Por Sandino Patriota
No ponto em que nos encontramos, com o carniceiro que ocupa a cadeira de presidente e os generais que estão ao seu lado decididos a promover as mortes e aparecer como os melhores defensores dos lucros dos banqueiros e monopólios, tornou-se impossível evitar o crescimento exponencial da letalidade. Isso só seria possível com a ação firme de um Estado nacional, decidido a apoiar e defender sua população, coisa que não estamos perto de ter no Brasil. É preciso tomar consciência desse fato no momento em que se discutem as ações de bloqueio total (lockdown), em algumas regiões, e de relaxamento parcial da quarentena, em outras.
No ponto em que nos encontramos, com o carniceiro que ocupa a cadeira de presidente e os generais que estão ao seu lado decididos a promover as mortes e aparecer como os melhores defensores dos lucros dos banqueiros e monopólios, tornou-se impossível evitar o crescimento exponencial da letalidade. Isso só seria possível com a ação firme de um Estado nacional, decidido a apoiar e defender sua população, coisa que não estamos perto de ter no Brasil. É preciso tomar consciência desse fato no momento em que se discutem as ações de bloqueio total (lockdown), em algumas regiões, e de relaxamento parcial da quarentena, em outras.
De uma lado, as ações de relaxamento da quarentena são, principalmente, um atentado contra os profissionais de saúde que na ponta seguram o maior peso dessa crise e verão os hospitais lotados com maiores riscos para sua profissão. Essas ações abrirão poucas novas vagas de emprego na medida em que permitirão que alguns lojistas vendam estoques que estão armazenados. Como indicam todos os dados, farão crescer o número de mortes em menor espaço de tempo.
De outro lado, o bloqueio total não alcança ser a solução no país em que milhões de trabalhadores precisam se humilhar em aglomerações na frente de um banco público para conseguir um auxílio emergencial no período de crise. Bloqueio total, no Brasil racista e profundamente desigual, só pode significar apartheid e confinamento em guetos da população mais pobre, sem comida e às vezes sem água em suas próprias comunidades. A depender do governo que o imponha, e o Brasil é pródigo em maus governos, pode se tonar uma carta de autorização para mais assassinatos e violência policial.
Aquilo que devia ser feito não foi, e o que precisa ser feito agora não será feito com este governo. Tampouco um processo de impeachment ou uma investigação via Supremo Tribunal irá caminhar de maneira rápida, de sorte que tenhamos outro governo ainda este ano para enfrentar a pandemia de outra maneira. Esta possibilidade está descartada porque os setores do campo popular que atuam no parlamento, em unidade com os setores da direita liberal que estão na oposição – e agora, muitas vezes, dirigidos por esta direita -, não teriam coragem nem disposição para enfrentar os militares que sustentam o governo.
Mas ambos esses setores têm muito mais medo de outro fator social: do povo organizado e mobilizado, único fator que poderia atuar para derrubar o atual governo com velocidade. Farão tudo que esteja em seu alcance, portanto, para promover a desmobilização, pois temem como sempre o resultado que pode surgir de uma ação popular auto-organizada. Foi isso que vimos, aliás, no dia primeiro de maio e na votação no senado que aprovou o congelamento do salário dos servidores públicos.
A construção de um novo cenário
Superada, portanto, essa primeira grande batalha contra o inimigo invisível que cobriu os meses de março e abril é preciso fazer o balanço correto para seguirmos à próxima. E o balanço não pode ser outro: perdemos para o vírus porque fomos, enquanto Nação, sistematicamente sabotados por um grupo de milicianos paramilitares, que usa e abusa de todos os esquemas da comunicação digital contemporânea (sempre muito caros), em associação com lobistas do capital especulativo e dos monopólios, quase todos estrangeiros, representados por seus membros na presidência da república, no parlamento e em alguns órgãos de justiça. Diagnosticar essa derrota permite refletir sobre os novos passos e retoma o que dissemos no título deste artigo.
Matar os mais fracos é um princípio fascista, abertamente defendido por seus líderes no início do século passado, com o objetivo de alcançar uma raça humana pura e superior. Em setembro de 1939, por exemplo, teve início na Alemanha o projeto T-4, ou Eutanásia, que visava eliminar os deficientes físicos e mentais e que serviu, também, para o extermínio de judeus, ciganos, negros e homossexuais, o alvo era e ainda é os pobres e marginalizados. Em 3 de agosto de 1941, o bispo de Münster, Dom Clemens August Graf von Galen, denunciou publicamente em um sermão a existência do projeto T-4. A opção por matar os mais fracos é coerente, portanto, com os princípios fascistas do atual governo.
A desinência do verbo na primeira pessoa do plural, no título do artigo, não é gratuita. É preciso reconhecer que, enquanto sociedade e de maneira coletiva, estamos matando os mais fracos neste ano de 2020. Foi uma escolha tomada pela minoria da sociedade, como a grande maioria das escolhas sociais que tivemos ao longo da história, mas a Nação de conjunto foi arrastada para essa matança, por atitude ativa, omissão ou por não poder se defender das sabotagens promovidas pelo grupo miliciano.
Reconhecendo esse fato e indo além das atitudes de lamentação, tendo também em conta os diferentes ritmos necessários para a elaboração do luto, duas consequências são possíveis para o próximo período de confrontação social. Ou bem o povo brasileiro reconhece os causadores dessa crise, reorganizando seus instrumentos de mobilização, referências e programa para realizar o chavão de transformar o luto em luta; ou veremos os setores populares humilhados, convivendo com o trauma de seus parentes não velados, imbricados ainda mais em alternativas egoístas avessas em tudo à esperança da organização popular.
Há aqueles que preferem esquecer a verdade fundamental de que o cenário que vamos encontrar amanhã é fruto das atitudes que tomamos hoje. E o que está em jogo hoje é a construção de um cenário qualitativamente diferente da luta popular, em um sentido contrário ao que desejam os milicianos fascistas, não por meio da gravidade do próprio movimento do vírus que “despertará a solidariedade que habita em nós”, mas por meio da ação de um destacamento decidido de mulheres e homens. Aliás, em poucos momentos da história foi tão decisiva a atuação de um destacamento como esse, ou de uma vanguarda, para utilizar uma expressão do século passado.
Para alcançar este novo cenário, é preciso demonstrar a solidariedade aos setores populares, estar presente nos bairros, mais com ações práticas até do que com discursos. Enfrentar todos os efeitos da pandemia com soluções coletivas e solidárias é o que permite criar uma nova referência, reorganizar em uma nova base as ferramentas populares e reunir as condições para a ofensiva. Viver, junto com os que trabalham, as consequências práticas dessa pandemia é condição para essa construção.
É preciso ainda ajudar os trabalhadores que seguem na produção, nos serviços que foram considerados pelos governos como essenciais. A grande maioria do movimento sindical está tendo uma atitude vergonhosa nesta crise. Desde março, a maior parte dos sindicatos está parada, sem presença na frente das empresas que estão trabalhando e sem, sequer, realizar o trabalho de lobby junto aos parlamentares em Brasília e nos estados. É possível, com energia, ocupar uma parte desse espaço e lançar as bases de um novo movimento sindical que, como nenhum outro movimento, está sendo e será ainda mais sacudido pela nova realidade de desemprego, trabalho em casa e precarização, e que precisa ir para além da burocracia das cartas sindicais.
É possível ainda, e necessário, fortalecer a batalha de ideias, a luta ideológica na defesa de uma sociedade que supere o lucro e a acumulação. No momento em que uma pandemia assola o mundo, os principais países capitalistas (EUA, China, Rússia e Alemanha) buscam reforçar suas posições na preparação de uma nova guerra. O sistema internacional falhou em assumir a solidariedade e em defender coletivamente a humanidade porque o objetivo principal, no sistema imperialista-capitalista, é o lucro. Não faltam argumentos para demonstrar a verdadeira face desse sistema do lucro acima da vida, e colocar-se contra o capitalismo torna-se a cada dia mais uma questão de humanidade.
Estão colocados os elementos para defender, com muito mais concretude, o Socialismo, programa da classe trabalhadora de emancipação humana. Estão dadas as condições para superar a crise ideológica do fim da década de 1980, e apresentar contra o capitalismo um programa efetivo de sociedade alternativa, com propriedade social dos meios de produção sociais, onde a lei econômica é a produção para a satisfação das necessidades materiais e subjetivas da população e não o lucro e a acumulação para um punhado de bilionários, por fim, livre das relações sociais de exploração e opressão. A propaganda deste programa máximo precisará se coordenar com a agitação e implantação de um programa mínimo, de saída da crise atual, retomada de empregos, da indústria e da soberania nacionais.
De diferentes formas, online ou presencialmente, precisamos participar ativamente desta batalha de ideias, semeando a convicção, afirmando a possibilidade de vitória, valorizando a experiência histórica da classe trabalhadora, denunciando os países imperialistas como principais inimigos da humanidade e recuperando a ideia de defesa da soberania nacional. Essa atitude é, em tudo, contrária aquela de apologia a líderes e países estrangeiros com o único objetivo de alimentar polêmicas da moda em busca de audiência, e que em nada se relaciona com o movimento prático que os lutadores sociais desenvolvem.
2020 vai marcar uma ferida profunda na história brasileira, como tantas outras que marcam nossa história. Para curar as feridas é preciso lavá-las e não abafá-las. A partir do fim do ano vai crescer o número de pessoas que vão querer abafar a chaga que a pandemia significa, ou utilizá-la com meros objetivos eleitoreiros. A ação requerida pelo alemão Brecht será mais necessária que nunca: Ali onde todos calam, ele fala / E onde reina a opressão e se acusa o destino, / ele cita os nomes.
* Sandino Patriota é Jornalista, coordenador da Escola Tamuya de Formação Popular. [email protected]