A Psicodinâmica de Christofer Dejours e a depressão no trabalho

Por Daniel Fabre

Atualmente a depressão e outros distúrbios psíquicos consectários se consolidaram como uma das doenças ocupacionais que mais geram afastamentos do trabalho, sobretudo nos trabalhadores urbanos. Apesar do crescimento acelerado nas últimas décadas, o meio jurídico e médico tendem a compreendê-las como doenças de ordem pessoal, sem vinculação necessária com o ambiente de trabalho. Porém, como se justifica a proliferação de afastamentos do emprego atualmente, se não há uma vinculação necessária entre a doença e o ambiente laboral? É nesse sentido que a psicodinâmica do trabalho pode nos auxiliar a estabelecer a devida relação entre depressão e ambiente de trabalho.


Pouco conhecido no Brasil, Christofer Dejours é um importante psiquiatra, psicanalista e pesquisador francês, que abordou de forma inovadora as doenças psíquicas do mundo laboral, inaugurando o que viria a ser conhecido como a psicodinâmica do trabalho. Durante os anos 70 e 80, Dejours introduziu contribuições de outras matérias no estudo das patologias do trabalho, oriundas da ergonomia, psicologia, sociologia, psicanalise, antropologia, entre outras, conformando os pilares dessa nova disciplina.

A clínica do trabalho e a psicopatologia do trabalho, surgidas em meados do século XX dedicavam-se exclusivamente aos efeitos negativos, ou seja, às doenças mentais provocadas pelo ambiente laboral. A psicodinâmica buscou ir além desse cartesianismo, tentando compreender como os trabalhadores lidavam com o sofrimento provocado pela violência própria da organização do trabalho, sobretudo diante das transformações do mundo laboral ocorridas após a década de 70. Talvez se possa dizer que a grande pergunta a que se propõe a psicodinâmica é sobre como alguns trabalhadores conseguem manter sua sanidade mental, enquanto outros não, apesar de estarem submetidos ao mesmo ambiente de trabalho e às mesmas condições. Ou seja, quais estratégias e subterfúgios utilizam os trabalhadores para se proteger e defender desse sofrimento. Em termos psicanalíticos: como a sublimação* opera, metamorfoseando o sofrimento.

Em A Loucura do Trabalho Dejours traz à tona o estudo do caso das telefonistas francesas, abordando um dos aspectos mais inovadores de sua obra, a exploração do sofrimento. Assim como Louis Le Guillant, Dejours estudou como as tensões psíquicas, inclusive patológicas, estavam relacionadas às demandas por produtividade. Negando-se a caracterizar as tensões e doenças mentais como resultantes de predisposições pessoais ou condições de vida, os autores demonstraram como a cobrança de metas individualizadas e o crescimento do controle sobre os trabalhadores e os processos produtivos, dentre outros aspectos, estavam na fonte dos sintomas detectados. Ao analisar a necessidade de rapidez nas operações das telefonistas, constataram que era fundamental que elas estivessem nervosas para que o trabalho ocorresse na velocidade prescrita. Ou seja, as doenças enfrentadas seriam necessárias para o bom andamento do trabalho e para a produtividade almejada.

Os autores puderam estabelecer então o elo fundamental entre o adoecimento mental no emprego e as modernas formas de gestão e organização, próprias do processo flexível de trabalho contemporâneo, característico do neoliberalismo. Vale dizer que o ambiente de trabalho não pode ser considerado como o único fator do adoecimento, pois é necessário sopesar as diversas influências do meio e do indivíduo. A tese de Guillant é de que a organização do trabalho não leva de modo direto a doenças mentais específicas, mas que pode bloquear a descarga da energia psíquica que permite às pessoas equilibrar sua tensão psíquica interior.

Em suma, pode-se compreender como a própria organização do trabalho contemporâneo não apenas adoece os trabalhadores, mas se vale da própria doença criada como fonte de maximização de lucros. Trabalhadores que não são submetidos a controle, avaliação, monitoramento, etc., não são tão produtivos como os que são. Porém o controle demasiado pode bloquear as defesas psíquicas, impedindo a sublimação do sofrimento e assim o reequilíbrio da tensão interior do sujeito.

O modelo atual de organização do trabalho aparece como uma verdadeira tecnologia de poder mediada pelo sofrimento psíquico. É o trabalhador “mais nervoso” aquele que tem o melhor rendimento.

Assim, não é por simples acaso que a segunda principal causa de afastamento do trabalho atualmente no Brasil é a depressão. Inclusive, segundo a OMS, até 2020 a depressão será a maior causa de afastamentos no país. No caso da categoria bancária, por exemplo, nas últimas décadas pode-se perceber a mudança da LER-DORT, como a “doença bancária por excelência”, para a depressão. Porém, enquanto a primeira é entendida por magistrados e peritos médicos majoritariamente como algo naturalmente ligado ao ambiente de trabalho, a depressão encontra profundo ceticismo. O entendimento mais comum é de que a depressão advém de fatores de ordem pessoal, vinculados à vida privada dos trabalhadores, o que afasta a responsabilidade dos empregadores pela doença.

Nesse sentido, a obra de Dejours é de importância notável para a compreensão das enfermidades psíquicas laborais ao fornecer uma visão mais ampla do mundo do trabalho e da atividade psíquica dos trabalhadores. Ao menos, prove um enfoque que permita compreender o vínculo direto entre ambiente de trabalho e doenças ou distúrbios psíquicos, fontes de inestimáveis prejuízos de ordem econômica e moral para o país e para a vida pessoal dos milhões de trabalhadores brasileiros.


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*“Sigmund Freud conceituou o termo em 1905 para dar conta de um tipo particular de atividade humana (criação literária, artística, intelectual) que não tem nenhuma relação aparente com a sexualidade, mas que extrai sua força da pulsão sexual, na medida em que esta se desloca para um alvo.” In: ROUDINESCO, Elisabeth e PLON, Michel. Dicionário de Psicanálise. Rio de Janeiro: Zahar, 1998.  p. 734.

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