Agonia e desespero do “marxismo ocidental”: rumo ao fim do “salário psicológico”?

Por Jones Manoel

“Criou-se na universidade um prestígio gigantesco para trotskistas e filo-troskistas formados nos anos 80 e 90. Eles reinaram hegemônicos por muito tempo. Sua derrota política, ausência de influência sobre as massas e isolamento cada vez maior foi compensado com a assunção ao cargo de marxismo “legítimo”. Criou-se uma situação que ao lado de Gramsci, Thompson, Lukács, Mészáros e outros, Trotsky podia ser inserido. Já Stálin e outros, como Fidel Castro ou Mao, óbvio que não. Era o salário psicológico.”


“Palmiro Togliatti sobre o XX Congresso do Partido Comunista da URSS e o “stalinismo”.

“Antes, todo o bem era devido às sobre humanas qualidades positivas de um homem; agora, todo o mal é atribuído a seus defeitos, também excepcionais e assombrosos. Num como no outro caso, estamos fora dos critérios de julgamento que são característicos do marxismo. Omitem-se os verdadeiros problemas, tais os de como e por que a sociedade soviética pôde chegar a certas formas de afastamento do caminho democrático e da legalidade que ela havia traçado” – citado por Alberto Guerreiro Ramos em “Mito e verdade da revolução brasileira”, Editora Insular, p. 154.

Introdução

No último sábado, dia 16/11, ao voltar da academia, me deparo com uma postagem no Twitter. Na postagem era mostrado meu artigo para o primeiro volume da Revista Jacobin Brasil. Nessa postagem aparecem dois professores que pediam, de formas diferentes, censura ao meu artigo. Um diz que não se deve dar espaço para “stalinista orgulhoso” e defende, sem meias palavras, me censurar. O outro, que também tem um artigo na revista, afirmou que não foi avisado [que eu também escreveria] e deu a entender que caso soubesse, não publicaria nada na revista.

Essa postura dos professores, bem mais que coincidência, é parte de um comportamento padrão. Já perdi as contas de quantas vezes fui chamado de “stalinista” ou “neostalinista” e isso, supostamente, seria uma chave mágica para fechar todo e qualquer debate. Também sou acusado de ser um dos principais responsáveis pela “reabilitação do stalinismo” ou por uma onda “neostalinista”, além de mim, quem mais está construindo esse suposto projeto? É bem mais que fechar o debate, me tornando um interlocutor em si não válido, alguém que não pode e não deveria falar – por que não censurar, não é mesmo?

Eu não vou responder a isso com baixo nível. Pretendo explicar teoricamente esse comportamento. Tenho uma hipótese formulada a um bom tempo e aproveito a oportunidade para submeter ao público leitor. Antes disso, porém, algumas advertências.

Por motivos de economia de espaço, não vou definir teoricamente em todas as suas nuances o que é o “marxismo ocidental”. Seguirei, basicamente, a compreensão de Domenico Losurdo (O Marxismo Ocidental, 2018, Boitempo Editorial) e em menor medida Perry Anderson (Considerações sobre o Marxismo Ocidental, 2018, Boitempo Editorial). Esse é o pressuposto quando eu falar de “marxismo ocidental”. Em segundo lugar, essa tradição tem um amplo espectro e aqui vou me limitar a debater com os auto afirmados seguidores da tradição trotskista. Faço isso também por economia de espaço e por registrar que as reações mais histriônicas a minha produção vêm desse campo teórico-político.

O trotskismo como tradição em negativo

O trotskismo, como sabemos, nasce de uma ruptura no seio do PCUS e da União Soviética. A partir de então se forma a mais consistente, a nível teórico e político, alternativa ao marxismo-leninismo de corte soviético dirigido por Stálin. No famoso documento “O programa de transição”, Leon Trotsky colocava dois grandes desafios a nova corrente do movimento operário que ele criava: superar o stalinismo e a socialdemocracia. Tarefa, convenhamos, nada fácil.

A realidade histórica, a despeito da compreensão correta ou não de Trotsky e do trotskismo dos rumos da União soviética, Internacional Comunista e movimento operário, mostrou que o trotskismo não conseguiu em lugar nenhum da terra superar essas duas tendências teórico-políticas do movimento operário (o que não significa dizer que não existem contribuições teóricas e práticas). Onde conseguiram ser mais fortes que os Partidos Comunistas, como na Bolívia no passado ou na Argentina atual, a superação das variantes da socialdemocracia (usando um conceito muito lato e impreciso de socialdemocracia) não aconteceu. Na Argentina atual, por exemplo, o peronismo tem infinitamente mais força que a FIT (Frente de Esquerda dos Trabalhadores – união das principais organizações trotskistas do país).

O marxista indiano Vijay Prashad, ao mapear as influências da Revolução Russa e do movimento comunista no Terceiro Mundo, diz o seguinte:

“O trotskismo teve muito pouco impacto no Terceiro Mundo – exceto Sri Lanka, na Bolívia e na Argentina, bem como entre um pequeno número de intelectuais. A denúncia do trotskismo sobre os Estados nacionais anticoloniais (aqueles que formaram o movimento dos não alinhados) e, em seguida, sobre a Revolução Cubana, alienou-o dos comunistas do Terceiro Mundo (PRASHAD, 2019, p. 96).”

O inglês Perry Anderson, alguém historicamente ligado a tradição trotskista, escreveu um posfácio para seu clássico ensaio de 1974 sobre o Marxismo Ocidental. O posfácio é de 1984 e Anderson, depois de prever um futuro brilhante para o trotskismo dado a possibilidade histórica aberta para um reencontro entre o “marxismo ocidental” e o movimento de massas, diz em tom autocrítico:

O axioma da “revolução permanente” deve, portanto, ser considerado até agora não provado como teoria geral. Suas dificuldades poderiam talvez ter sido presumidas, na medida em que ele deriva literalmente de um texto de Marx de 1850. Tal fidelidade canônica a Marx dificilmente seria garantia de precisão científica (ANDERSON, 2018, p. 140).

Cito isso para indicar um elemento fundamental: o trotskismo se constituiu como uma tradição em negativo às experiências socialistas. Como nunca houve uma “revolução trotskista” ou um “socialismo trotskista”, criou-se uma relação proporcionalmente inversa no movimento operário: quanto mais força tinha o marxismo-leninismo de inspiração soviética e outras tradições, como o maoísmo, menos força tinha o trotskismo, e vice e versa. Isso criou uma dependência curiosa. Não poucos trotskistas pegaram carona na crítica liberal, e às vezes até reacionária, a URSS, ao movimento comunista, experiências socialistas e afins, como forma de fortalecer sua corrente. Althusser acerta em cheio ao pontuar o fortalecimento relativo do trotskismo após o 20º Congresso do PCUS que denunciou, na linguagem da época, os “crimes de Stálin”,

O que explica, diga-se de passagem, não poucos fenômenos de aparência paradoxal como, por exemplo, 50 depois da Revolução de Outubro e 20 anos depois da Revolução Chinesa, o fortalecimento de Organizações que subsistem há 40 anos sem terem obtido nenhuma vitória histórica (pois, ao contrário dos “esquerdismos” atuais, elas são organizações e têm uma teoria): as organizações trotskistas (Althusser, 1978, p. 56)

Um dado fundamental não deve ser desprezado ao compreendermos o século XX: as principais disputas no movimento operário, excluindo as diversas correntes de corte socialdemocrata, deu-se, por assim dizer, nos diversos ramos que emergiram da tradição marxista-leninista soviética. Titoismo, maoísmo, eurocomunismo, castrismo/guevarismo e o curto e relativo sucesso do marxismo da Albânia e da Coreia Popular. No século XX, a nível de teoria e prática, o trotskismo nunca conseguiu ser maior até que os subprodutos do marxismo-leninismo soviético, como o maoísmo.

Essa situação ameaçou uma mudança ao final dos anos 80. Como sabemos, a União Soviética é derrubada, acaba o campo socialista, os partidos comunistas (incluso os eurocomunistas) entram em crise profunda ou acabam, a China passa por um processo de reformas e abertura que alguns chamam de restauração capitalista (situação semelhante passa o Vietnã), Cuba e Coreia Popular passam por momentos dificílimos e quase não conseguem sobreviver.

No auge dessa conjuntura, como expressão do espírito do tempo da visão trotskista, Alex Callinicos lança um livro chamado “A vingança da história: o marxismo e as revoluções do Leste Europeu” (publicação original em 1992). Esse livro é dedicado a mostrar que o que acabou de ser derrotado no Leste Europeu não tinha qualquer relação com o marxismo, reduzindo tudo ao rótulo de “stalinismo”. Callinicos chegou ao limite de recusar a própria formulação de Trotsky sobre o “Estado operário burocratizado” e censurar outros trotskistas, como o brilhante economista Ernest Mandel por sustentar, ainda que com muitas ressalvas, que aquelas formações econômico-sociais eram superiores em muitos aspectos ao capitalismo.

A sentença de Alex Callinicos era clara: os verdadeiros marxistas e socialistas, isto é, os “não stalinistas”, deveriam recusar aquela experiência histórica, mostrar que nenhuma relação elas têm com o socialismo, e agora, pela primeira vez na história, construir o verdadeiro socialismo. Sem o peso do “monstro stalinista” era chegado a vez, finalmente, dos trotskistas (como esperava Perry Anderson em 1974) tomar a direção da história.

Como sabemos, o fim da URSS e a crise quase terminal do movimento comunista não abriu espaço para um crescimento vigoroso do trotskismo. Antes o contrário. Onde não continuaram pequenos como sempre, até conseguiram crescer um pouco e superar os quase mortos partidos comunistas, mas nunca, em canto nenhum do planeta, tomaram a cabeça do movimento operário. Trinta anos depois da queda do Muro de Berlim, a profetizada ascensão do trotskismo não aconteceu.

Salário psicológico e afirmação acadêmica

Mas o trotskismo, especialmente no Brasil, recebeu um salário psicológico em troca. Salário psicológico é um termo consagrado no movimento negro socialista dos EUA (hoje em desuso) que explicava a relação entre os trabalhadores negros e os brancos. Basicamente a noção era o seguinte: os trabalhadores brancos, embora também explorados assim como os negros, através do sistema racista tinham reconhecimento simbólico, possibilidade de frequentar certos espaços, status social de bom cidadão e afins. Em suma, no campo simbólico, cultural e ideológico, eram colocados acima dos negros como pertencente à genérica raça branca.

É claro que ser branco, em um sistema racista, possibilita também vantagens materiais, como maior chance de ascensão social e acesso à educação formal. Contudo, como sabemos, essa não era a realidade da maioria dos trabalhadores brancos. O seu principal ganho, o elemento soldador da solidariedade branca e consequente divisão da classe explorada, era esse salário psicológico, segundo os termos clássicos do movimento negro nos anos 20 e 30 do século passado.

No Brasil aconteceu um fenômeno parecido. Ao final da ditadura empresarial-militar, com o PCB já em crise e com profundos rachas internos, e o PCdoB sem possibilidade e força para disputar a hegemonia da esquerda, surge pela primeira vez em décadas o espaço para a consolidação do domínio de uma esquerda não comunista. O PT, como sabemos, tomou o lugar de principal organização de esquerda no pós-ditadura, mas como partido de tendências, agrupou internamente várias organizações trotskistas.

O curioso da conjuntura, porém, é que o trotskismo, pela primeira vez na história brasileira, finalmente tinha conseguido ganhar relativo peso de massas. A Convergência Socialista, por exemplo, reunia milhares de trabalhadores e militantes no Brasil todo. Conseguiu realizar congressos e encontros com mais de 10 mil pessoas sem tanta dificuldade. Sonhavam com a possibilidade de disputar e ganhar a direção do PT e, finalmente, tomar a cabeça do movimento operário brasileiro. Como sabemos, nada disso aconteceu.

Convergência Socialista e PCO foram expulsos do PT. Depois o campo socialista trotskista se fragmentou em várias organizações e muitas delas, depois da criação do PSOL, foram para esse partido. O maior herdeiro da Convergência Socialista, o PSTU, já teve um peso de massas expressivo e hoje é uma organização sem metade do brilho e força política de anos atrás. Tudo podia acontecer para os herdeiros de Leon Trotsky no Brasil… e no final não aconteceu nada. Hoje com exceção do MES (Movimento de Esquerda Socialista), Resistência e Insurgência, todas tendências do PSOL, o trotskismo é pequeno como sempre foi – e essas organizações estão longe de disputar a hegemonia no Brasil.

A compensação para os intelectuais trotskistas foi ocupar em massa as universidades brasileiras. Depois da derrubada da URSS, só era aceitável o marxismo trotskista, gramsciano e, uma particularidade do Brasil, o lukacsiano. No balanço da experiência histórica do século XX, essas três correntes, grosso modo, pouco se diferenciam. Os gramscianos mais clássicos como Carlos Nelson Coutinho, embora fossem anti-stalinistas declarados, raramente endossavam a narrativa trotskista da história. Mas aos poucos essa geração ainda formada no PCB, ou em organizações alternativas como o antigo MR-8 e Polop, foi morrendo, se aposentando, perdendo visibilidade pública.

Criou-se na universidade um prestígio gigantesco para trotskistas e filo-troskistas formados nos anos 80 e 90. Eles reinaram hegemônicos por muito tempo. Sua derrota política, ausência de influência sobre as massas e isolamento cada vez maior foi compensado com a assunção ao cargo de marxismo “legítimo”. Criou-se uma situação que ao lado de Gramsci, Thompson, Lukács, Mészáros e outros, Trotsky podia ser inserido. Já Stálin e outros, como Fidel Castro ou Mao, óbvio que não. Era o salário psicológico.

Emprego público estável, altos salários, prestígio intelectual, semi-monopólio ou monopólio do marxismo e, particularmente, do balanço histórico do século XX. O problema, o grande problema, é que a realidade começou a cobrar seu preço. Fora a ausência, depois do fim da URSS, de qualquer ascensão do “socialismo democrático” ou do trotskismo, o grande abalo sísmico na América Latina no começo do século XX foi o bolivarianismo na Venezuela e Bolívia.

O bolivarianismo não tem relação com o trotskismo. Cuba, depois dos anos de dificuldade do “Período especial”, voltou a recuperar força e prestígio na América Latina. Frente ao vale de lágrimas do neoliberalismo, o bem-estar socialista de Cuba voltou a encantar muitos olhos – como disse um reacionário: “em Cuba só três coisas funcionam: saúde, educação e segurança”. Para piorar, a Coreia Popular ganha cada vez mais importância na geopolítica mundial e muitos acadêmicos, incomodados com o nível de caricatura que o país sofre, foram escrever com seriedade sobre o país. Frente a destruição do Afeganistão, Iraque, Líbia, Ucrânia e Síria, a resistência coreana também começou a despertar mais simpatia.

Outro dado grave. O Partido Comunista da China, depois de anos combinando nacionalismo com uma espécie de “desenvolvimentismo” estratégico e alguns resíduos de marxismo, volta a assumir um discurso com ênfase maior no marxismo e no socialismo. O PCCh de Xi Jinping opera uma clara virada à esquerda no nível político e ideológico. A China não é só mais assertiva na diplomacia, mas no discurso de legitimidade do seu marxismo – e o quanto o marxismo chinês é “genuíno” ou não, não vamos debater aqui. Por fim, mas não menos importante, todas as experiências que os trotskistas apostaram suas fichas foram ruindo.

O trotskismo viu uma revolução popular na Líbia e na Síria e hoje poucos são os que sustentam que aquilo teve um leve cheiro de revolução. Em seguida jogaram todas as suas fichas no Syriza grego. O final, é claro, também sabemos. Passaram anos denunciando o que chamam de castro-chavismo, tão demonizado e atacado, que fica cada vez mais charmoso quando olhamos para o nosso Brasil e a pequena Bolívia após recente golpe de Estado. Para piorar, alguns partidos comunistas, como o da Grécia, Venezuela, Rússia, Turquia, Índia, Filipinas, Bélgica e República Tcheca voltam a ter peso de massas ou ganham mais expressão política. O Partido Comunista da Grécia, por exemplo, é maior que todas as organizações trotskistas do Brasil juntas.

Essa situação objetiva da correlação de forças a nível mundial condiciona, não sem várias mediações e dinâmicas nacionais, uma revisão de “verdades” consolidas nas últimas décadas. Existe sobre história da URSS, por exemplo, uma nova historiografia dos últimos 30 anos que busca não só rever certas questões como, abertamente, combater mitos anticomunistas. Estados Unidos, França, Rússia, Inglaterra, Argentina, Turquia e em menor medida Espanha são alguns dos países onde essa literatura cresce.

Embora pouco dessa literatura chegue no Brasil, nos últimos anos passou a circular mais autores críticos do trotskismo e sua leitura história. Jean Salem, Domenico Losurdo, Michael Parenti, James Petras e Annie Lacroix-Riz, por exemplo, não são mais tão desconhecidos do público brasileiro (desses nomes citados, sem dúvidas, Domenico Losurdo é o mais publicado e conhecido). Junte a isso, com a popularização da internet, trabalhos jornalísticos, acadêmicos e culturais, como a brilhante Revista Opera, foram furando a bolha do marxismo trotskista.

Aliás, a partir da própria internet vem se afirmando uma geração de marxistas, propagandistas socialistas e comunistas, não trotskistas (embora quase todos não sejam marxista-leninistas e tenha boas relações com o trotskismo). Samuel Silva Borges, Humberto Matos, Sabrina Fernandes, Rita Von Hunty, Debora Baldin e outros. De repente, uma série de jovens e já militantes descobrem um marxismo fora da dicotomia “Trotsky versus Stálin” e da chave de leitura trotskista. Melhor: um marxismo que se populariza, ajuda a organizar muita gente, fomenta o debate crítico, por fora das estruturas tradicionais da universidade. Não depende de revistas acadêmicas, colóquios, mesas de programas de pós-graduação, apadrinhamentos e o “semi-feudalismo” dos “mandarins” da universidade.

O abalo aqui é duplo. Primeiro, a legitimidade social cada vez maior de um marxismo produzido por fora das tradicionais estruturas da universidade. Segundo, um marxismo por fora da tradicional leitura trotskista ou filo-trotskista. E note, eu, acusado de “líder do neostalinismo”, sou o único marxista-leninista da pequena lista que citei acima. O problema, em si, é a ausência de uma identidade trotskista e a formação de sínteses, guardadas as diferenças.

Alguns professores já entenderam que não estamos mais nos anos 90 e procuram disputar o conhecimento e atuar como intelectuais públicos. Nomes como Jessé Souza, Christian Dunker e Lilia Schwarcz, por exemplo, vem usando, e muito bem, as redes como forma de potencializar seu papel como intelectuais públicos. Outros, como o filósofo Vladimir Safatle e o jurista e professor Alysson Leandro Mascaro, usam muito bem os aparelhos de hegemonia que existem e consegue cumprir a função de intelectuais públicos sem dispor de esquemas de redes próprias e autogeridas.

Não existe, portanto, uma dicotomia entre uma forma “antiga” e “nova” de divulgar conhecimento. A questão, porém, é que alguns se comportam como “mandarins do conhecimento”; donos de um saber-poder que não pode ser questionado e debatido, devendo ser aceito como a verdade inconteste. Isso gera uma postura de apego narcísico.

Primeiro não conseguem “disputar” a hegemonia a partir de novas plataformas e continuam achando que o que define a direção político-cultural de um grupo social ou da sociedade como um todo é o artigo publicado na revista Qualis A – entenderam nada do fenômeno Olavo de Carvalho. A partir dessa insegurança fundamental, tentam reduzir todos que não veem como parte do seu campo a rótulos fáceis como “youtuber”, “influencer”, “blogueiro”, “caça curtidas” etc. Segundo, e mais fundamental, como partem do pressuposto que o debate fundamental do século XX já foi resolvido, que a análise média do trotskismo é a correta e acabou, tratam qualquer questionamento como um absurdo moral em si e para si.

O rótulo de “stalinista” ou “neostalinista” é uma arma tática na luta do “campo intelectual” para manter a hegemonia. É uma forma de deslegitimar a priori a fala do interlocutor, ter desculpa para bani-lo dos espaços, sem precisar, é claro, refutar ou criticar seriamente suas posições.

No fundo, antes de tudo, esse comportamento expressa uma angústia existencial pela possibilidade, ainda que remota, de perder o salário psicológico – perder até a academia ou o “campo intelectual”. Essa é a razão em si da criação da barreira moral.

Como sabemos, se o trotskismo estivesse crescendo no movimento de massas, na luta política real, esse medo, essa angústia existencial, não existiria. Todavia, não é isso que acontece na conjuntura brasileira. O problema concreto desse comportamento é que sem renovar sua capacidade de disputa de hegemonia e sem um lastro social organizado a partir das massas, toda leitura teórica tende a definhar.

Confiar na barreira moral e na estigmatização do outro – “neostalinista”, “stalinistas” e afins –, tem bem mais força na academia que fora dela. Ao invés de produzir críticas bem qualificadas, com bons argumentos, a simples negação do debate vai provocar um enfraquecimento da corrente que se quer preservar. Aliás, como críticos do stalinismo deveriam saber que um dos principais problemas do modelo soviético foi a ausência de um forte pensamento crítico interno que oferecesse subsídio teórico para que os líderes e dirigentes enfrentassem o desafio do seu tempo.

Sem confronto, disputa, só com autoadulação e elogios entre os pares, toda tradição teórico-política vai perdendo sua vitalidade. E nada garante que essa perda de vitalidade do trotskismo seja substituída por outras tradições marxistas. Antes o contrário. O liberalismo ou pós-modernismo podem ocupar esse lugar e o marxismo como um todo, a despeito das diferenças internas, perder com isso.

A partir disso, rogo a vocês: honrem o legado de Leon Trotsky, esse brilhante pensador e revolucionário (em breve vai ter vídeo no canal sobre o legado de Trotsky). Produzam material de qualidade, polêmica qualificada, aberta e sem barreiras morais. É o mínimo que o fundador do Exército Vermelho (lembrando: exército que não usava rosas ou amor para vencer o “ódio”) merece.


Depois do nosso texto escrito, tomamos conhecimento desse artigo de Valério Arcary que só confirma a nossa tese:

“Mas um tsunami de proporções inusitadas atingiu o movimento trotskista mundial nesta década. Seis, entre as principais organizações revolucionárias que reivindicam a tradição da Quarta Internacional, se fragmentaram pela metade e aumentou, qualitativamente, a dispersão daqueles que compartilham o programa marxista revolucionário. O SWP inglês se dividiu; o PSTU do Brasil se dividiu; o POI francês se dividiu; a ISO norte-americana se dissolveu; o CWI, liderado pelo Socialist Party, que vinha da corrente Militant rompeu em três frações; e o Partido Obrero da Argentina se dividiu”

Escrito completo:

Uma nota sobre a fragmentação no movimento trotskista internacional

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