Reestruturação capitalista e o poder das trabalhadoras têxteis no Egito

Por Nada Matta, via Marxist Sociology, traduzido por Otávio Losada

Em um estudo recente [1], descobri que, contrariando as expectativas, as capacidades das mulheres de se organizarem no setor público da Misr Weaving and Spinning Company de Mahalla (uma cidade industrial ao norte do Cairo) aumentaram muito mais na onda de greves dos anos 2000 do que na onda anterior de greves na década de 1980.As mulheres trabalhadoras iniciaram as greves, mobilizaram outras trabalhadoras para se juntarem, e assumiram posições de liderança. Isso aconteceu apesar do fato de a empresa ter se tornado mais segregada por gênero e o regime de fábrica permanecer muito despótico. Na década de 2000, todas as 5.000 mulheres da empresa (de um total de 24.000) eram segregadas nos departamentos de roupas. Como as trabalhadoras em departamentos despóticos e segregados desempenharam papéis de liderança nas greves?

Exponho que as mudanças na indústria têxtil e a reorganização do trabalho deram às mulheres um poder estrutural, que utilizaram para desenvolver a consciência da classe trabalhadora para lutar por seus direitos como trabalhadoras. À medida que as exportações de roupas cresceram a partir da década de 1990 e as mulheres foram segregadas nesses departamentos, elas foram fortalecidas porque entendiam a importância de seus departamentos para a empresa. Essas mudanças levaram a solidariedades que ultrapassam as linhas de gênero.

Papéis de liderança das mulheres em Mahalla

No começo da primeira greve em 2006, as trabalhadoras gritavam: “Aqui estão as mulheres! Onde estão os homens?”. Este canto estabeleceu a reputação das trabalhadoras de Mahalla pelo ativismo e bravura em todo o Egito. Ao longo da onda de greves de 2006-2008, mulheres em grande número organizaram seus departamentos, assumiram posições de liderança e incentivaram os trabalhadores do sexo masculino a ingressar.

Isso é contrastado com seu papel escasso na onda de greves dos anos 1980 – uma época, um tanto contraintuitiva, em que a empresa tinha menos segregação de gênero. Nos protestos da década de 1980, ativistas trabalhistas do sexo masculino exigiram a transferência de trabalhadoras de setores tradicionalmente “masculinos”. Mas nos anos 2000 eles apoiaram a organização e liderança das mulheres.

É notável que as greves iniciadas na empresa em 2006 levaram a uma onda de agitação trabalhista sem precedentes no Egito. Eles culminaram na pequena revolta de 2008 na cidade de Mahalla, quando trabalhadores e residentes rasgaram cartazes de Mubarak na praça principal da cidade pela primeira vez em um ensaio da revolta egípcia de 2011. Mulheres trabalhadoras em Mahalla lideraram a luta que se formou para o levante egípcio de 2011.

Reestruturação Neoliberal e Capacidade Feminina

Estudiosos mostraram[2] que as transformações neoliberais e a realocação de indústrias voltadas para a exportação para o Sul Global aumentaram as condições de trabalho exploradoras para mulheres que são contratadas por empresas como mão de obra barata e “dócil”.

De fato, conforme o neoliberalismo estimula a insegurança no emprego e enfraquece os direitos trabalhistas, esperamos que as trabalhadoras sejam especialmente vulneráveis, visto que os empregadores são capazes de cortar custos e afastar as mulheres dos trabalhadores homens que desejam manter suas posições privilegiadas. Apesar dessa desvantagem estrutural, as mulheres se mobilizaram[3] nessas indústrias voltadas para a exportação.

Enquanto alguns estudiosos argumentam que as práticas de gênero e fatores externos ao processo de trabalho, como oportunidades no mercado de trabalho[4] e histórico comunitário[5] das mulheres (por exemplo, se casadas ou solteiras), moldam a política do chão de fábrica, minha pesquisa mostra que as características industriais e a reorganização do trabalho impactam na capacidades de mobilização das mulheres exatamente porque isso poderia empoderá-las vis-à-vis seus empregadores. Assim, embora o neoliberalismo geralmente tenha levado a um declínio no poder estrutural dos trabalhadores, as mulheres trabalhadoras, sob certas condições, ainda poderiam ganhar força retirando sua força de trabalho.

Desde a década de 1990 e a adoção de ajustes estruturais, a indústria têxtil egípcia se transformou. Enquanto a proporção[6] de roupas para as exportações de têxteis na década de 1980 era de 1%, passou a 86% em 2006. Além disso, a participação[7] das mulheres no setor têxtil no Egito dobrou entre 1998 e 2006 de 15% para 30%, e as mulheres constituíam a maioria de trabalhadores no ramo de roupas.

Para aproveitar as vantagens da mão de obra feminina barata e “dócil”, os empregadores em Mahalla já haviam segregado a maioria das trabalhadoras nos departamentos de confecções. Mas enquanto algumas máquinas nos departamentos de fiação e têxteis tradicionalmente dominados por homens estavam paradas, a exportação de roupas estava crescendo. O vestuário era agora um dos departamentos mais produtivos da empresa.

Empoderamento estrutural e solidariedade entre gêneros

Essas transformações industriais levaram a consequências não intencionais que empoderaram as trabalhadoras de três maneiras. Primeiro, em relação à década de 1980, as mulheres agora estavam cientes do valor de seus setores de exportação. Em segundo lugar, na década de 2000, as mulheres ocupavam todos os cargos de produção na empresa e trabalhavam nas máquinas especializadas, ganhando status de local de trabalho. O status mais elevado no local de trabalho também significava maior capacidade de organização. Terceiro, trabalhar em departamentos segregados significava que as mulheres podiam tirar vantagem de redes estreitas e de uma identidade compartilhada que foi considerada crucial para a organização, especialmente entre grupos marginalizados, como as mulheres. As mulheres também não precisavam competir com os trabalhadores do sexo masculino e podiam, assim, desenvolver mais facilmente cargos de liderança.

Apesar das normas de gênero tradicionais dominantes em Mahalla, os homens apoiaram a organização liderada por mulheres. As mesmas mudanças estruturais que empoderaram as mulheres levaram os homens a enfrentar a crescente importância do setor de vestuário. Os homens faziam questão de encorajar as mulheres a participar, participar de reuniões com empregadores e falar com a mídia. Eles entenderam que o sucesso da greve dependia da participação das mulheres nos departamentos de vestuário.

A reestruturação capitalista fornece uma visão importante sobre a agência coletiva aprimorada entre as trabalhadoras. Na luta por seus direitos, as mulheres puderam tirar proveito de seu poder estrutural e, como resultado, desenvolveram a consciência da classe trabalhadora. Embora os empregadores se envolvessem em práticas de chão de fábrica para subordinar as mulheres, isso nem sempre funcionava. Como mostra o Mahalla, as mulheres às vezes usam essas práticas em seu benefício. Certamente, a segregação no mercado de trabalho não é necessariamente boa para o poder estrutural das mulheres como trabalhadoras. Mas, dadas as circunstâncias específicas em Mahalla, criou condições nas quais as mulheres estavam na vanguarda da formação da classe trabalhadora.

Nada Matta[8] é professora assistente nos Departamentos de Estudos Globais e Sociologia da Universidade Drexel.

[1] https://journals.sagepub.com/doi/full/10.1177/0032329220938521

[2]https://journals.sagepub.com/doi/abs/10.1177/0094582X9502200203?journalCode=lapa&

[3]https://books.google.com.br/books?hl=en&lr=&id=Q57Jj5owbrcC&oi=fnd&pg=PA57&dq=Women+in+the+Global+Factory&ots=XGa26SCoLy&sig=7Q_Zi3qKvwMalwbPI5XAYOKTLzw&redir_esc=y#v=onepage&q=Women%20in%20the%20Global%20Factory&f=false

[4]https://books.google.com.br/books?hl=en&lr=&id=KQ-kDAAAQBAJ&oi=fnd&pg=PP1&dq=Transnational+Tortillas&ots=JbQmHkIYaI&sig=jjEpUnx2cr-5xAX22yrLq_ER5-k&redir_esc=y#v=onepage&q=Transnational%20Tortillas&f=false

[5]https://books.google.com.br/books?hl=en&lr=&id=K1EDL0JI2joC&oi=fnd&pg=PP9&dq=Gender+and+the+South+China+Miracle:+Two+Worlds+of+Factory+Women&ots=TVbGsmr8eH&sig=fneQHScBa70xPmn-NxAbLJeSlyk&redir_esc=y#v=onepage&q=Gender%20and%20the%20South%20China%20Miracle%3A%20Two%20Worlds%20of%20Factory%20Women&f=false

[6]https://timeseries.wto.org/?idSavedQuery=8d447a53-1b07-4921-b02a-2905df4fd618

[7]https://books.google.com.br/books?hl=en&lr=&id=6w0nDAAAQBAJ&oi=fnd&pg=PA219&dq=Ragui+and+El-Hamidi,+&redir_esc=y

[8] https://drexel.edu/coas/faculty-research/faculty-directory/matta-nada/

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