Escravidão, Raça e Capitalismo na formação do Estado Brasileiro 

Por Caíque Duarte Mariano Cordeiro  

I. Introdução

Durante o século XX o mundo se deparou com o surgimento dos chamados “novos movimentos sociais”,  dentre esses movimentos, a questão racial ganhou uma nova dimensão e espaço no debate social. No período de 1950-1980, Brasil e os Estados Unidos protagonizaram a efervescência dos movimentos negros; nos anos sessenta, a sociedade norte-americana regida sob uma estrutura de segregação racial com embasamento legal, deparou-se com o surgimento do Movimento por Direitos Civis, no qual o pastor Martin Luther King Jr. – assassinado em 4 de Abril de 1968 – era uma figura de liderança que acreditava na via pacifista e legal para a obtenção dos direitos à comunidade afro- americana. Para além do movimento pacifista, em 1966 é fundado o Partido dos Panteras Negras, um movimento político e social formado por pessoas negras e que tinha como horizonte a emancipação dos negros através da via revolucionária e socialista nos EUA, dentre os membros importantes desse movimento que são reconhecidos atualmente, são Angela Davis, filósofa marxista, e Fred Hampton, revolucionário e vice-presidente do partido. 

O Brasil também foi palco da criação de movimentos negros que lutavam e lutam até hoje  pelo fim do racismo que estrutura a sociedade brasileira, entre eles temos a experiência do Movimento Negro Unificado (MNU) fundado em 1978, que lutava não apenas pela formação de uma unidade e solidariedade racial entre a população negra brasileira, e mais, denunciava no contexto da ditadura empresarial-militar (1964-1985) a violência sofrida pelas pessoas opositoras ao regime autoritário e principalmente à violência policial específica sofrida pelos negros através dos aparatos de repressão do Estado brasileiro. 

Tomando o século XIX como contexto de formação das identidades nacionais, tanto os Estados Unidos, quanto o Brasil estavam imersos e estruturados pela ideologia  do liberalismo clássico desenvolvido na Europa do século XVIII e XIX, para além disto, tiveram que lidar com a questão racial, principalmente o lugar do negro na sociedade de ordem liberal. Neste sentido, surgem, na sociedade contemporânea, disputas políticas e linguísticas acerca do legado do período do Império do Brasil e, principalmente, sobre a questão do liberalismo brasileiro oitocentista como um projeto de modernização e de racionalidade econômica. 

Desta forma, este trabalho surge como uma pequena tentativa de munir o movimento negro brasileiro apresentando o debate historiográfico acerca do liberalismo e do processo de  racialização que o liberalismo precisou concretizar para poder exercer-se em plenitude.  Para este texto, serão utilizados como referenciais teóricos alguns autores da escola da “segunda-escravidão”, como Tâmis Parron, Rafael Marquese, Ricardo Salles, Dale Tomich; para além destes autores, serão articulados para o debate acerca do liberalismo político a partindo dos trabalhos de Miriam Dolhnikoff,  Maria Odila. 

II. Referencial teórico

A partir da conceituação de Eric Hobsbawm do período equivalente ao tempo que está entre a revolução francesa (1789) até a Primeira Guerra Mundial (1914), como o “longo século XIX”. Do ponto de vista dos acontecimentos políticos, podemos, também,  combinar essa categoria com a visão econômica do economista Giovanni Arrighi e os Ciclos Sistêmicos de Acumulação (CSA).  Com base na teoria dos CSA, podemos colocar o longo século XIX de hobsbawm compreendido no ciclo de acumulação de hegemonia do capital britânico. 

É necessário fazer este apanhado teórico-metodológico partindo do sociólogo Immanuel Wallerstein e da análise do sistema-mundo e do sistema interestatal –  que servirá de inspiração e referencial teórico para este trabalho – para podermos traçar um panorama dos principais acontecimentos do liberalismo no século XIX e articularmos essa análise com a formação e a inserção do Estado brasileiro no sistema-mundo e seu lugar na cadeia mercantil.  

III. O Atlântico no Ciclo de Acumulação Britânico

Os Estados europeus na transição do século XVIII-XIX passaram por grandes mudanças estruturais de diversas ordens. Tais mudanças podem ser expressas através  dos pontos de vista político, social  e econômico; para além dos Estados do continente europeu em si, as áreas periféricas e coloniais destes mesmos Impérios coloniais, também passaram por mudanças e processos de ruptura política, que consequentemente, alteram e reconfiguram , de modo sistemático, as estruturas vigentes do sistema-mundo moderno. 

O acontecimento social que transformou as estruturas  e os horizontes de expectativas do sistema europeu na Era Moderna foi a Revolução de 1789 na França. A revolução Jacobina representou a tomada do Estado francês por parte da classe burguesa, o que representou, a partir de uma interpretação wallersteiniana, uma mudança no padrão de acumulação de riqueza e de poder na Europa Ocidental, isto é, a depois da revolução, o Estado francês passou a ser o principal agente de acumulação de capital. Para além do fator econômico da Revolução, houve grandes impactos  de ordem política na Europa; o maior expoente deste processo é a ascensão da ideologia política do liberalismo. 

Os ideais liberais advindos da ilustração, cristalizaram-se no processo de modernização dos Estados europeus no século XVIII-XIX; a França como expoente deste processo materializou o ideário liberal a partir do espírito da constitucionalidade e da defesa da propriedade, quando tornou-se uma monarquia constitucional (1789-92). Junto ao “pacote” liberal da proposta de monarquia constitucional, a revolução também inaugurou a categoria de cidadania, ou seja, a qualidade jurídica que dota os indivíduos de direitos políticos e civis.  

O espírito francês liberal do constitucionalismo e da cidadania ultrapassou as fronteiras do continente europeu e transbordou para as regiões coloniais do Estado francês. A colônia francesa de Saint Domingue era uma grande área de plantation açucareira, na qual a população era formada por cerca de 90% negros escravizados, 5% negros livres e 5% brancos; a caracterização demográfica da colônia é de extrema importância devido ao arranjo político que a França ilustrada e liberal dará ao tratar das áreas coloniais em seu constitucionalismo. 

As colônias francesas eram redigidas sob o decreto Code Noir, no qual as condições das comunidades negras livres eram controladas e cada vez mais restringidas principalmente no que tange à representação política no processo revolucionário da metrópole. Enquanto os revolucionários brancos na França clamavam por liberdade, igualdade, fraternidade e, em especial, propriedade; as pessoas negras nas áreas coloniais perdiam cada vez mais a representação política, e os sujeitos escravizados, vistos como propriedade, não eram inseridos no cálculo político do liberalismo clássico: 

“Como a propriedade é um direito inviolável e sagrado, ninguém pode ser privado, a não ser quando a necessidade pública legalmente comprovada o exigir e sob condição de justa e prévia indenização.” FRANÇA,  Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão. Artigo 17, 1789. 

Partindo da insatisfação generalizada das comunidades livres de cor em Saint Domingue e dos negros escravizados, durante os anos de 1791-1804, houve a maior revolução anti-escravista das Américas, na qual centenas de negros escravizados, baseados na própria retórica do liberalismo europeu que justificava o cativeiro, alteraram os quadros políticos do ocidente. Em 1804, Saint Domingue comandada pelo revolucionário Jean Jacques Dessalines torna-se um território independente da França, no qual a instituição da escravidão é abolida oficialmente para a eternidade, tornando-se Haiti. 

A experiência revolucionária haitiana reestruturou a organização do sistema-mundo moderno, no qual as estruturas das cadeias mercantis de mercadorias primárias, como o açúcar haitiano, produzido pelo trabalho escravo, passaram a se rearranjar em novas áreas produtivas em um sistema de relação centro-periferia, como a ascensão do Brasil, Cuba e Estados Unidos como Estados com uma especialização produtiva nos mercados mundiais. 

IV. O liberalismo e a formação do Estado Nacional brasileiro 

No contexto da Era das Revoluções, a Europa do início do século XIX passou pelo advento do golpe do 18 de Brumário, no qual Napoleão representou a consolidação do poder político burguês que caracterizou o período. O bonapartismo representou a tentativa de enfrentamento à hegemonia capitalista inglesa na Europa, a partir da prática da expansão territorial e da utilização das guerras como fator de conquista forçada de poder político e econômico. 

O ímpeto imperialista da Era Napoleônica, como já é sabido, chegou ao território português na primeira década do século XIX, causando o deslocamento da corte portuguesa para a sua colônia mais produtiva do ponto de vista de exploração de plantation, o Brasil. A corte joanina, apoiada financeiramente pelos acordos com o Império Britânico, lançou-se ao mar e desembarcou em 1808 no Rio de Janeiro; este processo de deslocamento do centro político do império português foi amplamente analisado na produção historiográfica, um dos clássicos do pensamento histórico acerca do processo de enraizamento da estrutura burocrática na colônia é o estudo da historiadora Maria Odila Leite da Silva a partir do conceito de “interiorização da metrópole”, isto é, de modo conjunto ao deslocamento da administração do Império, a corte bragantina teve que levar os pressupostos da ilustração portuguesa para a colônia, que passaria a ser a metrópole do próprio império. 

De acordo com o historiador Tâmis Parron, baseando-se no conceito de temporalidade koselleckiano, a vinda da família e da corte portuguesa para o Brasil, acelerou o tempo histórico da formação de um movimento de independência, isto se deve ao caráter conjuntural de “união” entre a elite ilustrada portuguesa com a elite mercantil do Rio de Janeiro, que visavam expandir o tráfico de africanos escravizados e garantir um processo de independência não-revolucionário, como o processo haitiano.  

Seguindo o curso dos acontecimentos principais da consolidação da ideologia política do liberalismo na formação do Estado brasileiro, o processo de independência do Brasil é um marco de virada na história. A historiadora Miriam Dolhnikoff, assim como Tâmis Parron, utilizaram das teorias das ciências políticas e afirmaram que o liberalismo brasileiro teve o seu primeiro esboço fora do território do Brasil. Segundo os pesquisadores, o primeiro contato com o liberalismo deu-se após a experiência da revolução liberal do Porto (1820), na qual após a desocupação das tropas francesas de Portugal, os ingleses tomaram o controle político e militar do Estado, enquanto o monarca português, Dom João VI estava no Rio de Janeiro. 

A revolução do Porto reivindicava o retorno de Dom João VI para Portugal, assim como a promulgação de uma constituição burguesa, na qual o regime político deixaria de ser de caracterização de “Antigo Regime”, e passaria a ser uma monarquia constitucional, com a presença do parlamento, Os liberais do Porto conseguiram convocar o que ficou conhecido como o processo histórico das “Cortes de Lisboa” (1821-22) e o retorno de Dom João VI para Portugal, no qual deputados portugueses e “brasileiros” discutiram os rumos da administração ultramarina do império português. Vale ressaltar que para os interesses da elite portuguesa, a melhor opção para Portugal era a recolonização do território brasileiro com a prática do estrangulamento dos portos da colônia e do retorno ao exclusivo colonial que a elite portuguesa tinha com os comerciantes e escravistas brasileiros. 

No contexto das Cortes de Lisboa, os representantes das províncias brasileiras lutavam contras as os decretos de recolonização por meios militares e administrativos por parte dos portugueses ao brasil: 

“[…] 1. Em todas as Provincias do Reino do Brazil, em que até o presente havião Governos independentes, se crearáõ Juntas Provisorias de Governo, as quaes serão compostas de sete Membros naquellas Provincias, que até agora erão governadas por Capitães Generais; a saber, Pará, Maranhão, Pernambuco, Bahia, Rio de Janeiro, S.Paulo, Rio Grande do Sul, Minas Geraes, Matto Grosso e Goyazes; e de cinco Membros em todas as mais Provincias, em que até agora não havia Capitães Generais, mas só Governadores, incluidos em hum e outro numero o Presidente e Secretário.” PORTUGAL,  artigo n 124, § 1. in: Gazeta extraordinária do Rio de Janeiro. 1821. 

Os liberais portugueses, em parte, conseguiram o que queriam: o retorno do rei a Portugal em 26 de Abril de 1821; entretanto, os anseios de recolonizar o território do “Reino do Brazil” não foram bem sucedidos. Ao voltar para Portugal, a corte Joanina deixa o filho do monarca, Dom Pedro, como príncipe regente do Brasil; este movimento frustra as elites portuguesas, mas fortalece os laços entre as elites agrárias e escravocratas brasileiras com a coroa portuguesa, representada por Dom Pedro. Neste sentido, o liberalismo advindo das Cortes de Lisboa e da Revolução do Porto acelerou o processo de união entre as elites brasileiras e a coroa, e por consequência, o processo de independência do Brasil. 

V. Um Brasil (in)dependente 

A ideologia liberal na Europa angariou para si a forma política de monarquia parlamentar a partir, principalmente, do dispositivo legal da  constituição. O Estado do Brasil, fruto da ilustração portuguesa, não deixaria de consolidar-se como um Estado Nacional através da criação de uma constituição na qual haveria leis que ordenassem a sociedade brasileira. Em 1824, o Estado brasileiro viu-se diante da sua primeira constituição liberal, e tornou-se o Império do Brasil, com o governante Dom Pedro. 

Um dos pilares principais do contrato constitucional é a forma política da relação entre a sociedade e o Estado; enquanto no Antigo Regime esta relação dava-se pela relação senhor-súdito, a partir do constitucionalismo se dá a relação governante-cidadão, mas quem é cidadão no Brasil de 1824? Esta pergunta é fundamental para entendermos os mecanismos de controle social, e por consequência, racial, que estavam presentes na formação do Estado brasileiro e que perduram até a atualidade. 

De acordo com o historiador Tâmis Parron em seu livro  “A política da escravidão no Império do Brasil 1826-1865”, a constituição de 1824 foi caracterizada por marcadores sociais de divisão de categorias de agentes políticos (cidadãos) e de sujeitos que não tinham nenhum direito político, como escravizados e livres. Baseando-se no direito liberal à propriedade, a constituição  assegurou o direito à propriedade e incorporou a cidadania aos indivíduos do Império e aos negros livres que foram nascidos em território brasileiro. Nesta obra, Parron conclui que as categorias de divisão de tipificação jurídicas não foram baseadas em critérios raciais, entretanto, isto não passaria de uma ideologia que formaria um mito da democracia racial no Império do Brasil, já que haveria, portanto, uma formação de hierarquias sociais e de cidadania, mas uma certa unidade na questão nacional e racial. 

Seguindo o traçar de uma linha do tempo dos eventos mais importantes e decisivos do Império do Brasil e sua relação com a ideologia liberal, após a promulgação da constituição de 1824, o Brasil, inserido no contexto do sistema-mundo, passou a responder e ser atravessado institucionalmente pelos movimentos do sistema-mundo e da  acumulação capitalista britânica. 

A hegemonia britânica, no contexto da Revolução Industrial, adotou uma inversão no padrão de acumulação capitalista; seguindo o texto de Tâmis Parron, a Inglaterra no século XIX, transacionou de uma acumulação baseada no poder político colonial e passou a disputar o poder econômico na circulação de mercadorias, adotando, principalmente medidas imperialistas de dominação. Tal mudança do padrão de acumulação fez com que a Inglaterra a partir da consolidação industrial no oitocentos passasse a defender uma agenda abolicionista para além dos seus territórios coloniais. Esta mudança foi resultado da tentativa de expansão do mercado consumidor dos produtos produzidos pela própria Inglaterra, neste sentido, o Império do Brasil sofreu durante todo o século XIX pressão por parte da Inglaterra para a abolição da escravidão.

Em Abril de 1831 Dom Pedro I abdicou do trono por consequência de diversos conflitos entre a coroa e parte das elites brasileiras e portuguesas, principalmente no que tange à influência da Inglaterra na questão da escravidão, na qual em 1826 fez com que o imperador se comprometesse com a abolição do tráfico de escravizados para o Brasil. Com a renúncia do trono por parte de Pedro I, o seu filho, Pedro de Alcântara, tornou-se príncipe regente do Império do Brasil; entretanto, para a coroação de Pedro II acontecer ele deveria alcançar a maioridade, visto que foi nomeado como príncipe regente ainda em sua infância. O período de 1831-1840, foi o interregno entre  a abdicação de Pedro I e a coroação de Pedro II, e ficou conhecido como Regência. 

A historiografia divide, classicamente, este período regencial em duas etapas: o avanço liberal e o regresso conservador. Podemos interpretar o período regencial do Avanço liberal como a expressão máxima das ideias liberais ilustradas na política imperial; durante 1831-1836, os Liberais do Partido de nome homônimo, fizeram diversas reformas constitucionais, como por exemplo a descentralização do poder judiciário e legislativo, e a medida mais influente: a lei de 1831, que consagrava as promessas de Dom Pedro I e abolia o tráfico de africanos escravizados para o território brasileiro, que de acordo com Tâmis Parron foi de fato reduzido em grande parte.

Entretanto, o período do Avanço foi repleto de revoltas comandadas por setores das elites, e também por grupos de escravizados, como a Balaiada e a Revolta dos Malês.  Neste sentido, com a sociedade imperial passando por diversos conflitos, os liberais perderam poder político e o Estado Imperial foi tomado por uma classe senhorial representada por políticos conservadores, que eram integrados por fazendeiros e senhores. Desta forma, como indica o historiador Ilmar Mattos, o Estado Imperial teve sua formação ao mesmo tempo da criação de uma classe dominante que utilizava deste Estado para a realização de seus interesses políticos, que ficaram conhecidos como Saquaremas.

A consolidação da hegemonia Saquarema deu-se simultaneamente ao processo de desenvolvimento da expansão (ilegal) cafeeira da primeira metade do século XIX. Esta expansão deveu-se ao contexto da revolução industrial ocorrida na Europa, fazendo com que o café torna-se um dos principais agentes estimulantes de produtividade operária por parte dos capitalistas  europeus. O Vale do Paraíba fluminense foi o epicentro da produção do café baseado no trabalho escravo, este fenômeno ficou conhecido na historiografia como Segunda Escravidão, conceito desenvolvido pelo historiador Dale Tomich, no qual apresenta que no contexto das revoluções burguesas no continente europeu e do Norte dos Estados Unidos, fez com que o trabalho assalariado se tornasse hegemônico, mas baseado na produção de mercadorias primárias nas áreas periféricas a partir do modo de produção de plantation

Em 1840, Dom Pedro II assumiu o trono do Império do Brasil a pelo processo que ficou conhecido como “golpe da maioridade”, no qual os liberais apoiaram-no para tomar o poder. Entretanto, o período de Pedro II, conhecido como segundo reinado, foi um momento de consolidação política do Estado Imperial, e também, de consolidação da escravidão como principal motor econômico do Estado.

De acordo com o historiador Ricardo Salles, após a lei Feijó  (1831) que proibia o tráfico de africanos escravizados para o Brasil até a proclamação da Lei Eusébio de Queiroz, que proibia, de fato, o tráfico, cerca de 650.000 africanos escravizados foram contrabandeados da Costa do continente Africano para o Brasil de forma ilegal.

VI. Conclusão

Podemos concluir que a formação do Estado Imperial do Brasil, foi feita através de um processo de longa duração a partir das mudanças políticas que aconteceram no Atlântico. É preciso evidenciar o papel do liberalismo, que através do ideário de constitucionalismo, fez  com que os Estados europeus da centralidade do sistema capitalista se desenvolvessem industrialmente às custas do recrudescimento da escravidão em certas localidades periféricas do Atlântico, como o Brasil com a produção de café, Cuba com a produção do açúcar e o sul dos Estados Unidos com as plantations de algodão. 

É necessário entendermos a construção do Brasil partindo da visão do sistema-mundo para termos uma visão da totalidade da inserção do Brasil na economia-mundo como um Estado subordinado à divisão internacional do trabalho, no qual a função é de produzir matérias-primas para o mercado mundial a partir do trabalho forçado, da tortura e da privação de direitos de sujeitos negros. Esses sujeitos que tinham subjetividades, desejos, famílias, medos, felicidades, mas que foram reduzidos a mercadorias e ferramentas de trabalho. Neste contexto, o trabalho de pesquisa em história do Brasil e do período da formação do Estado Imperial deve ser abertamente não-neutro, é dever entender os processos de longa duração que formam o nosso cotidiano, e entre eles, com certeza está a ideologia do liberalismo e o racismo, os dois como dispositivos de dominação e violência. 

Referências bibliográficas:

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 DIAS, Maria Odila Leite da Silva. A interiorização da metrópole e outros estudos. 2ª ed. São Paulo: Alameda, 2009.

DOLHNIKOFF, Miriam. História do Brasil Império. 5 ed. São Paulo: Contexto. 2022. 

 HOBSBAWM, Eric. A era dos impérios / Eric J. Hobsbawm, tradução Sieni Maria Campos e Yolanda Steidel de Toledo; revisão técnica Maria Célia Paoli. — Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1988

 MARQUESE, R. SALLES.R. Escravidão e capitalismo histórico no século XIX. Civilização Brasileira, 2016. 

 MATTOS, Ilmar Rohloff de. O tempo Saquarema: a formação do estado imperial. 5. ed. São Paulo: Hucitec, 2004.

PARRON, Tâmis. A política da escravidão no Império do Brasil 1826-1865. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira. 2011

 TOMICH, Dale. in: MARQUESE, R. SALLES.R. Escravidão e capitalismo histórico no século XIX. Civilização Brasileira, 2016.

 WALLERSTEIN, Immanuel.The Modern World-System III: the second era of great expansion of the capitalist world-economy, 1730-1840s.University of California Press. 2011.

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