Futebol/Realismo capitalista/Utopia – Mark Fisher

Por Mark Fisher, traduzido por Reginaldo Gomes e Antonio Augusto Galvão de França. Originalmente em K-Punk

O “futebol inglês”, alegou o escritor Robin Carmody na sua página no LiveJournal, “é uma metáfora do que os neoliberais fizeram precisamente à própria Inglaterra…” Mas é mais do que uma metáfora. O futebol tem estado na vanguarda da total reengenharia da cultura, da sociedade e da economia inglesa forjada pelo neoliberalismo nos últimos trinta anos. O neoliberalismo se apresentou como extremamente realista – como o único realismo possível. Ele nos disse que a utopia é impossível porque não existe sociedade, apenas indivíduos perseguindo seus próprios interesses. Que imagem melhor desse anti-utopismo há do que a Premier League, com a sua elite de clubes imperiosa e intocável, sua sinergia com conglomerados de mídia multinacionais, seus notáveis jogadores-consumistas-ostentatórios, seus donos de clubes superpredatórios comprando sucesso como eles compra outro iate?


Competição, exploração, o forte dominando o fraco, fotos de paparazzi dos jogadores fabulosamente ricos, mestres do universo, saindo de boates, exibindo o seu novo dinheiro: o futebol como um combate nietzschiano anti-igualitário. Esqueça a utopia: sonhe, em vez disso – se você for jovem – em eventualmente se tornar assim, em possuir essas mansões em Cheshire, em conseguir uma namorada turbinada em cirurgias plásticas; ou se você está muito velho para amarrar aquelas chuteiras de marca extravagantes, se acostume a ser inferior, a nunca conseguir isso – sonhe então com a transfiguração midiática via reality shows, ou ganhar na loteria…

No entanto, a Premier League é frequentemente tratada como se fosse uma causa mais do que um efeito. Na falta de uma crítica coerente e geral do capitalismo, as reclamações sobre a inflação dos salários dos jogadores não fazem sentido. Afinal de contas, não se trata de redistribuir dinheiro público. Os aumentos vertiginosos nos salários dos jogadores são uma consequência da própria dinâmica do mercado que, até a crise dos bancos do ano passado, era considerada sacrossanta. Você pode detectar um ressentimento amargo contra a classe trabalhadora – compartilhado por elementos da própria classe trabalhadora que odeiam a si mesmo – os altos salários dos jogadores, os preços exorbitantes dos ingressos – é um efeito da subsunção total do futebol ao capital pós-fordista. Mas e se não fosse assim? E se houvesse outra maneira?

Utopias perdidas do futebol (em Nottingham)

Há um momento tocante na biografia de Brian Clough de Duncan Hamilton – também recontada em The Damned Utd de David Peace – quando Clough e Peter Taylor (que “queriam que os construtores de navios ganhassem tanto quanto os proprietários dos navios”) foram ver Harold Wilson falar e saíram ardendo com o calor branco do otimismo do Velho Trabalhismo, animado pela perspectiva de uma nova era para o proletariado. “Dava para perceber a paixão pela mudança no que ele dizia”, disse Clough a Hamilton. “Voltamos para a casa de Taylor queimando com isso nós mesmos.” É como uma cena de Our Friends in the North: Our Friends in The Midlands, talvez. O futuro que Clough e Taylor previram, é claro, nunca chegaria. Há um paralelo, talvez, com outra cena dolorosamente triste no livro de Hamilton: Peter Taylor falando após a segunda vitória do Forest na European Cup, proclamando que este era apenas o começo… O que de fato estava à frente era um desempenho inferior e jogadores superfaturados, declínio e mediocridade, a dissolução final da parceria volátil entre Clough e Taylor, uma brecha se abrindo entre dois homens que permaneceria ressentida até a morte de Taylor. Quem de nós pode identificar se já ou quando se passou nosso momento de maior triunfo? E quão suportável seria a vida se pudéssemos?

Se o admirável mundo novo não chegou para a classe trabalhadora, ele chegou para Clough pessoalmente. Em vez de estar na vanguarda de uma confiante nova classe trabalhadora, o período de maior sucesso de Clough coincidiu com a maré baixa do coletivismo proletário do pós-guerra. Clough às vezes era ridicularizado como um “socialista de champanhe” porque ele não via contradição entre ser de esquerda e alcançar o sucesso. Como muitos nascidos pobres, Clough nunca foi capaz de acreditar plenamente que havia finalmente vencido a pobreza de sua vida – daí todas aquelas aparições na TV, colunas fantasmas e boatos. Em sua resenha de The Damned Utd para o The Guardian, Chris Petit argumentou que Clough “encarna muitos dos dilemas futuros da Grã-Bretanha de Thatcher, sua carreira é uma discussão constante entre a autoproclamação e a parceria, entre a proibidade e a bebida demoníaca, entre a irregularidade financeira e a crença de que o futebol era mais do que aquisição.” A Premier League acabou com isso, finalmente destruiu o que restava do mundo decadente de Clough – um mundo no qual os dirigentes da classe trabalhadora poderiam enganar e superar pomposos patrícios patriarcais, um mundo no qual clubes provinciais não-santificados poderiam superar os colossos estabelecidos – e seu declínio final foi muito pontual. Com Clough, um Rei Lear doente no comando, o Forest foi rebaixado em 1993, no final da primeira temporada da Premier League.

O fim de uma era

Maio de 2009. O Flamboyant Barcelona venceu o Manchester United na final da European Champions League. O Manchester passou a representar o duro princípio da realidade capitalista do futebol moderno. Apenas os já-bem sucedidos e os ricos podem vencer. Os fãs sonham agora não com seu clube ser revivificado por algum treinador genial parecido com Brian Clough, mas ser salvo pela generosidade de um plutocrata entediado. O Barcelona é famoso por não ter nenhum patrocinador de camisa e exibe o logotipo da UNICEF em suas camisas. O patrocinador da camisa do Manchester é agora a AIG, a seguradora no centro da crise financeira (de acordo com o The Economist, os “tentáculos da AIG alcançam todas as partes da economia”). A anti-utopia neoliberal se desintegrou com os resgastes aos bancos, embora ela sobreviva em uma forma desmorta como um conjunto de padrões que continuam a dominar a realidade social.

Uma associação sem fins lucrativos pertencente e controlada por seus membros, o slogan do Barcelona é “mais que um Clube”. O Barça, com suas fundações e atividades educacionais, dá uma pista de como o futebol pode funcionar em uma utopia? Talento proletário… a beleza do trabalho em equipe, competição, sim, mas não o combate cão-come-cão do realismo capitalista… Não poderia certamente haver utopia que não incluísse algo como isso…

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