O poder para além da institucionalidade

Por Konrado Leite

Quem se defende pelas instituições não se garante no soco.

Que a alusão à conhecida expressão juvenil não cubra a validade da metáfora, camaradas. Em um momento de tamanho acirramento conjuntural após as eleições mais tumultuadas da história brasileira, não podemos de maneira nenhuma perder de vista o fundamental ensinamento dO Estado e a Revolução de Lênin: o aparelho de estado burguês, por mais que abra espaços participativos quando em tempos de liberdades democráticas, ainda é, em si, um aparelho de dominação de classe burguesa sobre todas as demais classes, em especial o proletariado. Por que então confiarmos nossas forças, em um momento de escalada das movimentações de massa fascistas, nas instituições desta classe? Não éramos nós, comunistas, quem afirmávamos a tão pouco tempo atrás que nunca na história da luta de classes o fascismo foi derrotado pela via das urnas? Aprendemos tão pouco com a tentativa de golpe da PRF neste domingo?

Camaradas, que fique claro para todos: o momento conjuntural hoje é pautado pelos aventureiros bolsonaristas. Seu levante é assunto em todo o país, e as possibilidades de seu desfecho é o assunto de todas as mesas hoje, seja em um debate mais jocoso e informal, seja preocupado e calculista. Não nos deixemos esquecer que a política se faz no tabuleiro da luta de classes, e cada movimento neste jogo (inclusive o não-movimento), corresponde direta ou contrariamente aos interesses de uma ou outra classe ou suas franjas, e por mais travestida de ideologia seja esta ou aquela justificativa para ação, as peças ainda se movem seguindo um misto de determinação e acaso, mas dentro das regras classistas. Aonde isso nos traz, considerando-se a reafirmação leninista do parágrafo anterior? De maneira bastante simples e direta: deixar inteiramente nas mãos das instituições o desfecho do aventureirismo fascista é ceder nosso turno para que os donos dessas ferramentas – reforço, a burguesia – decidam sozinhos os rumos do país. Ora, camaradas, não era esta mesmíssima burguesia a que estava dividida até o último momento do pleito entre apoiar o candidato de centro ou o candidato fascista? Quão arriscado é entregar a nossos adversários a decisão sobre como lidar com uma base que serve a seus interesses tão bem, ainda que não da maneira mais polida como alguns gostariam?

Qual papel deve ter a classe trabalhadora neste momento? Com o clima político girando em torno deste ou daquele silêncio, cabe que nos perguntemos: mais do que o silêncio do lado de lá, o que representa o silêncio do lado de cá? qual resposta a classe trabalhadora dará? É notório que enquanto classe ainda não temos a coesão e a força para ditar os rumos deste país, assumindo as rédeas do processo político neste momento. Ainda assim, não é por não termos força de derrotar todos os adversários que devemos abandonar a mesa para que as decisões sejam inteiramente tomadas por outros jogadores. Foi assim em 64, e nós falamos disso aos quatro ventos, mas diversos setores vacilantes da esquerda preferem tapar os ouvidos e balançar a cabeça frente a possibilidade de a tragédia se repetir em farsa. Esse setor tem uma tática definida – a não movimentação, esperando resolução pelas instituições – por responder muito mais diretamente à pequena burguesia que à classe trabalhadora em nosso país, e atender a uma estratégia de uma nova conciliação de classes, buscando a supremacia das liberdades democráticas e das instituições sobre qualquer conflito classista direto. É claro que hoje a nós muito convém a extensão mais ampla possível das liberdades democráticas, no sentido de aliviar-nos da agonia que seria a ditadura abertamente sanguinária da classe burguesa, mas que fique claro que esta extensão não é um fim (justamente por não poder ser infinita), ela é apenas um meio para conquistar a abolição completa desta ditadura – mesmo sob qualquer véu democrático – da burguesia, e alcançar a emancipação da classe trabalhadora.

O fascismo não pode ter palco para desenvolver suas articulações de massas, ganhar experiência prática e forjar quadros políticos. Os rios de dinheiro que abastecem essa besta dão a eles a capacidade de forjar quadros e lideranças políticas de importância muitíssimo mais rápido que nós da esquerda jamais poderemos, isso para não comentar do apoio estrangeiro que diversos think tanks recebem no país, e o papel que tiveram em forjar essas mesmas bases fascistas em atividade hoje. Esta situação conjuntural só tem dado a eles oportunidade atrás de oportunidade de reforçar suas linhas de comunicação  e transmissão direta de informações, de testar suas capacidades materiais, distinguir seus adversários e muitos fatores mais. É importante notar que para além do mais imediato bloqueio às rodovias, as massas fascistas também estão promovendo diversas ações de agressão direta a sedes partidárias e de comitês da esquerda, a trabalhadores e estudantes mesmo sem estarem estes estarem em disputa com os bolsonaristas, e até listando comércios cujos donos/trabalhadores tem posicionamentos políticos contrários a eles; quanto tempo mais até essa listagem partir para linchamento direto de quem está nesses estabelecimentos, como faziam os fascistas na década de 30? Que fique claro, o atual momento é, no “programa mínimo” deles, um ensaio geral para as ações de massas daqui para frente, e só tende a crescer e a se sofisticar à medida que tateiam e mapeiam os resultados de suas ações políticas. 

Por outro lado, também é importante notar que os próprios setores burgueses e pequeno-burgueses seguem divididos quanto às ações bolsonaristas, resultando imediatamente no baixo crescimento destas, principalmente porque vários bloqueios afetam também seus interesses materiais, como a falta de suprimentos materiais para o trabalho nos mais diversos ramos, a impossibilidade de acesso dos trabalhadores a seus locais de trabalho em algumas cidades, e especialmente a paralisação do fluxo de mercadorias em algumas regiões. Esta contravenção no atendimento aos interesses da classe dominante deve nos lembrar que os patrões só podem fazer greve por um tempo limitado, e isso de modo geral vai contra sua classe. Essas ferramentas pertencem à classe trabalhadora, e não nos cabe usar do vocabulário “arruaceiros e baderneiros” e defender que as instituições de repressão do Estado desmontem piquetes, já que esse vocabulário será muito em breve voltado contra nossa classe em movimentações futuras; é dar legitimidade ao desarmamento dos trabalhadores. O que nos cabe é explicitar aos trabalhadores as contradições mais imediatas na luta de classes, levantando as questões como demonstra exemplarmente este vídeo.

Não que as preocupações de alguns em nossa trincheira não sejam legítimas: realmente é muito arriscado, com as debilidades de organização e coesão de nosso movimento, ir diretamente ao enfrentamento com tais grupos. Mas isso não pode se refletir numa abstenção à luta: se tal tática nos é arriscada demais e pode ser mais maléfica que benéfica, mudemos de tática. Aquele que se abstém da luta por não conseguir uma mudança tática demonstra enorme fraqueza e arrisca perder a guerra. O que nos impede de promover manifestações constantes todo fim de semana daqui até janeiro (e mesmo depois, se necessário) em defesa da democracia e contra o golpismo, com um forte esquema de segurança revisado e envolvendo multidões maiores do que estamos acostumados, mas que garanta o nosso espaço nas ruas e demarque a posição da classe trabalhadora de que o fascismo realmente não passará? Algumas ações espontâneas de nossa classe já apontam nesse sentido, como a liberação das rodovias em Angra dos Reis pelos trabalhadores do estaleiro Brasfels. Mas num momento em que a classe trabalhadora clama por uma ação nesse sentido, a pequena burguesia vacilante e seus partidos clamam por ficar nos seus sofás à espera das instituições resolverem tudo.

Mauro Iasi a poucos dias fez uma brilhante análise sobre as grandes divisões de nossa conjuntura, discorrendo sobre como a presente fratura exposta na sociedade brasileira não tem em si um caráter imediatamente classista, mas se aproxima mais de uma divisão entre aqueles que respeitam as instituições democráticas e aqueles que preferem legitimar seus interesses (esses sim, de classe, mas contando com uma multidão de enfeitiçados entre a classe trabalhadora) através de uma ruptura. Lembro bem de ler sobre um distante conflito entre 1936-39 envolvendo um grande campo com pouca coesão de classe e de interesses para além da defesa das instituições, em choque com um campo claramente fascista e crescentemente coeso. É interessante lembrar também que em terra arrasada pouco fazem as instituições, e que o fator de união entre o primeiro campo, neste conflito, foi se degradando com cada bomba que explodia, e terminou com uma vitória dos que empunhavam bandeiras cristãs, nacionalistas e anticomunistas, de deus, de pátria e de liberdade.

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