Jornada de trabalho de 30 horas: mais emprego, mais qualidade de vida

Por Gabriel Landi Fazzio

Atualmente, um dos principais dramas que assola a classe trabalhadora (não só no Brasil, mas em incontáveis países capitalistas) é o crescente nível de desemprego. O intenso desenvolvimento das forças produtivas (resultando na ampla robotização da produção em larga escala) e a profunda crise sistêmica da acumulação capitalista são dois dos fatores responsáveis por esta situação. Essa ampliação do exército industrial de reserva reflete não apenas no rebaixamento do nível salarial dos trabalhadores empregados, mas na proliferação de ocupações precárias, especialmente as autônomas. [1]

O drama do desemprego é, com efeito, uma das questões mais emergenciais que atingem a classe operária. Esse drama tem raízes profundas, estruturais ao capitalismo; bem como causas conjunturais, associadas tanto ao atual estágio da crise capitalista, quanto à questão da crescente robotização da produção associada a esta crise. Uma decorrência desta crise é, entre outras, a nova ofensiva burguesa pela apropriação do orçamento público e desmantelamento da legislação trabalhista.

É nesse sentido que levantamos a palavra de ordem pela redução da jornada de trabalho para 30 horas semanais.[2] Esta palavra de ordem, em comparação com outras revindicações, tem a vantagem nítida de colocar a classe trabalhadora em choque diretamente com a classe burguesa, e não apenas na posição de reivindicar ao Estado burguês políticas públicas de viabilidade questionável.

1. As vantagens da palavra de ordem pela redução da jornada de trabalho.

O que significa, no atual estágio da luta de classes, avançar a palavra de ordem pela redução da jornada de trabalho? Significa apontar para uma gritante contradição do capitalismo contemporâneo: a contradição entre o aumento da riqueza e o aumento da miséria. Desde o estabelecimento da jornada de 8 horas, pudemos observar um desenvolvimento assombroso das forças produtivas, que refletiu-se em uma acumulação sem precedentes para os monopólios capitalistas. Como resultado do crescente aumento do capital constante em face do capital variável na composição orgânica do capital, esse desenvolvimento das forças produtivas refletiu-se em uma tendência à queda da taxa de lucro e, simultaneamente, no aumento da pressão pela diminuição da oferta de postos de trabalho.

A palavra de ordem pela redução da jornada de trabalho é, portanto, uma reivindicação voltada ao mesmo tempo para o combate ao desemprego e voltada para a melhora das condições de vida dos já empregados. Outras palavras de ordem, como a exigência da criação de empregos emergenciais, poderiam mobilizar apenas os primeiros, desempregados – quando, na verdade, sabemos que é justamente na segunda camada (a empregada) que reside o maior “poder de fogo” do proletariado, uma vez que esta camada pode recorrer à paralisação da produção como forma de luta. Assim, de um luta dos desempregados por políticas públicas, esta luta contra o desemprego pode ser tornar uma luta mais geral da classe trabalhadora por suas condições de existência.

Ademais, é importante lembrar o papel unificador que a luta pela jornada de 8 horas teve para o movimento operário, não apenas nas lutas nacionais mas no próprio plano internacional – abordarei mais adiante esta questão em maior profundidade.

2. Reduzir a jornada de trabalho, mas para quantas horas?

A necessidade da redução da jornada de trabalho é sentida amplamente pelo movimento operário mundial. Em Portugal, os camaradas do PCP reivindicam a redução da jornada de trabalho para 35 horas semanais. Na Grécia, também os camaradas do KKE aponta para esta necessidade, ainda que não aponte um número exato.

No Brasil, a própria CUT chegou a erguer, nos últimos períodos do governo PT, a palavra de ordem de “Reduz pra 40 que o Brasil aumenta”. Em 2014, até centrais sindicais abertamente direitistas, como a Força Sindical e a CSB, secundavam esta reivindicação. Desnecessário dizer que esta palavra de ordem foi posta de lado com a mesma velocidade com que o governo reformista o foi. Nada mais natural, considerando que, para a ala direita do movimento dos trabalhadores, a viragem da situação política para uma situação de defensiva proletária implica o abandono de qualquer palavra de ordem de contraofensiva. Ignora-se, assim, a unidade dialética necessária entre a defensiva e a contraofensiva; entre a luta pelos interesses imediatos do proletariado por sua preservação e a luta futura do proletariado pela reorganização socialista da sociedade.

Mas, então, para tirar tal palavra de ordem da pura abstração, qual cifra devemos erguer? Vejamos, antes de mais nada, algumas posições insuspeitas de qualquer radicalismo revolucionário:

Segundo o economista petista Márcio Pochmann:

“O trabalhador está produzindo muito além do que a jornada e o seu trabalho físico proporcionavam antigamente pela empresa. Por isso, é justo que se reduza a jornada de trabalho para 12 horas semanais, que seriam adequadas para contrapor esse acúmulo de capital que vem ocorrendo devido ao trabalho imaterial”.[3]

O burguês chinês Jack Ma também emitiu recentemente posição idêntica (não sem antes sofrer algumas pressões da luta interna do PC Chinês, evidentemente):

“O bilionário Jack Ma, há muito tempo defensor de longas jornadas de trabalho na China, acredita que as pessoas poderão trabalhar apenas 12 horas por semana com os benefícios da inteligência artificial (AI, na sigla em inglês).

A jornada de trabalho poderia ser de três dias por semana, quatro horas por dia, com a ajuda dos avanços tecnológicos e uma reforma nos sistemas educacionais, disse o cofundador do Alibaba Group na quinta-feira, durante a Conferência Mundial de Inteligência Artificial em Xangai”.[4]

Ambas afirmações confirmam a desproporção absurda entre o desenvolvimento das forças produtivas no último século e a permanência da jornada de trabalho de 8 horas diárias. Em verdade, em uma série de categorias, esta jornada já foi há muito ultrapassada. No Brasil, esse é o caso dos trabalhadores bancários, que já praticam a jornada de 30 horas semanais; dos trabalhadores do TI, com 35 horas; dos trabalhadores do telemarketing, com 36 horas etc. Em uma série de categorias do setor de saúde (enfermeiras, condutores de ambulância, farmacêuticos) a luta pela jornada de 30 horas está a pleno vapor.[5]

Em uma série de países, a jornada média de trabalho já orbita patamares ainda inferiores[6]. Em algumas categorias das potências imperialistas, as cifras chegar às 28 horas semanais, como no caso dos metalúrgicos alemães.

Levando tudo isso em conta, em que cifra deveríamos defender?

A jornada de 12 horas semanais, ainda que hipoteticamente factível, parece pouco crível para o atual nível de consciência dos trabalhadores, ainda mais para as condições de uma economia capitalista dependente. Por outro lado, as cifras de 40 horas ou 35 horas semanais apresentam desvantagens significativas: não apenas são muito tímidas, como alijam da luta pela redução da jornada as categorias que já praticam jornadas inferiores a estas.

Deste modo, e levando em conta que já existem categorias em luta por esta cifra (e, no caso dos bancários, em luta contra o aumento desta jornada), salta aos olhos como a cifra mais apropriada a da jornada de 30 horas semanais.

Mas – objetarão os economistas – a adoção de uma jornada deste tipo não levaria a um encarecimento da força de trabalho e, com isso, a uma massiva fuga de capitais? É uma objeção que pode ser feita a toda e qualquer conquista dos trabalhadores. Mas, justamente levando esta objeção em conta, restaria afirmar o caráter internacional desta reivindicação.

3. O significado mundial da reivindicação pela jornada de 30 horas.

Lembremos que a palavra de ordem pela jornada de 8 horas foi formulada pela primeira vez ainda em 1817, por Robert Owen. Em agosto de 1866, a Associação Internacional dos Trabalhadores, em seus Congresso de Genebra, definiu esta bandeira como sua principal demanda. Uma longa luta seguiria a esta definição, com incontáveis greve em inúmeros países; avanços parciais de algumas categorias, antes das vitórias gerais. Diversas greves e manifestações de massas, em sucessivos 1o de Maio, ergueram precisamente esta bandeira, ao redor de todo o mundo. Apenas em 1919 a OIT adotaria, em sua primeira Convenção, uma legislação internacional neste sentido – e somente em 1932 esta legislação seria aprovada em território brasileiro.

Do mesmo modo, a reivindicação pela jornada semanal de 30 horas não é uma revindicação que faça sentido particular apenas no contexto brasileiro: em todo o mundo o drama do desemprego cresce, em função de causas semelhantes às apontadas acima (guardadas as particularidades do desenvolvimento capitalista em cada país). Assim como a luta pela jornada de 8 horas diárias exerceu um papel unificador para o conjunto do movimento operário internacional, ao longo dos séculos anteriores; a luta internacional pela jornada de 30 horas semanais apresenta um evidente potencial para as lutas internacionais do proletariado ao longo das próximas décadas, nas quais a tendência nítida é a do aprofundamento do desemprego e dos ataques contra a classe trabalhadora.

Além disso, trata-se de uma consigna que combina a luta defensiva imediata do proletariado contra a degradação de suas condições de vida; com a luta contraofensiva por uma reorganização radical da formação econômica da sociedade, em favor de uma sociedade em que a produção social se organize em função das necessidades dos trabalhadores. Ou, como disse Marx sobre a conquista da jornada de 8 horas na Inglaterra: essa bandeira aponta para uma vitória da “economia política do trabalho” sobre a “economia política do capital”.

Assim, além de apresentar no Brasil esta palavra de ordem, o PCB-RR (Partido Comunista Brasileiro – Reconstrução Revolucionária) ergue sua defesa nos fóruns do Movimento Comunista Internacional, convencendo os partidos operários irmãos da necessidade de uma ampla campanha internacional em defesa da redução da jornada de trabalho para 30 horas semanais. Uma campanha deste tipo possibilitaria, ainda em uma época de ofensiva burguesa, avançar na unificação do proletariado mundial e nacional em um sentido revolucionário.

Notas:

[1] Essa questão, superficialmente debatida entre nós, leva a uma série de confusões, como aquelas que definem vagamente uma série de pequenos produtores privados como “trabalhadores” (como camelôs, prestadores de serviços autônomos, até mesmo alguns ramos uberizados), levando em conta apenas a sua pobreza, ou suas longas jornadas de trabalho, ou o fato de advirem de camadas de proletários desempregados. Esse fenômeno (a camuflagem do desemprego sob o pequeno “empreendedorismo”), contudo, não contém nenhuma novidade, e já era discutido por Lênin à sua época:

“Destaquemos aqui uma observação de Kautsky que é particularmente importante do ponto de vista teórico – de que pequenos empreendimentos comerciais e industriais (como os mencionados acima), na sociedade capitalista, são, com frequência, apenas uma das formas da superpopulação relativa; pequenos produtores arruinados, trabalhadores incapazes de encontrar emprego viram (às vezes temporariamente) pequenos comerciantes e vendedores ambulantes, ou alugam quartos ou leitos (também ‘empreendimentos’, que são registradas por estatísticas ao lado de todos os outros tipos de empreendimentos!), etc. O fato de esses empregos estarem superlotados não indica de modo algum a viabilidade da pequena produção, mas sim o crescimento da pobreza na sociedade capitalista. Bernstein, no entanto, enfatiza e exagera a importância dos pequenos ‘produtores industriais’ quando isso lhe parece servir em sua vantagem (na questão da produção em pequena e grande escala), mas mantém silêncio sobre eles quando o considera desvantajoso para si (acerca da questão do crescimento da pobreza).” (LÊNIN, “Book Review: Karl Kautsky. Die Agrarfrage”. Lenin Collected Works, v.4, p. 94-99. Editora Progresso: Moscou, 1964a.)

“Em segundo lugar, a maior parte dos ‘agricultores’ que possuem tais parcelas de terra tão insignificantes que tornam impossível ganhar a vida a partir delas, e que representam meramente uma ‘ocupação auxiliar’, fazem parte do exército de reserva de desempregados no sistema capitalista como um todo. É, para usar o termo de Marx, a forma oculta desse exército.” (LÊNIN, “The Capitalist System of Modern Agriculture”. Lenin Collected Works, v. 16, p. 423-446. Editora Progresso: Moscou, 1974a.)

[2] É importante frisar: “sem redução de salários” – embora esta afirmação, quando aplicada à palavra de ordem de redução geral da jornada (ou seja, não apenas para uma categoria de assalariados) beire a tautologia econômica: com a redução geral da jornada e a redução do exército de reserva, o aumento do valor da hora unitária de trabalho é uma decorrência bastante provável. Além disso, outra palavra de ordem erguemos, no sentido da resposta à questão do desemprego, é palavra de ordem de proibição das demissões sem justa causa. A Convenção 158 da Organização Internacional do Trabalho, que versa sobre este tema (o chamado “direito ao trabalho”), chegou a ser aprovada pelo Congresso Nacional nos anos 90, sendo posteriormente vetada pelo presidente Fernando Henrique Cardoso!

[3] https://www.seesp.org.br/site/index.php/comunicacao/noticias/item/4724-pochmann-defende-redu-o-da-jornada-de-trabalho

[4] https://www.google.com/amp/s/exame.abril.com.br/carreira/defensor-da-jornada-diaria-de-12h-jack-ma-agora-fala-em-12h-por-semana/amp/

[5] Vide: http://www.cofen.gov.br/jornada-de-30-horas-congresso-tem-uma-divida-com-os-profissionais-de-enfermagem_70199.html; https://www.camara.leg.br/noticias/556573-projeto-estabelece-jornada-semanal-de-30-horas-para-condutor-de-ambulancia/; e https://www.camara.leg.br/noticias/557599-projeto-fixa-em-30-horas-semanais-a-jornada-do-farmaceutico/

[6] https://surejob.in/countries-longest-shortest-working-hours.html; no Brasil, segundo os dados de 2015 do IBGE, a jornada média de trabalho é de aproximadamente 39,9 horas semanais.

Compartilhe:

Posts recentes

Mais lidos

Deixe um comentário