Golpe de 2016, agenda neoliberal dos governos petistas e outras inquietações

Por João Elter Borges Miranda

Quais são as origens do Golpe de 2016? O programa político-econômico dos governos petistas foi de caráter neoliberal? “Os governos petistas, no que concerne a seu programa político-econômico, não significaram, assim, uma superação do neoliberalismo em direção a um “pós-neoliberalismo”, ou, ainda, não foram “social-desenvolvimentistas”. Ao invés disto, tais governos não só perpetuaram a agenda neoliberal, como elevaram a sua implementação a um nível de qualidade superior”.

Há uma série de análises acerca do programa político-econômico e ideológico aplicado nos governos petistas e as razões que levaram a sua crise, assim como sobre as origens do Golpe de 2016. Um conjunto destas análises, que localizamos aqui no chamado “campo democrático-popular”, parte do pressuposto de que foram governos de caráter desenvolvimentista ou neodesenvolvimentista e que Dilma foi derrubada pelos setores neoliberais ortodoxos, os quais vinham, supostamente, sendo prejudicados economicamente com as medidas governamentais neodesenvolvimentistas. Procuramos analisar esta tese a partir do cientista político André Singer e do sociólogo Armando Boito Jr., os quais, em seus trabalhos, conseguiram realizar uma radiografia dos governos petistas a partir da perspectiva neodesenvolvimentista. Conjuntamente, procuramos trazer um contraponto.

Abordaremos isto mais detalhadamente a seguir, mas, antes de mais nada, vale apontar que o entendimento aqui é de que os governos petistas foram de caráter social-liberal, porque combinaram uma política econômica neoliberal com políticas assistencialistas, assim como, respeitando as proporções, foi visto no mesmo período (anos 2000) na Nicarágua, Uruguai, Chile. Tendo em vista que o social-liberalismo se trata de uma variante do modelo neoliberal, partimos da hipótese de que os governos petistas não realizaram uma ruptura com o processo de continuação da agenda neoliberal, iniciada no país com Collor em 1992 e perpetuada com FHC. Os governos petistas, no que concerne a seu programa político-econômico, não significaram, assim, uma superação do neoliberalismo em direção a um “pós-neoliberalismo”, ou, ainda, não foram “social-desenvolvimentistas”. Ao invés disto, tais governos não só perpetuaram a agenda neoliberal, como elevaram a sua implementação a um nível de qualidade superior.

Mas, para Singer, Lula implementou uma lógica que o cientista político denominou de “lulismo”, a qual supostamente teria dado o tônus da mudança social nos anos 2000, por meio do qual o país estaria caminhando num contraditório processo de construção de um Estado de bem-estar social, em que se promove a melhoria da vida dos mais pobres sem desagradar ao grande capital.  Esses ganhos sociais, entretanto, não passam, na perspectiva de Singer, de um “reformismo fraco”[i].

Reformismo fraco ou intervencionismo fraco?

O conceito de “revolução passiva” de Gramsci é referência chave para Singer, na medida que expressa o sentido de uma transformação vagarosa, sem ruptura com o passado e gestada pela coalização heterogênea entre setores modernos e tradicionais da sociedade. Assim, as mudanças sociais poderiam ocorrer, desde que não ameaçassem a Ordem dominante. Dessa forma, Lula mantém no seu primeiro mandato a política econômica do governo FHC que beneficia os investidores e, ao mesmo tempo, aproveitava-se do boom das commodities para promover políticas distributivas, dando aos pobres sem tirar dos ricos. Como disse Singer, ele promoveu a “redução da pobreza e da desigualdade, mas sob a égide de um reformismo fraco”[ii].

Ainda segundo Singer, o boom das commodities possibilitou também que Lula sustentasse o programa próprio do lulismo no seu segundo mandato através de um plano econômico de caráter neodesenvolvimentista[iii] – e que foi intensificado por Dilma em seu primeiro mandato – rompendo, assim, com a matriz econômica de FHC. O lulismo é, nesta perspectiva, a tentativa de realizar dentro da ordem mudanças que beneficiam a população. Para coordenar a coalizão político-institucional, Lula fez como FHC: optou por obter a adesão fisiológicas das correntes e personalidades do baixo-clero e, aliado a esse grande bloco de apoio parlamentar, implementou o seu reformismo fraco[iv].

Há que se reconhecer que, sim, políticas sociais de natureza focalizada (focadas nos mais pobres entres os mais pobres, como os organismos financeiros internacionais recomendam) foram implementadas no período em que FHC esteve no governo, mas, com Lula, “elas ganharam uma dimensão muito maior. No ponto máximo dessa trajetória, o programa Bolsa Família atingiu cerca de 50 milhões de pessoas, ou ¼ da população do país”. Combinado a isso, foi promovido “uma pequena mas contínua elevação do salário mínimo, combinada à ampliação do crédito”, o que ampliou a capacidade de consumo dos setores mais pauperizados da classe trabalhadora[v].

Entretanto, anos depois, por conta das escolhas dos governos petistas e, concomitantemente, o avanço da direita, a parcela da população que havia saído da miséria, parte dela retorna a essa condição terrível de exploração e expropriação. Segundo dados da LCA Consultores, empresa especializada em consultoria econômica do Brasil, o Produto Interno Bruto (PIB) per capita passou de R$ 8.519 para R$ 7.559, o que significa que recolheu 11,3% no período de 2013 a 2020[vi].

O chamado “reformismo fraco” do lulismo foi, na realidade, políticas de governo, e não de Estado – e que não afetaram as estruturas da reprodução sociometabólica do capital, assim como não atenderam as reivindicações históricas da classe trabalhadora. Neste sentido, ao invés de reformas, não passaram de intervenções progressistas, ou, como preferimos chamar, não passou de um “intervencionismo fraco” que, de fato, promoveu parcial e temporariamente a melhoria na qualidade de vida de milhões de brasileiras e brasileiros, mas, sem afetar o status quo. Nesse processo, houve transferência de renda para os mais ricos e o próprio Lula admitiu isso, com certo orgulho, vale dizer. Em março de 2016, quando o governo Dilma estava no parapeito do fim por conta do golpe que estava sendo gestado, o ex-presidente Lula afirmou durante discurso na avenida Paulista que os banqueiros nunca ganharam tanto dinheiro como durante o mandato dele. “Só não imaginava que alguns ficariam com ódio porque um pouco do que eles ganharam nós distribuímos com os trabalhadores”, afirmou[vii].

Essa socialização de riqueza para o alto se perpetuou nos mandatos de Lula, porque, desde a sua posse na presidência da República, em janeiro de 2003, evidenciou que o programa neodesenvolvimentista moderado havia sido abandonado. Sua “Carta aos Brasileiros” – que poderia ser melhor denominada de “Carta aos banqueiros” –, lançada durante a campanha eleitoral, “assumiu peremptoriamente compromissos com o grande capital, de tal forma que atraiu tanto apoio empresarial (leia-se, “doações” de campanha) quanto seu adversário, José Serra, candidato pela situação, do PSDB”[viii]. Trouxe para chapa como vice-presidente José Alencar Gomes da Silva, um dos maiores empresários do ramo têxtil no país, representando o Republicanos, um partido dominado pela maior igreja neopentecostal do país, a Igreja Universal do Reino de Deus (Iurd).

Os compromissos assumidos na Carta foram, honrosamente, cumpridos ao Lula chegar à Presidência. Os sistemas de metas de inflação, superávits primários e câmbio flutuante, que eram as linhas mestras do regime de política macroeconômica do governo FHC, foram mantidos pelos governos Lula. Além disso, o petista realizou, dentre outras medidas, a nomeação para os principais cargos da área econômica nomes representantes do grande capital, como Henrique Meireles, nomeado para o Banco Central, o qual havia sido eleito deputado na ocasião pelo PSDB, após décadas de serviços prestados como um dos principais executivos do Banco de Boston. Lula também foi o criador em 2003 do Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social, o qual era composto por técnicos do governo, representantes de organizações sociais, dirigentes sindicais e representantes dos diferentes setores empresariais. Em 2005, foi criado o Conselho Nacional de Desenvolvimento Industrial, sendo o Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior o responsável por sua secretaria-executiva. Representantes empresariais, dirigentes sindicalistas e organizações sociais também compunham esse conselho.

No entanto, não bastava a submissão religiosa ao capital, o que já era marca dos governos do PSDB. A ascensão de Lula e do PT ao poder representou também o aplacamento das lutas sociais, além de aparelhamento de mecanismos de luta da classe trabalhadora, como as centrais sindicais, aos interesses do governo, acompanhado do isolamento da esquerda anti-capitalista. Quando Lula chega ao poder, já se acumulava no partido uma trajetória de mais de uma década de experiências em que os dirigentes do partido ocupavam governos em executivos municipais e estaduais. O que ao longo dos anos transformou o PT numa máquina movida pelos interesses dos dirigentes, burocratizados pela participação contínua em gestões sindicais e governamentais.

O transformismo no PT

As origens disto estão em fatores externos e internos, sendo os externos relacionados, principalmente, com as mudanças na aplicação do projeto de poder neoliberal, que, diante da crise conjuntural dos anos 1990, “o neoliberalismo foi forçado, por conta das crises financeiras e resistências anti-sistêmicas, a rever suas posições políticas e ideológicas diante da ‘questão social’”, segundo Rodrigo Castelo. Em decorrência disso, emerge o social-liberalismo, enquanto “variante ideológica do neoliberalismo que surgiu para recompor o bloco histórico neoliberal dos pequenos abalos sofridos pelo capitalismo”[ix].

No que concerne aos fatores internos, destacamos o processo histórico de transformismo que perpassou os intelectuais petistas – além de várias organizações de esquerda no mundo – ao longo da década de 1990, constituindo o que o historiador Eurelino Coelho denominará de uma esquerda para o capital. O conceito de transformismo de Gramsci é, para Coelho, referência chave para pensar esta reconfiguração nesta parcela da esquerda brasileira. Coelho aponta que este transformismo se deu em um contexto em que a classe dominante processa a recomposição das “formas da sua hegemonia no novo cenário aberto pela crise da ditadura militar. Foi precisamente neste trabalho de construção/reconstrução de hegemonia que o transformismo desempenhou função crucial”[x].

Coelho aponta que esse transformismo na esquerda petista se deu pela “dissolução dos vínculos orgânicos com a classe trabalhadora”. Organizar a classe trabalhadora deixou de ser um projeto político dessa esquerda. Por isso, todas as referências de classe foram apagadas de seus projetos políticos. Ao romper a conexão orgânica viva com a classe trabalhadora, esta esquerda tornou-se uma intelectual orgânica da classe dominante, deixando de ser dos subalternos. Isto se deu através de duas vias: a burocrática e a intelectual[xi].

A via burocrática se trata de um novo lugar social proporcionado aos intelectuais de esquerda petista causado pela própria expansão de sua organização, apartando-os da experiência concreta da classe. Normalmente, postos burocráticos são atrativos por oferecerem acesso a vantagens materiais não disponíveis ao alcance do conjunto da classe. “Sobre os ocupantes de tais postos, portanto, existe sempre a pressão no sentido de sobrepor os objetivos ligados às necessidades de reprodução da própria organização (de que dependem as suas vantagens pessoais) aos objetivos gerais de toda a classe, e tais objetivos nem sempre são idênticos ou mesmo solidários”[xii].

Por si só, a expansão da burocracia não significa a consequente desconexão com as bases. Mas, a situação muda completamente de figura em um contexto de refluxo das lutas da classe trabalhadora – o que, no Brasil, ocorreu a partir de 1990, acompanhado da derrota histórica da esquerda no plano mundial com a queda do Muro de Berlim e o fim da URSS. “A pressão burocrática pela sobreposição dos meios aos fins, que esteve presente no PT desde as origens, encontrou a partir de então um contexto favorável a uma mudança de qualidade”. A Articulação – grupo com maior número de cargos no partido e nos sindicatos, assim como de mantados no Executivo e Legislativo – e a DR, “com sua condição de permanente dependência material dos mandatos, sua composição social pequeno-burguesa e sua pequena inserção na classe trabalhadora, responderam positivamente à pressão”, sendo o principal vetor dessa expansão da burocracia os sucessos eleitorais do PT na década de 1990. Isto acontece porque, se os cargos no partido e sindicatos não eram remunerados, nos “cargos vinculados a mandatos ofereciam as vantagens que os tornavam mais atraentes”[xiii].

O deslocamento dessa esquerda para o campo sob direção intelectual e moral da burguesia também se deu, como foi apontado anteriormente, pela via intelectual. Essa transformação de âmbito subjetivo ocorre pela percepção de que houve no marxismo “uma crise de paradigma, no plano epistemológico, e como uma crise de valores, no plano moral” e, diante disso, passaram a adotar a visão de mundo burguesa[xiv].    

Isto se deu pela conversão para o liberalismo e para o pós-modernismo dessa esquerda, que passaram a adotar um projeto político de desenvolvimento do capitalismo, conjuntamente com distribuição de renda e desenvolvimento da democracia liberal. Transferiram, assim, a sua visão política para os marcos da visão de mundo burguesa[xv]. “A reconciliação com o mercado e a propriedade privada e o abandono do propósito de eliminação das classes sociais são as facetas mais evidentes dos elos de pertencimento dos projetos da esquerda nova ao campo burguês da luta de classes”. As condições de reprodução do capital são aceitas e interpretadas como inultrapassáveis, “tornando-se o limite dos seus próprios projetos”. Diante disso, aceitaram o capitalismo “como configuração última e absoluta da produção social” ao abandonarem a “luta pela superação das relações sociais que instituem permanentemente a propriedade privada (e a expropriação), o mercado (e a realização da mais-valia) e as classes sociais (e a dominação)”, enfim, ao abandonarem “efetivamente à luta pela superação do capitalismo”. A luta passou a ser “qual capitalismo, e não mais capitalismo ou socialismo. Mesmo quando o socialismo ainda é ostentado como objetivo final, como em certos textos da Articulação, não há como estabelecer conexões entre a prática política efetiva e esta suposta finalidade”. Apesar dessa esquerda jurar lealdade ao capitalismo, não deixou de apresentar-se como alternativa à ordem vigente. “Só que ‘ordem vigente’ agora não deve mais ser entendida como capitalismo, mas apenas o ‘capitalismo realmente existente no Brasil’”

Portanto, nessa revisão, abandonaram as propostas clássicas da revolução socialista e da eliminação da propriedade privada, assumindo que a nova equação do projeto da luta se fundamenta nos termos de que liberdade política e igualdade social é igual a crescimento e sucesso capitalista, com o pressuposto de que as políticas “pró-capital” teriam consequências “pró-trabalho” e “pró-igualdade”. As estatizações, por exemplo, não seria mais uma política de criação do núcleo estratégico estatal, sendo adotada somente em casos indispensáveis. Concordando com Mandel, as expectativas ilusórias sobre a possível “socialização através da redistribuição” no fim das contas seriam apenas os primeiros passos de um projeto cujo fim lógico é um programa completo para a estabilização efetiva da economia capitalista e de seus níveis de lucro[xvi].

Nos governos petistas, esse processo de transformismo foi acentuado e as antigas metas de “inverter as prioridades” perderam lugar para a proposta de “governar para todos”[xvii]. Quanto mais esse processo se fixa, mais a identidade do PT foi corroída e mais da esquerda socialista se afasta. O lulismo, assim, “abandonaba cualquier pretensión de realizar las reformas estructurales en nombre de las que el PT había sido construído. El sintagma “reforma agraria” desaparece […]. La reforma política que podría desestabilizar el blindaje oligárquico del pemedebismo fue abandonada […]”[xviii]. O sistema tributário e o monopólio dos oligopólios das comunicações continuam intocados.

Os governos petistas foram neoliberais?

Os governos petistas foram neoliberais, de caráter moderado, mas que, concordando com David Maciel, conferiram ao neoliberalismo e aos interesses do grande capital associado “uma legitimidade não vista desde meados dos anos 90”. A hegemonia neoliberal atingiu qualidade superior nos governos petistas, para Maciel, através da combinação “de uma política favorável ao grande capital com políticas sociais compensatórias que conferem ao governo enorme apoio popular”, o que se deu, concomitantemente, com a cooptação de “grande parte dos movimentos socais e suas organizações”, acompanhada da fragmentação e do isolamento político da esquerda socialista[xix].

O processo de aplicação do intervencionismo fraco se deu, assim, conjuntamente com o contrarreformismo da agenda neoliberal. Esta agenda mista, calcada pela parca distribuição de renda para os de baixo, conjuntamente com o contrarreformismo, pode ser denominada de Social Liberalismo.

Nos governos norteados pela agenda neoliberal em sua configuração social liberal, ao mesmo tempo em que combatem e destroem os sistemas de segurança e previdência social, toleram a promoção de políticas focalizadas em face do pauperismo. Estas políticas, entretanto, não se convertem em ações permanentes e não afeta a dominação burguesa. São políticas de governo e, consequentemente, estão em oposição à lógica do estabelecimento de direitos sociais. Visam, através disso, não atravancar o avanço da acumulação do capital e, conjuntamente, mitigar a “questão social”, através do atendimento de necessidades mínimas dos “clientes” dos serviços sociais[xx].

Concordando com Rodrigo Castelo, a estabilidade monetária, o equilíbrio fiscal, a desestabilização dos sindicatos, enfim, a lógica da retomada do crescimento das taxas de lucro, “preservariam o seu rumo original e seriam mantidas longe de qualquer ingerência popular”. Contudo, além de preservar as políticas econômicas, “a elas se juntaria um novo conjunto de políticas sociais, as políticas públicos-privadas fragmentadas e paliativas de combate à pobreza e à desigualdade, que ganhariam importância tanto no papel de reprodução da força de trabalho quanto no de controle social”[xxi]

O social-liberalismo

O social liberalismo enquanto programa político-econômico tem, assim, a função política de apaziguar as resistências promovidas pela classe trabalhadora. Faz isso, dentre outras maneiras, através de intervenções progressistas localizadas, principalmente, em certas expressões da “questão social” mais explosivas em termos políticos, como direitos humanos e pobreza, humanitários, como infância e doenças contagiosas e ecológicos[xxii].

Esta nova corrente emerge diante do fato de as promessas neoliberais, no processo implementação da agenda nas décadas de 1980 e 1990, não terem sido alcançadas: os índices de pobreza e desigualdade aumentaram, os empregos não cresceram e parcela considerável dos que foram criados possuíam baixa remuneração e qualificação. Nessa contextura, “um mal-estar generalizado começou a ser sentido pelas classes subalternas diante dessa situação de deterioração social”[xxiii].

No início do século XXI, com o Partido Trabalhista (Labour Party), o ideário Social Liberal será tomado com Tony Blair, no período em que atuou no cargo de primeiro-ministro do Reino Unido de 1997 a 2007. No Brasil, emerge no segundo mandato de Fernando Henrique Cardoso, mas será nos governos petistas que essa corrente neoliberal vai atingir uma qualidade superior em governos autodeclarados de esquerda, mas que, na realidade, implementam uma programa político-econômico neoliberal.

Assim, ao mesmo tempo em que os governos petistas investiam, por exemplo, nas universidades públicas, promoviam o avanço dos lucros do setor privado, através de programas de desonerações, com destaque para o Programa Universidade para Todos (PROUNI). Ao mesmo tempo em que ofereciam uma sutil distribuição de renda, de modo a conter o pauperismo das parcelas mais atacadas pelo capital, por meio, por exemplo, do bolsa família, promovia a privatização do pré-sal, realizando, dentre outras ações, o leilão dos Campos de Libra, em 2012.

Lula, em seu segundo mandato, aproveitou-se das condições externas favoráveis por conta da elevação do preço do petróleo e o aumento da exportação de commodities para a China, para promover um programa de incentivos fiscais a determinados setores da produção, como a indústria de bens de consumo duráveis, como automóveis, o agronegócio. Isto combinado com o programa de obras públicas e com a aplicação da ortodoxia da política monetária, realizando as privatizações e retirando direitos trabalhistas, como fez ainda em 2003 com a sua reforma da previdência[xxiv]. Em um momento de crise econômica, a perpetuação da aplicação da agenda neoliberal em sua configuração social liberal, contudo, perde espaço para os aspectos mais condizentes com as raízes do neoliberalismo, isto é, a radicalização da expropriação da classe trabalhadora através, dentre outras maneiras, da retirada de direitos. É o que veremos, principalmente, a partir de 2015, quando é realizado uma aceleração e intensificação na aplicação da agenda neoliberal ainda no segundo mandato de Dilma Rousseff. Isto, por sua vez, está relacionado com a crise de 2008-2009.

A crise de 2008-2009, no primeiro momento, parecia ter sido superada no Brasil com a intensificação dos programas de incentivos ao setor privado, com amplo plano de subsídios, e com os programas de obras públicas, que propiciaram a manutenção do ritmo de crescimento chinês[xxv]. Entretanto, a curva da crise de 2008-2009 foi concebida por muitos especialistas, incluindo Guido Mantega, como em “V”. Em 2011, a suposta marolinha[xxvi] já apresentava suas credenciais que, na realidade, se tratava de um “W”[xxvii]. Com os desdobramentos da crise político-econômica interna que se formava no Brasil, não encontrou barreiras no Brasil a nova onda de recessão internacional (retração chinesa, rebaixamento dos preços das commodities agrícolas e minerais, como o minério de ferro e petróleo, complicação generalizada dos termos das transações comerciais) e, assim, a segunda fase da crise internacional cai sobre o então governo Dilma. Diante do agravamento da crise, novos patamares de exploração, com destaque para a retirada de direitos históricos e arduamente conquistados pelo conjunto da classe trabalhadora, passam a pautar o processo de configuração de um novo padrão de acumulação capitalista no Brasil. Ou seja, a crise exigiu a mudança da hegemonia burguesa por meio de novos termos para que a manutenção da sociedade de classes não fosse ameaçada. Esse processo dá já no segundo mandato de Dilma os primeiros passos, deixando para trás o social liberalismo que esteve presente durante os governos petistas.

Diante da crise econômica, o governo Dilma II não poderia mais perpetuar a implementação dos aspectos progressistas de sua agenda neoliberal, quando promove o acirramento e intensificação na implementação das contrarreformas, apesar de em toda campanha nas eleições de 2014 ter realizado um discurso no sentido contrário. Em seu segundo mandato, Dilma promoveu, assim, um estelionato eleitoral – sobre o qual comentaremos mais atentamente no capítulo seguinte –, deixando completamente de lado a “face social” associada à matriz neoliberal, acelerando a aplicação da agenda neoliberal no seu sentido pleno, processo este de radicalização da expropriação e da exploração da classe trabalhadora que foi não só perpetuado após o Golpe de 2016, como também intensificado, especialmente, no governo Bolsonaro. Aliado a isso, a escalada repressiva promovida pelo governo Dilma frente as manifestações de 2013 e nas de 2014 é, também, outro elemento de um complexo de fatores que levaram a crise o seu governo.

O empenho de Dilma em acelerar e aprofundar a disponibilização de recursos públicos para transferência ao setor privado, como o aumento do pagamento dos juros da dívida pública, além do esforço em rebaixar o custo da força de trabalho, não foi na velocidade suficiente para evitar que o capital se movesse da lua de mel com o PT para o apoio ao impeachment. O “modo petista de governar” já não era mais suficiente para realizar as contrarreformas na velocidade e profundidade requeridas. Este modo específico de governo não dava mais também evidencias de capacidade de controle sobre as mobilizações da classe trabalhadora. Este elemento, contudo, tem origem também em fatores de longa duração. Como bem marcou Florestan Fernandes, a burguesia brasileira historicamente aposta no caminho “contrarrevolucionário preventivo”, o que a levou a apoiar saídas autocráticas e longos períodos ditatoriais, pois nunca viveu grandes amores com o exercício de dominação e manutenção de classe através das vias democráticas. Isto, por sua vez, acontece por sua constituição tardia e dependente em relação ao capitalismo de países que se industrializaram primeiramente. Consequentemente, ainda que em algum momento possa se auto definir como palladina da modernidade, adota um processo lento e gradual de constituição e modernização do capitalismo brasileiro, sempre de forma subordinada ao imperialismo. O país, assim, é historicamente conduzido à transformação capitalista sob a configuração definida como “capitalismo dependente”, marcada pela coexistência e interconexão do arcaico e do moderno, ao invés da esperada revolução nacional e democrática[xxviii].

As origens do Golpe de 2016 na perspectiva de Singer e Boito Jr.

Singer interpreta a crise dos governos petistas de uma maneira diferente. No entendimento do cientista político, no governo Dilma, a presidenta buscou perpetuar o plano econômico neodesenvolvimentista, principalmente em 2011 e 2012, de reconfiguração do capitalismo brasileiro, mas, no sentido de promover uma aceleração do lulismo por meio da industrialização integral; processo que, muito diferente do proposto por FHC, seria planejado pelo próprio Estado e beneficiaria a burguesia interna, em detrimento do capital internacional e da fração da burguesia brasileira a ele integrada[xxix].

Ainda de acordo com Singer, ao beneficiar o setor empresarial brasileiro, o governo Dilma acreditava que, em consequência, a população também seria beneficiada. Então, implementaram o ativismo estatal na economia como um meio para alcançar o pleno emprego, através de uma política fiscal de incentivo à industrialização e construção de redes estatais de infra-estrutura e proteção social universal. O Plano econômico de Lula, principalmente em seu segundo mandato, também promovia a revalorização do Estado na economia e na sociedade, com o intuito de promover a equidade social. Dilma supostamente implementa uma aceleração disso, intensificando a ação estatal e incentivando o desenvolvimento das empresas nacionais, as chamadas “campeãs nacionais”, como JBS e Odebrecht[xxx].

Singer interpreta que essa rearticulação do plano econômico do governo confronta os interesses do campo neoliberal ortodoxo, enquanto que, ao mesmo tempo, beneficia o chamado campo neodesenvolvimentista. O cientista político Armando Boito Jr. parte da mesma perspectiva, entendendo que “o campo neodesenvolvimentista e o campo neoliberal ortodoxo não são agrupamentos com composição social aleatória e que teriam como principal fator de coesão a crença em doutrinas econômicas rivais”. De acordo com este cientista político, a plataforma neodesenvolvimentista contempla a burguesia interna, enquanto que as propostas neoliberais atendem aos interesses do grande capital internacional, da burguesia interna ligada a esse capital e a fração superior da classe média. Ambos os lados tentam o controle da política econômica, da política social e da política externa do Estado brasileiro[xxxi].

Singer entende que Dilma não mede esforços para enfraquecer o campo neoliberal e, por meio dessa estratégia confrontacionista, estaria buscando assumir o controle dessas políticas e promover transformações da sociedade via desenvolvimento das indústrias brasileiras. Então, promove a redução dos juros, dos spreads e da taxa Selic, aumenta as taxas para produtos importados, promove a desvalorização do real, a ampliação da política de conteúdo local, as isenções fiscais para o capital produtivo, entre outras medidas, para beneficiar a burguesia interna e, assim, impulsionar o projeto neodesenvolvimentista. Isso, na perspectiva de Boito Jr. e Singer[xxxii], tenciona a relação com o campo neoliberal ortodoxo, já que vai contra seu plano ideológico, aplaca seu poder sobre o país e diminui seu lucro. Consequentemente, a chamada “nova matriz econômica” de Dilma supostamente implicava comprar brigas centrais com o setor financeiro internacional. E quando se dá de frente com esse amplo e poderoso grupo, na perspectiva de Singer e Boito Jr., está automaticamente confrontando o campo político brasileiro e internacional financiado pelo mesmo. Paralelamente, Dilma facilita, ainda de acordo com os autores citados acima, o crédito para ampliar o consumo, reduz a burocracia para criação de empresas, aumenta a taxação para importados, barra as privatizações e implementa investimentos em diferentes áreas ligadas à infraestrutura, como o setor ferroviário e de energia. Um dos objetivos dessas determinações era diminuir o chamado “custo Brasil”, termo usado para descrever o conjunto de dificuldades estruturais, burocráticas e econômicas que encarecem o investimento no país, dificultando o desenvolvimento nacional, porque torna as empresas brasileiras menos competitivas do que as estrangeiras, entre outras consequências. Investir em energia, por exemplo, levaria a uma baixa no seu valor e, consequentemente, melhoraria a vida da população mais pobre e impulsionaria o crescimento do setor privado brasileiro, já que a diminuição do preço desse serviço é uma reivindicação antiga de ambas[xxxiii].

Singer aponta que esses investimentos promovidos pelo Estado em infraestrutura se dão concomitantemente com a implantação de barreiras nos processos de privatização que vinham ocorrendo de vento em polpa desde FHC. Enquanto que durante os últimos trinta anos a privatização era a regra, Dilma vai no sentindo contrário na perspectiva de Singer, impulsionando a industrialização geral via Estado e investindo nas empresas estatais. Tentava, assim, fazer uma reversão histórica, segundo o cientista pol. Além das medidas já mencionadas de incentivo estatal ao crescimento das indústrias brasileiras, um grande afago se deu pela política fiscal. Enquanto no segundo mandato de Lula as aquisições fiscais foram canalizadas para investimentos públicos, no primeiro mandato de Dilma foram direcionados para subsídios e desonerações ao setor privado[xxxiv].

De acordo com Singer e Boito Jr., diferentes fatores apontam para o Plano Dilma não ter sido bem-sucedido. A ex-presidenta enfrentou o núcleo duro do capital internacional, especialmente o setor bancário, ao implementar o conjunto de medidas inerentes ao seu Plano, como baixar os juros e forçar os spreads para baixo. E não bastasse isso, ela também politizou o tema, deixando claro em seus pronunciamentos e dos funcionários do alto escalão que tais quedas eram prioridades do governo[xxxv]. Segundo Singer, para os banqueiros “não se tratava mais de expectativa genérica inserida em publicação ordinária de ministério. A diminuição dos ganhos por parte dos bancos tornava-se ordem, emanada do topo do poder Executivo”[xxxvi].

Um dos principais companheiros de Dilma nessa briga foi o seu Ministro da Fazenda, Guido Mantega, que em diversos pronunciamentos deixava claro o que intentava o Estado brasileiro. Ele foi um dos principais elaboradores do Plano e seu maior articulador. Dentre tudo o que ele disse, cito a seguinte declaração: “se os bancos são tão lucrativos, e isto está nos dados, eles têm margem para reduzir a taxa de juros e aumentar o volume do crédito”. Daí em diante, a primeira meta do meio financeiro foi derrubar Mantega, o que foi conseguido em 2014, quando Dilma se viu obrigada a demiti-lo em plena eleição e, dessa forma, garantir o cargo a Joaquim Levy, um economista neoliberal ortodoxo[xxxvii].

Na perspectiva de Singer, Dilma encerra com glória os dois primeiros anos de seu governo[xxxviii]. Para o cientista político Marcos Nobre, cada vez mais Dilma ganhava o controle do capitalismo brasileiro e acreditava que isso “levaria à produção da autonomia social e política, levaria à produção de políticas efetivas de redução de desigualdades em educação, saúde e em todos os demais domínios em que a vulnerabilidade social se fizesse presente[xxxix]. Diante de tantas batalhas vencidas, Dilma inicia a segunda parte do seu mandato com um discurso entusiasmado. Vem, então, à TV em 23 de janeiro de 2013, e faz um pronunciamento triunfante, em que anuncia a queda no valor da energia, redução dos juros e impostos, aumento do crédito, entre outras medidas[xl].

Segundo Singer, poucos dias depois veio o contra-ataque: o presidente do Banco Central, Alexandre Tombini, que até então acompanhava Mantega apoiando as medidas neodesenvolvimentistas, declara em entrevista à jornalista Miriam Leitão que a inflação estava “mostrando uma resiliência forte e que a situação não era ‘confortável’”[xli]. Tal declaração “foi o suficiente para que os investidores passassem a apostar na alta dos juros, o que significa demolir a viga de sustentação do projeto dilmista”, afirmou o cientista político. “Usar a política monetária para segurar a inflação – senha da direção neoliberal –, […] era simplesmente desmontar o recém-concluído”, disse Singer[xlii]. Foi, portanto, a semente da ofensiva restauradora do campo neoliberal ortodoxo no entendimento de Singer. Ao se dar conta de que os seus interesses não estavam sendo contemplados pela matriz econômica do governo, o campo denominado por Boito Jr. de “neoliberal ortodoxo” reagiu para iniciar uma nova onda de reformas neoliberais no Brasil.

Mantega e Dilma, em pronunciamentos, até tentaram desmentir Tombini, mas não tiveram êxito, segundo Singer. Poucas semanas depois o Banco Central inicia uma política monetária de aumento constante de juros que só se encerrou dois anos depois. Rapidamente, então, inverteu-se a política que vinha sendo implementada. Enquanto que durante os dois primeiros anos do primeiro mandato de Dilma o Banco Central e o Ministério da Fazenda estavam em conjunção de forças para forçar a redução do lucro do capital estrangeiro e, assim, beneficiar o capitalismo brasileiro e isso, consequentemente, estava impulsionando a passos largos o crescimento do país via industrialização geral, em 2013 volta a reinar o típico cabo de guerra entre esse Ministério da Fazenda e o Banco Central. Para Singer, esse choque neoliberal promovido pelos bancos freia significativamente o crescimento interno e foi a semente para o país entrar em crise econômica. Os seus efeitos foram sentidos mais claramente a partir de 2014[xliii].

Combinado a isso, ainda segundo Singer, formou-se toda a força-tarefa para aplacar o crescente controle estatal do mercado. Quando o país começava a deixar o subdesenvolvimento com as suas próprias pernas, começa em 2013 uma forte campanha promovida pelos grandes meios de comunicação locais e internacionais, os partidos de oposição ao governo, as agências internacionais de risco, o FMI, o Banco Mundial, os bancos estrangeiros, as grandes corporações multinacionais, e vários outros representantes do capital, com o apoio da alta classe média local; diziam nas telas de todos os tamanhos, nos rádios de todos os lugares, nos jornais de todos os cantos, que para reordenar o Brasil o governo deveria deixar o mercado funcionar sozinho – e que precisava urgentemente cortar os gastos ineficientes e “descontrolados”[xliv].

Assim, sob o guarda-chuva do anti-intervencionismo, penduraram-se críticas diretas à Dilma, tratando-a como incompetente, arbitrária e autoritária. Agitavam bandeiras que pudessem contar com algum apoio popular, como denúncias superlativas da inflação e ataque à corrupção na Petrobrás. Como disse Boito Jr., “as agências internacionais, as agências de avaliação de risco, a imprensa conservadora da Europa e dos Estados Unidos, a grande mídia local, os partidos burgueses de oposição ao governo, a alta classe média e algumas das instituições do Estado que abrigam esse segmento social entraram na luta”[xlv].

Diante da ofensiva neoliberal, para Boito Jr. o governo Dilma optou por uma política de recuo e não de resistência. A ex-presidenta “aplica o ajuste fiscal que é parte importante do programa da oposição burguesa neoliberal e não toma a iniciativa de mobilizar os setores populares sequer para defender o seu próprio mandato”[xlvi]. O recuo também se deu na política social, cortando gastos em áreas básicas, ou postergando ampliações necessárias dos programas. Esse caminho escolhido por Dilma, principalmente a partir de 2013 e mais claramente em 2015, e a crescente pressão do grande capital internacional, culmina no recuo da burguesia interna também, que promove uma “greve de investimentos” no país, à revelia de todos os benefícios dados pelo governo. Enquanto que entre os defensores do neoliberalismo há maior unidade, o campo neodesenvolvimentista é permeado por inúmeras contradições e conflitos entre seus defensores e isso, aliado ao recuo de Dilma, fez com que essa frente oscilasse politicamente. Percebendo esse desequilíbrio, o capital internacional, a burguesia ligada a esse capital e a alta classe média travam combates e realizam negociações para arregimentarem aliados na burguesia interna neodesenvolvimentista. Em consequência, muitos atores pertencentes a essa burguesia foram neutralizados pela frente neoliberal ou se bandearam para esse campo[xlvii].

Sem contar com o apoio dos industriais e vendo o crescente aumento de força da unidade anti-intervencionista, o governo ficou na defensiva até que assinalou a rendição completa no final de 2014 e, mais claramente, em 2015, quando faz um estelionato eleitoral adotando a receita neoliberal que vinha nos bastidores sendo exigida por esse campo desde o final de 2012 e, publicamente, no início de 2013 com a declaração do presidente do Banco Central.

Assim, Fiesp, Sinaval, Abdib, Abimaq, Abiquim e outras importantes associações corporativas e grupos da grande burguesia interna passaram de beneficiados das políticas do governo para algoz do mesmo. Manifestam isso principalmente em fevereiro, março, abril e agosto 2015, quando dão grande apoio às manifestações pró-impeachment inflando pato amarelo na Avenida Paulista, dentre outras ações. Outro fator, na perspectiva de Singer, que levou Dilma a adotar a política do recuo e, mais tarde, ensejaria em sua queda, foram as manifestações de Junho de 2013. Nesse período, de acordo com Singer, as ruas de diversas cidades ao longo de todo país se tornaram palco de inúmeras grandes manifestações. As raízes e significados da convulsão social experimentada nesse período ainda estão para serem descobertos e explicados. A profusão de bandeiras e vozes, o carácter contraditório dos atos iniciados pela esquerda e engrossados pela centro-direita e pela direita – fato que expõe uma espécie de quebra do monopólio exercido pela esquerda sobre as mobilizações de rua no Brasil –, são algumas das características dessas manifestações.  Ainda que os protestos não eram especificamente contra o governo Dilma, o campo neoliberal se aproveitou do movimento para frear o Plano Dilma e pressiona-la a implantar o tripé neoliberal (juros altos, superávit primário elevado e câmbio flutuante). Assim, como afirmou Singer, segmentos envolvidos com as manifestações, futuros votantes em Marina Silva e Aécio Neves, “acabaram por reforçar a onda em favor de reformas liberalizantes que iam na direção contrária. Dada a composição social mista dos protestos, a adesão de membros da nova classe trabalhadora […] à agenda liberal era plausível”[xlviii].

Em resumo, a tese desses intelectuais, Singer e Boito Jr., de uma, como afirmou Maciel, “contraposição superficial entre os interesses ‘rentistas’ identificados com uma plataforma política neoliberal e os ditos interesses ‘produtivistas’, coligados numa ampla frente ‘desenvolvimentista’”, a qual estaria apoiando “os governos petistas e assim sustentando sua perspectiva [supostamente] não-neoliberal”[xlix]. Singer e Boito Jr., como vimos, partem do pressuposto de que os governos petistas realizaram um “reformismo fraco”, através de uma plataforma político-econômica de caráter desenvolvimentista, ou, neodesenvolvimentista, cunhada por Singer de lulismo. Plataforma esta que supostamente não só foi perpetuada nos governos Dilma, como também acelerada, de modo a intensificar a “revolução passiva”. Isto, porém, teria incomodado os setores ligados ao grande capital internacional financeiro que, pertencentes ao “campo neoliberal ortodoxo”, organizou-se para de diversas maneiras, reverter as ações pró-capital nativo, pró-burguesia interna. Ações estas que culminaram no Golpe de 2016, catapultando Dilma do cargo de presidenta. O golpe na perspectiva desses autores se deu, assim, por conta dos acertos, e não dos erros, sendo o preâmbulo popular disto as Jornadas de Junho de 2013.

Um contraponto às teses de Singer e Boito Jr. acerca das origens do Golpe de 2016

A tese de que o período em que o PT esteve no poder foi composto por governos de caráter neodesenvolvimentista (ou, desenvolvimentista) já vinha com Singer e outros autores sendo defendida antes de ser promovido o Golpe de 2016. No entanto, passou a ser mais reivindicada no momento em Michel Temer, de forma ilegítima, assume o governo. A razão para essa reivindicação está relacionada com o intuito de realizar uma descontinuidade entre os governos petistas com o de Temer (e, posteriormente, com o de Bolsonaro).

Sem sombra de dúvidas, houve mudanças significativas, no sentido de mudança na escala de implementação a agenda neoliberal, através, por exemplo, da aprovação das contra-reformas trabalhista e fiscal, com a Emenda Constitucional nº 95, que congelou o orçamento Estatal por duas décadas. Dilma, em seu segundo mandato, pretendia implementar uma medida como esta, mas o período de vigência do teto de gastos, na proposta da petista, era para dois anos. Quando entra Temer, estende para vinte e muda o que era medida provisória, tornando-a uma emenda constitucional. Isto é um exemplo das diferenças na escala de radicalidade e de velocidade entre ambos governos, a da petista e a do Temer, na aplicação de tal agenda.

Portanto, o Golpe de 2016 serviu para promover mudanças no padrão de acumulação capitalista, através da implementação de contrarreformas – algo que, ressaltamos, vinham sendo implementadas desde Color de Mello, mas que nos governos petistas não atendia mais em sua plenitude os interesses do conjunto da burguesia nativa e internacional. Diante dos efeitos da crise de 2008 no país, se fez necessário, então, aprofundar a expropriação e exploração da classe trabalhadora através de, dentre outros procedimentos, aplicação de profundas contrarreformas, como a Emenda Constitucional nº 95, contrarreforma trabalhista, da previdência, etc; processo que se perpetua até os dias atuais. Isto, por sua vez, evidencia que, embora em crise, o capitalismo não deixa de se expandir.

Contudo, a diferenciação entre os governos, uns considerados como neodesenvolvimentistas, os outros como neoliberais, apaga a percepção de que ambos períodos, isto é, o período em que o PT esteve no poder, assim como o governo Temer e, posteriormente, o de Bolsonaro, foram de conteúdo similarmente capitalista. Nestes governos se viu – e ainda se vê, no que concerne ao governo Bolsonaro –, a implementação da agenda neoliberal, com velocidade e profundidade diferentes das vistas no “modo petista de governar”.

No entanto, tanto os governos Lula, quanto os Dilma, significaram uma continuidade na agenda neoliberal em termos de ajuste fiscal em prol do pagamento religioso da dívida pública, aliado ao superávit primário, política de privatizações, estratégias conservadoras de política econômica que gestou a reprimarização da estrutura produtiva, câmbio flutuante, sendo talvez o emblema disso o avanço do agronegócio, tanto no que concerne ao poder econômico, como em questão de poder político, com o fortalecimento e ampliação de sua bancada no congresso. A partir de 2011, quando a fase de bonança terminou, com a perda do dinamismo da economia chinesa, o prolongamento da recessão na Europa e a queda dos preços das commodities, a política econômica de Dilma optou por ceder espaço para o aprofundamento das estratégias como as desonerações astronômicas em seu primeiro mandato e, a partir do biênio 2014-2015, uma profunda austeridade fiscal. Isto não gerou os resultados favoráveis que Dilma desejava. Provocou a descontinuidade na redução do nível de pobreza no país. A sustentabilidade e legitimidade também não foi conquistada tanto no campo econômico, quanto no político.

De fato, houve uma reorientação a partir do primeiro mandato de Dilma. Contudo, não no sentido de ampliação e aprofundamento das políticas sociais, sequer na promoção de reformas estruturais. A política fiscal de incentivo às empresas com influência no governo federal, através da política fiscal de contenção dos investimentos estatais, acompanhado da promoção de parcerias público-privadas e o pacote de desonerações tributárias, são alguns dos emblemas indicativos da nova orientação[l].

A contenção da política de investimento em serviços público, de acordo com a economista Denise Gentil, reflete o esforço de a política macroeconômica estar em conformidade com o regime apoiado no tripé superávit fiscal-juros-câmbio flutuante, além de um mecanismo para promover a oferta de serviços públicos de viés privatizante. A redução do gasto do governo implicou em favorecer o capital privado delegando fatias importantes da atuação da esfera pública ao setor privado, através de leilões de concessões sem setores de infraestrutura (rodovias, portos, aeroportos, ferrovias, áreas do Pré-Sal), por exemplo[li].

O papel do governo em realizar o desmonte do Estado assemelhasse ao que foi realizado nos anos de 1990 por FHC[lii]. Ao retirar o Estado brasileiro do papel locomotiva dos investimentos, o governo Dilma evidencia o esforço em deixar que o dinamismo da economia fosse conduzido pelo capital privado. Para tanto, abriram espaços para estimular as empresas privadas, principalmente, aquelas com influências nos aparelhos de Estado. Dessa forma, o Estado foi, progressivamente, recuando em seu papel de agente condutor do crescimento. Nesse processo, o termo “concessão” passa a ser amplamente adotado a partir de 2012, denominando a política do governo de entregar às concessionárias setores de infraestrutura essenciais. O BNDES atuou como financiador, possuindo assim uma função fundamental. Ainda que possam ter denominado de uma maneira diferente, essa política econômica se trata de uma continuação do processo de privatização iniciado na década de 1990[liii].

Nas áreas de saúde, educação e assistência social também houve privatização da oferta dos serviços públicos. Na saúde, o governo promoveu uma ampla política de renúncia e isenções fiscais concedidas às empresas privadas do setor. De 2011 até 2015, houve um aumento de mais de 44% nas desonerações, saltando de R$ 17.327 milhões em 2010, para R$ 25.106 milhões em 2015.

Estas somas, privadas do SUS, promovem a manutenção da carência de recursos nos serviços públicos, intensificando a tendência privatizantes. Concordando com o economista Carlos Ocké-Reis, “o governo federal patrocina o consumo de planos privados de saúde pelas famílias, pelos empregadores e por seus próprios funcionários públicos – por meio de renúncia de arrecadação fiscal”. Essa medida do governo de desonerar o setor privado “patrocina o consumo de planos de saúde” e “privou o SUS de recursos financeiros, os quais poderiam ser utilizados para ampliar a cobertura e incrementar a qualidade, para não falar dos efeitos inequitativos da renúncia de arrecadação fiscal”[liv]. Além de promover o sucateamento do SUS, em benefício do setor privado, o programa de desonerações de Dilma se trata de uma clara redistribuição de recursos públicos para os estratos superiores da sociedade brasileira, em detrimento dos de baixo.

Na área de educação, os modos através dos quais o governo Dilma patrocinou as empresas privadas através da expansão do financiamento estudantil (FIES), criação do Programa Universidade para Todos (ProUni), estímulo aos cursos técnicos e à educação a distância, além da autorização para criação de novas instituições privadas de ensino superior. Processo que já vinha com FHC e Lula andando a passos largos, mas que se aprofundou nos governos Dilma.

De acordo com Gentil, no que concerne às políticas sociais, foram implementadas durante os governos petistas no sentido de promoção do consumo de massa. A política se concentrou em aumentar a renda das parcelas desassistidas da população, juntamente com a ampliação da cobertura previdenciária à população idosa (as despesas com previdência e assistência social cresceram de 9,3 % do PIB no triênio 2003-2006 para 9,8% no período 2011-2014). Contudo, as despesas com educação, saúde, saneamento básico, permaneceram em patamares muito baixos, forçando a população a buscar esses bens e serviços no setor privado, o que significa, na prática, uma redução dos efeitos distributivos finais da política social em curso[lv].

Um dos elementos mais importantes no programa econômico de incentivo ao grande capital está na promoção ampla de desonerações para uma gama diversa de empresas de diferentes setores. Em 2014, as cifras alcançaram R$ 253,9 bilhões, aproximadamente 5% do PIB que foi socializado com o grande capital. Em 2015, o rombo dos cofres públicos saltou para R$ 282,4 bilhões. Isto foi um valor maior do que a soma de tudo o que foi gasto pelo governo federal, no ano anterior, em Saúde (R$ 93 bilhões), Educação (R$ 93,9 bilhões), Assistência Social (R$ 71 bilhões, Transporte (R$ 13,8 bilhões) e Ciência e Tecnologia (R$ 6,1 bilhões)[lvi].

Esse conjunto de medidas reunidas em um pacote de desonerações tributárias, as quais foram infrutíferas em intensificar o crescimento da malha produtiva, acompanhado da retração do investimento público, juntamente com a contenção dos gastos sociais, em um cenário de crise internacional e crise política interna, promoveu uma grande recessão no país, visível a partir de 2014. Além disso, o fato de não ter ocorrido uma ampliação nos investimentos sociais em serviços públicos, sendo muito dos recursos públicos transferidos para o setor privado, seja pelo pagamento da dívida pública, seja por meio de programas específicos, como o Prouni, condicionou a população a, paulatinamente, buscar atendimento no setor privado.

A insatisfação com os serviços públicos explode no seio da sociedade em um conjunto de grandes manifestações, que presenciamos e participamos em 2013, denominadas de Jornadas de Junho.

Nas Jornadas de Junho, as ruas de diversas cidades ao longo de todo país se tornaram palco de inúmeras grandes manifestações. As raízes e significados da convulsão social experimentada nesse período ainda estão para serem descobertas e explicadas. A profusão de bandeiras e vozes, o carácter contraditório dos atos iniciados pela esquerda e engrossados pela direita – fato que expõe uma espécie de quebra do monopólio exercido pela esquerda sobre as mobilizações de rua no Brasil –, são algumas das características dessas manifestações. Da revolta contra o reajuste no preço de transporte urbano à crítica aos gastos com a Copa do Mundo, várias insatisfações que percorrem de alto a baixo a sociedade brasileira vieram à tona.

As Jornadas de Junho de 2013

É fundamental realizar uma, ainda que breve, localização histórica das Jornadas porque, dentre outros fatores, após mais de cinco anos do maior ciclo de manifestações de rua no Brasil dos últimos 30 anos, os sentidos das Jornadas ainda permanecem em disputa – em especial, entre as forças do campo progressista. Dentre as diferentes teses sobre esse processo, há uma chave interpretativa, comumente presente nas formulações de intelectuais do Partido dos Trabalhadores (PT), que imputa a Junho um caráter de direita, reacionário, segundo o qual essas manifestações foram responsáveis pela derrocada do governo Dilma e pelo “despertar” da nova direita.

A fim de ilustrar essa proposição de parte significativa de intelectuais orgânicos ao PT sobre as Jornadas de Junho de 2013, trouxemos aqui de forma breve o posicionamento de Marilena Chauí, Fernando Haddad, Jessé Souza, André Singer e Lula.

Chauí, professora da Universidade de São Paulo (USP) e doutora honoris causa pela Universidade de Paris, é uma filósofa e escritora, filiada ao PT desde a fundação do partido na década de 1980. Atuou como Secretária de Cultura na gestão de Luiza Erundina na prefeitura de São Paulo (1989-1992), na época filiada ao PT. É uma das mais prestigiadas figuras acadêmicas, com reconhecimento internacional, a manter laços orgânicos com o partido, sendo por muitos considerada a estudiosa de Espinoza mais importante do planeta. Em agosto de 2013, Chauí ministrou uma palestra na Academia da PM do Rio de Janeiro. Na ocasião, defendeu que os Black Blocs, que tiveram grande atuação nas Jornadas de Junho, têm inclinações fascistas. “Temos três formas de colocar. Coloco os ‘blacks’ na fascista. Não é anarquismo, embora se apresentem assim. Porque, no caso do anarquista, o outro [indivíduo] nunca é seu alvo. Com os ‘blacks’, as outras pessoas são o alvo, tanto quanto as coisas”, disse ela[lvii].

A fala de Chauí repercutiu nos principais canais da grande mídia, como Folha de S. Paulo e Revista Veja, em um momento em que os conglomerados midiáticos promoviam intensa campanha de criminalização dos Black blocs, em um momento em que militantes eram reprimidos por PMs e prisões arbitrárias ocorriam.

Dessa forma, a filósofa petista contribuiu para legitimar a “sanha repressiva que se abatia sobre as mobilizações ainda em curso – no caso do Rio de Janeiro, por exemplo, diferentes lutas foram mantidas até o final daquele ano [2013] –, com particular força sobre grupos anarquistas que recorriam a tal tática”. Além disso, aproximar os Black Blocs, independentemente do juízo político que se possa fazer, do espectro fascismo, “implica coloca-los no espectro dos inimigos declarados da classe trabalhadora e do socialismo”[lviii]. Tendo em vista a importância de Chauí para o partido e a repercussão que tomou a sua palestra, a fala desse quadro contribuiu também para instigar a criminalização das Jornadas de Junho promovida nos anos posteriores por uma série de militantes da base do partido.

Um segundo exemplo que podemos apontar no que tange a narrativa de intelectuais petistas acerca das Jornadas é a entrevista concedida por Fernando Haddad à revista Piauí em junho de 2017. Haddad foi candidato à presidência da república nas eleições de 2018, além de prefeito de São Paulo de 2013 a 2016 e ministro da Educação de 2005 a 2012, nos governos Lula e Dilma.

Haddad compartilhou em sua fala que no ano de 2013, após uma série de protestos em São Paulo, decidiu revogar o aumento da tarifa, especialmente após ter recebido um telefonema de Eduardo Paes, então prefeito do Rio de Janeiro, em que Paes afirmou que iria revogar a tarifa. Diante disso, Haddad decidiu, então, ir até o Palácio dos Bandeirantes, do governador, cargo na época ocupado por Geraldo Alckmin (Partido Da Social Democracia Brasileira – PSDB), para anunciar a revogação. Conta Haddad que na ocasião em que encontrou Alckmin, chegou a compartilhar com o governador o que pressentia: “Podemos estar às vésperas de uma crise institucional”[lix].

Não obstante, Haddad ainda afirmou na entrevista que em junho de 2013 Lula e Dilma teriam sido alertados por Vladimir Putin, presidente da Rússia, e o então primeiro-ministro da Turquia, Recep Erdogan, que as manifestações de junho de 2013 poderiam estar sendo financiadas por grandes corporações estrangeiras – e que “o impeachment de Dilma não ocorreria não fossem as Jornadas de Junho”[lx]. Coloca, assim, que o processo de impeachment, protagonizado por setores da direita e extrema-direita, teve como estopim junho de 2013.

Ao apresentar essa tese em 2017, em pleno governo de Michel Temer, além de se abster de “considerar os interesses geopolíticos da Rússia e da Turquia, envolvidos em diversas disputas com os próprios EUA”, Haddad reforçou a tese segundo a qual existe “uma continuidade direta entre as manifestações de junho de 2013 e aquelas favoráveis ao impeachment” realizadas nos anos seguintes. Tese essa que, por ventura, é reforçada pelo alinhamento que existiu do governo Temer com os interesses do governo estadunidense[lxi].

Outro intelectual orgânico ao PT que defende uma tese nesse sentido é o sociólogo Jessé Souza, ex-diretor do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) durante o segundo governo Dilma. O sociólogo argumentou no livro “A radiografia do golpe” que as Jornadas de Junho foram o “ovo da serpente” de uma onda conservadora que teria como consequência a deposição da presidente[lxii].

O cientista político André Singer, com ligações históricas com o PT, foi outro que compreendeu as Jornadas a partir do vetor das direitas. No seu artigo “Cutucando onças com varas curtas: o ensaio desenvolvimentista no primeiro mandato de Dilma Rousseff (2011-2014)”, publicado pela Revista Novos Estudos – sendo um dos mais acessados da revista –, Singer aponta que, “ao perscrutar as motivações ideológicas envolvidas nas manifestações de Junho”, ressalta a grande prevalência do Estado colocado como “inútil sorvedouro de recursos”, pois “a crítica ao número de ministérios, à ineficiência na saúde e na educação, à corrupção generalizada estava na cabeça de parcela significativa dos manifestantes, depois que a esquerda perdeu o comando dos protestos”. De fato, após esse momento de inflexão, o qual apontamos anteriormente, os setores conservadores da população brasileira levantaram-se do sofá para cobrarem tal agenda ressaltada por Singer. Contudo, apontar que a pauta das manifestações se reduziu a isso é de um reducionismo a toda prova.

Por fim, vale apontar a fala de Luís Inácio Lula da Silva, o quadro mais importante do Partido dos Trabalhadores que, em 2019, em entrevista ao jornalista Kennedy Alencar e veiculada pela BBC de Londres, afirmou que ainda não “avaliamos corretamente o que aconteceu em 2013”. Segundo ele, ninguém o convence de que as Jornadas se deram “porque a polícia de São Paulo bateu numa manifestação de 3 mil pessoas”. Para Lula, as manifestações “já fazia parte da arquitetura política de derrubar o governo, derrubar o PT”[lxiii].

Além de imputar a Junho um caráter de direita, intelectuais petistas compreenderam os protestos como sendo conduzidos por grupos de direita e também por grupos de esquerda “inconsequentes” e “irresponsáveis”, os quais, ao invés de optar pelo apoio e pelo diálogo com o governo Dilma, partiram para a mobilização de protestos que, segundo apontam, culminaram em uma abertura de uma brecha no bloco de poder, através da qual a direita conquistou espaço e alocações no âmbito do Estado em sentido restrito, isto é, na sociedade política, em especial, nos seus altos escalões, como a presidência da República. As origens do Golpe de 2016, nesta perspectiva, está relacionado também a atuação desta suposta esquerda inconsequente.

Tais reducionismos a respeito das Jornadas são expressões da reprodução de assimetrias políticas e sociais no interior da esquerda institucionalizada, com destaque para o Partido dos Trabalhadores. As origens disto estão em um processo histórico de transformismo que comentamos anteriormente e que perpassou os intelectuais petistas ao longo da década de 1990, constituindo o que o historiador Eurelino Coelho denominará de uma esquerda para o capital. O conceito de transformismo de Gramsci é, para Coelho, referência chave para pensar esta reconfiguração nesta parcela da esquerda brasileira. Coelho aponta que este transformismo se deu em um contexto em que a classe dominante processa a recomposição das “formas da sua hegemonia no novo cenário aberto pela crise da ditadura militar. Foi precisamente neste trabalho de construção/reconstrução de hegemonia que o transformismo desempenhou função crucial”[lxiv].

A redução das Jornadas como um conjunto de manifestações propagadas por interesses espúrios da direita organizada e da suposta ingenuidade de uma esquerda irresponsável, é expressão do esforço dos dogmáticos em, como dizia Lenin, classificar os eventos em gavetas etiquetadas, as quais são desengavetadas apenas quando as burocracias partidárias necessitam defender a si mesma, de modo a continuar no controle da máquina. Mobilizações da classe trabalhadora organizadas de baixo para cima são, assim, submetidas à lógica dos interesses das cúpulas, transformadas de acontecimentos históricos para “colaterais” a serem corrigidas e aplacadas. Não espanta que tais organizações, como a esquerda petista, esteja tão distante dos movimentos realmente existentes.

A democracia blindada

Entretanto, as Jornadas de Junho vão muito além do que apontam estes intelectuais petistas. Concordando com o historiador Felipe Demier, estas manifestações urgiram contra a democracia blindada e seus efeitos deletérios, em defesa da ampliação e desenvolvimento dos serviços públicos básicos, dos quais a maioria esmagadora da população depende. “Democracia blindada” é como Demier denomina a democracia liberal-representativa que emerge em fins dos anos de 1970 e ganha ainda mais força nos anos 1990, após a queda do Muro de Berlim em 1989[lxv].

A expectativa na década de 1980 era, segundo o cientista político Sérgio Abranches, de que no futuro toda a diversidade de aparelhos de hegemonia e contra-hegemonia se confluíssem em sólidas e efetivas coalizões de governo, fortalecendo a democracia que, naquele momento, nascia. Ao invés disso, o subterfúgio que surgiu em resposta a progressiva fragmentação do sistema partidário foi o chamado “presidencialismo de coalizão”. Abranches cunhou o termo em um artigo pulicado em 1988, antes mesmo da promulgação da Constituição. Formava-se grandes e consistentes coalizões governativas político-partidárias e, principalmente, partidário-parlamentares, e que isso pelos próximos anos caracterizaria o sistema político-institucional brasileiro[lxvi].

No entanto, esse modus operandi baseado em alianças e conchavos entre as elites há muito tempo permeia nosso sistema político. O que aconteceu pós-1988 foi uma reconfiguração do mesmo para se adaptar aos moldes da democracia de novo tipo, com as velhas raposas da Ditadura – com destaque para o MDB (Movimento Democrático Brasileiro), legenda que depois se tornou o PMDB e, recentemente, voltou a ser MDB – e também com os novos atores que durante o regime não tinham voz. Como afirmou Florestan, o Brasil, de tempos em tempos, transforma-se para, paradoxalmente, continuar o mesmo[lxvii].

Abranches defende a tese de que por meio desse agrupamento de partidos, a democracia brasileira estaria passando por um processo de consolidação. Esperava-se no final dos anos de 1980 que as coalizões gestassem no seio do sistema democrático uma tensão saudável e produtiva entre Executivo e Legislativo, o que pensavam que propiciaria uma experiência coletiva formadora de fusões, aquisições e negociações político-partidárias. Acreditava-se que tal processo resultaria na comunhão de forças a partir de um norte definido coletivamente.

Demier evidencia que, de fato, ocorreu uma consolidação, mas não dos mecanismos de participação da classe trabalhadora nos processos de decisão da administração da coisa pública, mas sim a limitação de nossa jovem democracia através de sua progressiva imobilização[lxviii]. Os seus núcleos decisórios, tais como ministérios, secretarias, parlamentos, tribunais etc, tornaram-se praticamente impermeáveis às demandas populares. Além disso, aquém dos processos eleitorais e, assim, livres do controle popular (ainda que mínimo, certos organismos do Estado responsáveis pelas questões consideradas estratégicas (como os bancos centrais, agências reguladoras etc.) tornaram-se monopólios inquestionáveis dos representantes políticos e prepostos comerciais da classe dominante”[lxix].

As coalizões impossibilitaram a separação de poderes, permitiram que o sistema democrático herdasse da Ditadura o autoritarismo e cimentaram o divórcio entre o sistema político e a população. Paulatinamente, as coalizões foram se fundindo e, a partir de 1994, culminaram em duas grandes frentes que, para serem melhor compreendidas, acho que as duas podem ser divididas como cabeça e corpo. De um lado, o corpo do sistema político: um grande agregado sem perfil definido formado por um conjunto de partidos fisiológicos que, conforme Avelar, “la ubicación em el espectro ideológico importa menos que las alianzas de conveniência basadas em la oferta de cargos em aparato estatal, la cesión de tempo de televisión en las campañas electorales y el soborno puro y simple”[lxx]; todos dispostos a aderir a qualquer governo, desde que recebam em troca essas e outras regalias. Do outro lado, a cabeça formada por dois partidos, PT e PSDB, especializados em coordenar, a partir de um projeto de governo, esse grande bloco de apoio parlamentar. A busca por votos e cargos foi terceirizada por esses dois partidos para os demais e ambos se concentraram unicamente na tarefa de coordenação da megacoalizão. O coordenador, como dito anteriormente, é definido a cada quatro anos por meio de eleições presidenciais.

A formação da democracia blindada brasileira se deu em meio a um processo de reação à crise estrutural do capital – e que está aliado a implementação da agenda neoliberal. As democracias liberais do chamado “mundo ocidental” tornaram-se mais fechadas, ou completamente fechadas, a quaisquer ações de promoção de demandas dos “de baixo”, isto é, dos segmentos subalternos da sociedade. A crise estrutural do capital e a emergência da onda neoliberal são o preâmbulo e a espinha dorsal dessas democracias de novo tipo, denominadas por Demier de “democracias blindadas”, que se mostram como regimes políticos contrarreformistas, essencialmente.

Para o grande capital, não haveria mais espaço para uma “era do ouro” (1945-1975), como ocorreu em alguns poucos lugares do globo no período precedente. Diante da necessidade de fazer frente à crise e reverter a queda da taxa de lucro, as democracias liberais substituíram o “pacto de classe”, o qual foi implementado em alguns países – em especial, os desenvolvidos –, beneficiados pelo welfare state fordista, em que importantes demandas populares da classe trabalhadora eram levadas a cabo, ainda que parcialmente, pelos governos. Após a crise estrutural, o que se viu foram o processo de implementação de contrarreformas, as quais “proporcionaram, coetaneamente, uma drástica diminuição dos gastos estatais com as políticas públicas universais, um agravamento da precariedade e da insegurança do trabalho viabilizando maiores taxas de exploração e – o que é mais importante – a abertura de novos espaços de investimento”, através da privatização paulatina de setores básicos, como saúde, educação, previdência, etc[lxxi].

Propostas minimamente reformistas, então, já não possuíam mais espaço, sequer a menor importância. Para viabilizar novas taxas de exploração, renovando a produção da miséria, o que se viu foram, assim, as contrarreformas, que na América Latina chegou sob a égide do “Consenso de Washington”. A prioridade com a agenda neoliberal era reverter a queda da taxa de lucro através da diminuição drástica dos gastos estatais, como redução de ministérios, redução de investimentos em todas as áreas, como saúde e educação, apesar de, concomitantemente, elevarem os investimentos no braço armado do Estado, a sua força ostensiva composta pela polícia armada e militarizada – o que, é claro, beneficia a indústria bélica e propicia o maior controle por parte da classe dominante sob as mobilizações da classe trabalhadora, além de promover a perpetuação da higienização social, via genocídio de pobres e negros, moradores dos sertões e periferias das cidades e das áreas rurais. Esse processo, denominado por Ruy Braga como a “restauração do capital”[lxxii], visava reverter o avanço da crise estrutural do capital. A burguesia, então, para manter as suas taxas de lucro, agiram para livrarem-se dos “excessos de democracia”. Como bem destacou Atílio Boron, o objetivo era “imunizar” os regimes democrático-liberais das “exigências populares”, livrando-os dos “‘excessos’ democráticos, paralisantes da alegada vitalidade do mercado”[lxxiii].

Em países como o Brasil esse processo é ainda mais drástico, considerando que, dentre outros fatores, foi implementado no processo de redemocratização, logo após o país sair de uma longa noite que durou 21 anos, marcada pela Ditadura Empresarial-Militar (1964-1985). Foi implementado em um país em que não se viu o Estado de bem-estar social, como aconteceu nos países de capitalismo central. Não foi implementado em um país em que já havia a democracia liberal-representativa. Ainda assim, seguiu a lógica de reprodução “baseada em uma alternância (revezamento) no governo entre dois grandes blocos político-partidários os quais comungam uma adesão (aberta ou tácita, dependendo do caso) aos pontos axiais da plataforma neoliberal”, tais como redução dos investimentos sociais públicos com a “questão social”, pagamento religioso da dívida pública, superávit primário, privatizações, cumprimento dos acordos e contratos internacionais etc, “ainda que os graus, mecanismos e retóricas da aplicação destes pontos variem de acordo com o bloco político-partidário que momentaneamente se encontra à frente do Estado”[lxxiv].

As taxas de lucro dos países centrais, através das contrarreformas que se estenderam não só para estes, como também para os países em que se via a configuração capitalista denominada pelo sociólogo José Paulo Neto de tardo-capitalismo[lxxv], foram controladas na década de 1980. Mas, foi na década de 1990 que a reconfiguração da democracia foi acelerada, intensamente. Consequentemente, os regimes democrático-liberais tornaram-se “cada vez mais próximos à longeva e insossa democracia-liberal norte americana que, sem ruptura estruturais, também se remodelava em função do neoliberalismo inaugurado no país com o governo republicano Ronald Reagan (1981-1989)”[lxxvi].

No Brasil, para não haver nenhuma barreira ao projeto de injeção no país da agenda neoliberal, era necessário promover a quebra completa da organização da classe trabalhadora que, na década de 1980, estava sintetizado na construção da contra-hegemonia liderada pelo Partido dos Trabalhadores (PT). Concordando com Coelho Neto, tudo mudaria a partir de 1989. Collor chegou ao segundo turno porque se tornou, com apoio de importantes meios de comunicação, como a Rede Globo, o anti-Lula. Derrotar Lula tornou-se a grande tarefa da burguesia. No governo Collor a agenda neoliberal tornou-se a ideologia oficial da classe dominante, perpetrando a série de retrocessos, como abertura comercial ao capital internacional, desregulamentação financeira. A ausência de vínculos orgânicos sólidos do governo Collor com os setores estratégicos da classe dominante abrira caminho para que não se estabilizasse. Foi nos governos de FHC que foram combinadas as forças para consolidação da hegemonia neoliberal, promovendo uma hegemonia burguesia no país, ainda que restrita[lxxvii].

O capital buscava se expandir para fazer frente à crise estrutural e, também, para aplacar o avanço das lutas sociais. Dentre outras maneiras, esse processo se dá através da reconfiguração da própria classe trabalhadora, reduzindo drasticamente os empregos com direitos e intensificando a exploração dessa classe[lxxviii]. A abertura comercial também promove a derrocada de uma série de empresas brasileiras, intensificando o desemprego. Não é por acaso que no início dos anos 1990 ocorre redução do número de greves, numa constante de refluxo das mobilizações.

Ocorria ainda desde a década de 1970, segundo Fontes, a conversão mercantil-filantrópica da militância pelas entidades autonomeadas Organizações Não Governamentais (ONG). Esse processo contribuiu para fragmentar o campo popular, desconfigurando o esforço de mobilização e organização. Ao invés de promoverem a elevação da consciência de classe das trabalhadoras e dos trabalhadores, o que se viu foi a conversão das “organizações populares em instâncias de ‘inclusão cidadã’ sob intensa atuação governamental e crescente direção empresarial”[lxxix].

Ao longo da década de 1990 o PT transitou, aponta Coelho Neto, de um partido de base social, cuja trajetória contribuiu para a construção da experiência coletiva do conjunto da classe trabalhadora, para um partido similar a todos outros. Essa inflexão se dá pela mudança da condição social dos protagonistas do partido, que ascendem socialmente ao longo da década de 1990 e aderem a agenda neoliberal, tornando-se assim uma esquerda para o capital[lxxx].

Os governos petistas conseguiram construir e perpetuar o processo de implementação da agenda neoliberal, mediante a concretização lenta e parcial de algumas intervenções social-liberais, que se deram sob o bojo de um acordo de conciliação de classes, o qual perpetuou e intensificou a blindagem da democracia brasileira. As Jornadas de Junho, em especial, no início das manifestações, reverberaram a revolta contra isso. Pode-se, então, dizer sem medo que as Jornadas não surgiram como um raio no céu azul, e sim no interior de um processo histórico mais longo de blindagem da democracia liberal-representativa, perpassado por décadas de contrarreformas, doutrinação ideológica e repressão, que negaram direitos sociais, ampliaram os antagonismos sociais e, em meio aos escombros deixados por essa hecatombe, ergueram no país o que Demier denominou de democracia blindada. Como vimos anteriormente, algumas pensadoras e pensadores, principalmente, ligados ao Partido dos Trabalhadores, vão apontar que as Jornadas também foram palco do surgimento da chamada nova direita. Tendo em vista isso, gostaríamos de apontar alguns elementos a respeito dessa democracia que emerge no Brasil contemporâneo, assim como aspectos acerca da nova direita, de modo a nos distanciarmos de hipóteses e análises que apregoam que esta direita, origina-se nas Jornadas.

A inflexão nas Jornadas de Junho

O que ocorreu nas Jornadas foi uma inflexão na cobertura mídia, que passou a instigar a participação de setores mais conservadores nas manifestações. Para abordarmos isso, é preciso traçar alguns elementos a respeito da cronologia dos protestos.

Concordando com o historiador Marcelo Badaró, a presença das parcelas mais jovens da classe trabalhadora, a predominância de pautas em defesa da ampliação e da melhoria da qualidade dos serviços públicos e a denúncia e enfrentamento doa aparato repressivo do Estado brasileiro representaram, para a classe dominante, uma ameaça real aos seus interesses[lxxxi]. Não à toa os oligopólios de mídia terem, de diferentes maneiras, tentado conter o avanço dos atos. As Jornadas demonstraram, também, que os governos petistas, apesar de sua lógica de conciliação, não eram mais capazes de conter as mobilizações da classe trabalhadora, “via controle dos movimentos sociais burocratizados, ou através das ilusões do acesso subalternizado ao mercado de consumo e nem mesmo pelas políticas sociais focalizadas (embora de massas) que implementaram”[lxxxii]. Não à toa parcela considerável dos intelectuais orgânicos do PT realizarem constante críticas às Jornadas no sentido de atribuir a elas a origem e o avanço de organizações da chamada nova direita, assim como o fator de origem do Golpe de 2016.

Apesar das grandes dimensões que as manifestações nas Jornadas de Junho de 2013 tomaram, os primeiros protestos se iniciaram “do modo como até então vinham se apresentando os reclamos populares ao longo dos aproximadamente vinte e cinco anos de refluxo dos movimentos de massas”, com atos sendo convocados por setores de vanguarda, Movimento Passe Livre (MPL) [lxxxiii], PSOL, Partido Socialista dos Trabalhadores Unificado (PSTU), Partido Comunista Brasileiro (PCB), acompanhados pela repressão policial e pelo silêncio por parte da grande imprensa[lxxxiv].

A primeira manifestação que deu início ao conjunto de protestos que marcaram as Jornadas de Junho de 2013 foi convocada para o dia seis desse mês pelo Movimento Passe Livre, juntamente com o PSTU, PCB, PSOL e outros movimentos na capital paulista, no Rio de Janeiro, em Goiânia, Natal e Porto Alegre. Nestas cidades houve antes dos protestos o anúncio por parte das prefeituras que ocorreria reajuste no valor da passagem de transporte urbano. Os protestos tiveram como primeira pauta, assim, a posição contrária ao reajuste, além da defesa da melhoria na qualidade dos transportes públicos urbanos, dentre outras reivindicações, sendo protagonizado, principalmente, pelo MPL.

A repressão policial e a posição contrária dos conglomerados de mídia ocorreram já no início das Jornadas. No Rio de Janeiro, por exemplo, a matéria do O Globo sobre o protesto destacava em sua maior parte a atuação policial, a qual prendeu quatro pessoas, sendo duas delas estudantes e o restante pessoas em situação de rua; a matéria ressaltava ainda que o trânsito, por conta do protesto, “tornou-se um caos”[lxxxv]. No segundo protesto, ocorrido em 7 de junho, quinze pessoas foram presas. No terceiro, foram vinte detidos. O Globo, na ocasião, afirmou que São Paulo havia se tornado uma “praça de guerra”[lxxxvi].

Durante a convocação para o quarto protesto, o qual foi realizado no dia 13 de junho, mais uma série de desqualificações das manifestações por parte da mídia foi realizada. No dia anterior a este protesto, Arnaldo Jabor afirmou que os manifestantes “não valem nem 20 centavos”[lxxxvii]. Na mesma linha, o editorial de O Estado de São Paulo desqualificou as manifestações e defendeu a repressão policial, apontando que “os baderneiros” que convocaram o protesto “ultrapassaram, ontem, todos os limites e, daqui para a frente, ou as autoridades determinam que a polícia aja com maior rigor do que vem fazendo ou a capital paulista ficará entregue à desordem”[lxxxviii].

Outro caso emblemático expoente das críticas advinda da imprensa aos manifestantes envolve o apresentador do programa Brasil Urgente, da TV Bandeirantes, José Luiz Datena. Em um dos seus programas, Datena procurou influenciar de todas as formas uma pesquisa sobre os protestos que estava sendo realizada ao vivo em seu programa. Nela os telespectadores tinham a opção de apoiar ou não protestos com baderna. Apesar de todos os malabarismos retóricos para convencer da importância de criminalizar as mobilizações, o apresentador acabou sendo vencido pelos telespectadores que apoiavam os protestos “com baderna”. Até determinado momento, o resultado para a pergunta “você é a favor de protesto com baderna?” era 2.179 votos no “sim” e 915 no “não”. Diante disso, o apresentador que até então já havia criticado as manifestações em programas anteriores, passou a dizer que os atos eram “um show de democracia” e pacíficos. “Fazia muito tempo que não via uma manifestação democrática e pacífica assim. É o povo”, bradou. “O povo está descontente. Eu falei que ninguém queria aumento”. Datena chegou a afirmar ainda que “entre bandido e polícia, prefiro a polícia. Entre o povo e a polícia, prefiro o povo”. No momento em que a polícia iniciou os ataques aos manifestantes, o programa passou a abordar outros temas. Após isso, Datena foi parar nos trending topics, a lista dos assuntos mais comentados do Twitter, durante aquela quinta-feira, do dia 13 de junho[lxxxix].

Ainda no dia 13 de junho, a Folha de S. Paulo pontuou em seu editorial, neste dia intitulado “Retomar a Paulista”, que a reivindicação das e dos manifestantes de reverterem “o aumento da tarifa de ônibus e metrô de R$ 3 para R$ 3,20 – abaixo da inflação, é útil assinalar – não passa de pretexto, e dos mais vis”, para ações que resultaram em “um número desconhecido de manifestantes feridos, 87 ônibus danificados, R$ 100 mil de prejuízos em estações de metrô e milhões de paulistanos reféns do trânsito”. Em seu raivoso editorial taxou as e os manifestantes de “jovens predispostos à violência por uma ideologia pseudorrevolucionária”, cuja pauta defendida, o transporte gratuito, “já traz a intenção oculta de vandalizar equipamentos públicos”. Por isso, defende que “é hora de pôr um ponto final nisso. Prefeitura e Polícia Militar precisam fazer valer as restrições já existentes para protestos na avenida Paulista”[xc].

Os conglomerados de mídia seguiram esse script de desqualificação das manifestações e defesa da repressão policial. Com o objetivo de promover o esvaziamento político dos atos, selecionaram na realidade das manifestações um determinado aspecto, qual seja, a ação violenta de determinados grupos de manifestantes, instrumentalizando essa ação, operando sobre isso nos termos da espetacularização e da sensacionalização. Concomitantemente, realizaram uma campanha que reivindicava não só o apoio da população para a repressão policial das e dos manifestantes, como também para pressionar as forças ostensivas para realizar tal repressão. Isso pode ser visualizado nos editorais e matérias citados anteriormente. Pode ser percebido, ainda, pela adoção da categoria “vândalos” – adotada pela grande imprensa – que também foi apropriada pela polícia para fins repressivos[xci].

De acordo com Romulo Mattos, historicamente, “grande imprensa e polícia podiam falar o mesmo idioma, quando o tema em debate era a manutenção da ordem ancorada no aumento da repressão”. Quando a mobilização da classe trabalhadora atingia níveis elevados, “a atuação de uma chegava a ser complementar à outra”. Nas Jornadas de Junho, “essa dinâmica se mostrou especialmente forte e assistimos à atuação complementar e combinada entre política e grande imprensa. Coerção e consenso foram intensamente empregados na conjuntura histórica em que houve o retorno dos protestos da massa no país”[xcii].

A hegemonia, assim, está sedimentada sob um Estado marcado pela “dupla perspectiva”, nos termos “da força e do consenso, da autoridade e da hegemonia, da violência e da civilidade, do momento individual e daquele universal (da ‘Igreja’ e do ‘Estado’), da agitação e da propaganda, da tática e da estratégia, etc”[xciii]. O exercício da hegemonia, neste sentido, “caracteriza-se pela combinação da força e do consenso, que se equilibram de modo variado” – o que se dá “sem que a força suplante em muito o consenso, mas, ao contrário, tentando fazer com que a força pareça apoiada no consenso da maioria, expresso pelos órgãos da opinião pública – jornais e associações –, os quais, por isso, em certas situações, são artificialmente multiplicados”[xciv]. Por isso, “vivemos uma dupla maximização das estratégias de dominação: doses elevadas de construção de consensos combinadas a cavalares doses de coerção aberta”[xcv].

As redes sociais, rompendo o bloqueio midiático, expressavam que as ruas de diversas cidades ao longo de todo país se tornaram palco de inúmeras manifestações, duramente reprimidas pelo aparelho Estatal. “O regime deu um tiro no pé”, pois “as imagens da atroz repressão policial” viralizaram na internet, isto é, foram amplamente compartilhadas, funcionando “como um acicate para que outras manifestações, em São Paulo e no Rio de Janeiro, viessem a ocorrer nos dias seguintes”. Crescia, dessa maneira, “a solidariedade à luta contra o aumento tarifário dos transportes e, principalmente, às vítimas da repressão policial”. A repressão policial “acabou por se tornar o principal alvo [das e] dos manifestantes, o que colocava (coloca) em discussão o modo de atuar, e mesmo a simples existência, das polícias militares no (eufemisticamente) chamado ‘Estado Democrático de Direito’”[xcvi].

Diante disso, saíram às ruas centenas de milhares de manifestantes e, dessa vez, “apareceu com destaque no leque das reivindicações populares a defesa de outros direitos sociais (além do Transporte) negados pela democracia blindada”[xcvii]. Os milhões de cartazes levantados evidenciavam a pauta, ainda que difusa ideologicamente e frágil no âmbito organizativo, por “mais saúde”, “mais educação”, pela “redução da tarifa” (ou “passe livre”), enfim, contra os efeitos da democracia blindada. Estava sendo questionado também, dentre outras coisas, os altos investimentos em estádios que receberiam jogos da Copa do Mundo da FIFA, realizada no ano seguinte[xcviii].

A profusão de bandeiras e vozes das forças populares não era contra diretamente o regime de democracia blindada. Ainda assim, “não seria equivocado afirmar que [elas e] eles se colocaram objetivamente contra o regime, na medida em que se insurgiram diretamente contra as nocivas consequências de suas contrarreformas”[xcix]. Expressavam, assim, a exigência de direitos negados por esse sistema e quebraram o monopólio político palaciano com a volta da política às ruas e às praças, sintonizando o país com uma conjuntura mundial “marcada por cotidianas (embora não agudas) lutas contra ordem capitalista contrarreformista, tornou-se visivelmente diferente da resignação social que caracterizou boa parte do período 1991-2008”[c].

As manifestações vistas no Brasil em 2013 são, neste sentido, parte de uma eclosão muito maior, mundial, de insurreições. A partir da crise de 2008, viu-se a explosão de uma série de manifestações ao longo de diversos países do planeta. Essa crise se alastrou pelo mundo de maneira intensa e veloz. Considerada a pior crise desde a Grande Depressão de 1929, a partir de 2008 se viu a elevação das taxas de desemprego, diminuição no consumo, quebra de empresas e retração das economias. Isso foi acompanhado do aumento do número de empregos precarizados. O Estado atuou como remediador dos efeitos da crise para o sistema capitalista, socializando com o conjunto da classe trabalhadora as perdas sofridas pelo grande capital.

Diante disso, de diferentes maneiras e abordagens, os ativistas culpavam os governos e as instituições financeiras pelo crescimento das taxas de desemprego e da desigualdade em países atingidos pela crise. O desejo de reconfiguração da política e de repúdio ao que é entendido genericamente como a “velha política”, ou “realpolitik”, é intensificado. Foram, assim, realizados grandes atos exigindo melhorias nos serviços públicos, maior participação nas decisões e outras pautas. Na Europa, o emblema disso foi o movimento chamado de Indignados e, nos Estados Unidos, de Ocupe Wall Street. No Oriente, a Primavera Árabe. No Brasil, as Jornadas de Junho de 2013.

A noite de protestos do dia 13 de junho foi marcada por mais ataques da polícia, com mais de duzentas pessoas detidas[ci]. Surgem também os primeiros relatos de violência contra jornalistas. Piero Locatelli, repórter da revista Carta Capital, foi preso por “porte de vinagre”[cii]. Fotógrafo do Jornal O Estado de São Paulo, Filipe Araújo, estava naquela noite registrando a passeata em São Paulo, quando uma viatura desviou de sua trajetória e o atropelou. “Eles estavam calmos, levantando flores, pedindo paz, não estavam quebrando nada quando a tropa de choque veio pra cima”, relatou Araújo[ciii]. Sérgio Silva, fotógrafo da agência Futura Press, foi atingido no olho por uma bala de borra e hospitalizado[civ].

Após o protesto de quinta-feira, 13 de junho de 2013, houve uma mudança na cobertura realizada pela grande imprensa. Diante da série de publicações nas redes sociais, com vídeos, fotos, relatos, denunciando a violência policial, a truculência e a irresponsabilidade, juntamente com prisões de manifestantes e de jornalistas, a imprensa parecia que havia caído na real. Como apontou o Observatório da Imprensa, passaram a testemunhar em suas matérias “dezenas de ações abusivas de policiais, como a retirada e o espancamento de um casal que tomava cerveja num bar, alheio à passeata, ou o lançamento de granadas de gás em meio aos carros travados nos congestionamentos”[cv].

Uma mudança mais abrupta no repertório, contudo, veio mais tarde. Emblema dessa mudança é o editorial de 20 de julho de 2013 da Folha de S. Paulo. Nele, o editorialista, que já no título “Editorial: vitória das ruas” louva a soberania popular, parecia ignorar os escritos de poucos dias antes, de 13 de junho. Ao invés de taxar o MPL de “grupelho”, como fez no passado, o editorialista cumprimenta a vitória do movimento: “A revogação do aumento das tarifas de transportes em São Paulo e no Rio é uma vitória indiscutível do Movimento Passe Livre”. A luta que antes era vista como algo de jovens influenciados predispostos à violência, de um grupo “marginal” e “sectário”, é revista: “O movimento adquiriu tamanha repercussão no tecido social que ceder já se tornava imperativo de bom-senso”. A pauta das manifestações, que anteriormente era apontada como de poucos milhares contra milhões de prejudicados presos em seus carros no trânsito, prejudicados com o rombo nos cofres públicos causado pelas depredações, agora parece ser na realidade representar a população em sua totalidade: “PT e PSDB se veem lado a lado, como faces da mesma moeda, diante de uma sensação de inconformismo geral. Nenhuma agremiação política parece dar conta, por enquanto, de fenômeno tão multifacetado e amplo”[cvi].

Oportunamente, ganha destaque a crítica aos partidos e políticos: “É mais fácil parar metrópoles, como São Paulo e Rio, do que tirar do atraso a política nacional”. Apesar de terem reivindicado a intensificação das forças ostensivas, agora a Folha de S. Paulo chega até a fazer críticas à violência policial e aponta que isso foi um dos principais fatores para o fortalecimento e massificação dos protestos: “a truculência policial verificada na quinta-feira passada despertou largos contingentes da classe média para o movimento”. A atuação policial é tida como claudicante por estar atrelada à cálculos eleitorais: “Entre o excesso e a omissão policial, o comando do Estado parecia oscilar, incapaz de definir-se quanto à alternativa de menor custo eleitoral”[cvii].

Ao se dar conta de que o esforço de tripudiar não estava alcançando os resultados esperados – tais como promover a desmobilização e colocar a população contra as manifestações –, a grande mídia promoveu, segundo Demier, uma inflexão abrupta em seu repertório. Passaram a apoiar os atos, mas, esse apoio trazia consigo pauta própria. Passaram a noticiar que os manifestantes lutavam contra a aprovação da Proposta de Emenda Constituicional (PEC)-37[cviii], pela “prisão dos ‘mensaleiros’”, “contra a corrupção”, “redução de ministérios”[cix].

Assim, a partir de um dado momento foi subvertida a luta que eclodiu em junho pela ampliação da saúde, da educação e de outros direitos. Os atos passaram a ser compostos de forma mais predominante por pessoas de setores conservadores. Essa estratégia burguesa de controlar as mobilizações também foi perpetrada por meio da propagação da ideologia antipartido. Todos os partidos eram demonizados, sejam eles da ordem ou não. “O meu partido é o Brasil” era a frase constantemente evocada e muitos manifestantes não aceitavam a presença de quaisquer bandeiras nas manifestações[cx]. Nos casos mais extremos, os militantes de partidos de esquerda eram não só expulsos, como também tinham as suas bandeiras queimadas.

Em função dessa mudança abrupta na cobertura midiática, que criava um abismo entre realidade e discurso, setores mais conservadores da população se levantaram do sofá e vieram às ruas para reclamar tal plataforma programática defendida pela grande mídia. “Com isso, a incessante cobertura midática a respeito de atos passou a ser, ao menos em parte, verdadeira, e os setores de esquerda que haviam iniciado as mobilizações viram-se rapidamente diluídos em meio a uma enorme massa policlassista e politicamente heterogênea”[cxi]. Segmentos da nova direita ampliaram o seu alcance neste momento. Grande parte desses setores seriam futuros votantes em Marina Silva e Aécio Neves nas eleições presidenciais de 2014. Lideranças do PSDB procuraram aproveitar essas circunstâncias para enfraquecer o governo de Dilma Rousseff, mas não exigiram naquele momento a queda do governo.

Nova direita

Nesse contexto, uma série de atores e organizações de direita, que já atuavam há décadas no país, passam a integrar os atos, condicionando as suas pautas. A nova direita, contudo, não se origina neste momento de inflexão das Jornadas.

O entendimento aqui é de que a nova direita emerge no interior de um processo histórico mais longo, o qual vem ocorrendo nas últimas décadas, tendo como preâmbulo a redemocratização do país, iniciada na década de 1980 – e que prossegue ao longo das décadas. Isto acontece porque, como o trabalho de Flavio Casimiro permite evidenciar, a nova direita não é uma absoluta novidade, a sua edificação não foi repentina, muito menos surge nas Jornadas de Junho de 2013, como defendem alguns setores da esquerda. O surgimento da nova direita faz parte de um processo histórico mais longo que vem ocorrendo nas últimas décadas, tendo como preâmbulo fins dos anos de 1970 e início dos anos 1980, quando o Brasil vivenciava um período de efervescência de mobilizações da classe trabalhadora para o enfrentamento com o regime militar. Ocorreu uma série de greves históricas e as “Diretas Já” seriam o grande emblema das irreverências mil, como lembra a letra da canção O bêbado e a equilibrista, cantada na voz de Elis Regina. A dinâmica da luta de classes no período pode, de acordo com o historiador Eurelino Coelho, ser descrita em duas fases: a primeira, que vai de 1979 até 1989, é de avanço das lutas das classes subalternas; a segunda, que vai de 1990 até 1998, é de refluxo[cxii].

 Apesar de se ter visto o avanço das mobilizações da classe trabalhadora, o processo de redemocratização foi lento, gradual e seguro para as estruturas dominantes do país. A burguesia brasileira, alicerçada e orientada por suas ligações transnacionais com o grande capital internacional, reage violentamente em múltiplos níveis às formas de organização da classe trabalhadora. Isso está conectado ao fato de que, tanto o Brasil, quanto os nossos países vizinhos, foram ao longo da década de 1980, considerada a “década perdida” para o desenvolvimento na América Latina, orientados a implementar uma série de políticas e reformas neoliberais – receituário que ficou conhecido como “Consenso de Washington” – e que promoveu a abertura, desregulação, privatização de suas economias nacionais. Isso ampliou o decréscimo dos resultados sociais e econômicos e apresentou-se no fim dos anos 1990 como incapaz de superar os problemas estruturais desses países, apesar de em alguns dos países latino-americanos em que este receituário foi implementado o processo inflacionário ter sido controlado.

O capital buscava se expandir para fazer frente à crise e, também, para aplacar o avanço das lutas sociais. Dentre outras maneiras, esse processo se dá através da reconfiguração da própria classe trabalhadora, reduzindo drasticamente os empregos com direitos e intensificando a exploração dessa classe. É perpetrado também no terreno das lutas sociais, através do cooptação de entidades sindicais e organizações políticas, como a CUT e o PT. Ocorre ainda por meio da conversão mercantil-filantrópica da militância, afastando-a de organizações políticas e movimentos populares na direção de associações, como as ONGs, Fundações e Institutos, que tomam para si extensa e variada gama de demandas sociais, funções que seriam primordialmente do Estado[cxiii]. Finalmente, por meio da reconfiguração da estrutura institucional do Estado.

Como apontou a historiadora Virgínia Fontes, esse processo é simultaneamente reativo e invasivo do conjunto da burguesia. As burguesias reagiam ao crescimento dos movimentos sociais. A sua atuação tem também um componente invasivo, “correspondente à expansão da grande burguesia monopolista, crescentemente concentrada sob a direção do capital monetário”[cxiv].

Além daquelas frentes de ofensiva burguesa, esta classe também atuou no sentido de promoção e criação de aparelhos privados de hegemonia (APH). Historicamente, a burguesia adota APHs para a manutenção de sua hegemonia. Contudo, a partir da década de 1980, o que se vê é uma expansão na constituição de aparelhos da burguesia.

A burguesia nativa, desembarcando da ditadura militar, necessitava reconstruir a sua hegemonia diante da derrocada do arranjo político ditatorial, com intuito de atualizar e a redefinir suas bases de dominação e atuação, adequando-se às novas maneiras de se relacionar com o Estado em processo de redemocratização. A derrocada do arranjo político ditatorial era evidente, concordando com Coelho Neto, por conta das grandes greves operárias que se formavam no período, evidenciando a necessidade de a burguesia “refazer em outras bases as formas políticas da dominação de classe no país”[cxv].

As estratégias de dominação da classe dominante são, historicamente, das mais variadas. Para o historiador Flávio Casimiro, uma das faces da complexificação específica perpetrada a partir da redemocratização é a estratégia de “organização que se materializa por meio dos aparelhos da burguesia, porém integra crescentemente o próprio Estado. Isto vem ganhando projeção tanto de forma deliberada quanto inconsciente”, através da instrumentalização, objetivação e reprodução de seus projetos e valores em diversos meios, de forma que os seus interesses tomem amplitude e intensidade. Paulatinamente, vão radicalizando-se. Através da multiplicação de uma miríade de aparelhos de difusão, gradativamente a ideologia dominante ganha notoriedade e força, adquire ressonância em diferentes espaços da vida social e as formas de atuação da burguesia estabelecem conexões nacionais e transnacionais. Tais aparelhos compõe o que se consumou denominar hoje de “nova direita”[cxvi].

Neste sentido, o que a caracteriza a nova direita (diferenciando-a das chamadas “velhas direitas”) não são os atores, sequer a ideologia, mas sim o modus operandi, o qual, como dito, materializou-se numa série de aparelhos da burguesia, ou, noutras palavras, aparelhos privados de hegemonia[cxvii]. Em consequência, isso gestou uma expansão da sociedade civil brasileira. Dados do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA) apontam que na década de 1990 havia cerca de 105 mil entidades da sociedade civil. Já em 2017 esse número é de, aproximadamente, 820 mil[cxviii]. Trata-se de um crescimento de cerca de 680%.

A série de aparelhos privados analisados por Casimiro evidencia a ampliação do Estado brasileiro, demonstrando que não podemos reduzi-lo a seus órgãos, aparelhos e agências administrativas. Ao mesmo tempo que criticam o Estado, os aparelhos analisados ampliam-no imbricando-se a ele, promovendo assim uma espécie de reprivatização “não-oficial” do mesmo, inscrevendo nele os seus objetivos como projetos de interesse “nacional”, mas que na realidade são de classe. Assim, a nova direita reconfigura a estrutural estatal “dialeticamente como veículo e resultado do processo de atualização da dominação burguesa em sua expressão capital-imperialista”[cxix].

Considerações finais

O avanço da nova direita não encontrou barreiras por parte da esquerda no poder, pois esta optou pela política de conciliação de classes, assim como foi facilitado por conta da desmobilização e cooptação das organizações da classe trabalhadora e isolamento político e fragmentação da esquerda socialista promovido por esses governos. Uma série de organizações foram criadas, sendo as expressões mais conhecidas o MBL, Vem Pra Rua, Instituto Millenium, Instituto Von Mises, Movimento Escola Sem Partido. Avanço este que, então, não encontrou barreiras por parte da esquerda no poder, pois esta optou pela política de conciliação de classes.

Este avanço da direita também foi facilitado por conta da desmobilização e cooptação das organizações da classe trabalhadora e isolamento político e fragmentação da esquerda socialista promovido por esses governos. Após o conjunto de traições que a esquerda recebeu dos governos petistas, e 2015 com esse estelionato eleitoral, as manifestações pró-impeachment não receberam oposição à altura. Por mais que tenha ocorrido manifestações de esquerda no período de meados de 2014 e de 2015, foram significativamente menores do que as promovidas pela direita. Cobraram nesse momento um preço alto a incongruência gerada pelo estelionato eleitoral, o desgaste dos governos petistas provocado pela aplicação da agenda neoliberal, o abismo entre os dirigentes petistas e a base, o isolamento da esquerda socialista provocado pelos governos petistas, o enfraquecimento dos instrumentos da classe trabalhadora, como as grandes centrais sindicais, aparelhadas pelas cúpulas petistas e seus governos.

Assim, impulsionado por interesses do campo político e financeiro nacional e internacional, pretensamente justificado por uma série de jargões da casta político-burocrática, defendido pela mídia corporativa local e internacional, atravessado por uma sociedade excitada e cindida ao meio, ancorado numa profunda crise econômica, orquestrado por cálculos partidários e processado num modus operandi diferente do visto em tempos anteriores, o Golpe de 2016 deixou evidente que chegou ao limite a maneira de evitar o confronto aberto de posições, pois o sistema político-institucional não poderia mais funcionar nos mesmos termos que funcionou ao longo das últimas décadas. Por tudo isso, 2016 marca um momento de inflexão na história do país que sem medo poderíamos dizer que determina o fim da Nova República.

O processo de Golpe de 2016, neste sentido, envolve fatores de uma complexidade maior do que simplesmente uma suposta revolta da “elite do atraso” com os incentivos do crescimento oferecidos à “elite do progresso”. Mesmo através de uma lupa não conseguiremos encontrar uma suposta burguesia nacional-desenvolvimentista. Essa moralização promovida por um conjunto de intelectuais petistas acerca do processo que engendrou o destronamento do PT dificulta o entendimento das origens do Golpe, além disso, cobre com um véu que os governos petistas, através de uma série de decisões, foram também parte da causa da crise que os derrubaram da cadeira da Presidência da República. Foi, assim, um pacote de medidas dos governos petistas que reforçou e ampliou os efeitos no país da crise internacional.

Concordando com Gilberto Calil, todo esse conjunto de fatores teve como efeito dramático “que a esquerda fosse associada à ordem dominante, em um contexto de aguda crise capitalista, e que a direita pudesse se apresentar como anti-sistema, por mais falso e paradoxal que isto seja”[cxx]. Organizações da direita, como o Movimento Brasil Livre, procuraram desde então constantemente reforçar este estigma sobre a esquerda, de diferentes formas, em especial, atrelando-a aos esquemas de corrupção, assim como assumindo para si uma imagem de alternativos e descolados, através da qual procura se distanciar do estigma de pró-sistema. Isso, atrelado ao enfraquecimento dos instrumentos de organização e atuação da classe trabalhadora promovido pela esquerda no poder, juntamente com anos de uma abordagem criminalizadora dos partidos de esquerda, movimentos sociais, sindicatos, por parte dos conglomerados de mídia – praticamente sem um contraponto de grande alcance –, conferiu à esquerda o papel de perpetuadora da ordem dominante, enquanto que organizações como o MBL ou sujeitos como Jair Bolsonaro se apresentem como outsiders.

Notas

[i] SINGER, André. Cutucando onças com varas curtas: o ensaio desenvolvimentista no primeiro mandato de Dilma Rousseff (2011-2014). Revista Novos Estudos. n. 2, 2015.

[ii] SINGER, André. Os impasses do lulismo. Entrevista concedida a Victoria Silverio. Brasil de Fato. 2013. Disponível em: https://www.esquerdadiario.com.br/O-golpe-de-2016-e-o-futuro-da-democracia-no-Brasil-os-impasses-do-lulismo. Acesso em 8 de junho de 2020.

[iii] O próprio Singer entende que o conceito de desenvolvimentismo, ou de neodesenvolvimento, é vago. Parte da definição de desenvolvimentismo do economista Ricardo Bielschowsky. Definição esta que Singer interpreta como abstrata, mas que consiste em primeiro passo para pensar o problema – o que exige, dos estudos futuros, analisar e historicizar a compreensão do fenômeno, de modo a entender o que ele foi de fato. Bielschowsky aponta que o desenvolvimentismo se trata de uma “ideologia de transformação da sociedade brasileira definida pelo projeto econômico que se compõe dos seguintes pontos fundamentais: a) a industrialização integral é a via de superação da pobreza e do subdesenvolvimentismo brasileiro; b) não há meios de alcançar uma industrialização eficiente e racional no Brasil através das forças espontâneas do mercado; por isso, é necessário que o Estado a planeje; c) o planejamento deve definir a expansão desejada dos setores econômicos e os instrumentos de promoção dessa expansão; e d) o Estado deve ordenar também a execução da expansão, captando e orientando recursos financeiros, e promovendo investimentos diretos naqueles setores em que a iniciativa privada seja insuficiente” (SINGER, 2015, p. 44 apud BIELSCHOWSKY, 1995, p. 7).

[iv] SINGER, André. Cutucando onças com varas curtas. Op. cit., 2015.

[v] BADARÓ MATTOS, Marcelo. O ponto a que chegamos: sobre a luta de classes na conjuntura do golpe de 2016. op. cit. 2016.

[vi] GERBELLI, Luiz Guilherme. Em sete anos, PIB per capita cai e brasileiro fica 11% mais pobre. G1. 2020. Disponível em: https://g1.globo.com/economia/noticia/2020/08/02/em-sete-anos-pib-per-capita-cai-e-brasileiro-fica-11percent-mais-pobre.ghtml. Acesso em 03 de janeiro de 2020.

[vii] NUNCA GANHARAM DINHEIRO COMO NO MEU MANDATO, DIZ LULA SOBRE BANQUEIROS. Uol. 2016. Disponível em: https://tvuol.uol.com.br/video/nunca-ganharam-dinheiro-como-no-meu-mandato-diz-lula-sobre-banqueiros-04020D183666C0C15326. Acesso em 20 de março de 2021.

[viii] BADARÓ MATTOS, Marcelo. O ponto a que chegamos: sobre a luta de classes na conjuntura do golpe de 2016. op. cit. 2016.

[ix] CASTELO, Rodrigo. O social-liberalismo: uma ideologia neoliberal para a “questão social” no século XXI. Rio de Janeiro. 2011. Tese de doutorado (Doutorado em Serviço Social). Programa de Pós-Graduação em Serviço Social. Universidade Federal do Rio de Janeiro, p. 8.

[x] COELHO NETO, Eurelino Teixeira. Uma esquerda… op. cit., 2012, p. 301.

[xi] Idem, p. 302.

[xii] COELHO NETO, Eurelino Teixeira. Uma esquerda… op. cit., 2012, p. 302-303.

[xiii] Idem, p. 303-304.

[xiv] Ibidem, p. 316.

[xv] Ibidem, p. 320.

[xvi] MANDEL, Ernest. O Capitalismo Tardio, op. cit., 1985, p. 339.

[xvii] BADARÓ MATTOS, Marcelo. O ponto a que chegamos: sobre a luta de classes na conjuntura do golpe de 2016. op. cit. 2016.

[xviii] AVELAR, Idelber. Ascensión y caída del lulismo. Dossiê: Mientras La Antorcha Olímpica: los primeiros 100 días del Golpe en Brasil. Revista Transas: Letras y Artes de América Latina. 2016. Disponível em: < http://www.revistatransas.com/2016/09/15/ascension-y-caida-del-lulismo/ >. Acesso em 8 de junho de 2020.

[xix] MACIEL, David. Melhor impossível: a nova etapa da hegemonia neoliberal sob o governo Lula. In: Universidade e Sociedade, nº 46, Brasília – DF: Andes-SN, p. 120-133, junho de 2010, p. 121.

[xx] FONTES, Virgínia. Sociedade civil, classes sociais e conversão mercantil-filantrópica. In: Observatorio Social de America Latina, n. 19, enero-abril. Buenos Aires: Clacso. P. 341-350.

[xxi] CASTELO, Rodrigo. O social-liberalismoop. cit., 2011., p. 247.

[xxii] Idem, p. 249.

[xxiii] Idem, p. 246-247.

[xxiv] BADARÓ MATTOS, Marcelo. O ponto a que chegamos: sobre a luta de classes na conjuntura do golpe de 2016. op. cit. 2016.

[xxv] BADARÓ MATTOS, Marcelo. O ponto a que chegamos: sobre a luta de classes na conjuntura do golpe de 2016. op. cit. 2016.

[xxvi] “Lá [nos EUA], ela é um tsunami; aqui, se ela chegar, vai chegar uma marolinha que não dá nem para esquiar”, afirmou em 2008 o então presidente Lula em um evento de campanha na cidade de São Bernardo do Campo. GALHARDO, Ricardo. Lula: crise é tsunami nos EUA e, se chegar ao Brasil, será ‘marolinha’. O Globo. 2008. Disponível em: https://oglobo.globo.com/economia/lula-crise-tsunami-nos-eua-se-chegar-ao-brasil-sera-marolinha-3827410. Acesso em 8 de fevereiro de 2021.

[xxvii] Em 2009, o então Ministro da Fazenda Guido Mantega previa com as medidas tomadas, como a reativação do crédito, redução dos spreeds, baixa dos juros e aumento do salário mínimo, algumas economias, dentre elas a brasileira, poderiam sair do vermelho até o final desse ano. Previa que a crise de 2008 no país teria como repercussão a queda do PIB e, em seguida, a sua elevação. Seria, nesse sentido, um movimento em “V”, como de fato ocorreu. Contudo, não chegou a prever que haveria a partir de 2013 uma nova onda da crise no país, tratando-se neste sentido de um “W”. MANTEGA, Guido. O Brasil e a crise mundial. Ministério da Fazenda, abril de 2009. Disponível em: http://www2.camara.leg.br/atividade-legislativa/comissoes/comissoes-permanentes/cft/eventos/audiencias-publicas/realizadas-em-2009-1/15-04-2009-ministro-da-fazenda-guido-mantega-crise/Apresentacao%20MANTEGA%2015042009.pdf. Acessado em 14 de janeiro de 2020.

[xxviii] FERNANDES, Florestan. A revolução burguesa no Brasil. Op. cit. 2005.

[xxix] SINGER, André. Cutucando onças com varas curtas. Op. cit., 2015.

[xxx] FIORI, José Luis da C. Olhando para a esquerda latino-americana. In: Eli Diniz. (Org.). Globalização, Estado e Desenvolvimento. 1ed. Rio de Janeiro: Editora Da Fundação Getúlio Vargas, 2007, p. 5.

[xxxi] BOITO JR., Armando. A crise política do neodesenvolvimentismo e a instabilidade da democracia. Crítica Marxista, n. 42, 2016, pp. 156.

[xxxii] É sempre um risco real reunir diferentes autores para encontrar neles as afinidades que permitem posicioná-los agrupados, como defensores da mesma linha. Boito Jr. e Singer defendem teses ora semelhantes, ora diferentes. Procuraremos nas análises não reduzir tais diferenças. O contrário seria, no mínimo, duvidoso, epistemologicamente. Além de perigoso, metodologicamente.

[xxxiii] SINGER, André. Cutucando onças com varas curtas. Op. cit., 2015; BOITO JR., Armando. A crise política do neodesenvolvimentismo. Op. cit., 2016.

[xxxiv] Idem.

[xxxv] Ibidem.

[xxxvi] Ibidem, p. 45-50.

[xxxvii] Ibidem, p. 52.

[xxxviii] Ibidem, p. 45-50.

[xxxix] NOBRE, Marcos. 1988 + 30. Op. cit., 2016, p. 144.

[xl] Em determinado trecho do pronunciamento, a presidenta afirma: “é a primeira vez que isso ocorre no Brasil [redução na conta de luz], mas não é a primeira vez que o nosso governo toma medidas para baixar o custo, ampliar o investimento, aumentar o emprego e garantir mais crescimento para o país e bem-estar para os brasileiros. Temos baixado juros, reduzido impostos, facilitado o crédito e aberto, como nunca, as portas da casa própria para os pobres e para a classe média. Ao mesmo tempo, estamos ampliando o investimento em infraestrutura, na educação e na saúde e nos aproximando do dia em que a miséria estará superada no nosso Brasil […]”. ROUSSEFF, Dilma. Apud. SINGER, André. Cutucando onças com varas curtas…, op. cit, p. 53.

[xli] SINGER, André. Cutucando onças com varas curtas…, op. cit, p. 54.

[xlii] Idem, p. 54.

[xliii] SINGER, André. Cutucando onças com varas curtas…, op. cit. 2015

[xliv] SINGER, André. Cutucando onças com varas curtas…, op. cit. 2015, p. 55.

[xlv] BOITO JR., Armando. A crise política do neodesenvolvimentismo… Op. cit, 2016, p. 159.

[xlvi] BOITO JR., Armando. A crise política do neodesenvolvimentismo… Op. cit, 2016,, p. 161.

[xlvii] SINGER, André. Cutucando onças com varas curtas…, op. cit., 2015.

[xlviii] SINGER, André. Cutucando onças com varas curtas…, op. cit., 2015, p. 56.

[xlix] MACIEL, David. As metamorfoses do neoliberalismo no Brasil contemporâneo: governos do PT e hegemonia neoliberal. Anais do XXVII Simpósio Nacional de História. Anpuh. 2013.

[l] Para saber mais sobre a política fiscal do governo Dilma, ver: GENTIL, D.L. & HERMANN, J. Política fiscal no governo Dilma Rousseff: a desaceleração programada. VIII Encontro Internacional da AKB. Universidade Federal de Uberlândia, 2015. SERRANO, F. & SUMMA, R. Demanda agregada e desaceleração do crescimento econômico brasileiro de 2011 a 2014. Center for Economic and Policy Research. Washington, 2015.

[li] Lançado em 15 de agosto de 2012, o Programa de Investimentos em Logística (PIL) foi o carro-chefe do processo de privatização dos setores de infra-estrutura do país. No que concerne às rodovias, foram cedidas a empresas privadas 4,89 mil km no período de maio de 2014 a setembro de 2015. Em junho de 2015, houve o PIC em sua segunda fase, na qual foi concedido ainda nesse ano seis leilões e foram privatizadas seis rodovias. Estavam previstos 16 leilões até 2018. O programa teve uma nova fase em 2020. No que concerne aos aeroportos, em fevereiro de 2012 foram concedidos os terminais de Brasília, Guarulhos e Campinas. Logo em seguida, os de Galeão (RJ) e Confins (MG). Em 2015, na segunda etapa do programa, foram entregues à esfera privada os aeroportos de Pinto Martins, em Fortaleza (CE); Luiz Eduardo Magalhães, em Salvador (BA); Hercílio Luz, em Florianópolis (SC); Salgado Filho, em Porto Alegre (RS). Estava previsto a entrega também dos aeroportos de Araras (SP), Bragança Paulista (SP), Caldas Novas (GO), Campinas (Amarais/SP), Itanhaém (SP), Jundiaí (SP) e Ubatuba, mas a privatização dos mesmos foi interrompida pelo processo de impeachment. INFRAERO. Concessões de aeroportos. Disponível em: https://www.infraero.gov.br/index.php/br/concessoes.html. Acesso em 9 de fevereiro de 2021. No que tange aos portos públicos, houve o leilão de Macuco, Paquetá e Ponta da Praia do porto de Santos, o maior do país. Estava previsto ainda leiloar mais nas áreas de Santos nove portos e vinte no Pará. Estava sendo aguardado também para a segunda fase do PIL a licitação de vinte e um terminais distribuídos em Itaqui, Manaus, Santana, São Francisco do Sul, Parananguá, São Sebastião, Santos, Rio de Janeiro, Suape e Aratu. Também seria construído sessenta e três portos privados. AMATO, Fábio; MATOSO, Filipe. Governo anuncia novas concessões e prevê investimentos de R$ 198,4 bi. G1. 2015. Disponível em: http://g1.globo.com/economia/noticia/2015/06/nova-fase-de-programa-preve-r-1984-bilhoes-para-infraestrutura.html. Acesso em 9 de fevereiro de 2021.   Para o setor petrolífero, ao invés do modelo de concessão, foi adotado contratos de partilha, através dos quais envolveu a Petrobrás e empresas privadas na exploração do Pré-Sal. Dessa forma, a estatal deveria ter uma participação mínima de 30%, além de ser a empresa executiva, responsável pela condução da exploração. O primeiro leilão realizado foi o do campo de Libra, em 2013.

[lii] GENTIL, Denise Lobato. Ajuste fiscal, privatização e desmantelamento da proteção social no Brasil: a opção conservadora do governo Dilma Rousseff (2011-2015). Op. cit. 2017.

[liii] Idem.

[liv] OCKÉ-REIS, Carlos Otávio.  SUS: o desafio de ser único. Rio de Janeiro: Fiocruz, 2012, p. 26-27.

[lv] GENTIL, Denise Lobato. Ajuste fiscal, privatização e desmantelamento da proteção social no Brasil: a opção conservadora do governo Dilma Rousseff (2011-2015). Op. cit. 2017.

[lvi] Idem.

[lvii] AUGUSTO, Acácio. “Balck blocs” agem com inspiração fascista, diz filósofa a PMs do Rio. Folha de São Paulo. 2013. Disponível em: http://www1.folha.uol.com.br/fsp/poder/126068-black-blocs-agem-com-inspiracao-fascista-diz-filosofa-a-pms-do-rio.shtml. Acesso em: 17/03/2020.

[lviii] PESTANTA, Marco. Cinco anos de Junho de 2013: a perspectiva petista e os dilemas estratégicos da esquerda brasileira. Esquerda Online. 2018. Disponível em: https://esquerdaonline.com.br/2018/07/16/cinco-anos-de-junho-de-2013-a-perspectiva-petista-e-os-dilemas-estrategicos-da-esquerda-brasileira/. Acesso em: 13/03/2020.

[lix] HADDAD, Fernando. Vivi na pele o que aprendi nos livros: um encontro com o patrimonialismo brasileiro. Revista Piauí. 2017. Disponível em: https://piaui.folha.uol.com.br/materia/vivi-na-pele-o-que-aprendi-nos-livros/. Acesso em: 17/03/2020.

[lx] HADDAD, Fernando. Vivi na pele o que aprendi nos livros. Op. cit. 2017.

[lxi] PESTANTA, Marco. Cinco anos de Junho de 2013. Op. cit., 2018.

[lxii] SOUZA, Jessé. A Radiografia do Golpe. Entenda como e por que você foi enganado. LeYa: São Paulo, 2016.

[lxiii] PRESTES, Ana. Para Lula, jornadas de junho de 2013 já faziam “parte da arquitetura política de derrubar o governo, o PT”. Revista Fórum. 2019. Disponível em: https://revistaforum.com.br/colunistas/anaprestes/para-lula-jornadas-de-junho-de-2013-ja-faziam-parte-da-arquitetura-politica-de-derrubar-o-governo-o-pt/. Acesso em 01 de julho de 2020.

[lxiv] COELHO NETO, Eurelino Teixeira. Uma esquerda… op. cit., 2012, p. 301.

[lxv] DEMIER, Felipe. Depois do Golpe. Op. cit., 2017.

[lxvi] ABRANCHES, Sergio. Presidencialismo de coalizão: o dilema institucional brasileiro. Dados:                     Revista de Ciências Sociais, vol. 31, n. 1, Rio de Janeiro: IUPERJ, 1988.

[lxvii] FERNANDES, Florestan. A revolução burguesa no Brasil. São Paulo: Globo, 2005.

[lxviii] DEMIER, Felipe. Depois do Golpe. op. cit., 2017.

[lxix] DEMIER, Felipe. A democracia blindada. Blog de Junho. 25 de agosto de 2016. Disponível em: http://blogjunho.com.br/a-democracia-blindada/. Acesso em 6 de junho de 2020.

[lxx] AVELAR, Idelber. Ascensión y caída del lulismo. Dossiê: Mientras La Antorcha Olímpica: los primeiros 100 días del Golpe en Brasil. Revista Transas: Letras y Artes de América Latina. 2016. Disponível em: <http://www.revistatransas.com/2016/09/15/ascension-y-caida-del-lulismo/ >. Acesso em: 01/08/2019.

[lxxi] DEMIER, Felipe. A democracia blindada. Op. cit. 2016.

[lxxii] BRAGA, Ruy. A restauração do capital. Um estudo sobre a crise contemporânea. São Paulo: Xamã, 1997.

[lxxiii] BORON, Atilio. “La transicion hacia La democracia em América Latina: problemas e perspectivas” in ____. Estado, capitalismo y democracia em América Latina. Buenos Aires: Clacso, 2004, p. 246.

[lxxiv] DEMIER, Felipe. A democracia blindada. Op. cit. 2016.

[lxxv] NETTO, José Paulo. Uma face contemporânea da barbárie. Comunicação apresentada no III Encontro Internacional Civilização ou barbárie. Serpa, outubro/novembro de 2010.

[lxxvi] DEMIER, Felipe. A democracia blindada. Op. cit. 2016.

[lxxvii] COELHO NETO, Eurelino Teixeira. Uma esquerda para o capital: o transformismo dos grupos dirigentes do PT (1979-1998). Feira de Santana, BA: UEFS Editora; São Paulo, SP: Xamã, 2012, p. 284-285.

[lxxviii] ANTUNES, R.; SILVA, M. A. M. (orgs.). O avesso do trabalho. São Paulo: Expressão Popular, 2004.

[lxxix] FONTES, V. O Brasil e o capital imperialismo. Teoria e história. Rio de Janeiro: EPSJV/UFRJ, 2010. p. 257.

[lxxx] COELHO NETO, Eurelino Teixeira. Uma esquerda para o capital… Op. cit., 2012.

[lxxxi] BADARÓ MATTOS, Marcelo. O ponto a que chegamos: sobre a luta de classes na conjuntura do golpe de 2016. Blog de Junho. 2016. Disponível em: http://blogjunho.com.br/o-ponto-a-que-chegamos-sobre-a-luta-de-classes-na-conjuntura-do-golpe-de-2016/. Acesso em 8 de fevereiro de 2021.

[lxxxii] BADARÓ MATTOS, Marcelo. O ponto a que chegamos: sobre a luta de classes na conjuntura do golpe de 2016. op. cit. 2016.

[lxxxiii] O Movimento Passe Livre foi fundado em uma plenária no Fórum Social Mundial, de 2005, ocorrido em Porto Alegre. Defende a adoção da tarifa zero para transporte coletivo. Como aponta o historiador Gilberto Calil, o Movimento nos últimos anos antecedentes a 2013 realizou manifestações “em várias capitais brasileiras (como Florianópolis, Recife, Salvador e Vitória), mantendo-se, no entanto, sempre um caráter local destas manifestações. Em junho de 2013, as manifestações ocorridas em São Paulo superaram esta barreira, dando origem a um movimento que rapidamente se espalhou por todo o país” CALIL, Gilberto. Embates e disputas em torno das Jornadas de Junho. Projeto História. São Paulo, n. 47, Ago., pp. 377-403, 2013.

[lxxxiv] DEMIER, Felipe. Depois do Golpe. op. cit., 2017, p. 67-68.

[lxxxv] PROTESTO CONTRA AUMENTO DE PASSAGENS FECHA AV. PRESIDENTE VARGAS E TEM QUATRO PESSOAS PRESAS. O Globo. 2013. Disponível em: https://oglobo.globo.com/rio/protesto-contra-aumento-de-passagens-fecha-av-presidente-vargas-tem-quatro-pessoas-presas-8616234. Acesso em 14 de outubro de 2020.

[lxxxvi] HERDY, Thiago. São Paulo vira ‘praça de guerra’ no confronto mais violento em ato contra o aumento de tarifa. O Globo. 2013. Disponível em: https://oglobo.globo.com/brasil/sao-paulo-vira-praca-de-guerra-no-confronto-mais-violento-em-ato-contra-aumento-de-tarifa-8656180. Acesso em 22 de outubro de 2020.

[lxxxvii] JABOR, Arnaldo. Revoltosos de classe média não valem 20 centavos. Op. cit.. 2013.

[lxxxviii] CHEGOU A HORA DO BASTA. O Estado de São Paulo. 2013. Disponível em: https://opiniao.estadao.com.br/noticias/geral,chegou-a-hora-do-basta-imp-,1041814. Acesso em 26 de outubro de 2020.

[lxxxix] DATENA MUDA DE IDEIA SOBRE PROTESTOS EM SP APÓS ENQUETE. Folha de S. Paulo, 2013. Disponível em: https://f5.folha.uol.com.br/televisao/2013/06/1294753-datena-muda-de-ideia-sobre-protestos-em-sp-apos-enquete.shtml. Acesso em 30 de janeiro de 2021.

[xc] RETOMAR A PAULISTA. Folha de S. Paulo. 2013. Disponível em: https://www1.folha.uol.com.br/paywall/login.shtml?https://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2013/06/1294185-editorial-retomar-a-paulista.shtml. Acesso em 22 de outubro de 2020.

[xci] MATTOS, Romulo. Grande imprensa e a repressão policial nas Jornadas de Junho (primeira parte). Esquerda Online. 2013. Disponível em: https://esquerdaonline.com.br/2013/10/04/grande-imprensa-e-a-repressao-policial-nas-jornadas-de-junho-primeira-parte/. Acesso em 30 de janeiro de 2021.

[xcii] MATTOS, Romulo. Grande imprensa e a repressão policial nas Jornadas de Junho (primeira parte). Op. cit. 2013.

[xciii] GRAMSCI, A. Cadernos do cárcere. Volume 3. 2007. op. cit., p. 33.

[xciv] Idem, p. 95.

[xcv] MATTOS, Marcelo Badaró; MATTOS, Romulo Costa. Fabricando o consenso e sustentando a coerção: Estado e favelas no Rio de Janeiro contemporâneo. Revista História & Luta de Classes, n. 11, 2011, p. 7.

[xcvi] DEMIER, Felipe. Depois do Golpe… Op. cit., 2017, p. 68.

[xcvii] DEMIER, Felipe. Depois do Golpe… Op. cit., 2017, p. 68.

[xcviii] DEMIER, Felipe. Depois do Golpe. op. cit., 2017.

[xcix] Idem, p. 65-66.

[c] DEMIER, Felipe. Depois do Golpe. op. cit., 2017, p. 67.

[ci] EM DIA DE MAIOR REPRESSÃO DA PM, ATO EM SP TERMINA COM JORNALISTAS FERIDOS E MAIS DE 240 DETIDOS. UOL. 2013. Disponível em: https://noticias.uol.com.br/cotidiano/ultimas-noticias/2013/06/13/em-dia-de-maior-repressao-da-pm-ato-em-sp-termina-com-jornalistas-feridos-e-mais-de-60-detidos.htm. Acesso em 30 de janeiro de 2021.

[cii] REPÓRTER É PRESO EM SÃO PAULO POR PORTAR VINAGRE DURANTE MANIFESTAÇÕES. Extra. 2013. Disponível em: https://extra.globo.com/noticias/brasil/reporter-preso-em-sao-paulo-por-portar-vinagre-durante-manifestacoes-8689239.html. Acesso em 30 de janeiro de 2021.

[ciii] FOTÓGRAFO DO ‘ESTADO’ FOI ATROPELADO PELA POLÍCIA. O Estado de S. Paulo, 2013. Disponível em: https://sao-paulo.estadao.com.br/noticias/geral,fotografo-do-estado-foi-atropelado-pela-policia,1042526. Acesso em 30 de janeiro de 2021.

[civ] ROSATI, César. Fotógrafo corre o risco de perder a visão após ser atingido por bala de borracha. Folha de S. Paulo. 2013. Disponível em: https://www1.folha.uol.com.br/cotidiano/2013/06/1294952-fotografo-corre-o-risco-de-perder-a-visao-apos-ser-atingido-por-bala-de-borracha-em-protesto.shtml?cmpid=menupe. Acesso em 30 de janeiro de 2021.

[cv]  MARTINS COSTA, Luciano. Uma virada na cobertura. Observatório da Imprensa. 2013. Disponível em: https://esquerdaonline.com.br/2013/10/15/grande-imprensa-e-repressao-policial-nas-jornadas-de-junho-segunda-parte/. Acesso em 02 de fevereiro de 2021.

[cvi] EDITORIAL: VITÓRIA DAS RUAS. Folha de S. Paulo, 2013. Disponível em: https://m.folha.uol.com.br/opiniao/2013/06/1298034-editorial-vitoria-das-ruas.shtml. Acesso em 02 de fevereiro de 2021.

[cvii] Idem.

[cviii] Denominada nas manifestações de Junho de 2013 de, dentre outras denominações, “PEC da imunidade”, a Proposta de Emenda Constitucional nº 37, proposta por Lourival Mendes (PTdoB/MA), foi à época uma proposição apoiada por juristas como Ives Granda (o mesmo que, em 2015, realizou um estudo a pedido de dirigentes do PSDB, como Fernando Henrique Cardoso, da possibilidade de um processo de impeachment de Dilma Rousseff e se colocou como favorável), José Afonso da Silva, Guilherme Nucci e Régis de Oliveira, tendo como objetivo, em linhas gerais, vedar ao Ministério Público a investigação criminal, por entender que, por falta de previsão legal ou por estar implícito no texto que tal competência deve ser privada às políticas, embora o Ministério Público exerça, ocasionalmente, essa atividade. As entidades de classe do Ministério Público se opuseram à proposta. O então Procurador-Geral da República, Roberto Gurgel, e o então Presidente Do Supremo Tribunal Federal, Joaquim Barbosa, também se posicionaram contrários à sua aprovação. A Ordem Dos Advogados Do Brasil e a Associação Nacional Dos Delegados de Polícia Federal defenderam a PEC. A mesma foi votada em 25 de junho de 2013 no Congresso Federal e rejeitada por 430 votos, com apenas 9 favoráveis e 2 abstenções.

[cix] A redução de ministérios trata-se de uma pauta da grande mídia, que pertence ao escopo da agenda neoliberal, a qual prioriza o enxugamento dos gastos do Estado para pagamento religioso da dívida pública.

[cx] DEMIER, Felipe. Depois do Golpe… Op. cit., 2017, p. 70-71.

[cxi] DEMIER, Felipe. Depois do Golpe… Op. cit., 2017, p. 70-71.

[cxii] COELHO NETO, Eurelino Teixeira. Uma esquerda para o capital: o transformismo dos grupos dirigentes do PT (1979-1998). Feira de Santana, BA: UEFS Editora; São Paulo, SP: Xamã, 2012, p. 281-282.

[cxiii] Sobre o processo de conversão mercantil-filantrópica da militância, ver: FONTES, V. O Brasil e o capital imperialismo. Teoria e história. Rio de Janeiro: EPSJV/UFRJ, 2010, p. 230-244.

[cxiv] FONTES, Virgínia. O Brasil e o capital-imperialismo… op. cit., 2010, p. 265.

[cxv] COELHO NETO, Eurelino Teixeira. Uma esquerda… op. cit., 2012, p. 282.

[cxvi] CASIMIRO, Flávio Henrique Calheiros. A nova direita: aparelhos de ação política e ideológica no Brasil contemporâneo. 1. Ed. São Paulo: Expressão Popular, 2018a.

[cxvii] Casimiro aponta que a atuação desses APHs se organiza no sentido “pragmático”, “estrutural” e “doutrinário”. No sentido “pragmático”, Casimiro refere-se aos aparelhos da burguesia que agem elaborando diretrizes, intervindo no processo de constituição de políticas públicas, dentre outras maneiras. A principal arena para estes aparelhos foi a Assembleia Nacional Constituinte, para a qual financiaram campanhas, lançaram candidatos próprios e mobilizaram quadros de empresários urbanos e rurais. Os APHs de “ação pragmática” analisados são: Câmara de Estudos e Debates Econômicos e Sociais (CEDES), Grupo de Mobilização Permanente (GMP), Confederação Nacional das Instituições Financeiras (CNF), Associação Brasileira de Defesa da Democracia (ABDD), União Democrática Ruralista (UDR), União Brasileira de Empresários (UB), Movimento Cívico de Recuperação Nacional (MCRN), Movimento Democrático Urbano (MDU), Pensamento Nacional das Bases Empresariais (PNBE), Frente Nacional pela Livre Iniciativa (FNLI). Neste interim, Casimiro reflete ainda sobre o processo de complexificação da sociedade civil brasileira na virada dos anos 1980 para os anos de 1990, destacando a atuação do Grupo de Institutos, Fundações e Empresas (GIFE) e o Instituto Ethos de Empresas e Responsabilidade Social. Os aparelhos de “ação estrutural” são aqueles que, alicerçados em um projeto de poder – não raro apresentado como se fosse este o interesse de toda a sociedade –, agem no interior do aparelho estatal, dentre os quais Casimiro analisa o Instituto de Estudos para o Desenvolvimento Industrial (Iedi), Instituto Atlântico, Grupo de Líderes Empresariais (LIDE) e o Movimento Brasil Competitivo (MBC). Tais aparelhos procuram influenciar a configuração da ossatura estatal, buscando a naturalização de valores da ideologia de mercado e a aplicação, no seio do Estado e na sociedade civil, de concepções – que variariam ao longo das décadas –, tais como “empoderamento”, “responsabilidade social”, “empresa cidadã”, “sustentabilidade”, com o intuito de reformular os seus mecanismos para torna-lo “eficiente”. Finalmente, no sentido “doutrinário”, refere-se aos aparelhos de difusão doutrinária liberal conservadora que agem através da propagação das diferentes matrizes do pensamento liberal, promovendo também o recrutamento de intelectuais orgânicos. Ensejam realizar sua doutrinação pautados pelos ditames do capital e da economia de mercado. Os APHs de ação doutrinária analisados por Casimiro são o Instituto Liberal (IL), Instituto de Estudos Empresariais (IEE), Instituto Millenium (IMIL), Instituto Von Mises Brasil (IMB), Estudantes Pela Liberdade (EPL) e o Movimento Brasil Livre (MBL). Apesar de o estudo sistematizar a série de aparelhos a partir das suas formas de atuação, o autor aponta que essa separação é unicamente de caráter analítico e didático, haja vista que cada um dos aparelhos desenvolve, em certa medida, um pouco de cada uma dessas estratégias ao mesmo tempo. No entanto, cada aparelho prioriza determinadas estratégias e táticas de ação e é reconhecido e classificado por Casimiro por esse caminho adotado. CASIMIRO, Flávio Henrique Calheiros. A nova direita. op. cit., 2018a.

[cxviii] INSTITUTO DE PESQUISA ECONÔMICA APLICADA (IPEA). Perfil das organizações da sociedade civil no Brasil. Organizador: Felix Garcia Lopez. Brasília: Ipea, 2018.

[cxix] CASIMIRO, Flávio Henrique Calheiros. A nova direita. op. cit., 2018a, p. 465.

[cxx] CALIL, Gilberto. VII Simpósio de pesquisa estado e poder: mesa redonda estado e lutas sociais: Brasil, Argentina, Venezuela. 2019. 28 slides.

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