Por Vladimir Ilitch Lenin, via marxists.org, traduzido por Catarina Duleba
Em junho de 1906, os Socialistas-Revolucionários iniciaram uma campanha para reviver o Soviete dos Deputados Operários de São Petersburgo. Os mencheviques apoiaram essa ideia e os bolcheviques se opuseram a ela. Em 21 de junho (4 de julho) de 1906, o Comitê de São Petersburgo do Partido Operário Social-Democrata Russo (POSDR) adotou uma resolução que, depois de apontar o significado militante do Soviete dos Deputados Operários, observou que seu restabelecimento foi intempestivo e expôs a natureza provocativa da agitação dos Socialistas-Revolucionários. Essa resolução (publicada em Ekho, n. 5, 27 de julho de 1906) foi amplamente discutida nas reuniões e aprovada pela esmagadora maioria dos trabalhadores. O menchevique G. S. Khrustalev-Nosar, que foi presidente do Soviete dos Deputados Operários de São Petersburgo em outubro-novembro de 1905, se opôs à resolução do Comitê de São Petersburgo e defendeu a campanha dos SR. [NT]
Nesta edição, publicamos um artigo do camarada Khrustalev sobre a questão de saber se agora é oportuno formar Sovietes dos Deputados Operários. Não é necessário dizer que o nome do autor é uma garantia de seu conhecimento íntimo do assunto. Todos os trabalhadores de São Petersburgo estão cientes disso. Eles também estão cientes de que neste momento em particular o proletariado na capital está profundamente interessado na questão de saber se um Soviete dos Deputados Operários deve ser formado.
Nestas circunstâncias, a polêmica do camarada Khrustalev contra a decisão do Comitê de São Petersburgo do nosso Partido assume imensa importância.
Não podemos concordar com o camarada Khrustalev. Ele está completamente errado em defender a ideia dos Sovietes dos Deputados Operários em geral, e seu papel histórico no final de 1905, contra o Comitê de São Petersburgo, por assim dizer. Ele está errado em se recusar a colocar [a greve geral de] dezembro na conta do Soviete. Nós faríamos isso sem hesitação; mas nós, é claro, colocaríamos isso entre os “ativos” e não ao lado do “passivo”. Em nossa opinião, o maior mérito dos Sovietes dos Deputados Operários, e o que ainda está longe de ser plenamente apreciado, é o papel militante que desempenharam.
Mas o Soviete dos Deputados Operários era um tipo especial de organização de luta; e banalidades sobre a utilidade da organização não ajudará em nada a esclarecer a questão da utilidade de formar este tipo especial de organização no momento presente. “O Soviete era o parlamento revolucionário do proletariado revolucionário”, escreve o camarada Khrustalev. Muito bem. É esse papel, que de modo algum está confinado à técnica de luta, que é característica do Soviete. Suas funções como organizador de sindicatos, como iniciador de inquéritos, como Conselho de Conciliação, e assim por diante, eram bastante subsidiárias e secundárias. Pode-se facilmente conceber essas funções sendo cumpridas sem um Soviete. Mas dificilmente se pode conceber uma greve geral sem um comitê de greve de massas, apartidário. O Soviete foi chamado a existir pelas exigências da luta direta de massas e como um órgão dessa luta. Isso é um fato. É esse fato isolado que explica o tipo especial de papel e o real significado do Soviete. E é a esse fato que a palavra “militante” na resolução do Comitê de São Petersburgo se refere.
Ninguém sonharia em montar um Soviete dos Deputados Operários para instituir inquéritos, formar sindicatos e assim por diante. Formar Sovietes significa formar órgãos da luta direta de massas do proletariado. Estes não podem ser formados a qualquer momento; considerando que os sindicatos e os partidos políticos são sempre e absolutamente necessários. Eles podem e devem ser formados sob todas as circunstâncias. É um profundo erro, portanto, responder ao Comitê de São Petersburgo referindo-se à importância da organização em geral. Pela mesma razão, é também um erro se referir ao fato de todos os socialdemocratas apoiarem a ideia de formar comitês camponeses. Esses comitês estão sendo propostos em conexão com a discussão nacional da reforma agrária, em conexão com o movimento agrário que já está crescendo.
Mas esses comitês também podem levar a uma ação “prematura”! — diz o camarada Khrustalev ironicamente. O ponto principal, no entanto, é que no presente momento existe uma diferença importante entre as ações camponesas e as ações dos operários. Uma ampla ação camponesa não pode ser “prematura” na atualidade; mas uma ampla ação dos operários pode ser e muito. A razão para isso é clara. No desenvolvimento político, a classe operária está à frente do campesinato; e o campesinato ainda não alcançou a classe operária em preparação para a ação revolucionária nacional. A classe camponesa está alcançando a classe operária desde dezembro, e em grande parte como resultado de dezembro (não importa o que possam dizer os tímidos pedantes que tendem a subestimar a importância de dezembro, ou mesmo a repudiar dezembro). Ela alcançará a classe operária ainda mais rapidamente com a ajuda de comitês de terras locais. É certamente útil insistir na retaguarda que não conseguiu dar assistência à vanguarda na batalha anterior; e não há nada de arriscado nisso. Mas é muito arriscado insistir na vanguarda que não recebeu a assistência da retaguarda na batalha anterior; e devemos pensar com muito cuidado antes de fazer isso.
Agora é essa situação política peculiar que, em nossa opinião, o camarada Khrustalev não levou em conta. Ele está mil vezes correto em sua avaliação dos méritos e importância dos Sovietes em geral. Mas ele está errado em sua estimativa da situação atual e da relação entre as ações camponesas e as ações dos operários. Ele aparentemente esqueceu outra proposta feita pelo Comitê de São Petersburgo em outra resolução, a saber, apoiar a ideia de formar um Comitê Executivo representando os grupos de Esquerda na Duma com o propósito de coordenar as atividades das organizações livres do povo. Esse comitê poderia determinar com mais precisão o grau de prontidão e determinação do campesinato como um todo e, consequentemente, colocar a questão da formação de Sovietes dos Deputados Operários numa base prática. Em outras palavras: o Comitê de São Petersburgo está agora visando algo mais: não apenas formar organizações militantes do proletariado, mas também coordená-las com as organizações militantes do campesinato, etc. O Comitê de São Petersburgo está adiando a formação de Sovietes dos Deputados Operários na atualidade, não porque não consigam avaliar sua enorme importância, mas porque está dando margem a uma outra e nova condição para o sucesso que está agora muito em evidência, a saber, a ação conjunta dos camponeses e operários revolucionários. Assim, o Comitê de São Petersburgo não está se comprometendo e não está determinando as táticas do futuro de antemão. O Comitê de São Petersburgo está neste momento aconselhando a vanguarda: não entre na batalha, mas antes de tudo mande uma delegação para a retaguarda; amanhã a retaguarda se aproximará e o ataque ao inimigo será mais vigoroso; amanhã estaremos em condições de emitir uma palavra de ordem mais oportuna para a ação.
Para concluir. Falando em geral, o camarada Khrustalev avançou argumentos muito convincentes em favor da formação de Sovietes. Ele avaliou a importância geral destes com excelência. Seu principal objetivo era combater aqueles que fazem pouco do papel dos Sovietes, e a importância das ações revolucionárias em geral. Nisso, o camarada Khrustalev estava bem correto. Não há poucos “depreciadores” desse tipo, e eles não são encontrados apenas entre os Cadetes. Mas o camarada Khrustalev, sem contatos permanentes e próximos com o proletariado – devido aos esforços dos carrascos e dos promotores de progroms [massacres de judeus por bandos pró-czarismo] – não apreciou completamente a situação atual e a atual “disposição” das forças revolucionárias. Hoje, a vanguarda deve concentrar a atenção não na ação imediata, mas na consolidação e ampliação dos contatos mais próximos com a retaguarda e com todas as outras unidades.