT que este era descartável se não ceder em suas reivindicações de austeridade fiscal e levasse a cabo ataques diretos a classe trabalhadora. Começaram pela radicalização a direita de alas do PSDB e do resto da oposição parlamentar, abrindo assim o precedente institucional para que a dinâmica eleitoral da redemocratização fosse mudada pelo lado da direita, da substituição rápida do PSDB e sua superação para a extrema direita bolsonarista em 2018, e o resto é história para outros artigos. O PT volta para suas bases, a medida que os ataques ao seu partido avança, busca condenar todas as origens daquela ira contra si em tudo e todos, menos nele mesmo, numa desesperada necessidade de se salvar, sabendo que precisava da juventude como tábua de renovação e energia necessária para a luta. Não raro, era dentro das universidades que o campo democrático popular alardeava para os calouros sobre á ameaça da democracia, exigindo que seus simpatizantes se organizassem em torno de sua defesa, atropelando e esmagando os esquerdistas e criticando várias organizações moderadas da esquerda revolucionária e classista. Sempre centralizando Junho de 2013 como a “origem da reação fascista no Brasil” como se não tivessem sido cúmplices dessa difusão nacionalista rasa por anos. Colocava seus novos quadros em contato direto com o que havia de mais avançado em sua organização popular, nos sindicatos, nos movimentos sociais e com mandatos parlamentares para impor a eles a responsabilidade de salvar o PT, literalmente, diante da queda de Dilma e prisão de Lula como se fossem somente eles, à salvação da classe trabalhadora brasileira. Essa geração, Brasil afora chamada de “burra” pelos mesmos esquerdistas, foi entregue para o senso comum petista de bandeja e retardando a renovação e fortalecimento do nosso campo classista e revolucionário e canalizando a energia daquela multidão para o jogo institucional.

Fica evidente para os comunistas, que o PT chegou ao seu limite há muito tempo, desde 2013 e que nele foi derrotado, mas não em definitivo. Ao contrário de alguns, considero esse partido de esquerda o que de mais avançado a classe trabalhadora poderia produzir e legitimar diante de toda a conjuntura internacional e nacional dos últimos 40 anos. Sua existência e crescimento ao longo dos anos, fundiu-se a defesa da atual constituição, ao estado democrático de direito e à democracia parlamentar, os instrumentos de gestão do estado burguês mais avançado já produzido. Porém, o PT nunca foi o Estado brasileiro. O nosso proletariado já teve tempo suficiente de experiência com a social democracia tardia e com a democracia parlamentar representativa. As tentativas de superação do PT por parte das forças esquerdistas provaram-se fracassadas em sua estratégia, mas tampouco não podem ser menosprezadas a iniciativa e a radicalidade por completo, tão importantes e que nos faltaram quando se fez necessário. No entanto, são extremamente limitadas.
A extrema direita é a outra força a tentar derrotar o PT, desta vez, sendo encampado por boa parte da burguesia nacional como seu instrumento político, e  serão bem úteis para a burguesia enquanto não conseguirem derrotar a democracia direta de nossa classe. Nossos inimigos mudaram para pior, mas nossos adversários dentro da esquerda pouco mudaram e ainda pior, tornaram-se a própria força garantista do atual sistema.

Se este ensaio, puder dar algum contributo às análises acerca de Junho de 2013 ao final das contas, é recordar as críticas das nossas limitações passadas e presentes. É recordar quem teve as primeiras iniciativas, é recordar seus métodos e todo o contexto da época, mas mais do que isso, é reafirmar os limites de uma posição e relembrar da qualidade tanto dos inimigos de nossa classe quanto o principal adversário dos comunistas pela disputa da hegemonia dentro do movimento organizado dos trabalhadores. Liquidar o atraso que o Estado brasileiro e seus representantes políticos provocam no Brasil, é uma tarefa séria, complexa e não perdoa achismos ou vacilações.

Veremos daqui há 20 ou 30 anos o que realmente importa daquelas jornadas. Ainda mais agora que estamos lidando com uma enxurrada de artigos e obras acerca daquele ano. Mas o fundamental está fixado: a questão do poder foi colocada novamente pelas ruas em 2013. Se esse bando de desordeiros, condenados todos os dias, foram os principais responsáveis por permitir que aquelas manifestações pudessem ocorrer e ganhar projeção de massas, devem ser honrados com toda as críticas necessárias para fazer justiça ao que 2013 entregou de melhor para o nosso campo e como os comunistas tem o dever de estar preparados para novas insurreições e levantes, para superar nossos adversários e suas ideias errôneas, jogar na lata do lixo todo o atraso que atordoa a combatividade de nossa classe e estar melhor preparados para lutar contra nossos inimigos, sem dar nenhuma brecha de fraqueza.

Os gigantes se erguerão novamente do solo, esmagando nossos inimigos, e desta vez, estarão empunhando os estandartes de nossa classe, guiados pela bandeira vermelha como o sangue derramado por nossos mártires anônimos e famosos, prontos para recordar qual classe temos o dever histórico de emancipar, fazendo o amanhã de nosso povo trabalhador maior.

São Leopoldo, Junho de 2023

Notas

1 – Contribuição à critica da economia política / Karl Marx; tradução e introdução de Florestan Fernandes. 2 ed. São Paulo Expressão Popular, 2008. Pg. 50

2 – Depois de público aprovar protestos, Datena diz ser a favor de “manifestação pacífica”

https://www.marcoeusebio.com.br/coluna/depois-de-publico-aprovar-protestos-datena-diz-ser-a-favor-de-manifestacao-pacifica/28204 Acesso em 25 de Junho de 2023.

3 – Datena pede desfiliação do PT, partido diz ‘que não fará falta. O mesmo foi filiado entre 1992 á 2015, logo, ao realizar a enquete ao vivo, o mesmo ainda era filiado ao PT.
https://www1.folha.uol.com.br/paywall/login.shtml?https://www1.folha.uol.com.br/poder/2015/08/1673899-datena-pede-desfiliacao-do-pt-partido-diz-que-ele-nao-fara-falta.shtml Acesso em 25 de Junho de 2023

4 – “A Globo não suspendeu novela nem para transmitir o enterro do Roberto Marinho [fundador da emissora]. Naquela passeata, ela suspendeu a grade de novela para transmitir ao vivo para transmitir a grade do movimento social, sobretudo contra o governo Dilma”.
‘’ Esse país não foi compreendido desde que aconteceu o Junho de 2013. Nós nos precipitamos ao achar que 2013 foi uma coisa democrática. Que o povo foi para a rua porque estava muito preocupado com aquela coisa do transporte coletivo”.
https://www1.folha.uol.com.br/poder/2017/08/1909354-lula-diz-que-foi-precipitado-considerar-atos-de-2013-democraticos.shtml 

5 – As noticias da época são fartas: A construção do império, o teto da dívida, o défice orçamental e a “solução Sansão” – EUA aplicam as mesmas receitas da troika em Portugal… https://pcb.org.br/portal2/5595 ; Grécia: um passo em frente para a troika, dois passos atrás para o povo grego – https://pcb.org.br/portal2/3044 ; A tenebrosa frente do governo de coalizão, da Troika e da plutocracia está preparando a conversão da vida da classe operária e do povo trabalhador em um inferno  – https://pcb.org.br/portal2/2500 ; O Euro e a crise na e da União Europeia – https://pcb.org.br/portal2/11209 .
Uma boa coletânea da época ajuda a entender bem o pensamento acerca da austeridade fiscal em reação a crise de 2008: A reflexão marxista sobre os impasses do mundo atual / Milton Pinheiro (Org.) 1ª Ed. – São Paulo : Outras Expressões, 2012

6 – Acima das expectativas, Lula encerra mandato com melhor avaliação da história – https://datafolha.folha.uol.com.br/opiniaopublica/2010/12/acima-das-expectativas-lula-encerra-mandato-com-melhor-avaliacao-da-historia.shtml

7 – Ver artigo de Nick Beans, Sombras de 1929: As implicações globais do colapso bancário dos EUA. Em MAISVALIA No 3 Agosto-Novembro 2008; São Paulo-Brasil, Thiké Editora.

8 – Baixa remuneração e rotatividade são características do mercado de trabalho atual –
https://www.sinait.org.br/site/noticia-view/?id=4444/baixa-remuneracao-e-rotatividade-sao-caracteristicas-do-mercado-de-trabalho-atual e Brasil não cria vaga de mais de dois salários mínimos há 15 anos. [2004-2019]! – https://www.infomoney.com.br/carreira/brasil-nao-cria-vaga-de-mais-de-dois-salarios-minimos-ha-15-anos-por-que-isso-acontece/

9 – Balanço das greves 2012, DIEESE – https://www.dieese.org.br/balancodasgreves/2012/estPesq66balancogreves2012.pdf

10 – Vide o livro Nova classe média? O trabalho na base da pirâmide social brasileira. – Marcio Porchmann. Boitempo, 2012 

11- a famosa Pax Americana.

12- Premiê turco compara protestos do Brasil com os da Turquia –
https://g1.globo.com/mundo/noticia/2013/06/premie-turco-compara-protestos-do-brasil-com-os-da-turquia.html

13 – ver nota 9

14 – Não falta nota disso: CHEGA DE DISCRIMINAÇÃO! TODO APOIO À COMUNIDADE DO PINHEIRINHO! https://pcb.org.br/portal2/2273; Pinheirinho, novo patamar do “higienismo” fascista em São Paulo – https://pcb.org.br/portal2/2338; 10 anos do Massacre do Pinheirinho: Um chamado pela história (nota do PCB de São José dos Campos) – https://pcb.org.br/portal2/28301 e Tod@s somos Pinheirinho, aqui e agora – https://pcb.org.br/portal2/2350.

15 – Brasil dobra número de presos em 2012 – https://sul21.com.br/noticias-em-geral/2012/12/brasil-dobra-numero-de-presos-em-2012/

16 – Da mesma forma que agiram nas favelas de Porto Príncipe, as forças armadas brasileiras agiram da mesma forma dentro do Rio de Janeiro. Observando o inventário usado na operação Furação Dennis, realizada contra gangues na área de Bois Neuf, na favela de cité Soleil. “foram seis horas e meia de combate que envolveu 440 militares de vários países, sendo 260 brasileiros. A operação incluiu 35 veículos blindados, 4 helicópteros, um avião e 20 veículos leves e médios.” Armas portáteis pós-1950 / Abril coleções 9organizador;  tradução de Gisele C. Batista Rego – São Paulo, Abril de 2010. (Coleção Armas de Guerra; V. 16). Agora compare com as notícias e relatos sobre o armamento empregado para ocupar algumas favelas no Rio de Janeiro para implantar a Unidade de Policia Pacificadora (Sic!) – https://g1.globo.com/rio-de-janeiro/rio-contra-o-crime/noticia/2010/11/ocupacao-das-favelas-do-alemao.html e o Vídeo: os 10 anos da ocupação do Alemão. Por Jacqueline Muniz https://www.redebrasilatual.com.br/blogs/blog-na-rede/video-10-anos-upp-ocupacao-complexo-alemao-jacqueline-muniz/ , e veja como foi exaltado essas ações policiais que só agravariam o problema da segurança pública no RJ: https://www.redebrasilatual.com.br/cidades/lula-considera-um-sucesso-operacao-no-rio-e-diz-que-vai-visitar-complexo-do-alemao/. Uns anos atrás, em 2007, declarações como essa era comum na esquerda petista: “Não se enfrenta bandidos com rosas”, diz Lula – https://www1.folha.uol.com.br/fsp/cotidian/ff0307200709.htm
Ironicamente, o mesmo circularia dentro do complexo do alemão na campanha eleitoral de 2022 – https://www.metropoles.com/brasil/eleicoes-2022/lula-visita-complexo-do-alemao-aqui-nao-tem-rachadinha-tem-o-povo

17 – Como a da USP de 2011/2012

18 – Tem certas posições que são cômicas se não fossem trágicas de alguma forma: ‘A copa das Copas – https://pt.org.br/newton-lima-a-copa-das-copas/

19 – quadros históricos do PT como José Dirceu, Delúbio Soares e José Genoíno acabaram sendo presos depois do julgamento no Supremo Tribunal Federal, na época, liderado pelo então ministro Joaquim Barbosa.

20 – Na imprensa hegemônica da época, como até hoje deixa-se escapar. Muitas vezes, ao comparar as notas políticas de políticos referencias do tucanato com as colunas de opiniões e editoriais na TV e nos jornais, não havia diferença nenhuma. Quando me dizem que a imprensa é imparcial e apartidária, ao observar seus manuais de redação e autoproclamados princípios, vemos que toda ela é republicana, defensora do estado democrático de direito, da constituição de 1988 e dos valores democráticos e liberais, logo, ela tem partido e posição política. Em nome da “liberdade de imprensa” acabou sempre agindo como um partido auxiliar do PSDB em matéria de conjuntura nacional.

21- Um pouco após Junho de 2013, ao realizar matérias sobre o Junho de 2013, foi criada uma lista de movimentos lideres de Junho de 2013. Com a exceção do MPL, todos os demais movimentos eram da direita. Agrupamentos como Vem Pra Rua, Revoltados Online, Movimento Contra a Corrupção e todos estes grupelhos sendo levados para a classe média ter conhecimento amplo e se organizar em torno deste para futuras ações antipetistas, como viria a se intensificar em 2015. Esta ‘lista’ circulou a rodo em grupos de Facebook, em matérias de jornais e revistas.

22 – O tempo perdido no transporte público para quem cumpre este trajeto na Grande São Paulo chega facilmente a 6 horas de viagem, uma jornada de meio período de trabalho.

23 – Não que não houvesse tensões dentro dos próprios movimentos sociais a dar base popular ao PT. Ficou famoso a ocupação do Instituto Lula pelo MST no inicio de 2013 – https://www.redebrasilatual.com.br/cidadania/mst-ocupa-sede-do-instituto-lula-em-sao-paulo/ , fora toda uma série de repressão e violência sofridos por estes movimentos sociais localizados longe das grandes cidades. Demonstrando que a paciência com o governo andava limitada.

24 – “O MPL está realizando um esforço para organizar todas as informações possíveis sobre a brutal repressão policial que a população que vem se manifestando contra o aumento da tarifa tem sofrido. Mas a polícia tem se esforçado para buscar todo o tipo de manobra para dificultar a libertação dos presos, assim como dificultar o trabalhos dos advogados que auxiliam o movimento. Entendemos que esse é uma atitude deliberada para enfraquecer o movimento, e os responsáveis diretos por ela são a Secretaria de Segurança Pública e o Governador do Estado de São Paulo, Geraldo Alckmin.” Sobre a situação dos detidos nos atos contra o aumento da tarifa de 11/06 [2013]- https://saopaulo.mpl.org.br/2013/06/13/sobre-a-situacao-dos-detidos-nos-atos-contra-o-aumento-da-tarifa-de-1106/

25 – Em 2003, estava famoso entre a esquerda o filme alemão Adeus, Lênin! de Wolgang Becker. Cuja sinopse trata de uma senhora que infarta e entra em coma ao ver seu filho nos protestos contra o muro de Berlim em 1989. Ela sai do coma um ano depois, já com o muro derrubado, com a queda da república Democrática Alemã (Alemanha Oriental) e a sua consequente reunificação. Para evitar que sua mãe tenha um choque fatal com a nova realidade capitalista, o filho finge que nada mudou, o estado socialista continua de pé e adapta toda a realidade para evitar esse choque. Chapas petistas concorendo em centros acadêmicos na USP zombavam da esquerda marxista ainda defensora do comunismo e da revolução, cantavam que Lênin estava morto e agora era Lula. Não raro, estes mesmos militantes petistas das faculdades estariam 10 anos depois em cargos de 2º e 3º escalão nos governos, sendo alguns deles na prefeitura de Fernando Haddad, este mesmo, estudante formado da Faculdade de Direito na USP. Como o mundo da esquerda é pequeno.

26 – Repórter da TV Folha é atingida no olho por bala de borracha durante protesto em SP… – Veja mais em https://noticias.uol.com.br/cotidiano/ultimas-noticias/2013/06/13/reporter-da-tv-folha-e-atingida-no-olho-por-bala-de-borracha-durante-protesto-em-sp.htm, mais azar teve Sérgio Silva, que sobre o ocorrido tive oportunidade de conversar um ano depois daquela ação, em evento realizado na esquina da rua Maria Antonia com a rua da consolação e Cesário Motta Jr. Para ver a notícia da época, leia-se https://g1.globo.com/sao-paulo/noticia/2013/06/fotografo-ferido-em-manifestacao-corre-risco-de-ficar-cego-diz-mulher.html. Negaram indenização ao fotógrafo até hoje.

27 – Havia em Porto Alegre o Bloco de Luta pelo transporte coletivo. Este, era um comitê amplo frentista de várias forças de esquerda, com a presença dos petistas incluso. Em outras cidades do Brasil, na esteira dos protestos, as então frentes existiam há algum tempo e a atuação dos petistas eram de defesa do governo, embora de fato não concordassem com todas as suas medidas políticas, sobretudo na defesa da realização da Copa do mundo 2014. A medida que as manifestações avançavam, setores mais autonomistas deliberaram pela retirada do PT no bloco. Que não poderia mais se apresentar ali enquanto partido. Para melhor ver a história das manifestações de 2013 em Porto Alegre/RS, recomenda o livro 2013 Nada Será Como Antes [o ano que não Acabou, na Cidade Onde Tudo Começou]Alexandre Haubrich – Ed. libretos

28 – “O ministro disse ter certeza de que “o povo vai se mobilizar em defesa do nosso Lula, no nosso projeto”. Para Carvalho, o ano pré-eleitoral de 2013 será “brabo”. “O bicho vai pegar”, afirmou.” – https://www1.folha.uol.com.br/poder/1202324-gilberto-carvalho-convoca-pt-a-ir-as-ruas-por-lula-em-2013.shtml

29 – “O presidente nacional do PT, Rui Falcão, diz que está “conclamando” a militância do partido a participar hoje de manifestação na av. Paulista liderada pelo Movimento Passe Livre. “Nós não temos medo do povo na rua”, diz ele. “Nós estamos aconselhando o nosso pessoal a se juntar a essa manifestação.” – https://m.folha.uol.com.br/cotidiano/2013/06/1298137-pt-participara-de-protesto-na-av-paulista-hoje-diz-rui-falcao.shtml?cmpid=menupe

30 – Foi bem ali na esquina da Avenida Faria Lima com a Rua Teodoro Sampaio, sentido hospital das clínicas (centro de Sp). Ergueram-se muitas bandeiras da JPT e da esquerda marxista, e algumas outras organizações mais ligadas a correntes minoritárias do PT, porque até ali (17), não havia convocação geral do diretório nacional do PT para compor as manifestações, mesmo sabendo que até diretórios municipais inteiros deste partido estavam autorizando a ida de seus militantes aos atos e falar em nome do partido. Mas como tais correntes também encontravam-se afastadas das direções do partido e também as entidades, não possuem tanto poder de mobilização dentro do partido. Isso pouco importava para as centenas de populares presentes ali já com plena raiva do PT.

31 – Dentro da forma horizontalista de organização e suposto autonomismo, perder o controle da manifestação na sua massificação era um objetivo intencional dos membros do MPL. Pelo menos era o que constatam de sua conduta na época.

32 – O grupo ativista de hackers Anonymous “decretou” as cinco reivindicações principais das manifestações nas ruas para além da redução das passagens.
Eram elas: O arquivamento da Proposta de Emenda Constitucional  37/2011 , que retira o poder de investigação das mãos do Ministério Público e outros órgãos, passando a atribuição aos policiais federais e civis;
A saída de Renan Calheiros da presidência do Congresso Nacional;
Investigação e punição de irregularidades nas obras da Copa, pela Polícia Federal e Ministério Público Federal;
Criação de uma lei que trate casos de corrupção no Congresso como crimes hediondos e Fim do foro privilegiado. Nele, autoridades políticas têm o direito de ser julgadas por um tribunal diferente ao de primeira instância, em que é julgada a maioria dos brasileiros que cometem crimes.

Fato é que são reivindicações liberais de senso comum, embora fossem todas e levadas bem a sério por milhares de manifestantes e pelo governo federal, cujas respostas mais rápida na arena institucional foram às leis de combate a corrupção. Pelo congresso nacional, a derrubada da PEC 37 foi atendida de pronto. Todas estas reivindicações foram tomadas como referencia em agitações políticas posteriores a Junho de 2013 até o começo do processo de impeachment de Dilma no final de 2015.

33 – O que havia de cartaz, logo após a suspensão do aumento do então ministro do STF nos atos era enorme. Tempos depois, Sergio Moro ocuparia este lugar.

34 – Leia a icônica coluna do hoje ‘petista’ Reinaldo Azevedo – https://veja.abril.com.br/coluna/reinaldo/em-2-semanas-protestos-somam-dezenas-de-feridos-e-um-morto-a-crise-atinge-dilma-em-cheio-incompetencia-tem-ao-menos-2-faces-gilberto-carvalho-e-jose-eduardo-cardozo-que-tem-de-ser-demitidos-com-desonr

35 – “Após um dia de manifestações amplas e com poucos incidentes, São Paulo voltou a ter atos violentos no centro da cidade na noite de terça-feira 18. Criticada por sua violência e excessos na última semana, a Polícia Militar praticamente não agiu para evitar saques e depredações”.  https://www.cartacapital.com.br/politica/sao-paulo-protestos-2838/

36 – Saímos em defesa dos petistas, muitos deles claramente base de movimentos sociais e associações de bairro influenciados por parlamentares petistas estavam nas ruas naquele 20 de Junho. Em vão, tentavam argumentar os méritos de suas lutas passadas e sua igual presença anterior as ruas. Isso pouco importava para aquela multidão, muito mais respaldada pela perspectiva apartidária. Na onda, grupos de direita tomavam bandeiras e as vandalizavam sem cerimônia. Aos arredores dos atos, pancadaria rolava a solta entre fascistas e agrupamentos da esquerda radical e anarquistas.

37 – A memória da resistência a ditadura militar e do processo de lutas no processo de reabertura é até hoje constantemente invocado pelos petistas como forma de justificar sua legitimidade de estar nas ruas e estar na liderança das ruas. Se tal retórica surte bastante efeito entre a esquerda e foi muito bem utilizada anos depois na recomposição  renovação de suas fileiras pela juventude. Isso não garantia mais no monopólio das manifestações de rua, já tomados pela direita.

38 – Aquela propaganda da marca de Whiskey Jonny Walker, em que o complexo rochoso de morros da Guanabara (Rio de Janeiro/RJ) assume a forma humanoide, erguia-se e caminhava, não raro era editado com uma bandeira do Brasil em mãos. A mais icônica propaganda publicitária daquele mês. Demonstrando a competência das agências de publicidade brasileiras quando não estão embriagados pelo chorume reacionário, pois anos depois, todas as peças de publicidade mais a direita soavam pura cafonice e paródia de 2013, numa verdadeira crise estética.

39 – Neste dia 25 de Outubro de 2013, fiquei sabendo da seguinte situação através de relato oral: Um coronel da PM saiu intimando os manifestantes mascarados e exigindo seus documentos para se identificarem, assim, sem nenhum colega para lhe fazer segurança ou aparentado para ação de choque. Os mesmos manifestantes ficam revoltados, alguns deles ficam revoltados com a agressividade verbal do coronel e logo passam a agredi-lo. Nesta confusão, sua pistola é capturada. Os demais policiais saem armados para resgatá-lo, a repressão generalizada começa ali, ônibus são queimados e a depredação rola a solta no Terminal Parque Dom Pedro II. – https://correiodoestado.com.br/cidades/policia-militar-de-sao-paulo-detem-78-pessoas-apos-depredacao-no-parqu/197783/

40 – O então prefeito, na primeira semana de Janeiro de 2015, numa entrevista ao jornal da TV Globo SPTV em sua primeira edição, é interrogado pelo ancora sobre o anuncio do passe livre para estudantes ser implantado assim que um novo aumento, maior que os R$3,20 de 2013, fosse anunciado. Haddad, então justifica que estava atendendo uma demanda antiga dos movimentos sociais. – https://pt.org.br/haddad-garante-passe-livre-para-estudantes-de-baixa-renda/

41 – muitas vezes, tais atos ocorridos de forma isolada pelos Black Blocs elegiam alguma pauta e saíram as ruas em agrupamentos que não passavam na sua maioria de 40 pessoas. O que chamava a atenção era como recebiam amanha cobertura da imprensa com tão pouca gente. Foi no grito dos excluídos de 7 de Setembro de 2013, onde a reserva da ação direta ganhou novamente as ruas na cãs das centenas de manifestantes de preto. “Protestos de 7 de Setembro têm confronto em 11 capitais do país. Cerca de 40 cidades tiveram manifestações e ao menos 525 foram detidos. 17 mil pessoas protestaram, ante 1 milhão no auge dos atos em junho. – https://g1.globo.com/brasil/noticia/2013/09/protestos-de-7-de-setembro-tem-confronto-em-11-capitais-do-pais.html

42 – Embora com bastante referências de grandes interpretes da realidade brasileira até estranhos a tradição trotskista. A conduta do PSTU após 2013 foi de capturar para si todo aquele descontentamento á esquerda. Para dissecar sobre essa tragédia do PSTU, merecia um artigo a parte, mas é fato que a posição política de “Fora todos!” lhes custou muito mais perdas do que qualquer ganho.

43 – “Considero que o MPL, ao não se pensar como um movimento inserido nas dinâmicas de lutas mais amplas dos trabalhadores e trabalhadoras, foi incapaz de superar seus próprios limites” Lucas ‘Legume’ – . https://passapalavra.info/2015/08/105592/ e 03 JULHO 2015 (BR-SP) Carta de desligamento do MPL-SP https://passapalavra.info/2015/07/105177/

44 – Embora deteste o conceito de precariado por achar insuficiente, no presente momento e dentro das minhas limitações teóricas atuais, não consigo encontrar descrição melhor sobre parcelas do proletariado não fabril do que o conceito famoso por ser citado frequentemente pelo Historiador Ruy Braga. As obras O Precariado: A nova classe perigosa de Gus Standing e A política do precariado: do populismo a hegemonia lulista de Ruy Braga auxilia na descrição do conceito. Um dia supero esse conceito nas minhas análises.

45 – As manifestações e greves lideradas pela APEOESP, com maior infraestrutura, preparação, logística e base mobilizada, mesmo em sua esmagadora maioria com atos pacíficos, é um perfeito sintoma da falência do Novo Sindicalismo no Brasil.

46 – Só na grande São Paulo, o MTST lançava várias ocupações de terrenos com grande adesão popular e consequente mobilização desta massa para suas manifestações e ações diretas em torno da pauta da moradia. Para ver o espírito da época, ver o livro Por que ocupamos? : Uma introdução á luta dos sem-teto. De Guilherme Boulos

47 – O limite dos movimentos sociais, guardadas as devidas reservas, não difere dos sindicatos por ser reivindicações particulares do proletariado. A forma partido, isto é, a unificação de todas essas lutas em torno de uma estratégia e programa, dentro da própria dinâmica dos movimentos sociais, surge neste momento. Como ocorrem desde o fim da ditadura militar, tais movimentos sociais preferem alinhar seus interesses aos partidos do campo democrático-popular por sofrer menos interferência em sua forma organizativa  e preservando sua relativa autonomia frente a outras tradições do movimento organizado dos trabalhadores brasileiros, hegemônicas antes do golpe de 1964 (Trabalhistas e Comunistas). O PT ganha corpo e projeção nacional à medida que tais movimentos sociais começam a se somar ao seu projeto político, com grande destaque ao Movimento dos Trabalhadores Sem Terra, o MST.

48 – A edição número 99 da Focus Brasil, revista semanal teórica da Fundação Perseu Abramo, do PT, nos diz muito bem sobre o pensamento comum dos quadros do PT sobre as Jornadas de Junho. Focus #99 – 12 a 18 de junho – artigos disponíveis para consulta em: https://fpabramo.org.br/focusbrasil/edicao/focus-99-12-a-18-de-junho/ com extra par matérias a circular na mídia petista como essa coluna de Eduardo Guimarães – https://www.brasil247.com/blog/junho-de-2013-cobra-reflexao-da-esquerda

49 – Difícil não estabelecer uma ligação direta com a onda de manifestações protagonizadas pelas mulheres com os primeiros e maiores movimentos contestatórios a Jair Bolsonaro. 

50 – Se é bem verdade que o combate as opressão e violência LGBTfóbica ganhou maior destaque e medidas de criminalização da homofobia ganharam o debate público. É igualmente verdade que a medida que a ideologia liberal se apropriava com maior hegemonia destas lutas em torno de sua expectativa individualista, tanto dentro do movimento feminista quanto o LGBTQIAPN+ as perspectiva coletiva e classista destes movimentos foram perdendo espaço e marginalizados dentro destes espaços por um bom tempo. Sendo uma tarefa árdua trazer a perspectiva classista ao combate às opressões.

51 – A famosa greve dos Garis do rio de Janeiro no inicio de 2014, ao demonstra\r a combinação da disciplina da divisão do trabalho com a radicalidade nos métodos e no foco das reivindicações, propiciaram vitórias a este e a muitos movimentos grevistas no Brasil nesta época.

52 – Como se desde 2013, as tensões entre as bases sindicalizadas e suas direções, sobretudo aquelas mais identificadas com o PT, sofriam pressão direta ao combinar as pautas políticas de seus partidos com as demandas imediatas da categoria, cada vez mais hostil e desacreditada da forma sindicato. Pressionados pela ameaça direta de sua existência enquanto burocracia sindical, a Greve Geral contra a reforma trabalhista e da previdência em Abril de 2017 foi uma vazão a toda aquela tensão já gestava em anos de aumento das greves. O refluxo deste movimento grevista foi uma combinação de aumento do desemprego e corte de postos de trabalho, avanço das terceirizações, aprovação da reforma trabalhista no final deste mesmo 2017, Sem antes contar com a traição das centrais sindicais hegemônicas a desmobilizar suas bases quando o congresso e o governo Temer sinalizaram a retomada da contribuição obrigatória aos sindicatos.

53 – O que é sindicalismo – Ricardo Antunes. 14ª edição, Editora Brasiliense, 1988 Pg.33

54 – Ver obra: As contradições do Lulismo: a que ponto chegamos? De André Singer e Isabel Loureiro (Orgs.) 1ª edição, 2016

55 – Ver obra: Carta no coturno: a volta do partido fardado no Brasil – André Ortega e Pedro Marin, 1ª Ed. Editora Baioneta, São Paulo, 2019.

56 – “Relacionou “conquistas consideradas importantes que não passaram, relativas à reforma agrária, aos militares que continuam intocáveis”, e deplorou a necessidade de regulamentação de “mais ou menos 200 artigos” do texto constitucional. Regozijou-se com uma conquista, “a questão do direito de greve, possivelmente, a maior conquista obtida nesta Constituinte”. Finalmente anunciou: “É por isto que o Partido dos Trabalhadores vota contra o texto e, amanhã, por decisão do nosso diretório – decisão majoritária – o Partido dos Trabalhadores assinará a Constituição, porque entende que é o cumprimento formal da sua participação nesta Constituinte.”. Haroldo Lima em O texto final não foi aprovado, mas a Constituição foi assinada pelo PT, disponível no site Opera Mundi -https://operamundi.uol.com.br/analise/66945/o-texto-final-nao-foi-aprovado-mas-a-constituicao-foi-assinada-pelo-pt

57 – A decisão de Fachin para além das aparências – https://pcb.org.br/portal2/27007

58 – Que não deixem esquecer, o MES/PSOL defendia a Operação Lava Jato, não que tal defesa fosse realizada por uma pena de organizações menores, mas por conta da sua projeção parlamentar notável, focaram bem mais marcados que qualquer outra força de esquerda apologista da operação.

59 – Pré-candidato do PCB à Presidência defende fim da PM e ação de blackblocs em protesto –  https://noticias.uol.com.br/politica/ultimas-noticias/2014/06/06/pre-candidato-iasi-defende-fim-da-pm-e-acoes-de-black-blocs-em-protestos.htm. A interpretação do PCB sobre os eventos de 2013, culminou em qualificadas teses congressuais existentes no XV Congresso do PCB, em 2014.

60 – “A palavra “aleteia” vem do grego αλήθεια (aletheia), que quer dizer “verdade” – mas não no sentido de “dogma”, de “princípio revelado e inegável”, e sim no sentido de “descoberta da realidade”, “constatação dos fatos”. O conceito filosófico de aletheia foca na coerência entre o que é dito e o que é fato, atendo-se à observação e à compreensão imparcial da realidade.” Logo, verdade é não esquecimento.

61 – Fora todas as obras não entregues até hoje, fora os estádios de futebol como verdadeiros “Elefantes Brancos” em algumas cidades brasileiras, fora a manutenção e piora da prestação dos serviços públicos e fora toda a piora da qualidade de vida no geral para os trabalhadores brasileiros, quis que o desastre da campanha da seleção brasileira na copa do mundo de 2014 conseguisse realizar um impacto negativo sobre a realização da Copa muito maior do que aqueles manifestantes que realizavam a manifestação contra ela pudessem imaginar.

 

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