Por Sasha Polakow-Suransky, via The Guardian, traduzido por Aukai Leisner
Por todo o continente, partidos populistas de direita dominam a cena política. Como fizeram isso? Apropriando-se da linguagem, das causas e votos da esquerda tradicional.
Em abril de 2002, Jean-Marie Le Pen chocou a Europa inteira ao derrotar o candidato socialista, Lionel Jospin, no primeiro turno das eleições presidenciais francesas, avançando ao segundo turno, a ser disputado entres os dois principais candidatos. Aterrorizada com a perspectiva de uma vitória da extrema direita, a esquerda francesa, incluindo comunistas, Verdes e o Partido Socialista, resolveu apoiar o então presidente e candidato à reeleição Jacques Chirac, um pilar do establishment de centro-direita, que havia servido como prefeito de Paris por 18 anos antes de se tornar presidente em 1995. Essa estratégia eleitoral isolou efetivamente o Front National de Le Pen, retratando-o como uma força cancerosa no campo político francês.
No dia 5 de maio, duas semanas depois, Chirac ganhou a eleição com astronômicos 82% dos votos, derrotando Le Pen pela maior margem em uma eleição presidencial na França desde 1848. Celebrações eufóricas se espalharam pelas ruas de Paris. “Passamos por um período de extrema ansiedade, mas hoje a França reafirmou seu compromisso com os valores da república”, declarou Chirac em seu discurso de vitória. Depois, falando à multidão jubilante na Praça da República, ele os saudou por terem rejeitado a “intolerância e a demagogia”.
Mas maio de 2002, não foi, na verdade, um momento de vitória. Foi, isso sim, o último suspiro de uma velha ordem, em que o destino das nações europeias era controlado pelos grandes partidos da ordem.
Jean-Marie Le Pen era alvo fácil para a esquerda, e para figuras do establishment como Chirac. Ele era um provocador que apelava tanto para antissemitas e homofóbicos como para eleitores descontentes com a imigração, granjeando o grosso de seu apoio dos elementos mais reacionários da velha direita católica. Em outras palavras, ele era um vilão familiar – e sua ideologia representava uma França arcaica, um passado derrotado. Além do mais, ele não almejava seriamente ascender ao poder, e nunca esteve perto de consegui-lo. Seu papel foi o de ser um agitador e injetar suas ideias no debate nacional.
A nova extrema-direita europeia é diferente. Da Dinarmarca à Holanda e à Alemanha, uma nova onda de partidos de direita emergiu nos últimos quinze anos – e estão construindo uma rede muito mais vasta do que Le Pen jamais sonhou. Ao apelar habilmente ao medo, nostalgia e ressentimento com as elites, eles estão rapidamente ampliando sua base.
A própria filha de Le Pen é um ótimo exemplo das novas ambições da direita: ao contrário de seu pai incendiário, Marine Le Pen está conduzindo uma operação política disciplinada e já provou que seu partido pode conquistar mais de 40% dos votos em regiões que vão de Calais, no norte, até Côte d´Azur, no sul. Ela e seus correligionários dinamarqueses e holandeses não são – como parcela da esquerda gostaria de acreditar – neo-nazistas ou extremistas irresponsáveis com ideias marginais desprovidas de apelo popular.
Esses partidos desenvolveram uma ideologia coerente e vem consistentemente retirando o poder dos partidos do establishment por meio de uma estratégia eleitoral nova e devastadoramente eficaz. Eles romperam publicamente com os símbolos do passado da velha direita, distanciando-se de skinheads, neo-nazis, e homofóbicos. Também cooptaram habilmente as causas, políticas e retórica de seus oponentes. Eles vêm atacando a esquerda pelos flancos ao defender um estado de bem-estar forte e a proteção de benefícios sociais, que eles dizem estar ameaçados por um influxo de imigrantes parasitas.
Tais legendas efetivamente se apropriaram das causas progressistas da esquerda – dos direitos dos homossexuais à igualdade das mulheres à proteção dos judeus contra o antissemitismo – colocando os imigrantes muçulmanos como uma ameaça a esses três grupos. À medida que o medo do islã cresceu, encorajadas por esse discurso, elas se apresentaram como as únicas verdadeiras defensoras da identidade e das liberdades ocidentais – o último baluarte a proteger uma civilização judaico-cristã sitiada pelos bárbaros que se amontoam nos portões.
Esses partidos tem consistentemente preenchido um vácuo eleitoral criado por partidos social-democratas e de centro-direita, que ignoraram a crescente revolta dos eleitores com a questão da imigração – em parte legítima e em parte preconceituosa – ou simplesmente esperaram tempo demais para abordá-la.
Eles se livraram de parte da tradição mais repulsiva da direita enquanto forjavam respostas às preocupações econômicas e ao medo do terrorismo, combinando uma política econômica nacionalista – mais estado de bem-estar, mas somente para nós – com medidas anti-imigração pesadas e controle de fronteiras. A mensagem começa a ressoar amplamente com uma população temerosa, que crê que a elite liberal no poder não lhe dá mais ouvidos.
O Brexit foi só o começo. A nova extrema-direita europeia está preparada para transformar a paisagem política do continente – através de vitórias eleitorais ou simplesmente empurrando um campo centrista sitiado na direção de sua ideologia até que ela se torne a nova norma. E quando isso acontecer, grupos que jamais teriam contemplado votar num partido de extrema-direita dez anos atrás – jovens, homossexuais, judeus, feministas – podem acabar se juntando aos eleitores da classe trabalhadora que já abandonaram os partidos da esquerda para tornar-se a nova espinha dorsal da direita populista.
Em 6 de maio de 2002, um dia após foliões encherem as ruas de Paris para celebrar a histórica vitória de Chirac, o extravagante e iconoclasta líder da extrema-direita holandesa, Pim Fortuyn, foi morto a tiros por um ativista radical dos direitos dos animais, ao sair de uma entrevista no rádio. Seu assassino argumentou depois que havia matado Fortuyn para que ele parasse de usar muçulmanos como “bode expiatório”. Nas eleições nacionais, nove dias depois, o partido epônimo de Fortuyn – Pim Fortuyn List – tornou-se o segundo maior da Holanda, com 17% dos votos.
Fortuyn, ex-comunista e abertamente gay, que se gabava de ter dormido com imigrantes muçulmanos ao mesmo tempo em que pregava o banimento da imigração muçulmana, foi uma figura eletrizante num país conhecido por sua política morna. Seu tempo na ribalta foi breve mas transformador.
Foi Fortuyn que preparou o terreno para a nova geração de lideres de extrema-direita através da Europa. Pode ser que ele não desejasse ser pioneiro, mas seu estilo politicamente incorreto, sem papas na língua, e seu retrato da cultura islâmica como uma ameaça regressiva e reacionária aos valores progressistas duramente conquistados da Europa ocidental, provariam um modelo potente para a extrema-direita modernizada. Seus herdeiros ideológicos na política holandesa, bem como o repaginado Front National na França, o Partido do Povo na Dinamarca e o Alternative für Deutschland na Alemanha, todos emularam Fortuyn à sua maneira.
Fortuyn provou que o argumento vencedor para a extrema-direita europeia não era um apelo à la direita americana aos valores religiosos conservadores, mas sim dizer que se estava defendendo a “cultura secular e progressista da ameaça da imigração”, argumenta Merijn Oudenampsen, da Universidade de Tilburg. A Holanda foi o laboratório perfeito para essa nova estratégia porque, ao contrário da França, o país não tinha um contingente forte de religiosos tradicionalistas opondo-se à emancipação feminina e aos direitos dos homossexuais.
Antes de fundar seu próprio partido em 2002, Fortuyn havia tentado se juntar a um partido tradicional de centro-direita, o Partido do Povo para a Liberdade e Democracia (VVD), no final dos anos 90. O então líder do partido, Frits Bolkestein, que havia sido uma das primeiras figuras a falar criticamente sobre a imigração no início dos anos 90, lembra-se de Fortuyn como um político talentoso mas inflamado. “Ele tinha um personalidade totalmente teatral, e usava isso a seu favor”, disse Bolkestein, agora octogenário, de seu escritório com vista para os canais de Amsterdam. “Eu não o queria em meu grupo parlamentar, então eu o ignorei… Ele teria sido como uma bomba de fragmentação”.
Fortuyn levou sua retórica explosiva alhures e, ao criar uma nova espécie de política de extrema-direita com roupagem progressista – “uma forma de xenofobia perfeitamente talhada a uma nação que se orgulha de sua tolerância” como um perfil do New Yorker certa vez a descreveu – ele conduziu todo o debate nacional numa direção cujas coordenadas se preservaram muito tempo após sua morte.
Dois anos depois da morte de Fortuyn, a Holanda foi traumatizada por outro assassinato político. Numa madrugada de novembro de 2004, o cineasta Theo van Gogh foi assassinado por um jovem holandês-marroquino, Mohammed Bouyeri, que disparou oito tiros contra van Gogh, cortou sua garganta e pendurou uma carta em seu peito com uma faca. A carta era uma ameaça de morte à parlamentar holandesa, mas natural da Somália, Ayaan Hirsi Ali – uma crítica severa do islã que foi imediatamente posta sob proteção do serviço de segurança holandês.
Os dois assassinatos chacoalharam radicalmente a identidade holandesa e catapultaram à ribalta um político pouco conhecido e de penteado teatral, Geert Wilders, como sucessor ideológico de Fortuyn. Wilders também havia flertado com o VVD de Bolkestein, tendo começado sua carreira política como funcionário no escritório do partido. No final de 2004, ela saiu da sigla e formou sua própria agremiação. Com Hirsi Ali escondida, ele tornou-se rapidamente a voz mais proeminente contra a imigração no país – e assim permanece desde então.
Aos mais atentos, estava claro que o terreno político começava a se transformar. Seis meses depois da vitória acachapante de Chirac sobre Le Pen e do assassinato de Fortuyn, houve eleições na Dinamarca. Na superfície, o resultado não foi nenhum divisor de águas; o partido de centro-direita Venstre havia destronado os social-democratas, o bastão passando de um partido da ordem para o outro. O que havia mudado é que o Partido Popular da Dinamarca, que havia feito uma campanha abertamente anti-imigrante, conseguiu 12% dos votos – transformando-se em fiel da balança no parlamento.
Ao contrário da França, que se regozijava de sua vitória sobre o FN, ou a Holanda, onde os resquícios do partido de Fortuyn não conseguiram tornar-se uma real força parlamentar, o DDP imediatamente tornou-se um ator importante com real influência sobre políticas governamentais. E o partido não estava somente tomando os votos da direita; estava também atraindo eleitores social-democratas descontentes que sentiam que seus líderes os haviam abandonado.
O DPP havia forjado uma política social e econômica que em muitos aspectos era mais socialista que a dos social-democratas – prometendo melhores serviços de saúde, melhor atendimento aos idosos e mais moradias subsidiadas. Como me disse o primeiro-ministro social-democrata Poul Nyrup Rasmussen em 2002, alguns meses após sua derrota: “Eles se apropriaram de parte de nossa retórica e tentaram vendê-la às pessoas com uma nova roupagem e, pode-se dizer, tiveram algum sucesso”. Na época, Naser Khader, um membro dinamarquês do Congresso que imigrou da Síria na infância, argumentou que a melhor maneira de enfraquecer o DPP “é dar-lhes influência”. Ele estava equivocado.
A sede do Front National fica numa rua calma no discreto subúrbio parisiense de Nanterre, perto de uma oficina mecânica e de um restaurante português. Somente quando você se aproxima do prédio cinza com suas janelas azuis, quase todas fechadas, que os guardas armados se fazem ver. Em seu modesto escritório no segundo andar, rodeada de livros e uma nuvem de vapor, Marine Le Pen explicou no começo do ano como ela transformou um partido antes conhecido por chamar o Holocausto de “um detalhe da história” em um candidato sério à presidência.
“Voluntariamente ou não, ele deu munição para nossos adversários”, disse Le Pen sobre seu pai. Mas ela insistia que agora já havia limpado a casa. “Eu demiti todos… todas aquelas pessoas que expressavam ideologias ou opiniões que eu considerava inaceitáveis”.
Julien Rochedy, um rapaz de 28 anos que já liderou a ala jovem do FN mas acabou deixando o partido, me disse que acredita que as mudanças são reais. Enquanto o antigo líder do partido temperava seus discursos com tiradas que deixavam os judeus de cabelo em pé, hoje, se alguém conta uma piada racista no partido, “essa pessoa é imediatamente atacada” disse Rochedy. “Hoje em dia há muita auto-disciplina. Eles têm um enorme receio de que sejam acusados novamente de serem antissemitas ou racistas”.
No entanto, os detratores do partido continuam dirigindo-lhe as mesmas acusações, o que deixa Marine Le Pen furiosa. “Hoje nossos adversários já não têm mais essa munição, e eles repetem infinitamente velhos tropos sobre racistas e fascistas.” “Chega uma hora em que esse argumento perde força,” continuou ela, “porque os eleitores veem claramente que não há nada em nossa plataforma que se assemelhe nem remotamente ao fascismo ou racismo.”
Le Pen fez mais do que expulsar os elementos mais claramente racistas e antissemitas. Ela elaborou conscientemente uma campanha para apelar aos eleitores do centro e da esquerda – e de outras parcelas do eleitorado – que jamais teriam contemplado votar no Front National de seu pai.
Como escreveu o jornalista Olivier Faye do Le Monde, ela está “tentando apagar outra imagem que grudou na pele do FN – a de homofobia”. E está funcionando: uma pesquisa mostrou que sua porcentagem de voto entre casais gays nas eleições regionais de 2015 era superior a 32% – um aumento significativo em comparação aos 19% de uma pesquisa similar em 2012.
À medida que Le Pen cercou-se cada vez mais com conselheiros e líderes abertamente gays, ela também tornou mais explícito seu apelo ao eleitorado judeu. “Para muitos judeus franceses, o FN parece ser o único movimento capaz de defendê-los desse novo antissemitismo que ganha corpo nos subúrbios,” Le Pen me disse. “Eles se voltaram ao FN de maneira muito natural, porque o FN é capaz de protegê-los, creio eu, dessa ameaça”.
Entre os eleitores franceses ameaçados pela nova diversidade do país, a rejeição de uma sociedade multicultural cada vez mais toma a forma de nostalgia. E uma nostalgia crescente é o ingrediente central de muitos dos novos partidos de extrema-direita através da Europa. Na França, Marine Le Pen prometeu um retorno a uma época em que os franceses tinham sua própria moeda e sua própria política monetária, em que havia menos mesquitas e carne halal, em que ninguém reclamava de natividades de Cristo em prédios públicos e quando as escolas francesas promoviam o ethos republicano de assimilação.
“Um número cada vez maior de franceses sentem-se desconfortáveis em seu próprio país”, declarou em janeiro o proeminente filósofo Alain Filkielkraut, durante um debate com o candidato presidencial de centro-direita Alain Juppé – que adotou uma linha menos agressiva em relação ao islã e à imigração que seu rival Nicolas Sarkozy. Filkielkraut descreveu a França contemporânea como um país de açougueiros de halal e de lojas de chá frequentadas somente por homens, argumentando que “o bem público não está nas nuvens, mas é feito de coisas tangíveis – a França de Proust e Montaigne… o Jardin du Luxemburg e as vacas da Normandia”.
Finkielkraut, um judeu liberal de 67 anos, não é um admirador do Front National, mas os apelos desesperados de Marine Le Pen aos judeus e aos gays deram expressão política a um argumento que ele lançou mais de uma década atrás – que a esquerda, com sua indulgência do Islã, representa uma ameaça maior à França do que a extrema-direita. Depois que Chirac “salvou a república” de Jean Marie-Le Pen em 2002, Finkielkraut assistiu às celebrações nas ruas e advertiu que os vencedores eram o real problema. “O future do ódio está em seu campo e não no campo daqueles nostálgicos por Vichy”, ele escreveu, “… no campo da sociedade multicultural e não no da nação étnica, no campo do respeito, não no da rejeição”.
Quatorze anos depois, após os ataques terroristas no Charlie Hebdo, no Batclan e em Nice, Finkielkraut está ainda mais convencido de que estava certo. “Hoje em dia o anti-racismo serve como pretexto para não enxergar o real perigo que nos ameaça”, ele me disse quando nos encontramos em seu apartamento em Paris, no verão. Apesar de continuar não sendo grande fã do FN, ele acredita que o partido mudou e diz que “deve-se lhe opor resistência, mas pelo que é hoje, não pelo que foi ontem, não em nome do anti-fascismo”. Os franceses devem, segundo ele, “evitar analogias simplistas com os anos 30. Não devemos nos esquecer da época em que vivemos. A Europa não tem apenas demônios; ela tem também inimigos e precisa saber como lutar contra esses inimigos”.
Ele teme que a integração tenha sido um desastre tão grande que a França terá de “reconquistar seus territórios perdidos”, diz, referindo-se aos subúrbios em torno de Paris. “Integrar as pessoas não é dizer a elas ” Vocês são vocês e nós somos nós”… Integrá-los significa torná-los parte integral de nossa civilização”. E se isso não acontecer, agourou, “no melhor dos casos teremos secessão e no pior uma guerra civil”. A imigração contínua de países islâmicos representa, segundo ele, nada mais do que a “derrocada planejada da Europa”.
Em todo o país, a nostalgia por uma França mais antiga e mais branca transformou-se numa potente força política. Na cidade sulista de Béziers, o prefeito Robert Menard, um ex-trotskista que co-fundou o grupo de liberdade de imprensa Repórteres Sem Fronteiras, está tentando impor uma moratória na abertura de restaurantes de kebab e batizou uma rua em homenagem a um dos generais franceses que tomou parte num golpe fracassado contra De Gaulle, em 1961, para evitar a independência da Argélia. Menard vem de uma família de pieds-noirs, colonos franceses na Argélia. Ele considera os acordos de Evian que encerraram a guerra como uma capitulação, e os que tentaram preservar uma Argélia francesa como heróis.
Essa nostalgia tem um apelo inegável, mas não necessariamente para os eleitores que se esperaria. Enquanto os jovens bretãos votaram majoritariamente para permanecer na UE e os mais velhos votaram pela saída, na França se dá o oposto. De acordo com Julian Rochedy, o ex-líder da ala jovem do FN, apelos nostálgicos tem mais ressonância com os mais jovens na França – que sonham com uma era que jamais testemunharam – que com os mais velhos, que viveram a era que Marine Le Pen promete restaurar. São os eleitores mais velhos, Rochedy argumenta, que representam o maior obstáculo à vitória de Le Pen. “Eles têm medo de sair do euro”, ele diz. “Eles temem grandes mudanças”. Rochedy está convencido de que o FN jamais ganhará apenas fetichizando o passado. “Eles querem voltar trinta anos no passado”, disse ele de seus ex-colegas. “É um discurso que ignora completamente o mundo como ele é hoje e o que a França se tornou”.
Mesmo que Le Pen não consiga ganhar votos suficientes entre os mais velhos para conquistar a presidência, há uma parcela envelhecida do eleitorado que já migrou significativamente para a direita – os antigos membros do que foi um dia o maior partido comunista da Europa ocidental.
À medida que o Partido Comunista Francês entrava em colapso, seus apoiadores foram deixados à deriva. De acordo com Andrew Hussey, um acadêmico nascido em Liverpool que leciona em Paris, os líderes tecnocráticos do partido Socialista – muitos deles alunos da Ecóle National de Administration, uma faculdade de ultra-elite – “estão tão afastados das pessoas comuns, que mesmo ex-marxistas não cogitarão votar neles. Desconfiados do establishment e procurando um estado que os proteja, muitos se voltaram ao FN. “Creio que temos uma grande questão política aqui sobre quem irá cuidar de você” disse Hussey. “Esse é um modo de pensar bastante comunista”.
Le Pen sabe que está atraindo essas pessoas. Muitos de seus apoiadores “eram socialistas mas não são mais”, ela me disse. Embora ela prefira evitar a frase “estado de bem-estar” – “Esse é um conceito socialista” insistiu ela – Le Pen apelou diretamente para esse desejo de um estado grande e provedor, que luta que pelo homem comum e não pelos ricos.
“Eu defendo a fraternidade – a ideia de que um país desenvolvido deveria ser capaz de prover aos mais pobres o mínimo necessário para se viver com dignidade. O estado francês já não faz mais isso”, ela me disse. “Estamos hoje num mundo em que ou você defende o interesse das pessoas ou o dos bancos”. E ela tem visto os resultados. Ela aponta para a região nortenha de Pas-de-Calais. “Foi uma comunidade socialista por 80 anos”, ela disse.” Hoje tenho 45% das intenções de votos.”
Ao mesmo tempo em que Le Pen estava trabalhando para “desdemonizar” o FN, os líderes da extrema-direita holandesa vestiram com sucesso o manto do radicalismo, posicionando-se como a única força que ousa desafiar um establishment político alienado, e o único partido disposto a falar abertamente sobre o temor de muitos eleitores: o extremismo islâmico.
Geert Wilders e seu Partido pela Liberdade (PVV) passaram à frente do Partido Trabalhista Holandês para conquistar um apertado segundo lugar nas pesquisas das eleições de Março de 2017. Em setembro passado, Wilders declarou que a Europa estava sofrendo uma “invasão islâmica” – o tipo de comentário que o levou à justiça sob acusação de incitar o ódio racial, acusação que ele rejeita como um ataque à liberdade de expressão.
A presença de “massas de jovens barbados de 20 anos cantando Allahu Akbar através da Europa”, Wilders alertou no auge da crise dos refugiados ano passado na Europa, representava uma séria ameaça à “nossa prosperidade, segurança, cultura e identidade”. Por todo país, grupos organizados locais responderam ao alerta de Wilders, tentando bloquear o reassentamento de refugiados em busca de asilo em suas cidades. Em outubro passado, Klaas Dijkohf, o vice-ministro responsável pelo reassentamento dos refugiados, chegou para uma visita à pequena vila de Oranje, no noroeste, onde o governo holandês havia decidido instalar 700 refugiados. Moradores locais enfurecidos bloquearam a estrada que dava acesso à cidade, chutaram o carro de Dijkhoff e arrancaram seus espelhos retrovisores. Alguns dias mais tarde, em Utrecht, um centro de asilo foi atacado por mascarados com bombas de fumaça e fogos de artifício.
Na década que se seguiu ao assassinato de Fortuyn e Van Gogh, a integração de imigrantes muçulmanos tornou-se a questão mais polêmica na política holandesa. De repente, cidadãos holandeses nascidos na Turquia ou no Marrocos tornaram-se islâmicos. E à medida que o debate público sobre o islã e imigração tornou-se mais hostil, mesmo as formas mais elementares de observância religiosa – vestir o hijab, comprar carne halal, jejuar durante o Ramadan – tornaram-se carregadas politicamente.
O congressista trabalhista Ahmed Marcouch, que veio à Holanda do Marrocos rural quando tinha dez anos, contou como controvérsias surgiram em toda parte, de supermercados a salas de aula. É um choque para a tradicionalmente liberal Holanda quando garotas adolescentes dizem a seus professores homens que não podem cumprimentá-los com um aperto de mãos, ou que elas jejuam e rezam enquanto muitos outros adolescentes holandeses estão bebendo e fazendo sexo. Como observou Marcouch, isso vai contra tudo o que promove a cultura jovem na Holanda.
O PVV de Wilders capitalizou em cima dessa angústia cultural usando slogans simples e deliberadamente controversos sobre imigração, crime e refugiados – um de seus últimos memes é simplesmente “Desislamizar” – para conquistar eleitores que tem a sensação de que tudo o que lhes é familiar está desaparecendo.
Colocando sua política anti-imigração como uma batalha contra elites imperiosas e o politicamente correto, o PVV foi capaz de capitalizar sobre uma vasta gama de queixas, desde o ódio contra os refugiados em busca de asilo até o Euroceticismo. Enquanto isso, muitas causas na esquerda radical – incluindo o anti-racismo e anti-colonialismo – foram incorporadas ao establishment político holandês. “O Idealismo foi burocratizado”, argumenta o jornalista Bas Heijne, que escreve uma coluna no diário liberal NRC Handelsblad. “E quando o establishment impõe o universalismo, você reage contrariamente”. É por isso que há um tom tão fortemente anti-PC na direita holandesa: não nos diga como devemos falar, o que devemos celebrar ou quem serão nossos vizinhos.
Do mesmo modo que o FN de Marine Le Pen transformou-se numa enorme presença nas mídias sociais na França, a direita está em vias de colonizar a mídia holandesa. Geen Stijl (“Sem estilo”), um site de notícias popular à la Breitbart que publica artigos e vídeos abrasivos, encoraja seus melhores e mais furiosos comentadores a visitar sites de notícia mainstream e partir para o ataque. “O site é tremendamente importante como movimento social ” diz Merijn Oudenampsen, da Universidade de Tilburg. A página começou como um blog dedicado àqueles que sentiram-se politicamente orfãos após o assassinato de Fortyun, e desde então tornou-se onipresente no debate nacional holandês, com um exército de “reatores” no Twitter. Segundo Oudenampsen, alguns políticos lhe disseram que Geen Stijl é o primeiro site que eles visitam pela manhã.
A nova influência da direita sobre a mídia também ajudou a conformar o que o jornalista Kustav Bessems, do jornal de esquerda Volsksrant, vê como uma forma nova, invertida, do politicamente correto. No passado, ele disse, havia tabus ditados pela esquerda: fale mal de imigrantes e você será “imediatamente chamado de racista, de extrema-direita e basicamente pressionado a calar a boca”. Agora, é o contrário. “Assim que você fala qualquer outra coisa que não seja “a imigração é um problema” ou “o islã é a causa do terrorismo”… a polícia do pensamento vai imediatamente pular no seu pescoço para corrigi-lo”.
Um funcionário do governo holandês que trabalha na área de segurança reclamou que mesmo que a integração dos imigrantes muçulmanos e a ameaça do islã radical tenham se tornado as questões mais candentes e polarizantes na Holanda, quase nada do debate político era informado de conhecimento sobre o islã ou terrorismo. Enquanto os políticos espalham as sementes do medo, disse ele, “os economistas procuram as raízes econômicas do problema, os sociólogos procuram as raízes sociais, e os antropólogos procuram explicar a cultura jihadi – mas nenhum deles tem qualquer conhecimento sobre teologia”. Mesmo acadêmicos que pesquisam a radicalização tendem a estudar os extremistas de hoje pela lente histórica da esquerda europeia – o que não ajuda muito a explicar o que leva um pequeno número de jovens muçulmanos, como o assassino de Van Gogh, Mohamed Bouyeri, a dedicar-se à causa da jihadi. “É fácil ser marxista”, gracejou o oficial. “É foda pra caralho ser salafi”.
À medida que aumentam a percepção de que o estado é impotente para prevenir a radicalização de jovens muçulmanos e o medo do terrorismo, aumenta também a proporção de eleitores que passam a ser receptivos às invectivas da nova direita sobre a “islamização”. Hoje não são somente os ativistas anti-imigração lutando contra um consenso burocrático. Há também muitos progressistas desiludidos – pessoas que viam as vitórias culturais dos anos 60 e 70 como batalhas ganhas há muito tempo, tornando a liberdade sexual, feminismo e direitos dos homossexuais parte inconteste da sociedade holandesa. De repente, essas velhas vitórias parecem estar sob ameaça. “Há uma sensação de ” Nós os recebemos de braços abertos e eles fazem isso”, diz Bas Heijne. “As pessoas foram terrivelmente desapontadas em suas boas intenções”. E numa tal atmosfera, parcelas do eleitorado tradicionalmente de esquerda, tais como os gays ou judeus sentem-se ameaçados – e alguns tornaram-se reflexivamente suspeitos dos muçulmanos.
O esteriótipo de que muçulmanos praticantes odeiam gays e lésbicas tornou-se tão arraigado na Holanda ao ponto de nenhum dos dois lados conseguir provar o contrário. Quando o congressista marroquino Ahmed Marcouch participou pela primeira vez da lendária marcha do orgulho gay em Amsterdam, ele era, como descreveu a si mesmo, o “primeiro muçulmano hétero” a participar. A comunidade gay temia violência de grupos extremistas; muçulmanos conservadores estavam chocados e furiosos. Ambos os grupos concluíram: “Bom, talvez Marcouch seja homossexual também”, conta ele, entre risadas. Nenhum dos lados conseguia imaginar um muçulmano hétero fazendo o que ele fez.
Mas mostras públicas de solidariedade como as de Marcouch são raras. Entre casais abertamente gays e judeus religiosos, há um temor palpável de ser alvejado por jovens muçulmanos antissemitas ou homofóbicos. Assim como na França, essa atmosfera tensa fez com que partidos de extrema-direita pareçam uma alternativa palatável para grupos que jamais teriam considerado votar neles.
No começo desse ano em Amsterdam, me encontrei algumas vezes com um judeu, apoiador ferrenho do PVV de Wilder, que preferiu permanecer anônimo. Ele descreveu seu próprio apoio à extrema-direita em termos que ecoavam as ideias de Alain Finkielkraut. “É um reflexo atrasado dos judeus dizer que o problema é sempre a extrema-direita.”, ele me disse. “Nós temos novos inimigos e precisamos de novas ideias”.
A experiência de sua própria família durante a Segunda Guerra o convenceu de que a capacidade da Europa para cometer violências assassinas está sempre à espreita. “Anne Frank não foi traída pelos alemães”, argumenta. “Foi traída pelos holandeses. Por holandeses comuns.” Os judeus precisam encontrar novos aliados numa nova guerra, porque nunca estarão a salvo. “Os trens sempre virão para os judeus”, acrescentou ele, em tom de agouro. “Prefiro estar errado do que baixar demais a guarda e acabar num trem”.
Ele não é insensível aos infortúnios dos muçulmanos europeus, e disse-me que até enxerga paralelos com a perseguição que sua família sofreu. “Se eu fosse um muçulmano na Europa neste momento, eu estaria preocupado”, admitiu. “Se os europeus reconquistarem sua virilidade, isso poderá causar estragos. Faz parte da história da Europa tratar mal os estrangeiros. Nós judeus sabemos bem disso.”
Por esse motivo, defende ele, os muçulmanos deveriam considerar Wilders como um mal menor. “Os muçulmanos deveriam agradecer que Geert Wilders existe. Se outra pessoa canalizasse esses sentimentos de ódio, poderia ser muito pior”, disse ele em tom de ameaça. “Wilders é cortês. Ele é um democrata. Ele não é o novo Hitler.”
Para Frits Bolkestein, que liderou o partido de centro-direita holandês VVD nos anos 90 – e foi por algum tempo o chefe de Wilders quando ele era um jovem assistente no escritório do partido – a ascensão da nova direita está ligada tanto a uma questão de classe quanto ao Islã. O Partido Trabalhista Holandês abandonou sua base na classe trabalhadora: “Eles cometeram um grande erro”, diz ele de seus antigos rivais, com certa satisfação. Confrontados como “uma escolha entre os estrangeiros e as classes trabalhadoras, eles escolheram os estrangeiros… e pagaram muito caro por isso”. Hoje, pesquisas apontam que o partido irá dos atuais 36 assentos (de 150) no parlamento para apenas 10.
Marcouch reconhece que, assim como os velhos esquerdistas na França, muitos dos antigos eleitores trabalhistas agora apoiam Wilders. Além disso, disse ele, eles ainda moram nos mesmos bairros para os quais famílias como a dele se mudaram nos anos 80, quando muitas famílias holandesas brancas estavam indo embora. “A mensagem que mandavam para o Partido Trabalhista era: “Vocês nos ignoraram. Vocês deixaram isso acontecer.”
O Partido Popular da Dinamarca tem por anos buscado tais eleitores e manobrou com maestria o sentimento anti-imigrante para absorver a base tradicional dos social-democratas – as pessoas que temem “que o pão terá menos manteiga”, como escreve o jornalista dinamarquês Lars Trier Mogensen.
O DPP combinou de maneira efetiva uma retórica anti-imigrante com uma mensagem fortemente pró-estado de bem-estar, que enfatiza a qualidade dos serviços de saúde e do cuidado com idosos. Søren Espersen, o vice-líder do DPP, pensa que para os ex-social-democratas trata-se de um caminho sem volta. “Quando um deles decide votar em nós, é um passo muito, muito grande que está dando,” disse ele de eleitores que apoiaram os social-democratas a vida toda. “E por que eles deveriam voltar? Quero dizer, uma vez que eles tenham superado esse primeiro obstáculo e votado para nós, não tem mais volta.”
Os social-democratas começaram a perder seu domínio nas grandes cidades e em seus arredores a partir de 1990, com muitos de seus eleitores migrando para o DPP. Um desses lugares é a pequena cidade satélite de Herlev, a cerca de 16 quilômetros de Copenhague. O prefeito social-democrata de 41 anos, Thomas Gyldal Petersen, viveu na cidade sua vida toda e é taxativo ao afirmar que o controle dos números da imigração é a única maneira de reverter os infortúnios de seu partido.
Para Gyldal Petersen, a chave de uma integração bem-sucedida é um equilíbrio demográfico. A partir do momento em que uma escola ou complexo habitacional tem maioria de imigrantes – ou maioria de desempregados – diz, os problemas começam a surgir. Ele põe a culpa nos líderes de seu próprio partido. “Os prefeitos nos anos 80 já estavam avisando que havia algo de errado, que o partido precisava mudar.” Mas as lideranças preferiram fechar os olhos ao problema.
Depois vieram os cartuns de Muhammad. Em 2005, os editores do Jyllands-Posten, o maior jornal da Dinamarca, convidaram um grupo de cartunistas renomados para desenhar o profeta. A resposta inicial foi morna, mas dentro de alguns meses – por meio de uma combinação de pressão diplomática, uma resposta desdenhosa do governo dinamarquês, e uma campanha unificada conduzida por imãs locais – os cartuns tomaram a proporção de uma autêntica crise, com boicote de produtos dinamarqueses e protestos violentos no Oriente Médio. Dinamarqueses que jamais haviam contemplado votar no DPP agora viam suas embaixadas pegando fogo e ameaças de morte contra alguns de seus jornalistas mais conhecidos. De repente, a plataforma do DPP passou a fazer sentido. Eles haviam avisado que os muçulmanos eram extremistas em potencial, e agora esses avisos pareciam ter se tornado realidade. Políticos tais como Naser Khader, que havia afirmado que a melhor maneira de enfraquecer o DPP era dar-lhes influência, passaram a mover-se consistentemente para a direita do espectro político. Quando Khader fundou uma nova organização chamada “Muçulmanos Democráticos”, na sequência da controvérsia dos cartuns, recebeu ameaças de morte.
As lideranças dos social-democratas passaram a adotar também uma abordagem mais dura. Alguns meses atrás, a líder do partido, Mette Frederiksen, foi a Estocolmo encontrar-se com seus demais correligionários escandinavos. Lá ela deu um discurso que causou rebuliço entre seus colegas: “Nós social-democratas devemos aceitar que há um conflito”, declarou. “É uma parte importante de nossa identidade que estendamos a mão quando as pessoas precisam de ajuda …. mas também nos orientamos pelo princípio igualmente importante de que devemos ter um estado de bem-estar funcional.” Friederiksen continuou: “Minha posição é de que um estado de bem-estar escandinavo universalmente subsidiado com acesso livre e igualitário à serviços de saúde, educação e benefícios sociais não é compatível com uma política de imigração aberta.”
Mas em seu zelo de endurecer as políticas de imigração, a Dinamarca acabou manchando sua reputação internacional como bastião do progressismo – o tipo de lugar que Bernie Sanders gostava de mencionar em seus discursos. Em janeiro, apena três meses após o auge da crise dos refugiados, a Dinamarca aprovou uma lei que ficou conhecida como “lei das jóias”, que estipulava que qualquer refugiado que carregasse objetos num valor superior a 10,000 kroner (£1,200), teria seus pertences confiscados para financiar o custo de acomodação dos que buscavam asilo. Editoriais e colunistas ao redor do mundo alinharam-se para condenar a lei. De acordo com Kenneth Kristensen Berth, um congressista do DPP, tratava-se de contenção. “O objetivo era, claro, que as pessoas entendessem que não deveriam procurar asilo na Dinamarca, “disse. A parte das jóias era o menos importante. “O mais importante é que as pessoas esperarão mais tempo para voltar às suas famílias,” acrescentou. E não foram somente o DPP e o governo que apoiaram a iniciativa – os social-democratas também votaram a favor.
Bent Melchior, o ex-rabino-chefe da Dinamarca, ficou indignado. Ele irritou-se com a ideia de que os refugiados seriam ricos porque fogem carregando algum dinheiro nos bolsos. Ele sabe bem do que está falando: embora a Dinamarca seja sempre celebrada por ter salvado seus judeus durante a segunda guerra mundial, muitas vezes se esquece que judeus dinamarqueses pagaram enormes quantias de dinheiro para que fossem levados de barco até a Suécia. A família de Melchior pagou quase o equivalente a “um ano de aluguel de um apartamento de seis quartos” somente para pagar a passagem dele. “A Dinamarca não é um país pobre, pelo amor de Deus.” diz Melchior. “Há comida para todos aqui, e mesmo que recebamos algumas dezenas de milhares de pessoas a mais, ainda haverá comida para todos.”
O caminho que conduziu um partido de centro-esquerda a apoiar uma lei dessa natureza foi longo e tortuoso, mas a trajetória foi clara. O sistema de bem-estar da Escandinávia sempre se baseou na solidariedade, com cada um pagando sua parte e recebendo em troca o que lhe cabia. À medida que o país foi ficando mais diversificado, parte da confiança que sustentava o sistema começou a desmoronar. Houve abuso do sistema por parte de imigrantes, e houve ainda mais campanhas de tablóides espalhando medo, retratando os imigrantes como ladrões e sanguessugas dos benefícios sociais. Mas a questão maior, como defende o economista de Oxford Paul Collier, é a crescente falta de disposição dos nativos de subsidiar aqueles vistos como os pobres vindos do estrangeiro.
O prefeito de Herlev não se opõe ao asilo, mas ele insiste que os números terão que ser cortados. “Nós temos que ajudar os refugiados, mas temos que trazê-los para a Dinamarca numa escala em que possamos de fato ajudá-los. Se houver desequilíbrio, o estado de bem-estar não resistirá, ” avisa Petersen.
Mas o equilíbrio também tem seus limites. Aydin Soei, um sociólogo dinamarquês e filho de imigrantes iranianos, acredita que há um ponto cego ainda maior no raciocínio do governo dinamarquês – um que nativos que jamais fizeram parte do pólo receptor das políticas de integração não conseguem enxergar. “Muitos dos refugiados estavam apenas recebendo os benefícios sem que o estado reconhecesse sua formação e suas habilidades, “disse-me Soei, citando o caso de sua própria mãe, que chegou à Dinamarca com um diploma em física cujo valor não foi reconhecido. “Se a ideia que nos tivesse guiado fosse a de criar uma sociedade liberal em que o indivíduo pudesse cultivar uma boa vida para si, então já teríamos resolvido o problema há muito tempo”, defende.
Em vez disso, o estado propiciou os recém-chegados com uma mesada e as chaves de um apartamento e nada mais – crendo que seu trabalho estava feito. O problema é que não há qualquer incentivo para integrar os que buscam asilo no mercado de trabalho. “Não há consequências para os políticos … porque eles não têm direito a voto.” De qualquer forma, a situação acaba dando razão ao argumento do DPP. “Os imigrantes estão sempre errados”, disse Gyldal Petersen. “Quando estão desempregados, são um fardo para a sociedade. Quando estão trabalhando, é porque roubaram o emprego de um dinamarquês.”
Independentemente do fato de Marine Le Pen ganhar ou não as eleições francesas no ano que vem ou do PVV de Wilders tornar-se ou não o maior partido da Holanda, a nova extrema-direita veio para ficar. O reflexo entre muitos partidos do establishment – e instituições midiáticas – foi o de ignorá-los ou tirar-lhes sarro. Outros, no entanto, começaram a imitá-los num esforço de ganhar de volta seus antigos eleitores.
A retórica pode, no longo prazo, contar mais do que resultados eleitorais. Quando eu falei novamente com o judeu de Amsterdam que apoiava Wilders, ele estava convencido de que a batalha já havia sido ganha, de certa maneira – independentemente dos resultados das eleições do ano que vem. “O PVV conduziu todo o debate político para a direita. O Partido Trabalhista está dizendo quase a mesma coisa que Wilders dizia cinco anos atrás, ” contou ele. “Você consegue ter muita influência na política mudando os rumos do debate.”
Se os partidos políticos tradicionais quiserem vencer, eles devem primeiro abandonar a velha estratégia de marginalizar os movimentos populistas e debater com eles os méritos – e defeitos – de suas políticas e opor-se a suas mensagens de medo.
Entre as lições mais importantes do Brexit está a de que, para milhões de eleitores descontentes, a imigração é somente mais um assunto sobre o qual ninguém lhes perguntou. É isso que torna a questão uma arma especialmente potente: ele combina as energias ressentidas do nacionalismo, instabilidade econômica, e ódio de uma elite econômica distante e não passível de controle. E os líderes da nova direita aprenderam a usá-la de maneira eficiente. Eles aprenderam a evitar a pecha , colada à imagem de Jean-Marie Le Pen, de antissemitas e racistas.
Na França, a nova maioria que Le Pen espera construir é surpreendentemente parecida com a coalizão que levou à campanha vitoriosa do Brexit. Num parque perto da prefeitura em forma de castelo de Calais, em maio, Samuel e Pascal, ativistas de um grupo chamado Retomar Calais, vociferavam contra a prefeita de centro-direita da cidade. Eles a culpavam pelo crescimento da cidade de barracas, repleta de lixo, que ficava a cinco quilômetros a oeste da cidade, até ser desmanchada neste mês. “Os que nos governam estão completamente contra nós. Os ilegais, que não são franceses, podem fazer o que quiserem,” eles me disseram. Na sua visão, mesmo Marine Le Pen é “branda demais”.
Se programas de reassentamento levassem refugiados de Calais para outras partes da França, como o fizeram dezenas de ônibus desde a destruição do campo na semana passada, eles não ficariam nem um pouco mais satisfeitos. “Eles estão em todos os vilarejos da França, disse Samuel. Depois que começarem a abrir negócios e trazer familiares, em dois anos o vilarejo terá desaparecido.”
Cerca de um quilômetro e meio depois, o canal da balsa de Calais encontra-se detrás de camadas de altas cercas de metal e arame farpado retorcido. Eu me encontrei com Rudy Vercucque e Yohann Faviere, os lideres do FN local, numa manhã tormentosa de junho, do lado de fora do terminal, onde eles aguardavam ansiosamente a visita de um dignatário da União Europeia. Enormes gaivotas descreviam círculos e guinchavam sobre nossas cabeças, denunciando a presença da prefeita, Natacha Bouchart, membro do Partido republicano de Sarkozy.
“Foi ela quem permitiu que isso acontecesse,” esbravejou Vercucque. E foi Sarkozy, ele me lembrou, quem negociou os notórios acordos de Le Touquet, movendo a fronteira britânica para onde nos encontrávamos agora. Calais depende do turismo britânico e a renda decaiu sensivelmente. O resultado é uma doença social e econômica paralisante. “Tente encontrar um médico que queira vir para Calais. Tente encontrar um cirurgião que queira se mudar para cá.” exclamou Vercucque. “Você trabalha sua vida inteira, paga sua casa e perde dinheiro. É intolerável.” O suporte local ao FN pode ter sido inicialmente um voto de protesto, disse Faviere, mas não mais. “Hoje temos pessoas que realmente aderem a nossas ideias.”
Vercucque foi mais direto: “Apenas dizemos em voz alta o que todos estão pensando.”