Por Daniel Alves Teixeira, membro do CEII
“E, de outro lado, é igualmente recorrente nos debates de esquerda o problema da “unidade”, de “unificação” dos movimentos e convergência das lutas, que classicamente encontrava suas imagens na forma-Partido ou na organização classista, normalmente conclamadas como resistência às ascensões fascisizantes. Curioso notar, neste ponto, que a tal da “unidade” está entre uma das principais características do Estado para a teoria geral do direito, Estado este que, na maior parte das vezes, é visto como o inimigo a ser derrotado (ou conquistado?) pela esquerda. Talvez seja por isso que David Harvey, em entrevista publicada neste blog, afirma que “de uma perspectiva macro, qualquer modo de produção tende a gerar um tipo de resistência bastante distinto, que é uma curiosa imagem espelhada de si mesmo.” Ou seja, parece que uma sociedade dividida tem sempre de aspirar ao Um. Mas será que tem mesmo de ser sempre assim?”
Do excesso a moderação
É um lugar comum de nossa ideologia cotidiana, pelo menos no que poderíamos chamar de ideologia de “esquerda”, a representação do capitalismo como o lugar da ganância, do egoísmo, do excesso e da produtividade centrada na acumulação incessante. E também podemos dizer que muitas vezes faz parte deste tipo de abordagem atribuir tais características do capitalismo ao estado anímico e psicológico de pessoas tidas como detentoras do poder ou beneficiárias diretas do sistema capitalista, entendendo-se assim que o sistema econômico predominante seria resultado ou expressão direto destes estados, dos mecanismos libidinais e desejos destes agentes sociais. Ou seja, para este tipo de abordagem, existiria uma certa simetria ou relação dialética entre as formas de desejar dos sujeitos e as formas econômicas e políticas que nossas sociedades adotam.
Apesar de podermos afirmar que um desenvolvimento mais teórico e filosófico desta relação entre sistema econômico e libidinal ter ocorrido somente no século XX, através da Escola de Frankfurt, principalmente através de Herbert Marcuse, é interessante notar como na arte e na literatura do século XIX já existiam inúmeras obras e intervenções que abordavam diretamente esta questão da relação entre os diferentes formas de desejo dos indivíduos e suas repercussões em suas relações sociais, em seus processos de identificação, durante o período de grandes convulsões e transformações ocorridas durante a evolução do sistema capitalista. Para ficarmos em alguns breves exemplos, David Harvey, em seu livro Paris, Capital da Modernidade, explorando as diferentes repercussões políticas e econômicas das aceleradas modificações por que passava a Paris do século XIX, traz duas gravuras de autoria de Daumier:
David traz o seguinte comentário para esta gravura:
“A notável charge ‘O burguês e o proletário, de Daumier, capta a distinção que muitos na época consideravam fundamental. O burguês, estático e gordo, avaramente fita as mercadorias na vitrine da loja, enquanto que o trabalhador, magro e em movimento, examina com determinação um jornal (a imprensa dos trabalhadores?) em busca de inspiração.”[1]
Esta é outra charge trazida por David Harvey, que assim a comenta:
“Gargântua, (1834), de Daumier, capta de forma muito literal a ideia do corpo político e apresenta um Luís Felipe I estufado, sendo alimentado por um exército de empregados enquanto protege alguns parasitas burgueses sob o trono. Esta charge custou a Daumier seis meses de prisão.”[1]
E muitos outros exemplos poderiam ser buscados, ainda no livro de Harvey, como a imagem que retrata a Bolsa de Valores como “um antro de vampiros.”[2] Assim, já na Paris do século XIX, esta noção do caráter excessivo e exploratório da pulsão capitalista era sentido e, de uma forma ou de outra, subjetivado e expressado culturalmente pelos indivíduos da época. Gravuras como estas demonstram que já naquele tempo se sentiam e se expressavam artisticamente as contradições de um sistema de produção que somente poderia se manter através da contínua exploração de uma parte da população e da circulação e acumulação ininterrupta da mais-valia. E ainda hoje estas figuras nos parecem bastante atuais, de certa forma nos sentimos ainda contemporâneos dos problemas que marcaram uma Paris em acelerado processo de urbanização e industrialização.
Atualmente, esta questão da “excessividade” do sistema capitalista tem sido bastante abordada pelos teóricos lacanianos através da relação entre o imperativo superegóico de gozo e a chamada sociedade do consumo. A sociedade atual tem como uma de suas principais características a constante criação de mercadorias, anúncios e publicidades que incentivam e fomentam a busca incessante pelo prazer, nas suas mais diferentes formas. Com a consolidação da política neoliberal e a consequente mercantilização progressiva dos mais variados setores da sociedade, estaríamos então passando para uma nova configuração do supereu. Ao invés da ordem repressiva e inibidora do pai freudiano, aparecerá o mandamento incondicional e obsceno de jouissance a qualquer custo do pai primitivo. Como analisa Vladimir Safatle:
Fundamentalmente, significa dizer que a identificação do sujeito com os tais tipos será introjetada através de um supereu não mais vinculado à repressão, mas ao imperativo de gozo. Daí porque Lacan pode afirmar que: ‘o supereu se origina deste pai original mais do que do místico, deste apelo como tal ao gozo puro, ou seja, pelo apelo também a não-castração: Goza!’ Os processos de socialização tendem assim a não estarem mais vinculados a mecanismos de repressão, mas a mecanismos que cobra a gratificação irrestrita.[3]
A charge “Gargântua” de Daumier nos parece um excelente exemplo do que seria esta nova estrutura do supereu obsceno, nunca satisfeito, sempre sedento por mais e sem restrições ou reservas morais de qualquer tipo em seu desejo de gozo, como espectro da subjetividade capitalista. Contudo, perseguindo esta importante análise da psicanalise, que pode ainda levar a muitos e interessantes desenvolvimentos sobre a subjetividade no capitalismo, pensamos ser importante nos perguntarmos, seguindo alguns apontamentos já feitos por Slavoj Zizek e Alenka Zupancic, se é mesmo exatamente desta forma que o imperativo de gozo tem sido articulado no discurso dominante, ou se uma aproximação mais acurada da ideologia hoje dominante não pode nos demonstrar uma economia libidinal mais complexa ou contraditória no seio do capitalismo tardio.
Isto porque, de uma forma um tanto quanto paradoxal, o que temos visto nos recentes anos de neoliberalismo é um crescimento cada vez mais maior de um apelo generalizado para a “moderação” e o “equilíbrio”, em diversos aspectos da vida cotidiana. O apelo ao consumo e ao gozo é imediatamente acompanhada de um alerta sobre os riscos do “excesso” e do uso “desmedido” dos produtos oferecidos, que devem então ser utilizados em medida adequada. E neste sentido que nos aponta Alenka Zupancic ao afirmar que o que caracterizaria a sociedade capitalista atual não seria exatamente uma ordem permanente e incondicional ao gozo, mas, algo mais sutil, uma prescrição ambígua e confusa de gozo e abstinência:
“E não seria “gozo sem gozo” precisamente a fórmula prescrita para gozar em nossas sociedades? Doces sem açúcar, assados de porco sem gordura, café sem cafeína – esses são todos excelentes exemplos da imitação de mais-gozar no sentido mais literal do termo. Eles também são ótimos exemplos de um curto-circuito entre gozo e abstinência, tão característica das economias capitalistas.”[4]
Podemos citar ainda, entre outros, como exemplos deste “curto-circuito entre gozo e abstinência” o recorrente tema da alimentação “balanceada” e da busca pelo peso e corpo “ideais” , a busca pela harmonia na relação trabalho/lazer, onde a carga de trabalho deve ser pontuada com lazer ou exercícios físicos que combatam o stress, e podemos citar ainda algumas formas menos aparentes mas igualmente contraditórias de incitação ao gozo “moderado”, como o torcedor de futebol que deve ser igualmente fanático, como outrora, porém consciente e racional ao mesmo tempo. A palavra de ordem é equilíbrio para uma vida mais longeva, um balanceamento preciso do prazer e do dever para proporcionar uma existência tranquila.
Ou seja, uma lógica, ou o que podemos chamar de uma economia libidinal, que à primeira vista se entenderia como sendo oposta a do capitalismo, com sua propensão natural à incessante busca por mais, passa a ganhar força, pelo menos no que tange à esta articulação ideológica, dentro do próprio sistema capitalista. Nestes tempos de “crise” o que não faltam são aparições constantes em jornais e sites de internet de experts e conselheiros financeiros que procuram ensinar como fazer um uso controlado e racional dos recursos creditícios, normalmente direcionando suas atenções para a população de baixa renda. Aqui, o lema é “educação financeira”, a busca pela relação ótima entre gastos e ganhos, a tão almejada “estabilidade financeira”. O gesto básico requisitado é a renúncia, o controle do desejo de consumo em face da necessidade econômica. O prestígio ideológico dessa noção é tão grande que mesmo uma presidente democraticamente eleita pode sofrer um impeachment em função de “pedaladas fiscais”, um crime de responsabilidade fiscal, espécie de “má administração financeira” ou “gastos exagerados e mal provisionados”.
E, talvez como uma das versões ideológicas mais importantes desta cultura do “equilíbrio”, temos a exigência pela “moderação” política, o mandamento contemporâneo de que devemos, na política, agir dentro dos limites das “possibilidades” e do “razoável”, para evitarmos as terríveis tragédias do século XX e seus inúmeros excessos políticos. Guerras, ditaduras, gulags, bombas atômicas e um número incalculável de mortos, para muitos a grande lição política que tiramos do século XX foi que o apego excessivo a ideias políticas leva invariavelmente a desastres assombrosos, de forma que devemos todos buscar a resolução dos problemas reais e deixar as perigosas ideologias de lado. Para tanto, a estrutura política almejada é a Democracia Parlamentar representativa, fundamentada no Estado de Direito, ordem social erguida em cima de uma racionalidade reconhecida e ideologicamente neutra (a lógica jurídica), em que o povo age diretamente através de seus representantes. Qualquer tentativa ou pensamento que pretenda ir para além desta estrutura, como fazem sempre questão de nos lembrar, rememorando os excessos do passado, pode redundar em catástrofe e anomia social.
De uma forma ou de outra, o ponto que tentamos demonstrar é que, desde a modernidade e a progressiva ascensão do capitalismo como forma social de produção dominante, este tem sido sempre associado com uma lógica de excesso, seja no campo da produção, com sua ânsia por ininterrupta atividade produtiva e acumulo de capital, seja pela imagem especular das subjetividades decorrentes de tal sistema, sempre associadas, de uma maneira de outra, com a desmedida, o exagero e o desejo exacerbado. Entretanto, a relação com este “excesso” que parece perseguir a subjetividade moderna é mais ambígua do que parece, como demonstra a ascensão recente de uma ideologia da moderação e da limitação dos excessos, que, ao invés de interditar o prazer como objetivo da práxis social, como em uma moral, digamos, clássica, incentiva-o diretamente mas, ao mesmo tempo, exige que o desfrute ocorra de forma controlada, racional, para evitar nocividades para a saúde e o bem-estar alheio.
Assim, nossos tempos seriam marcados por uma relação profundamente dúbia com este caráter “excessivo” que parece ser a marca característica da subjetividade moderna, em diferentes vertentes. E para tentarmos enxergar de uma forma um pouco diferente esta dimensão excessiva, pensamos que uma tentativa de esquematização de seu possível caráter ontológico pode ser de valia não só para uma outra vertente crítica ao capitalismo como também para uma crítica à noção mais comum do que se entenderia como A solução político/econômica para os problemas do capitalismo, o Comunismo.
A queda do “Um” e o excesso errante
Alenka Zupancic, companheira de Zizek na chamada escola lacaniana de Liubliana, chega a uma conclusão interessante em seu texto A quinta condição onde analisa a filosofia e a ontologia matemática de Badiou em sua articulação da questão do “Um”. Zupancic afirma que, para Badiou, algo realmente mudou na filosofia “logo após Hegel”, e que, apesar dele mesmo não abordar diretamente qual seria exatamente esta mudança, poderíamos afirmar, seguindo os passos da filosofia de Badiou, que a principal mudança seria a substituição da “Autoridade do Um” pela “Autoridade dos Múltiplos”. Ou seja, o que teria provocado esta virada filosófica pós-hegeliana seria uma transformação ou ruptura ontológica, não totalmente percebida ou explicitamente formulada pelos filósofos na época, em que a autoridade do Um foi substituída pela da multiplicidade. Daí então a afirmação badiouniana de que o Um não existe, não possui nenhuma consistência ontológica. Mas o que exatamente ocorreria com essa passagem da “Autoridade do Um” para a “Autoridade do múltiplo? Segundo Zupancic:
“O que acontece com a destituição da autoridade do Um é que o laço entre o Um e o múltiplo, o laço que estava lá em sua própria disjunção, dissolve. O resultado é que o excesso, como o próprio real do Ser, emerge como um elemento livre e flutuador e aparece na forma de um ‘desprendimento passional’. O que acontece não é que o excesso perde seu significante ou representação (uma vez que ele nunca realmente teve um), mas que ele perde sua ligação com o Um. Pode-se dizer que um espectro do excesso começa a assombrar a sociedade, em suas diferentes esferas; e sua forma “espectral” não é de modo algum insignificante.”[5]
Assim, com a queda da Autoridade do Um, o excesso que a então estava a ele ligado se “descola”, o que acaba repercutindo em diversas esferas das relações sociais. Mais à frente no texto, Zupancic afirma que este processo teria se iniciado na Revolução Francesa, continuado por todo o século XIX, chegando até os tempos atuais. E esta ruptura ontológica tem ligação direta com as profundas crises políticas e ideológica ocorridas durante o século XX. Revoluções, contra-revoluções, utopias e distopias, a queda do Um não foi seguida pelo reinado tranquilo da multiplicidade infinita (o que poderia fazer grata imagem à algumas mentes liberais), mas por sucessivas e ininterruptas convulsões sociais, políticas e econômicas.
De fato, o século XX parece ter sido exemplar nesse sentido, este século que Eric Hobsbawn chamou de “a era do extremo.” Saindo de um período áureo de desenvolvimento capitalista, onde tudo parecia levar a crer no crescimento progressivo da espécie humana iluminada pela razão e pela ciência, o século se inicia com o choque de duas grandes Guerras Mundiais, em que, por vários momentos, a derrocada final de toda a humanidade parecia inevitável. A dimensão “excessiva” ou traumática desses tempos de guerra total saídos dos pacíficos anos da belle époque é notável, afetando diretamente as subjetividades políticas até os dias de hoje. Nas palavras de Badiou, o século XX foi convocado como:
“ … século da produção, mediante a guerra, de uma unidade definitiva. O antagonismo vai ser superado pela vitória de um dos campos sobre o outro. Pode-se, pois, dizer também que, nesse sentido o século do Dois é animado pelo desejo radical do Um. O que nomeia a articulação do antagonismo é a vitória, como atestação do real.”[6]
Assim, a queda do Um, longe de “pacificar” a ordem social, deixa latente o antagonismo, a divisão inerente ao corpo social. Não à toa, o desespero ante o colapso social das grandes guerras animou no século XX um desejo pela volta da Autoridade do Um que teve como contrapartida político-ideológica o surgimento de órgãos como OTAN e Nações Unidas, a “unidade das unidades” com sua promessa de um governo global uno e moderado frente aos excessos políticos explosivos do começo de século. Posteriormente, a ascensão do Comunismo soviético, que também possuía em si suas pretensões ao Um, fez com que durante muito tempo o século passado fosse também o século do Dois, com a divisão do globo em capitalistas e comunistas. E então veio o declínio dos estados soviéticos, e a queda do muro de Berlim serviu como emblema de uma unificação global traduzida pela ideia de globalização, em verdade a difusão progressiva do capitalismo parlamentarista como única forma política aceitável.
Mas hoje podemos dizer que esse movimento de globalização está (ou sempre esteve) em crise, com novos e diversos conflitos emergindo em diversas partes do mundo, e que muitas das respostas políticas e ideológicas contêm, ainda que em formas variantes, algo de um apelo ao Um. De um lado, de “direita”, mesmo às vezes com nuances “esquerdistas”, o nacionalismo reaparece, com o velho apelo à unidade e à identidade nacional, junto do fortalecimento das instituições do Estado. É o exemplo do Brexit, da união nacional francesa sob ameaça terrorista, e mesmo do Brasil em tempos de crise política. E, de outro lado, é igualmente recorrente nos debates de esquerda o problema da “unidade”, de “unificação” dos movimentos e convergência das lutas, que classicamente encontrava suas imagens na forma-Partido ou na organização classista, normalmente conclamadas como resistência à ascensões fascistas. Curioso notar, neste ponto, que a tal da “unidade” está entre uma das principais características do Estado para a teoria geral do direito, Estado este que, na maior parte das vezes, é visto como o inimigo a ser derrotado (ou conquistado) pela esquerda. Talvez seja por isso que David Harvey, em entrevista publicada neste blog, David Harvey afirma que “de uma perspectiva macro, qualquer modo de produção tende a gerar um tipo de resistência bastante distinto, que é uma curiosa imagem espelhada de si mesmo.” Ou seja, parece que uma sociedade dividida tem sempre de aspirar ao Um. Mas será que tem de ser sempre assim mesmo?[7]
O que se evidencia, de qualquer forma, é que o tema da unidade, ou do “Um” que à primeira vista pode parecer simplório ou metafísica “irrealista”, possui presença nas articulações ideológicas e políticas, ressoando problemas de ordem ontológicas (e mesmo teológica) cujo aprimoramento teórico pode auxiliar em um modo diferente de abordar e dar continuidade à questão recorrente da relação entre o capitalismo, subjetividade e as expectativas de crítica e emancipação.
Por uma nova ontologia da economia política
Parece-nos, portanto, que o desafio é como repensar a existência ontológica do excesso, em sua relação com a política e a economia, e em suas repercussões subjetivas, sem com isso pensar estarmos abandonando um materialismo “rigoroso” para enveredarmos em questões “metafísicas” sem valor. O livro mais recente de Zizek lançado pela boitempo, O Sujeito Incômodo, é de certa forma uma provocação neste sentido, já que o tema do sujeito, que tem uma ligação direta com a questão do excesso, foi de certa forma abandonado pelas teorias pós-modernas que o refutaram como uma abstração fruto do idealismo reinante na filosofia moderna ou uma causa secundária “opressora” do sistema capitalista. Ou, como diz Zizek em outro livro,
“Portanto, a tarefa do pensamento atual é dupla: de um lado, como repetir a ‘crítica da economia política” marxista sem a noção ideológica-utópica do comunismo como padrão inerente; de outro, como imaginar um rompimento efetivo com o horizonte capitalista sem cair na armadilha de voltar à noção eminentemente pré-moderna de uma sociedade equilibrada, (auto)contida (tentação “pré-cartesiana” a que sucumbe a maior parte da ecologia atual.” [8]
Por sua vez, Zupancic destaca que
“até Marx foi tentado pela possibilidade de eliminar, de uma vez por todas, o elemento excessivo, desarmonioso da sociedade – o elemento no qual ele mesmo reconheceu sua verdade, seu real e seu sintoma.” [9]
Longe de ser um exercício filosófico abstrato ou vazio, pensar a ontologia pode servir de auxílio para avançarmos não só na teoria crítica do sujeito, como também em uma teoria da economia política e da organização cujo horizonte não seja simplesmente a criação de uma forma social plena e autossuficiente, uma tentativa de retorno ao “Um perdido”.
[1] Harvey, David. Paris: Capital da Modernidade – São Paulo, Boitempo, 2015, pág. 90
[2] Harvey, David. Paris: Capital da Modernidade – São Paulo, Boitempo, 2015, pág. 162
[3] Org. Christian Dunker, José Luiz Aidar Prado. Zizek Crítico: política e psicanálise na era do multiculturalismo. São Paulo, Hacker Editores, 2005,pág. 130.
[4] Zupancic, Alenka. When surplus enjoyment meets surplus value, publicado em Jacques Lacan and the other side of Psychoanalysis: Reflections on Seminar XVII – Editado por Justin Clemens e Russell Grigg, Durham e Londres, Duke University Press, 2006, pág. 172. (tradução livre)
[5] Zupancic, Alenka. The fifth condition, publicado em Think Again: Alain Badiou and the future of philosophy, Editado por Peter Hallward- Londres, Continuum, 2004, pág. 196 (tradução livre)
[6] Badiou, Alain. O século. Aparecida/SP, Ideias e Letras, 2007
[7] Neste ponto, faço remissão aos interessantes debates ocorridos neste blog a partir do texto “O fim da organização”, em especial os seguintes trechos da tréplica “Resposta a um camarada sobre O fim da Organização”: “Em ambos os casos, o que Marx sugere é que, sem “uma poderosa e coesa contrarrevolução”, não haveria unidade organizacional entre a classe proletária e “o partido da anarquia, do socialismo, do comunismo”, não haveria amadurecimento de um “partido verdadeiramente revolucionário”. Em ambos os casos, quem dá nome aos bois, ou coloca todo mundo junto no mesmo saco, são os nossos oponentes: sem o olhar vago e assustado do “partido da ordem”, que se insurge muitas vezes contra ameaças fantasmáticas – contra o “espectro” do comunismo mais do que contra seu avanço real – nós não conseguiríamos olhar para nós mesmos como uma coisa só.
A razão pela qual isso salta à vista é que essa operação, através da qual a unidade da esquerda se constrói pela mediação de um adversário, insiste em se repetir nos momentos mais enigmáticos da nossa história. Por exemplo, na dissolução da Terceira Internacional – no momento em que o Partido Comunista soviético unilateralmente (e paradoxicamente) dissolveu a Internacional em nome da necessidade de lutar contra o avanço do fascismo na Europa. Ou ainda, quando a unidade da esquerda brasileira parece ser tão mais desejada ou possível quanto mais avança o populismo retrógrado, contra o qual nós então nos insurgimos, unidos e de mãos (supostamente) limpas.”
[8] Zizek, Slavoj. O frágil absoluto, ou Por que vale a pena lutar pelo legado cristão – São Paulo, Boitempo, 2015, pág. 40.
[9] Zupancic, Alenka. The fifth condition, publicado em Think Again: Alain Badiou and the future of philosophy, Editado por Peter Hallward- Londres, Continuum, 2004. Pág. 197 (tradução livre)
[1] Harvey, David. Paris: Capital da Modernidade – São Paulo, Boitempo, 2015, pág. 88
*Esse texto é uma versão modificada do original apresentado no colóquio Psicanálise e Hipótese Comunista (2016, USP), em coautoria com Lilian Clementoni.